Imprimir acórdão
Processo n.º 385/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos emergentes de um processo de expropriação, em que era expropriante o A. e expropriados B. e outros, melhor identificados nos autos, foi, em 12 de Março de 2003, proferido acórdão da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães que, entre o mais, recusou a aplicação do n.º 4 do artigo
23º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais ou, ao menos, por violação do “princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de estado democrático, constante do artigo 2º da Constituição.”
2. Tendo o Ministério Público interposto o recurso obrigatório previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para obter a reapreciação da conformidade constitucional daquela norma, foi o recurso admitido e determinada a produção de alegações neste Tribunal, concluindo assim o recorrente:
“1 – A norma constante do artigo 23º, n.º 4, do Código das Expropriações de
1999, ao prever a compensação entre o montante da indemnização devida ao expropriado e resultante da avaliação efectuada em tal processo e o direito da Fazenda Pública à correcção e revisão oficiosa da liquidação da contribuição autárquica, resultante da actualização dos valores matriciais – e devida no período temporal em que não ocorreu ainda caducidade do direito à liquidação – não viola os princípios da não retroactividade da lei fiscal e da confiança e segurança jurídicas.
2 – Na verdade – e face ao regime instituído nos artigos 20° e 21° do Código da Contribuição Autárquica – a liquidação desta com base nos valores constantes de matrizes não actualizadas reveste natureza provisória até ao momento da caducidade do direito à liquidação e revisão oficiosa, podendo ser corrigida pela Administração fiscal sempre que uma superveniente avaliação dos bens revele um valor patrimonial superior ao que constava da matriz.
3 – E inexistindo, deste modo, qualquer expectativa minimamente fundada do contribuinte na estabilidade dos valores liquidados com base na matriz, sendo os mesmos oficiosamente revisíveis sempre que uma avaliação ulterior dos bens mostre que os valores patrimoniais não estavam actualizados.
4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.” Por sua vez, os recorridos/expropriados pugnaram pela conformidade da decisão, concluindo assim as suas alegações:
“1º – A norma em apreço viola o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos, na sua vertente externa;
2º – Desde logo porque se um particular vender uma propriedade por valor superior ao matricial (e é sempre assim que ocorre) não vai ter que pagar contribuição autárquica retroactiva;
3º – Sendo a expropriação, em termos fiscais uma alienação como outra qualquer não pode ter tratamento diferenciado, para pior;
4º – Refere-se que quem vende [fá-lo] por vontade própria e pelo preço que quer, e o expropriado perde o bem e recebe, bem menos, que o valor de mercado;
5º – O princípio da igualdade sai também violado na mesma vertente já que a lei só obriga a alteração do valor matricial após 90 dias da alteração do destino do terreno;
6º – Concretizando, se em vez de ser expropriado para a implantação da zona industrial o recorrido loteasse ele próprio, só 90 dias após a alteração do destino do rústico para urbano é que o particular tinha que participar o modelo
129 para nova avaliação;
7º – E o novo imposto só seria exigível para futuro;
8º – No caso da expropriação ocorre exactamente o contrário – paga para trás, mesmo antes da alteração do destino;
9º – Não tem qualquer sustentação a afirmação de que as liquidações da contribuição autárquica são meramente precárias. Pelo contrário;
10º – E, a nova avaliação a que a lei se refere só pode ser efectuada em determinadas situações e não por simples vontade da Administração Fiscal. A nova avaliação é excepção;
11º – A norma em apreço traduz assim verdadeira retroactividade fiscal - o expropriado vê alterado o destino do prédio de rústico para urbano e vai pagar a contribuição autárquica 5 anos para trás;
12º – Por uma realidade que não quis, que não fez e ao invés dos demais cidadãos que decidiu investir;
13º – Inimaginável;
14º – Os princípios da segurança jurídica e da confiança dos contribuintes saem completamente destruídos, o que viola a norma do artigo 3° da Constituição;
15º – Estamos assim com Casalta Nabais, citado no douto Acórdão posto em crise;
16º – Bem como com Gomes Canotilho e Vital Moreira quando afirmam que qualquer norma fiscal retroactiva é constitucionalmente ilícita (a Constituição da República);
17º – E estamos com Luís Perestrelo de Oliveira também citado no douto Acordão;
18° – Ao mandar tributar 5 anos para trás (contrariamente à lei geral Tributária que fixa 4, e, só por isso, já é ilegal a norma em apreço) não está a proceder a uma revisão oficiosa da liquidação – está, isso sim, a tributar para trás por uma ocupação, por uma utilização que ao prédio não tinha sido dada;
19° – E a alteração do rendimento colectável só corre quando se passa a utilizar diferentemente o prédio;
20º – Não têm pois sustentação as conclusões do ilustre Magistrado recorrente - a alteração do valor neste caso, só ocorrer depois da reafectação de utilização e só após essa reutilização.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. A única questão a decidir no presente recurso é a da apreciação da constitucionalidade do artigo 23º, n.º 4, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, norma, esta, que foi julgada inconstitucional pela decisão recorrida por violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais ou, ao menos, por violação do “princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia de estado democrático, constante do artigo
2º da Constituição.” Ora, esta questão foi recentemente decidida por este Tribunal, no Acórdão n.º
422/04, tirado em plenário (com votos de vencido), e no Acórdão n.º 625/2004, da
2ª secção. Não se acrescentando novos argumentos aos que foram ponderados nestas duas decisões, que concluíram no sentido da não inconstitucionalidade, pode remeter-se para a sua fundamentação, reiterando esta mesma conclusão. III. Decisão Por estes fundamentos, decide-se conceder provimento ao recurso, e, consequentemente, determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos