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Processo n.º 843/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos, o Relator no Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o seguinte despacho, relativo ao processo criminal no qual figura como recorrente o arguido A.:
O arguido está acusado e condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado. Assim sendo e tomando em atenção a complexidade das questões postas no decurso dos autos e no recurso, declaro a excepcional complexidade do processo, nos termos e para os efeitos do artigo 215º, nº 1-d) e 3/3 do CPP.
O arguido requereu que sobre o despacho recaísse acórdão. O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 14 de Abril de 2004, confirmou o despacho (cf. fls. 22 e ss.).
2. A. interpôs recurso do acórdão de 14 de Abril de 2004 para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando o seguinte:
1- A matéria de facto provada em julgamento em 1ª instância e a perícia realizada não revestiram especial complexidade no douto tribunal círculo Torres Vedras.
2 - Perícias ou questões técnicas apreciadas por entidades alheias ao tribunal de julgamento não revestem especial complexidade para o próprio órgão de soberania, pois são conhecimentos cujo juízo técnico se presume subtraído à livre apreciação do Juiz julgador - art. 163 CPP.
3 - Prevendo o art. 216 C.P.P. a suspensão do prazo de prisão preventiva por três (3) meses em função da perícia, não é fundamentada nem proferida ao abrigo de qualquer disposição legal a decisão que prorroga a prisão preventiva por especial complexidade em função da perícia.
4 – Só o elevado número de arguidos ou o carácter altamente organizado do crime pode revestir especial complexidade cfr. art. 215- 3 – C.P.P., tanto mais que,
'a especial complexidade do processo não pode ter por fundamento a complexidade das questões de direito suscitadas...:' - cfr. acórdão deste Alto Tribunal de
1-7-1993 - Proc. 045475 - Doc sj 1993071045453 - Relator Sr Juiz Conselheiro Cardoso Bastos in www.dgsi - ou perícias subtraídas à livre apreciação do juiz julgador
5 - O acórdão recorrido violou os arts. 215 - 1- D) e 3, 151, 163 e 216 C.P.P. e art. 32- 1, 2 e 3 da Lei Fundamental.
6 - A ampliação do prazo de prisão preventiva - art. 215- 3 CPP - por especial complexidade, com base em perícias - subtraídas à livre apreciação do juiz julgador, com prazo consignado no art. 216 CPP - sem que à defesa seja previamente comunicada a promoção do Ministério Público - viola o princípio do contraditório e é inconstitucional por violação dos arts. 32- 1, 2 e 3 da C.R.P. e arts. 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Julho de 2004, considerou o seguinte:
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. Dispõe o artigo 432º do CPP que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça entre outras, “das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”. Esta disposição, por seu lado, entre as decisões que não admitem recurso, inclui os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não ponham termo à causa – artigo 400º, nº 1, alínea c). No sistema de recursos em processo penal. a competência do Supremo Tribunal de Justiça está, pois, limitada à reapreciação de decisões finais, salvo no que respeite a decisões proferidas pelas Relações em 1ª instância (artigo 432º, alínea a) do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria e hierárquica caiba, em primeira instância, aos tribunais de Relação.
É, pois, neste equilíbrio sistémico do regime dos recursos que tem de ser interpretada a conjugação das normas do artigo 432º, alínea b) com o artigo
400º, nº 1, alínea c) do CPP: quando esta se refere a decisões proferidas, em recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer significar, salvo contradição interna de sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às relações, que decidem, nestas matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, quer seja proferida por ocasião de um recurso. Não faria, neste aspecto, qualquer sentido que as relações decidissem definitivamente uma questão instrumental que não põe termo à causa em recurso, e não já quando a mesma questão se suscite no âmbito e por ocasião do desenvolvimento processual de um recurso. O artigo 400º, nº 1, alínea c) do CPP abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, que não põem termo à causa, subtraindo-as à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça – cf., a propósito de questão paralela, entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional, de 2 de Junho de 2004, proc.
651/03.
Em consequência, foi rejeitado o recurso. Foi requerida a aclaração do acórdão de 22 de Julho de 2004, aclaração que foi indeferida por acórdão de 12 de Agosto de 2004.
3. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., arguido preso nos autos supra identificado, tendo sido notificado do teor da Douta Decisão de fls., datada de 22 Julho 2004 e notificada a 26-7-2004, e da Decisão que recaiu sobre o pedido de aclaração e não se conformando com a mesma, dela vem interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. O recurso é interposto ao abrigo do art. 70 - 1 - b) da Lei do Tribunal
Constitucional. O recurso tem em vista apreciar a inconstitucionalidade do art 400- 1 - C) do CPP quando entendido, como no caso sub judice, de que declarada pela Veneranda Relação de Lisboa a especial complexidade não é permitido à defesa interpôr recurso para o Tribunal Superior. Tal hermenêutica suprime o exercício do Direito à defesa e ao Recurso - consagrado nos arts 20 e 32 - 1 da Lei Fundamental e é inconstitucional. Acresce que, declarada a especial complexidade pela Veneranda Relação de Lisboa sem que
à defesa fosse sequer dada oportunidade de defesa e de contraditar tão drástica medida - que prorroga desnecessariamente a prisão preventiva e afecta os direitos de defesa violou-se o Princípio do Contraditório - art 32 da Lei Fundamental. A Lei adjectiva - art. 216 CPP - prevê que em caso de perícia se suspenda o decurso da prisão preventiva por período de três (3) meses ... pelo que inexiste fundamento para atribuir especial complexidade a processo julgado em I Instância
... A Veneranda Relação decidiu sem que o recorrente possa defender-se, nem sequer o tendo ouvido, previamente, sobre decisão que o afectava, pois prorroga-lhe, sem fundamento, a prisão preventiva!! O Supremo Tribunal Justiça privou o arguido do direito ao recurso!!! A privação do direito ao recurso num caso como o vertente em que se debate questão de fundo e em pena de 16 anos de prisão afecta os direitos do recorrente. O direito ao recurso está consagrado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem - arts 5° e 6°, pelo art 81 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pelo art 14° - 5 do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e pelos arts 20 e 32 - 1 da Lei Fundamental Portuguesa e ainda pelo artigo 400 CPP a contrario atenta a pena de 16 anos..... A hermenêutica expendida na Douta Decisão da II Instância no sentido de que pode ser ampliado o prazo de prisão preventiva pela especial complexidade, com base em perícias - estas subtraídas à livre apreciação do Senhor Juiz Julgador e já com o prazo consignado no art. 216 C.P.P. e sem que à Defesa seja comunicada previamente a Promoção do Ministério Público - viola os arts 32-1 e 2 da Lei Fundamental, os arts. 5° e 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Princípio do Contraditório. A prorrogação da prisão preventiva é infundada e contrária aos arts. 215- 1 d) e
3, 151, 163 e 216 do C.P.P. e violadora do art. 32- 1, 2 e 3 da Lei Fundamental e os citados arts 5° e 6° da CEDH. Assim a defesa espera que o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, considerando ADMISSÍVEL O RECURSO INTERPOSTO e em sede de recurso final julgue inconstitucional a interpretação da Veneranda Relação dos arts 215 - 3 e 216 CPP no sentido de ser ampliada a prisão preventiva - por especial complexidade com base em perícias subtraídas à livre apreciação do Juiz Julgador sem que à Defesa seja previamente comunicada a promoção do Ministério Público - por violação do Princípio do Contraditório - arts 32-1, 2 e 3 Lei Fundamental. As inconstitucionalidades supra indicadas foram suscitadas nas conclusões 5 e 6 do recurso interposto a 28-Abril-2004, no pedido de Aclaração de 4-Agosto-2004 e parcialmente atendidas no Voto de Vencido do Colendo Acórdão do STJ de 22 Julho
2004.
A Relatora proferiu o seguinte Despacho:
1. O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as normas dos artigos 151º, 163º, 215º, nº 1, alínea d), e nº 3, e 216º do Código de Processo Penal, fundamento, no caso, da declaração de especial complexidade do processo. Contudo, a decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Julho de 2004, no qual foi decidida a rejeição do recurso interposto do acórdão de 14 de Abril de 2004, com fundamento no disposto no artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, como se referiu. Não se apreciou, no aresto recorrido, a questão relativa à declaração de especial complexidade do processo. Nessa medida, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre tal questão não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez que as normas impugnadas não foram aplicadas pela decisão recorrida, isto é, não constituem a sua ratio decidendi. Assim, também não se tomará conhecimento do objecto do recurso no que respeita aos artigos 151º, 163º, 215º, nº 1, alínea d), e nº 3, e 216º do Código de Processo Penal.
2. Notifique-se o recorrente para apresentar alegações, no prazo de vinte dias, quanto à questão de constitucionalidade que tem por objecto a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, suscitando-se a presente questão prévia quanto às demais normas impugnadas, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1- Em processo penal inexistem decisões irrecorríveis, conforme o princípio
ínsito ao art. 399 CPP.
2 - Uma decisão-surpresa que afecta os direitos do arguido, proferida pela Veneranda Relação Lisboa em 1ª instância, admite recurso para o tribunal superior.
3 - A privação do direito ao recurso viola os arts. 399 e 400-1- c) CPP, o art.
5°-4 da Convenção E. Direitos Homem, o art. 14°-5 do Pacto Internacional S. Direitos Civis e Políticos e os arts. 32-1 e 20º da Lei Fundamental.
4 - O art. 400-1-c) do C.P.P. é inconstitucional por violação dos arts. 32-1 e
20 da Lei Fundamental e art. 5º da C. E. D. Homem, quando entendido que do acórdão da Relação - a funcionar em 1ª instância - que profere decisão-surpresa
(“especial complexidade”) - não é admissível recurso para o tribunal superior. Foram violados os arts. 399 e 400-1-C) CPP e arts. 20 e 32-1 da CRP e art. 5°-4 da CEDH pelo que deve ser concedido provimento ao recurso.
O Ministério Público, por seu turno, contra-alegou, concluindo o seguinte:
1 - O princípio do duplo grau de jurisdição, ínsito no direito ao recurso, consagrado no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa relativamente a todas as decisões condenatórias e atinentes a medidas de coacção privativas da liberdade do arguido, não implica um irrestrito acesso ao Supremo, relativamente a todas as decisões das Relações, proferidas no âmbito de um precedente recurso, que incidam sobre tais matérias.
2 - Na verdade, o papel constitucionalmente reservado ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista - e não de instância - legitima plenamente o estabelecimento, pelo legislador infraconstitucional, de limites à recorribilidade para o Supremo, relativamente a determinadas questões, nomeadamente de índole meramente procedimental ou interlocutória.
3 - Bastando-se, neste caso, o princípio do duplo grau de jurisdição com a prolação de uma decisão final por um Tribunal Superior - a Relação - e com a possibilidade de o arguido fazer sindicar, pelo colectivo de juízes, mediante o meio impugnatório da reclamação para a conferência, a decisão tomada pelo relator, sem ulterior possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mediante um novo grau de recurso.
4 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação A) Delimitação do objecto do recurso
4. O recorrente indica, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, como normas que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, a norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por um lado, e, por outro lado, as normas dos artigos 151º, 163º, 216º, nºs 1, alínea d), e 3, e 212º, do mesmo Código. Porém, este último conjunto de normas não foi aplicado pela decisão recorrida, como se refere no Despacho de fls. 74, transcrito supra, ao qual o recorrente não respondeu nas alegações apresentadas. Assim, não se tomará conhecimento do objecto do recurso relativamente a tais normas, pelas razões constantes do despacho de fls. 74, circunscrevendo-se o presente recurso à apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo
400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
B) Apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal
5. O artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, tem a seguinte redacção:
1 – Não é admissível recurso:
(...) c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa;
(...)
O Supremo Tribunal de Justiça considerou, no acórdão recorrido, que a decisão que declara a excepcional complexidade do processo, consubstanciando uma decisão interlocutória, não poria, nessa medida, termo à causa, não sendo recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando tal declaração seja realizada em “primeira instância” pela Relação. Entendeu, assim, que a norma em causa não seria inconstitucional, porque, tendo a Relação competência para decidir definitivamente em recurso tal questão, não faria sentido que deixasse de ter competência quando a mesma fosse suscitada “no âmbito e por ocasião do desenvolvimento processual de um recurso”. A declaração de excepcional complexidade do processo repercute-se no limite máximo do prazo de duração da prisão preventiva, nos termos do nº 3 do artigo
216º do Código de Processo Penal. Nessa medida, a decisão proferida nos autos implica o aumento do período de duração da prisão preventiva, afectando intensamente o direito fundamental à liberdade do arguido sujeito a tal medida de coacção. A questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos é, pois, a de saber se a irrecorribilidade em decisão que pela primeira vez se pronuncie sobre a excepcional complexidade do processo, declarando-a, proferida pelo Tribunal da Relação, irrecorribilidade decorrente da norma impugnada, é compatível com o artigo 32º, nº 1, da Constituição, que consagra, como garantia de defesa, o direito ao recurso.
6. Analisando o problema colocado, o Tribunal Constitucional entende o seguinte: A autonomização do direito ao recurso no âmbito das garantias de defesa (artigo
32º da Constituição), operada pela Revisão Constitucional de 1997, significou a atribuição de autonomia de tal garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor garantístico próprio e não “dissolúvel” em outras garantias de defesa. Tal explicitação constitucional tem por efeito a garantia (constitucional) da possibilidade de interposição de recurso de decisões que respeitem a direitos, liberdades e garantias, maxime que restrinjam tais direitos. A decisão dos autos da qual o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça restringe indiscutivelmente a liberdade do arguido, já que se traduz num aumento do prazo de duração da prisão preventiva. Por outro lado, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a decisão “em primeira instância”, isto
é, como igualmente se realçou, sem ter sido a mesma objecto de apreciação anterior. Ora, a tutela constitucional do direito de recorrer de decisões que restringem direitos fundamentais em processo penal impõe a possibilidade efectiva de uma reapreciação em recurso, o que no caso poderia consistir no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O Ministério Público refere, porém, que a questão da declaração de excepcional complexidade do processo foi apreciada no despacho inicial do relator e no acórdão que sobre ele recaiu, pretendendo com isso salientar ter havido quanto a essa questão oportunidade processual de contra-argumentar e uma possibilidade efectiva de reapreciação por quem a ditou. Contudo, tal tramitação não se confunde com a garantia constitucional de um direito de recorrer. Com efeito, o despacho inicial não constitui a decisão definitiva da instância, que só ocorre com a prolação do acórdão (ou com o trânsito em julgado do despacho). Desse modo, só uma instância se pronunciou no caso. Como se referiu, a Constituição prevê expressamente o recurso como garantia de defesa e a noção de recurso implica, como seu conteúdo fundamental, a apreciação da decisão por órgão diferente (superior hierarquicamente) daquele que proferiu a decisão impugnada sempre que ele exista (cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1999, p. 21; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., 2000, 309 e ss.). Diversamente, a reclamação consiste na apreciação da questão pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão. Aquele sentido autónomo do recurso como garantia constitucional não se esgota, porém, numa “dupla apreciação” pelo mesmo órgão. Trata-se, antes, de uma expressa garantia de reponderação por órgão distinto e superior no sentido de assegurar plena imparcialidade e objectividade na decisão de uma questão que afecte os direitos fundamentais. Assim, a tutela constitucional do direito de recorrer quanto a decisões que impliquem uma definitiva afectação de direitos há-de implicar a garantia efectiva do recurso, no caso de tal ser possível (por existir instância adequada e superior), nas decisões que restringem direitos fundamentais, não sendo suficiente para a sua concretização a possibilidade que o arguido tem de reclamar perante o órgão que proferiu a decisão. Também o Ministério Público invoca, contrapondo a uma perspectiva de violação do direito ao recurso, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 390/04, de 2 de Junho, D.R., II Série, de 7 de Julho de 2004, e 94/01, de 13 de Março, D.R., II Série, de 24 de Abril de 2001. Contudo, tais arestos não colidem com a perspectiva que agora se acolhe. O Acórdão nº 390/04 versa sobre uma questão que tem a ver com a recorribilidade de decisão que indeferiu a arguição de nulidade de um acórdão proferido em segunda instância pela Relação. Porém, ainda aí o Tribunal Constitucional invocou a não obrigatoriedade de autonomização da questão da nulidade de decisão em relação à questão de fundo e a natureza meramente procedimental ou processual de tais regras, o que não acontece no caso. Trata-se de uma situação que tem uma conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias diferente da subjacente aos presentes autos, a qual põe directamente em causa o prolongamento da prisão preventiva. O Acórdão nº 94/01, por seu turno, respeita à recorribilidade em matéria cível apreciada no processo penal. Trata-se, pois, de questão de relevância diversa da dos presentes autos. O Ministério Público invoca, ainda, a questão relacionada com a possibilidade de a declaração de excepcional complexidade do processo poder ocorrer no Supremo Tribunal de Justiça. Porém, não só tal não é a questão dos autos, pelo que não caberia agora apreciá-la, como também sempre existiriam nesse caso argumentos de viabilidade do recurso ou relacionados com a composição e posição na ordem dos tribunais judiciais do Supremo Tribunal de Justiça que não podem ser transpostos, sem mais, para o Tribunal da Relação. Finalmente, também não prejudica a consideração de violação do direito ao recurso da presente norma a perspectiva expendida no Acórdão nº 49/2003, de 29 de Janeiro, D.R., II Série, de 16 de Abril de 2003, quanto à não inconstitucionalidade do artigo 400º, alínea e) do Código de Processo Penal, em que sobre a mesma questão foi afinal proferida uma decisão por duas instâncias diferentes, de nível hierárquico diverso, na ordem dos tribunais judiciais. Já a decisão quanto à especial complexidade do processo não define, de modo algum, a questão controvertida objecto da causa, não sendo análoga à da desconformidade de decisões sobre o objecto do processo. Questão mais próxima da agora controvertida é, antes, a que se relaciona com a própria decretação ou manutenção da prisão preventiva, relativamente à qual o recurso está previsto no Código de Processo Penal como meio de impugnação normal, nos termos do artigo 219º, bem como o disposto no artigo 432º, alínea a), que prevê o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelas Relações em primeira instância. Por outro lado, o Código de Processo Penal prevê, por exemplo, como decisão em primeira instância pela Relação o julgamento de juízes de Direito [artigo 12º, nº 2, alínea a)], não deixando de existir, por isso, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Embora sem que daí se retirem argumentos sobre a inconstitucionalidade da norma em crise, tudo aponta para que razões de semelhança justifiquem o mesmo regime, em que, sem dúvida, se manifesta o direito ao recurso garantido pela Constituição.
7. Assim, conclui-se pela inconstitucionalidade por violação do nº 1 do artigo
32º da Constituição da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, declarando-a.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Não tomar conhecimento da questão de constitucionalidade relativa às normas dos artigos 151º, 163º, 215º, nºs 1, alínea d), e 3, e 216º, do Código de Processo Penal; b) Julgar inconstitucional por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal. interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, declarando-a,
concedendo, consequentemente, provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos