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Processo n.º 350/03
3.ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
(Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Banco A., reclamou a quantia de 5.664.507$00 e juros em processo de reclamação de créditos apenso à execução fiscal n.º 1783-00/102079.0 do 1º Serviço de Finanças de -----, em que é executado B..
Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto de 1 de Julho de 2002, de fls. 339 e seguintes, foi o crédito acima mencionado considerado verificado (fls. 339), reconhecendo-se que o pagamento respectivo se encontrava garantido por penhora sobre um imóvel, registada a favor do reclamante, para garantia da quantia exequenda no montante de 1.498.283$00 (cfr. fls. 9 e 340).
Disse-se ainda na mesma sentença que os créditos também reclamados pelo Centro Regional de Segurança Social “gozam de privilégio imobiliário, assim como os juros de mora relativos a três anos – artigo 11º do Decreto-Lei n.º 103/80, artigo 44º, n.º 2, da LGT e artigo 734º do Código Civil”, acrescentando-se ainda que “sendo este um privilégio imobiliário geral, face ao disposto no artigo
686º, n.º 1, do Código Civil, ele cede perante a hipoteca, uma vez que, por força desta disposição legal a hipoteca prefere a todos os credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Assim, a sentença procedeu à seguinte graduação de créditos:
“1º) O crédito reclamado de contribuição autárquica e respectivos juros de mora referentes apenas a três anos;
2º) Os créditos reclamados pelo banco C. – capital e juros de mora até três anos
– até ao montante máximo garantido pela hipoteca;
3º) O crédito de capital reclamado por D., também garantido pela hipoteca;
4º) Os créditos reclamados pelo CRSS, assim como os respectivos juros de mora referentes a três anos;
5º) O crédito reclamado pelo A. até ao montante de Esc. 1.498.283$00 garantido pela penhora;
6º) Remanescente dos créditos reclamados pelo C. até aos montantes garantidos pelas penhoras;
7º) A quantia exequenda.”
2. Inconformado, o A., interpôs recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo “da sentença de graduação de créditos proferida pelo Tribunal recorrido na parte em que graduou o crédito do CRSS antes do crédito do ora recorrente”.
Por acórdão de 26 de Março de 2003, de fls. 382 e seguintes, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, pronunciando-se nos seguintes termos:
“São de duas ordens as questões que o recorrente suscita: inexistência por falta de referenda do DL 103/80 e inconstitucionalidade do artigo 11º do mesmo diploma por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade. Quanto à primeira daquelas questões pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão 309/94, de 23 de Abril de 1994, referido pelo Ministério Público, no sentido de que a prática constitucional reiterada até à entrada em vigor da Lei
6/83, de 29 de Julho era a de considerar que, não tendo havido substituição do Governo que aprovou um determinado diploma, a assinatura do Primeiro-Ministro se podia convolar em referenda. Tendo o DL103/80 sido assinado pelo Primeiro-Ministro e não tendo havido mudança de Governo, não sofre o mesmo de inconstitucionalidade, nem pode considerar-se como inexistente pelo motivo apontado, nos termos do artigo 140º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Vejamos agora a questão da graduação do crédito do recorrente e a apontada inconstitucionalidade da mesma. O artigo 11° do DL 103/80 de 9 de Maio prescreve:
'Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo
748° do Código Civil.'. Estes créditos do artigo 748° são os respeitantes a contribuição predial – hoje autárquica – sisa e imposto sobre sucessões e doações. Por seu turno o artigo
733° do Código Civil define o privilégio creditório como 'a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros'. Pretende o recorrente que tal artigo 11º do DL 103/80 é inconstitucional por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade, chamando em apoio da sua tese o Acórdão n.º 363/2002 do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade de tal norma. Não é, porém, assim. O que aquele aresto decidiu foi a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do mencionado artigo 11º, mas apenas na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil. Ora, não tendo o recorrente o seu crédito garantido por hipoteca não é aplicável à situação aquela decisão do tribunal Constitucional. Como se refere no acórdão 799/02 de 16 de Outubro deste Supremo Tribunal Administrativo, o privilégio creditório nasce com o crédito, como atributo seu, conferido pelo legislador em atenção à sua causa, e incide sobre o património imobiliário do devedor existente aquando da instauração da execução. Por isso, a simples existência dos créditos da Segurança Social nesse momento faz com que beneficiem do privilégio que a lei lhes concede. Sendo indiscutível que o legislador pretendeu dar preferência aos créditos da Segurança Social para que sejam graduados a seguir aos do Estado e das autarquias referidos no artigo
748º do Código Civil, a razão porque o fez tem a ver com a natureza, finalidades e funções que a lei atribui à Segurança Social para satisfação de relevantes necessidades colectivas constitucionalmente tuteladas, face à referência constante do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa. Tal legislação não viola o princípio da confiança ínsito no artigo 2º que possa pôr em causa a democracia, nem o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa por não se mostrar restritivo dos direitos, liberdades e garantias a determinação de uma ordem de graduação de privilégios.”
3. O A., “não se conformando com a rejeição da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do seu artigo 11º”, veio interpor recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “restrito quanto à questão da inconstitucionalidade daquele diploma e daquela sua norma em particular, recurso esse que deverá ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – artigo
280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, CRP e artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º,
78.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”.
Em resposta a convite formulado ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo
75.º-A da LTC, o recorrente veio indicar que a “norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é o Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, por se entender que carece da referenda ministerial imposta pela aplicação conjugada da disposições dos artigos 134.º, alínea b), 197.º, n.º 1, alínea a) e 140.º, n.º 2, da Constituição”. E acrescentou que “subsidiariamente pugna-se também pela inconstitucionalidade do artigo 11.º do referido Decreto-Lei n.º 103/80, de
9 de Maio (leia-se com maior rigor: art. 11º do Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência, aprovado pelo Decreto-Lei 103/80), por violação do princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição e do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental.”
4. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que o recorrente concluiu da seguinte forma:
“1. O presente recurso vem interposto do Acórdão do Supremo tribunal Administrativo que rejeitou a inconstitucionalidade do DL 103/80, de 9 de Maio, invocada pelo aqui recorrente tendo em conta a carência de referenda ministerial do diploma e, subsidiariamente, da inconstitucionalidade do seu art. 11º, por inconstitucionalidade material.
2. O Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, carece de referenda ministerial – arts. 134º, al. b), 197º, n.º 1, al. a), e 140º, CRP (Constituição da República Portuguesa).
3. Nos termos do n.º 2 do referido art. 140º, a falta de referenda determina a inexistência jurídica do acto – cfr. Acórdão do STA, de 16/06/99, in Acórdãos Doutrinais do STA, XXXIX, 457, pp. 44 e ss.
4. Não havendo qualquer justificação para que a falta de referenda tenha efeitos diferentes caso se trate de diplomas anteriores ou posteriores à entrada em vigor da Lei 6/83, de 29 de Julho, como parece defender o tribunal a quo.
5. Acresce que o art. 11º do dito Decreto-Lei é materialmente inconstitucional por violar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito
(art. 2º, da CRP) e por violar o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º, n.º 2, da CRP.
6. Os princípios da proporcionalidade e da confiança, que presidem à argumentação dos Acórdãos 362/2002 e 363/2002, do Tribunal Constitucional, publicados a 16/10/2002 no Diário da República, I Série, não deixam de ser pertinentes quando se trata de uma dívida não garantida por hipoteca.
7. Quem compra, penhora ou aceita como garantia real imóveis às entidades empregadoras não tem possibilidade de saber primeiro se existem dívidas à Segurança Social, até porque a violação do sigilo sobre a sua situação contributiva é punida por lei.
8. O registo predial tem uma finalidade prioritária que radica na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam condicionar a solvência dos titulares dos bens a ele submetidos.
9. Ora, não estando o crédito de segurança social sujeito a registo, o particular que registou penhora sobre imóvel acaba por ser mais tarde confrontado com uma realidade – a existência de um crédito da segurança social – que frustra a fiabilidade que o registo lhe devia merecer.
10. Mesmo quando concede ou prorroga crédito, o particular funda-se nas informações disponíveis no registo para tomar decisões.
11. Finalmente lembre-se que a segurança social tem ao seu dispor o instituto da hipoteca legal, que lhe permite assegurar os seus créditos sem prejudicar a fiabilidade do registo.
12. Se a segurança social tivesse o cuidado de constituir hipotecas legais sempre que se verificassem os seus pressupostos teria com certeza muito mais sucesso na cobrança dos seus créditos e não poria em causa a confiança que o registo deve merecer.
(...)
15. Daqui se conclui que o legislador do art. 11º do DL 103/80 não podia equiparar as contribuições para a Segurança Social aos impostos referidos no art. 748º do Código Civil, sob pena de poder causar, como aqui causou, uma grave violação do princípio da confiança legítima contido no princípio do Estado de Direito consagrado no art. 2º da CRP – cfr. Acórdão do STA, de 16/06/99, in Acórdãos Doutrinais do STA, XXXIX, 457, pp. 44 e ss.
16. A solução consagrada no art. 11º é portanto desproporcionada, pois pode lesar gravemente terceiros de boa fé caso a Segurança Social não tenha feito uso da garantia prevista no art. 12º.
17. Daí que o art. 11º viole o princípio da proporcionalidade previsto no art.
18º, n.º 2, da CRP – cfr. Acórdão do STA, de 16/06/99, in Acórdãos Doutrinais do STA, XXXIX, 457, pp. 44 e ss.”
A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso:
«(...)
3° Quanto à arguição de inconstitucionalidade em razão da carência de referendo, constitui jurisprudência unânime do Venerando Tribunal Constitucional, da qual nos louvamos, designadamente o douto Acórdão de 24 de Abril de 1994, proferido no processo n° 287/91, que 'a prática constitucional reiterada até à entrada em vigor da Lei n° 6/83, de 29 de Julho era de considerar que, não tendo havido substituição do Governo que aprovou um determinado diploma, a assinatura do Primeiro-Ministro e ministros competentes (quando constitucionalmente exigida) se podia convolar em referenda'.
4° Também, quanto à alegada inconstitucionalidade dos referidos artigos do DL n°
103/80, por estes disporem que o privilégio imobiliário geral que conferem à Segurança Social prefere à hipoteca constitui jurisprudência firmada do Venerando Tribunal Constitucional – douto Acórdão de 17 de Abril de 2002, proferido no processo n° 424/01, no qual se refere 'uma consolidada jurisprudência deste Tribunal, podendo neste particular citar-se como exemplo, entre muitos, os Acórdãos nºs 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Setembro de 1990' – que a atribuição de privilégio creditório a favor do Estado, no âmbito da sua tarefa de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social, não é uma solução arbitrária, irrazoável ou infundada.
(...)»
5. Foi elaborado e discutido memorando, com mudança de relator, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º-B da LTC, cumprindo formulou a decisão em conformidade.
6. É o seguinte o texto do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio:
“Artigo 11º
(Privilégio imobiliário)
Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens móveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil.”
São duas as questões de constitucionalidade suscitadas no presente recurso.
Em primeiro lugar, a de saber se o Decreto-Lei n.º 103/80 está ferido de inconstitucionalidade formal por falta de referenda ministerial, em violação do disposto nos artigos 141.º e 200.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na redacção então vigente, correspondentes aos actuais artigos 143.º e 197.º, n.º
1, alínea a).
Em segundo lugar, a questão de saber se a norma do artigo 11.º acabado de transcrever, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Segurança Social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel, é inconstitucional por violação dos princípios da tutela da confiança e da proporcionalidade, previstos nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.
7. Relativamente à primeira questão, o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar por diversas vezes sobre as consequências da falta de referenda ministerial em diplomas anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 6/83, de 29 de Julho, como é o caso, tendo em conta a “prática constitucional reiterada (...) de considerar que, não tendo havido substituição do Governo que aprovou um determinado diploma, a assinatura do Primeiro Ministro e ministros competentes (quando constitucionalmente exigida) se podia convolar em referenda” (Acórdão n.º 309/94, Diário da República, II série, de 29 de Agosto de 1994; cfr. ainda o Parecer n.º 5/80 da Comissão Constitucional, em Pareceres da Comissão Constitucional, II, p. 129).
Este critério já foi, aliás, aplicado ao Decreto-Lei n.º 103/80, tendo o Tribunal Constitucional concluído no sentido da não inconstitucionalidade, pelos acórdãos n.ºs n.º 354/2000 e 396/2002 (o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Novembro de 2000, o segundo disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em termos para os quais se remete. No segundo dos mencionados acórdãos afirmou-se o seguinte:
“O recorrente sustenta, por outro lado, a inexistência jurídica do Decreto-Lei nº 103/80, por o mesmo não ter sido referendado, o que consubstancia uma questão de inconstitucionalidade normativa. O Tribunal Constitucional, em jurisprudência abundante e reiterada, tem entendido que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 3/83, de 11 de Janeiro, era dispensável a assinatura dos membros do Governo após a promulgação presidencial, quando essa assinatura constava do diploma (aposta antes da promulgação), desde que se mantivesse em funções o mesmo Governo (cfr. Acórdãos nºs 309/94, D.R., II Série, de 29 de Agosto de 1994, e 354/2000, D.R., II Série, de 7 de Novembro de 2000).
É este o entendimento que agora se seguirá, concluindo-se que a assinatura do Primeiro-Ministro constante do diploma permitia concluir, de acordo com a prática constitucional então vigente, que o mesmo está referendado.”
Reitera-se, assim, este julgamento de não inconstitucionalidade.
8. A segunda questão de constitucionalidade também já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 193/2003 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Julho de 2003), que julgou não inconstitucional a norma também agora em causa.
Depois de expor as razões em que se fundou a jurisprudência do Tribunal que, na sequência do Acórdão n.º 160/2000 (Diário da República, II série, de 10 de Outubro de 2000), culminou no Acórdão n.º 363/02 (Diário da República, I Série-A, de 16 de Outubro de 2002), com a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, da norma constante do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido à segurança social prefere á hipoteca, nos termos do artigo
751.º do Código Civil, o acórdão n.º 193/2003 demonstra de que essas razões não procedem ou, globalmente ponderadas, não conduzem a idêntico juízo de inconstitucionalidade relativamente à interpretação do preceito no sentido de que o privilégio nele estabelecido prefere à penhora.
Fá-lo nos seguintes termos:
“5. No caso dos autos, a situação é diversa – o que está em causa é saber se é constitucionalmente admissível que o privilégio imobiliário geral atribuído pela disposição em causa aos créditos da segurança social possa preferir, já não à hipoteca, mas à garantia conferida pela penhora ao credor comum. Nesta perspectiva, convém recordar que este Tribunal já decidiu que os privilégios creditórios da Segurança Social – sem prejuízo das ressalvas já apontadas – têm fundamento constitucional. Assim aconteceu, a propósito do privilégio mobiliário geral de que ela beneficia, no Acórdão 688/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., pág. 567), onde se escreveu:
«4.1. Definidos assim os contornos do princípio da igualdade, importa analisar se a consagração do privilégio levado a efeito pelo artº 10º do D.L. nº 103/80, tendo como pano de fundo (reitera-se) a par conditio creditorum estabelecida pelo principal compêndio legislativo civil, é perspectivável como uma arbitrariedade, irrazoabilidade ou algo carecido de fundamento material bastante
(ou, se se quiser, não estribado em motivo constitucionalmente próprio).
A resposta a esta questão deve, no entender do Tribunal, sofrer resposta negativa. Na realidade, de entre os direitos sociais, institui a Constituição o direito à segurança social (nº 1 do artigo 63º), impondo como uma das tarefas do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado (nº 2 do mesmo artigo). Ora, não podendo aceitar-se que os recursos do Estado são ilimitados, e sabido que é que uma importante parte dos réditos da segurança social advêm das contribuições impostas para esse fim, designadamente as a cargo ou da responsabilidade das entidades patronais, não se afigura como irrazoável ou injustificado que, havendo débitos surgidos pela não satisfação daquelas contribuições, os correspectivos créditos venham a ser dotados de uma mais vincada garantia de cumprimento das obrigações subjacentes. A isto acresce, e decisivamente, que, de uma banda, sendo um privilégio mobiliário geral, não incide ele sobre determinados ou concretos bens móveis do devedor (desta arte postergando outros direitos reais de garantia - excepção feita ao penhor - que sobre eles fosse constituído), e, de outra, que não está em causa uma garantia dotada de sequela oponível a credores titulados por garantias ou direitos reais sobre os bens objecto de penhora. Daí que se não lobrigue qualquer excesso ou desproporção intolerável na consagração desta forma de garantia especial da obrigação de cumprimento das contribuições para a segurança social, antes, e como se viu, existindo um motivo ou fundamento constitucionalmente adequado ou válido, alicerçado no artigo 63º da Lei Fundamental, para tal consagração e que, referentemente à mencionada par conditio creditorum, representa uma distinção de tratamento ou, pelo menos, comporta uma certa forma de sacrifício para o credor comum não munido de qualquer garantia especial.» Tudo está, pois, em saber se, no caso dos autos, a ponderação a efectuar entre os fundamentos da existência do privilégio, por um lado, e a confiança dos cidadãos, por outro, pende no sentido de se considerar aquele como incompatível com a Constituição. Ou seja, o que importa averiguar é se as razões que levaram este Tribunal a concluir pela inconstitucionalidade da prevalência do privilégio sobre a hipoteca anteriormente registada valem, da mesma forma, relativamente a essa prevalência face à penhora. Relativamente à garantia emergente da penhora, dispõe o artigo 822º do Código Civil: Artigo 822º
(Preferência resultante da penhora)
1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
2.Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto. A este propósito deste artigo, assinalam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., pág. 95):
«Tem-se dito, contra a preferência, que ela se apresenta como um prémio injustificado dado ao credor que foi apenas mais apressado do que os outros em penhorar os bens do seu devedor. Foi esta a razão que levou o legislador a abolir a preferência resultante da penhora, pelo Decreto nº 21 758, de 22 de Outubro de 1932, havendo declaração de insolvência civil (art. 21º), e, posteriormente, pelo Código de Falência, havendo declaração de falência (art.
89º, § 2º). Esta consideração tem natural importância, quando se trate da liquidação do património do devedor, caso em que são chamados ao processo todos os credores. Porém, na simples execução, tal como ela é hoje concebida pelo Código de Processo, com intervenção apenas dos credores com garantias reais sobre os bens penhorados, parece que não se justifica o afastamento da preferência. O processo de execução deixou de ter, desde 1961, o carácter colectivo universal que revestia em 1939, e o aproximava da falência ou da insolência civil. Além disso, a penhora obtida por um dos credores pode ser um benefício para todos os outros, evitando a dissipação dos bens, e é justo que tire desse benefício algum proveito o exequente. Foram estas as razões que levaram o nosso legislador a manter, como princípio geral, a preferência resultante da penhora, embora se continuasse a admitir, como excepções, as da declaração de falência ou de insolvência (arts. 1235º, nº
3, e 1315º do Cód. Proc. Civil, hoje em dia substituídos pelo art. 200º, nº 3, do Cód.. dos Proc. Esp. de Recuperação da Empresa e de Falência, onde se estabelece que, na graduação dos créditos, não é atendida a preferência resultante da penhora).» Na perspectiva que nos interessa abordar, há que reconhecer que várias das razões inventariadas na jurisprudência anterior deste Tribunal para concluir pela inconstitucionalidade da norma que atribui prevalência ao privilégio imobiliário em causa relativamente à hipoteca se aplicam igualmente aqui:
- trata-se de um ónus oculto
- frustra-se a fiabilidade que o registo merece
- inexiste qualquer conexão entre o imóvel onerado e a dívida à Segurança Social
- a Segurança Social podia ter oportunamente procedido ao registo da hipoteca legal, nos termos do disposto no artigo 12º do Decreto-Lei nº 103/80 Todavia, como bem refere o Ministério Público não se pode deixar de reconhecer que, face à hipoteca, é bem mais fraca a garantia do credor comum resultante da penhora: a dívida exequenda não goza ab origine de qualquer privilégio, não está de qualquer modo relacionada com o bem penhorado e surge num momento imprevisível dependente da simples tramitação processual. Miguel Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, pág. 251) defende mesmo que a penhora não é um direito real de garantia:
«A penhora não é um direito real de garantia, mas é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, nº 1, CC). Esta regra prevê a hipótese de existirem, além do exequente, outros credores com garantias reais sobre os bens penhorados ou com uma segunda penhora sobre esses mesmos bens e destina-se a hierarquizar o crédito do exequente na sua relação com os créditos que beneficiam dessas garantias ou daquela penhora.» Para outros autores, deve considerar-se «a penhora como uma garantia real das obrigações, embora não plena» (Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª ed. pág. 260). É que «a preferência a que aludimos não será atendida nos casos de liquidação de herança declarada vaga para o Estado e de falência ou insolvência do executado» (id., ibidem). De todo o modo, a verdade é que o credor comum que obteve a penhora do imóvel não tem uma expectativa jurídica tão forte como a do credor hipotecário, já que o seu privilégio desaparece no quadro dos procedimentos falimentares. Por isso, se pode dizer, com Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa 1997, pág. 647):
«Quanto à harmonização entre os interesses do exequente e dos demais credores do executado, o direito português optou por um sistema de intervenção restrita destes credores na execução pendente. Caracteriza-se este pela possibilidade de os credores com garantia real sobre os bens penhorados (e só eles) reclamarem os seus créditos (artºs 864º, nº 1, al. b), e 865º, nº 1) e de serem pagos com preferência ao exequente (artº 604º, nº 2, CC; artºs 865º, nº 1, e 873º, nº 2), que só tenha a seu favor a preferência resultante da penhora (artº 822º CC). Portanto, não se admite que todo e qualquer credor possa reclamar o seu crédito, mas só aqueles cujos créditos estejam garantidos por uma garantia real sobre os bens penhorados na execução (artºs 864º, nº 1,al. b), e 865º, nº 1).
Esta intervenção destina-se a permitir que esses credores oponham ao exequente, na própria execução instaurada por este, as preferências ligadas às garantias reais que possuem sobre os bens penhorados (artº 604, nº 2, CC) e que lhes permitem ser pagos, com preferência a qualquer outro credor, através do produto da venda desses bens (artºs 865º, nº 1 e 873º, nº 2) ou da adjudicação destes
(artº 875º, nº 2). [...]
[...] Tudo isto demonstra que o direito executivo português se orienta pelo princípio da prioridade, embora esta última beneficie não só o exequente, como qualquer credor com garantia real sobre os bens penhorados. Por isso, a regra da par conditio creditorum tem mais relevância como critério de distribuição das perdas na acção falimentar (cfr. art.º 209º CPEREF) do que como critério de satisfação dos vários credores na acção executiva singular.» Do exposto resulta que a situação do credor comum que obteve a preferência resultante do registo da penhora tem uma garantia fortemente limitada, pois todo e qualquer credor pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir pagamentos, mostrando que foi requerido processo especial de recuperação da empresa ou da falência do executado. E, nos termos do artigo 200º, nº 3 do CPEREF, na graduação de créditos não é atendida a preferência proveniente da penhora. Por outro lado, também algumas das razões que justificaram, na jurisprudência citada, a conclusão pela inconstitucionalidade do segmento normativo então apreciado não ocorrem no caso a que se reportam os autos. Na verdade, verifica-se que:
- só excepcionalmente a penhora ocorrerá antes da existência do crédito da Segurança Social
- pela própria natureza da penhora, que não resulta de um específico negócio jurídico, não se verifica lesão desproporcionada do comércio jurídico. Não estamos, assim, perante um desproporcionado privilégio da segurança social, afectando um direito real de garantia plena que incide ab origine sobre determinado imóvel e em que a dívida exequenda resulta de um negócio jurídico celebrado no pressuposto da constituição desse mesmo direito real de garantia. Pelo contrário: a garantia dos credores comuns é todo o património do devedor, mas não qualquer bem específico, sendo sobretudo função da penhora a individualização desses bens que hão-de responder pela dívida. Nesta conformidade, não parece assim ser arbitrária, irrazoável ou infundada a consagração do referido privilégio a favor da Segurança Social. Não estamos, com efeito, perante uma afectação inadmissível, arbitrária ou excessivamente onerosa da confiança, já que a preferência resultante da penhora é de, algum modo, temporariamente aleatória.”
9. Acompanham-se estes fundamentos, de cuja exposição emergem as razões para que sobre a norma em causa recaia um julgamento de não inconstitucionalidade.
Realçar-se-á, apenas, que se apresenta como elemento diferenciador decisivo, relativamente à situação examinada na jurisprudência que culminou no acórdão n.º 363/02, na ponderação da tutela constitucional da confiança jurídica, em confronto com o fundamento constitucional dos privilégios creditórios da Segurança Social, a circunstância de a posição de vantagem frustrada pelo privilégio (a preferência resultante da penhora) não ter ligação genética com a constituição ou com qualquer elemento da concreta configuração do crédito. O credor vê atingida – em extensão que depende da relação entre o valor do bem penhorado e o montante do crédito privilegiado – a expectativa de realização do crédito que resultava da actividade processual desenvolvida no processo executivo e do subsequente registo da penhora, mas não um elemento especificamente determinante da concreta configuração da relação creditícia de que a execução emerge.
10. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2004
Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta) Artur Maurício
Declaração de voto
Como primitiva relatora, fiquei vencida, essencialmente, porque, em meu entender, deve entender-se que há razões para um julgamento de inconstitucionalidade, em termos semelhantes ao que foi proferido no Acórdão n.º
363/2002 (Diário da República, I Série A, de 16 de Outubro de 2002), e que são, para além daquelas apontadas neste Acórdão n.º 363/2002, as seguintes:
– É verdade que a protecção resultante de uma hipoteca é superior à que o credor consegue pela penhora; mas não se pode, neste contexto, utilizar a circunstância de a garantia decorrente da penhora desaparecer no âmbito do processo de falência porque os privilégios da Segurança Social também desaparecem (cfr. artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/97, de 24 de Junho, em vigor à data da instauração da execução a que se referem os embargos agora em causa);
– É verdade que “só excepcionalmente a penhora ocorrerá antes da existência do crédito da Segurança Social”; mas, do ponto de vista da protecção do credor, essa circunstância não releva porque “o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagaram se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social” (Acórdão n.º 363/2002);
– É verdade que a penhora não resulta de um específico negócio jurídico, diferentemente do que sucede com a hipoteca. Este argumento é efectivamente relevante, para justificar ser mais lesiva a preferência sobre a hipoteca; mas não é decisivo, porque o credor comum conta com o património do seu devedor como garantia.
Por outro lado, não se verificam aqui as razões que levaram ao julgamento proferido no Acórdão n.º 498/2003 (Diário da República, II série, de 3 de Janeiro de 2004), onde se não julgou “inconstitucional a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil”, cujos pontos 10 e 11 se transcrevem, relembrando que se trata de um privilégio conferido aos créditos dos trabalhadores no âmbito do processo de falência:
«10. Desde logo, não se pode dizer com a mesma intensidade que não exista, no caso dos créditos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 17/86,
“qualquer conexão” com os imóveis onerados. É certo que não ocorre a conexão presente nos casos dos privilégios imobiliários especiais constantes dos artigos
743º e 744º do Código Civil; mas é igualmente certo que estão em causa privilégios incidentes sobre os bens imóveis da empresa ao serviço da qual se encontram os trabalhadores beneficiários, e que esta ligação necessária, no mínimo, atenua o carácter oculto e imprevisível para o credor com garantia real registada da possibilidade de virem a existir os referidos créditos. Note-se, aliás – mas este argumento não vale para as hipóteses em que o crédito garantido por hipoteca registada é anterior ao crédito laboral – que não existe, aqui, qualquer segredo que impeça o conhecimento da existência de créditos abrangidos pela norma em apreciação. Parece poder concluir-se que, no caso, não é tão intensamente atingido o princípio da confiança, especialmente prosseguido pelo registo predial. Por outro lado, os beneficiários do privilégio que agora se analisa não são, naturalmente, pessoas colectivas públicas e, sobretudo, não têm à sua disposição os meios alternativos que, quer a Fazenda Pública, quer a Segurança Social detêm, para cobrar os seus créditos; em particular no caso de falência do empregador – mas, mais uma vez, este argumento também valeria para reforçar a necessidade de tutela do interesse do credor hipotecário –, a concessão da garantia será, pelo menos frequentemente, o único meio de permitir a cobrança do crédito laboral. Finalmente, mas sobretudo, há que considerar a natureza do direito que, aqui, há-de ser confrontado com o princípio da confiança.
11. Com efeito, do lado do credor hipotecário está em causa a tutela da confiança e da certeza do direito, constitucionalmente protegidas pelo artigo 2º da Constituição e particularmente prosseguidas através do registo, como se observou, por exemplo, no Acórdão n.º 215/2000 (Diário da República, II série, de 13 de Outubro de 2000):(...) Do outro lado, porém, encontra-se um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho, que visa “garantir uma existência condigna”, conforme preceitua o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, e que o Tribunal Constitucional já expressamente considerou como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cfr. Acórdão n.º 373/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20, p. 111 e segs. e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, ed., Coimbra, p. 152, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 318, João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Coimbra, 1985, p. 141, nota 215 e João Leal Amado, ob. cit., p. 32, nota 44). O caso dos autos coloca-nos assim perante uma situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho, e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito. Muito embora o modo como a norma impugnada solucionou o conflito, fazendo prevalecer o direito à retribuição, não pareça poder ser avaliado, directamente,
à luz do disposto no artigo 18º da Constituição, isso não significa que não deva ser analisado do ponto de vista de um critério de proporcionalidade. Na verdade, as exigências do princípio da proporcionalidade decorrem, não só especificamente do artigo 18º, n.º 2, da Constituição, mas também, justamente, do princípio geral do Estado de direito, consignado no artigo 2º (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 491/02, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Janeiro de 2003). Assim, e em primeiro lugar, há que observar que parece manifesto que a limitação
à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será, eventualmente, o
único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva “sobrevivência condigna”. Muito embora a falência da entidade empregadora seja também a falência da entidade devedora, é precisamente este último aspecto, ou seja, a retribuição como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, que permitiria justificar em face da Constituição a solução da norma impugnada, na interpretação aludida. Mas esta consideração carece de ser confrontada com outros aspectos, e, em particular, com o âmbito da tutela constitucional da retribuição (artigo 59º, n.º 1, al. a), da Constituição), para saber se incide apenas sobre o direito ao salário ou abrange também, de modo mais geral, os créditos indemnizatórios emergentes do despedimento. Ora a verdade é que não se descortinam quaisquer razões que justifiquem uma interpretação do direito constitucional à retribuição dos trabalhadores no sentido de vedar ao legislador ordinário a equiparação, para o efeito agora em análise, da tutela conferida a ambos os créditos. No fundo, é manifesto que o crédito à indemnização desempenha uma evidente função de substituição do direito ao salário perdido. Acresce ainda que a inclusão, repita-se, para o efeito agora em causa, do direito ao salário e do direito à indemnização por despedimento no âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição é a que mais se ajusta à referência constitucional a uma “existência condigna”, exprimindo o que João Leal Amado (ob. cit., p. 22) designa de carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial, neste sentido (ou seja, no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao registo). Nesta conformidade, deve entender-se que a restrição do princípio da confiança operada pela norma impugnada não encontra obstáculo constitucional.»
Pronunciei-me, assim, no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 103/80, por violação do princípio da confiança, consagrado no artigo 2º da Constituição. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza