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Processo n.º 799/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Juiz do Tribunal de Execução de Penas de Évora decidiu o seguinte:
Promove o Ministério Público que seja dispensada a audição do libertado nos presentes autos, em razão se ser desconhecido o seu paradeiro, existindo notícia, não confirmada, de se encontrar algures em território espanhol. Cumpre apreciar e decidir. Estabelece o artigo 66° do Decreto-Lei n.º 783/76; de 29 de Outubro, que no
âmbito de processo complementar, como é o caso do processo de revogação de liberdade condicional, o juiz verifica se é necessário proceder à audiência do arguido (...) e logo ordenará conforme tiver decidido, mandando notificar o arguido. Ora, é nossa interpretação, salvo o devido respeito, que a faculdade de dispensar a audiência do arguido, se refere, tão-só, à prestação presencial de declarações, sob pena de se esvaziar de significado a referência final à notificação do mesmo da decisão tomada sobre a matéria. Assim, não permite a lei o contorno das diligências tendentes a negar ao recluso conhecimento da pendência do próprio procedimento e do direito a oferecer, por iniciativa própria, as suas razões. Assim acontece nos presentes autos, pois que deu origem aos mesmos, precisamente, o desconhecimento do paradeiro do recluso (cfr. fls. 13). Concedendo, todavia, que a letra da norma não exclui a interpretação de que tal. comunicação se poderia fazer na pessoa do defensor, contra esta se insurge o direito constitucional à defesa efectiva, consignado no artigo 32° n° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, no que respeita ao cumprimento substancial do princípio do contraditório. Em anotação a este dispositivo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira: ele (o princípio do contraditório) significa (...) direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo. Entende-se assim, que a interpretação do normativo citado no sentido de permitir dispensar a notificação do arguido, quando dos autos não se evidencia que este haja tido efectivo conhecimento da pendência dos mesmos e respectivos fundamentos é inconstitucional por ferir o princípio vertido no artigo 32° n° 5 da Constituição da República Portuguesa.
*** De qualquer modo, sempre se dirá que sem a localização e inquirição do libertado, não é viável, nos presentes autos, uma prudente decisão de mérito. De facto, regista-se como incumprimento, apenas o desaparecimento do libertado, que presumivelmente se encontrará a trabalhar em Espanha - a carência de confirmação de tal situação não permite aferir a (in)justificação do seu comportamento inadimplente, bem como o seu grau de inserção social e laboral e eventual reincidência em comportamentos delinquentes. Neste sentido, confira-se o teor da decisão do Tribunal da Relação de Évora datada de 27 de Abril de 2004, proferida no nosso proc. nº 843/04.OGTXEVR. Pelo exposto, indefere-se o requerido, por se entender essencial à decisão de mérito a prestação de declarações pelo libertado, no caso em apreço.
O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma constante do artigo 66º do Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro. Junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1° - Atenta a função instrumental do recurso de constitucionalidade, só deverá conhecer-se do seu objecto, caso daí possa advir um efeito útil e relevante para a questão de mérito.
2° - A conhecer-se do recurso, há que concluir não merecer censura constitucional uma interpretação da norma do artigo 66° do Decreto-Lei n°
783/76, de 29 de Outubro, que não imponha a notificação pessoal do arguido, bastando-se com a do seu defensor, numa situação em que aquele tinha perfeito conhecimento que uma das regras de conduta que lhe foram impostas, aquando da concessão da liberdade condicional, passava por ter residência certa e conhecida por parte do Tribunal de Execução de Penas, da qual não se podia ausentar sem autorização por período superior a sete dias, imposição que violou, desconhecendo-se o seu paradeiro.
3° - Termos em que deverá proceder o presente recurso.
O recorrido ofereceu o merecimento dos autos.
Cumpre apreciar.
II Questão prévia
2. O Ministério Público suscitou a questão prévia da inutilidade do presente recurso de constitucionalidade. Na decisão recorrida, considera-se inconstitucional uma dada interpretação do preceito impugnado, interpretação que, na perspectiva do Juiz a quo, é uma das várias que o preceito em questão admite. Contudo, nessa decisão considera-se, expressamente, que “sem a localização e inquirição do libertado, não é viável, nos presentes autos, uma prudente decisão de mérito”. Tal entendimento resulta de uma interpretação do regime legal aplicável, interpretação que se situa no plano estritamente infraconstitucional. Tal fundamento é, por si só, suficiente para sustentar a decisão recorrida. Desse modo, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre a norma do artigo 66º do Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro, na dimensão considerada pelo tribunal a quo inconstitucional, não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, pois esta sempre subsistiria com o fundamento autónomo a que se fez referência. Assim, a apreciação da questão suscitada afigura-se inútil, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
III Decisão
3. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos