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Processo n.º 725/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do art.º
78º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão proferida pelo relator no Tribunal Constitucional, a qual decidiu negar provimento ao recurso que interpôs do despacho do Presidente da Relação de Lisboa, de 13 de Maio de 2004, despacho este que, por seu lado, indeferiu reclamação por ele deduzida contra despacho do Tribunal de Família e Menores de Lisboa (1º Juízo-1ª Secção) que não lhe admitiu o recurso interposto de decisão de aplicação de multa nos termos do n.º 6 do art.º 145º do Código de Processo Civil.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver fiscalizada a conformidade constitucional da norma do artigo
678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na “interpretação denegativa do recurso de condenação em multa, por contrariedade ao disposto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP”.
O ora recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa do despacho proferido em 1.ª Instância que, com fundamento de que a sucumbência do reclamante na decisão recorrida não lhe é desfavorável em valor superior a metade da alçada do tribunal de 1.ª Instância, não admitiu o recurso interposto do indeferimento da reclamação relativamente à multa aplicada ao abrigo do disposto no artigo 145.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Em síntese, a reclamação estribou-se nos seguintes argumentos:
«[...]
5 Por despacho de 3/02/04, o Mmo, Juiz “a quo” não admitiu o recurso interposto, por considerar que a decisão impugnada não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada deste Tribunal (art.º 678°, n.º 1 do CPC).
6 Ora, no entender do reclamante, o Mmo Juiz “a quo”, com a devida vénia, não tem razão, pelo que apresenta a presente reclamação.
7 Na verdade, deve correlacionar-se o art.º 20º, n.º 1 da CRP, preceito constitucional que garante o pleno acesso à Justiça com a norma que atribui efeito suspensivo e subida em separado ao recurso da aplicação de multas (art.º
740º, 2, a) do CPC).
8 Esta leitura em paralelo torna implícita e lógica, no contexto das liberdades e garantias, a existência de recurso, sempre que haja condenação em multas, independentemente destas.
9 Aliás, muito dificilmente qualquer multa excederia o valor da alçada, o que tornaria absurda a disposição que fixa o efeito do regime da subida de um recurso, se o ordenamento o não prescrevesse.
10 De qualquer forma, não é adequado nem oportuno, nem proporcional, aplicar aos recursos sobre aplicação de multas o regime da irrecorribilidade segundo as alçadas.
11 Os interesses em jogo nada têm a ver com o cálculo económico das pretensões, indexado à maior ou menor necessidade social do debate recursivo sobre as sentenças ou despachos que sobre elas recaiam.
12 Acresce que no Relatório do D.L. n.° 329-A/95, de 12/12, que introduziu alterações significativas ao CPC, no seguimento de Directivas Comunitárias da U. E. E manteve aquele art.º 740º, 2, a), pode ler-se:
“O direito de acesso aos Tribunais envolverá a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma”.
“Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e densificação do princípio constitucional de acesso à Justiça.”
“No sentido de privilegiar a decisão de fundo, importa consagrar, como regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável.”
“Procura, por outro lado, obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em Juízo dos direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio.”
13 Por conseguinte, V. Exa. mandará subir o recurso, por vénia da Constituição e de uma interpretação da lei, considerando inconstitucional a interpretação dada pelo Mmo. Juiz “a quo”, por violação do art.º 20°, 1 da CRP, das normas atrás referidas e do art.º 678º, 1, do CPC, inconstitucionalidade que se argui para eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
[...]».
Por decisão de 13 de Maio de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu tal reclamação com os fundamentos que infra se transcrevem:
«[...] Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil, não
é admissível recurso se o valor da sucumbência do recorrente não exceder metade do valor da alçada do Tribunal que proferiu a decisão, ainda que o valor da causa seja superior ao valor dessa mesma alçada. No caso concreto o reclamante, por força do disposto no artigo 145º, n.º 6, do Código de Processo Civil, devia pagar a multa de 74,82 Euros. E é este valor o que se deve considerar como a sucumbência resultante da decisão recorrida com vista a sabermos se a decisão admite recurso.
É manifesto que o valor da multa é muito inferior a metade da alçada do Tribunal de que se recorre (1ª instância). Não está em causa saber se a reclamante tem ou não razão sobre a questão que pretende impugnar. O que interessa saber é se aquela decisão admite ou não recurso. Em toda e qualquer decisão proferida numa acção se coloca a questão da correcta interpretação e aplicação das normas substantivas ou adjectivas aplicáveis. Mas a sua porventura incorrecta interpretação ou aplicação só pode ser atacada por recurso quando a decisão o admita, nos termos gerais previstos no artigo
678º do Código de Processo Civil ou especialmente previstos noutras situações. Para efeitos de admissão de recurso de uma decisão, e salvo os casos especialmente previstos na lei, a sucumbência não diz respeito à qualificação jurídica ou aos argumentos jurídicos discutidos, mas mede-se pela utilidade económica imediata que se obtém ou em que se decai na acção, nos termos do disposto no artigo 305º, n.º 1, do Código de Processo Civil. E, no caso concreto, a utilidade económica imediata em que a reclamante sucumbiu foi na multa de 74,82 Euros. Tendo em conta o montante da multa a que o reclamante está obrigado, resulta que a decisão proferida é irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 678º, n.º
1, do Código de Processo Civil. O direito ao recurso não é um direito absoluto. A lei geral regula as situações em que o recurso é ou não admissível. E, salvo o devido respeito por opinião contrária, a limitação do direito de recurso nos casos expressamente previstos na lei não viola qualquer preceito constitucional.»
2. Inconformado, o reclamante interpôs, nos termos mencionados, recurso para o Tribunal Constitucional sustentando a inconstitucionalidade da norma do artigo
678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na “interpretação denegativa do recurso de condenação em multa”, por ofensa do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
3. Porque o conhecimento da presente questão de constitucionalidade é integrável no âmbito normativo recortado pelo artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC, passa-se a apreciar imediatamente o objecto do recurso.
Na verdade, o problema do direito ao recurso tem sido abundamentemente tratado na jurisprudência deste Tribunal. De entre as diversas decisões que sindicaram a constitucionalidade da norma do artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pode destacar-se o Acórdão n.º 496/96, publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1996.
Aí se considerou que:
«(...)
A redacção da disposição em causa foi introduzida pelo DL n.º 242/85 de 9 de Julho (é mantida pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, relativo à revisão do CPC), sendo justificada, por um membro da Comissão que procedeu à reforma intercalar do processo civil, consubstanciada nesse diploma de 1985, nos seguintes termos (Cardona Ferreira, Decreto-Lei n.º 248/85, de 9 de Julho. Notas Práticas, Lisboa 1986, pp. 60/61):
“Em termos de viabilidade de recursos, há duas hipóteses : ou se admite recurso de todas e quaisquer decisões em todas e quaisquer causas - o que seria o ideal, mas é irrealizável, pelos impasses que criaria, nos Tribunais superiores, impedindo-os, afinal, de decidir, atempadamente, o que justificaria, realmente, recurso; ou existem limites às possibilidades de recurso e todos os limites são discutíveis. Ora, desde que se entenda que deva haver alçadas e que estas marcam, em princípio, o limite da recorribilidade das decisões, parece lógico que esse limite deve ter que ver com a sucumbência real e não com o valor formal do processo. Todavia, foi encontrada uma solução de razoabilidade, não limitando a possibilidade do recurso à circunstância de o valor da sucumbência exceder a alçada, mas sim, e desde logo, metade.”
2.2. A jurisprudência deste Tribunal, tendo presente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, decorrente do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, tem afirmado a inexistência de uma garantia generalizada de duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador de uma ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos, designadamente reportados ao valor da causa, como sucede com o estabelecimento de alçadas. O legislador não pode, apenas, “abolir o sistema de recursos in toto” ou limitá-lo, elevando por exemplo, as alçadas ou a sucumbência a valores totalmente desproporcionados, em termos tais, que “na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos” (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa 1994, pp. 99 e segs.; v., por exemplo, o Acórdão n.º 287/90, nos ATC, 17º vol., p. 159). Ora, no caso, encarando os valores em jogo (metade da alçada da 1ª instância corresponde actualmente a 250.000$00, estando aqui em causa o montante de
35.000$00) não podemos dizer que do artigo 678º, n.º 1, do CPC resulte, nesta perspectiva, uma inviabilização desproporcionada do direito de recorrer.
2.3. Todavia, a indagação de constitucionalidade que o recorrente suscita, em rigor, não tem que ver com a impossibilidade de recurso em função do valor patrimonial envolvido, mas antes com a natureza do facto gerador da pretensão de recorrer: a aplicação de uma multa processual. Significa isto, não esquecendo que este Tribunal está limitado nos seus poderes de cognição à determinação da conformidade constitucional do artigo 678º, n.º 1. do CPC (v. artigo 79º-C, da LTC), que a apreciação a fazer se refere ao direito ao recurso, estando em causa multas processuais. A natureza destas teve o Tribunal Constitucional ensejo de definir no Acórdão n.º 315/92 (Diário da República II Série, de 18/2/93), nos seguintes termos :
“Se a doutrina processual civil se refere a elas (às multas processuais), por vezes, como «penas», é porque utiliza esta expressão amplamente, em sinonímia com «sanções punitivas» (assim, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, edição revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, p.354, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., reimpressão, 1981, p.261) As sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição, pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais.
(...) as multas processuais (...) constituem sanções indiscutivelmente estranhas ao direito disciplinar e ao direito de mera ordenação social. O direito disciplinar caracteriza-se pela existência de um poder hierárquico que o tribunal não possui, evidentemente, quando aplica multas processuais às partes ou a outros intervenientes no processo. Tão pouco o direito de mera ordenação social, que se distingue do direito penal, tendencialmente, «... pela natureza dos respectivos bens jurídicos...(e) ... pela desigual ressonância ética» e, decisivamente, através da qualificação feita pelo próprio legislador (cfr. o preâmbulo do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro), pode abranger as multas processuais - sanções historicamente anteriores e não filiadas no direito penal.” A multa aqui em causa tem que ver com a junção de documentos fora do momento processualmente estabelecido como próprio (“com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” - artigo 523º, n.º 1 do CPC) em homenagem ao “dever de prontidão”(“dever de não procrastinar”) (v. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Coimbra 1987, p.173). A condenação em multa face a uma apresentação tardia, sempre dependente da não prova pela parte apresentante de impossibilidade de oferecimento do documento no momento devido
(v. artigo 523º, n.º 2), prende-se com o poder-dever do juiz de administrar a justiça (artigo 156º, n.º 1, do CPC) exercendo intraprocessualmente, para além da normal função decisória quanto ao objecto da acção, uma função de direcção e controlo manifestada genericamente no artigo 266º do CPC e em diversos outros momentos da marcha do processo. Esta particular vertente da actividade do juiz entende-a o recorrente como situada fora do âmbito da actividade jurisdicional - que restringe à composição dos litígios propriamente dita -, reinvindicando para ela o regime da garantia do recurso contencioso emergente do n.º 4 do artigo 268º do texto constitucional. Trata-se de um entendimento que não colhe. Desde logo, porque a garantia de recurso contencioso pressupõe a existência de um “verdadeiro acto administrativo” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1993, p.939) e este, exigindo “ser praticado no exercício do poder administrativo”, exclui os “actos jurisdicionais” (Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1989, pp.81/82). Depois, e este aspecto assume particular relevância, porque a função jurisdicional não pode ser encarada da forma redutora proposta pelo recorrente.
“Não são jurisdicionais apenas os actos que se traduzem na directa resolução de
«questões jurídicas» de acordo com o direito material ou substantivo (privado, criminal, administrativo ou constitucional). São-no também os actos preparatórios dessa resolução, os quais, no seu conjunto, constituem o processo de declaração ou cognição - ligados como se encontram, funcionalmente, àquele final objectivo, que é a resolução de uma «questão de direito». O processo, pois, na sua fase declaratória, é um conjunto de actos jurisdicionais.” (Afonso Queiró, «A função administrativa», Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIV, Janeiro/Setembro, n.ºs 1/3, pp.26/27). Ora, as múltiplas faculdades em que se traduz o poder-dever do juiz de direcção do processo, não se descaracterizam como função jurisdicional pela circunstância de não serem uma condição necessária de composição do litígio. Assumindo-se como faculdades atribuídas sempre com a finalidade de realizar essa composição, integram-se plenamente na função jurisdicional, materializando-se em verdadeiros actos jurisdicionais, relativamente aos quais a questão do direito ao recurso não se configura, como já vimos, na lógica do texto constitucional, como impeditiva do estabelecimento de regras quanto à impugnabilidade de decisões.
A condenação na multa processual em causa, por provir de um juiz, não pode ser integralmente assimilada aos actos administrativos que aplicam sanções. Até porque a inexistência de recurso neste caso não atenta contra o direito de acesso aos tribunais, nem contra outro direito fundamental, já que os documentos tardiamente juntos continuam a desempenhar a sua função no processo, pois não podem ser desentranhados por falta de pagamento da multa (cfr. os arts. 523, n.º
2, e 543º, n.º 2, do CPC).
2.4. Nas alegações junto deste Tribunal foca o recorrente, ainda, a questão da violação do artigo 20º, n.º 1, da Constituição, pelo artigo 678º n.º 1, do CPC, numa perspectiva diversa do direito ao recurso, aludindo (veja-se a conclusão a) de fls.24) ao “respeito pelo princípio do contraditório”. Este, com efeito, não deixa de se configurar como uma das vertentes do direito de acesso aos Tribunais (v. Carlos Lopes do Rego, «Acesso ao Direito e aos Tribunais», in Estudos Sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa
1993, pp.55 e ss.), porém não se vê como a norma específica questionada pelo recorrente (na apreciação da qual se esgota o poder de cognição do Tribunal - artigo 79º - C da LTC) põe em causa o exercício do contraditório. Existe aqui uma confusão entre os planos, substancialmente diversos, em que o exercício do contraditório e o direito ao recurso se colocam. Este último - e a norma que o recorrente questiona só a ele se refere - tem que ver com o exercício do direito de defesa contra actos jurisdicionais, pressupondo a existência destes e do processo que a eles conduziu. A garantia de exercício do contraditório, pelo contrário, situa-se num plano prévio, que é o do processo conducente ao acto jurisdicional, onde há que garantir, por exemplo, o direito a ser ouvido como dimensão inseparável do “due process”. Trata-se, enfim, no direito ao recurso, de reapreciar uma decisão e, na garantia do contraditório, do modo pelo qual se chegou a essa decisão. Ora, o recorrente, assumidamente, não questionou constitucionalmente o processo em função do qual lhe foi aplicada a multa (a norma, ou alguma interpretação da norma, em função da qual lhe foi aplicada a multa), mas tão só a impossibilidade
(decorrente de uma regra respeitante à admissibilidade dos recursos) de rediscutir, junto de um tribunal hierarquicamente superior, uma sanção já aplicada. Também nesta perspectiva carece o recorrente de razão.
(...)»
Ora, os fundamentos invocados em tal aresto, cuja bondade aqui se reitera, são totalmente transponíveis para o caso dos autos.
4. Destarte, atento o exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 8 (oito) UC.».
3 - Fundamentando a reclamação diz o reclamante:
«1 - É afastada a inconstitucionalidade do artº. 678/1 - CPC, na interpretação denegativa do recurso de condenação em multa, porquanto se trata, antes de mais, de acto jurisdicional e não disciplinar ou para-penal, sendo pacífico o entendimento da constitucionalidade dos limites ao recurso estabelecido na norma em crise.
2 - Depois, mesmo que se tratasse de uma questão em que foi preterido o contraditório, decerto não ter o recorrente posto este problema, mas apenas aquele de que a resposta acabou de ser transcrita.
3 - Contudo, o recorrente, admitindo sem dúvida não ter formulado conclusões contra a carência contraditória, não está de acordo quanto à simples equiparação das multas processuais a decisão jurisdicional habitual, embora naturalmente se integrem em pleno na função jurisdicional e sejam, sem dúvida, verdadeiros actos jurisdicionais.
4 - Com efeito, para serem equiparadas às decisões jurisdicionais habituais, em que uma das partes sucumbe, perante uma controvérsia, por aqui ou por ali, recondutível a um certo valor em metálico, teria de existir justamente essa característica de um confronto, em suma, de uma sub-lide, digamos assim.
5 - Não sendo deste modo, e ficando a parte a quem é aplicada a multa em directo relacionamento com o Tribunal, tendo por base ilícitos praticados no processo, e visando promover o adequado desenvolvimento deste, o que verdadeiramente está em causa é, como foi afirmado na reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, “não ser adequado, nem oportuno, nem proporcional, aplicar aos recursos sobre aplicação de multas o regime da irrecorribilidade segundo as alçadas.'
6 - Com efeito, 'os interesses em jogo nada tem a ver com o cálculo económico das pretensões' indexadas (as que têm referência ao valor do processo) aos interesses particulares das partes, concretizados nos passos da lide.
7 - Tem assim a ver com a posição daquele que sofre a condenação em multa, exclusivamente para com o Tribunal.
8- E, porque se trata de cidadania, então o valor do incidente terá de ser, sem rebuço, o das acções sobre interesses fora do comércio, como são os das causas sobre o estado das pessoas, isto é, têm de ser permitido, numa interpretação do artº. 678/1 - CPC conforme à Constituição, o recurso, a dupla apreciação jurisdicional.
9- E só assim se cumpre, na verdade, o artº. 20/1 da CRP e antes de mais o artº
2°. da Lei Fundamental, no que diz respeito às directrizes incontornáveis do Estado de Direito Democrático.
10 - Isto mesmo se demonstra através de um simplíssimo raciocínio 'ad absurdum': sem recurso, nestes casos, os Juizes podem sistemáticamente condenar as partes por mero arbítrio e sempre, a menos uma unidade monetária do que a alçada, porventura a lei estipule quantias muito menores.
11 - É justamente este desígnio constitucional contra a arbitrariedade do Tribunal que está em jogo neste recurso de Constitucionalidade que se espera seja mandado seguir para as alegações.».
4 – O Ministério Público respondeu, afirmando:
«1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, as razões aduzidas pelo reclamante em nada abalam a jurisprudência uniforme deste Tribunal acerca do âmbito do direito ao recurso, em processos não penais - e da legitimidade constitucional de o delimitar em função de uma articulação entre o valor da sucumbência e o valor da alçada.
3 - E não apresentando qualquer especificidade a 'sucumbência' decorrente da aplicação de uma sanção processual, ligada ao mero incumprimento de prazos ordenadores da tramitação do processo - matéria absolutamente estranha aos
'interesses materiais' e ao 'estado das pessoas'.».
B – Fundamentação
5 – Na sua reclamação o reclamante não aduz novos argumentos que não tenham sido sopesados pela jurisprudência constitucional a cuja fundamentação a decisão sumária reclamada aderiu e dentro de cuja linha decidiu.
Como resulta da jurisprudência citada, “as sanções processuais são cominadas para ilícitos praticados no processo cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição, pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais”.
A multa prevista no n.º 6 do art.º 145º do Código de Processo Civil, cuja conformidade com a Lei Fundamental o reclamante questiona, constitui uma sanção de natureza estritamente processual, já que contende apenas com o momento da prática dos actos processuais cuja realização a lei faculta aos litigantes, sendo, por isso, alheia à natureza do direito cuja tutela se pretende obter no processo, diga ele respeito a interesses imateriais ou fora do comércio, como o estado das pessoas, de que fala o reclamante, ou a quaisquer outros. A imposição de tal multa tem por ratio incentivar a prática daqueles actos processuais dentro dos prazos peremptórios fixados na lei, independentemente dos atributos do direito cuja defesa neles se intenta prosseguir, potenciando, pela via do constrangimento imposto por força dela, um desenvolvimento do processo em termos mais previsíveis por parte dos diversos intervenientes, uma melhor organização de trabalho do tribunal e um melhor cumprimento do princípio da celeridade processual na concessão da tutela pedida ao tribunal.
Tendo em conta essa sua natureza – e tal como se ponderou na jurisprudência citada cuja fundamentação, pela sua bondade, aqui se reitera – há que concluir que não se verifica qualquer razão específica para subtrair da regra geral de sucumbência estabelecida, no art.º 678º, n.º 1, do CPC, para o recurso de causa abrangida pela alçada do tribunal de que se recorre, as decisões relativas à aplicação da multa processual a que se refere o n.º 6 do art.º 145º do CPC.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 20 UC.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos