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Processo n.º 518/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 30 de Junho de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer 
 do objecto do recurso.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto, de 5 de Março de 2008, que negou provimento ao recurso por ele 
 interposto do despacho do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, de 27 de Junho 
 de 2007, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora 
 aplicada.
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o 
 recorrente pretende ver apreciada «a inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, com a interpretação com que foi 
 aplicada, no sentido de que a notificação ao arguido efectuada por via postal 
 simples [que o mesmo alega nunca ter tido conhecimento], anteriormente condenado 
 em pena de prisão suspensa, comunicando‑lhe uma promoção no sentido da revogação 
 da suspensão da pena de prisão, quando o mesmo não se encontrava sujeito a 
 qualquer medida de coacção, constitui uma violação dos princípios da igualdade 
 das partes e do contraditório, ínsitos no princípio do Estado de direito 
 democrático, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da 
 República Portuguesa» (sic), questão de inconstitucionalidade que teria sido 
 suscitada «nos autos de recurso em sede das motivações apresentadas».
 
             O recurso foi admitido por despacho de 11 de Junho de 2008 do 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, decisão que, como é 
 sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 76.º da LTC); e, 
 de facto, entende‑se que o presente recurso é inadmissível, o que determina o 
 não conhecimento do seu objecto e possibilita a prolação de decisão sumária ao 
 abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele 
 primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera 
 dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal 
 específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão 
 recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o 
 recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo 
 essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de 
 constitucionalidade.
 
             Ora, antes de proferido o acórdão recorrido, o recorrente não 
 suscitou a questão de inconstitucionalidade identificada no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apesar de ter disposto 
 de oportunidade processual para o efeito.
 
             Na verdade, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da 
 Relação do Porto, as questões suscitadas pelo recorrente foram sintetizadas nas 
 seguintes conclusões:
 
  
 
 «Porque foi promovido pelo Ministério Público a revogação da suspensão da 
 execução da pena que o arguido recorrente se encontrava a cumprir,
 Porque, na sequência dessa promoção, foi proferido despacho judicial no preciso 
 sentido de revogar a suspensão da execução da pena,
 Porque ao arguido recorrente apenas foi dado conhecimento, em 6 de Julho de 
 
 2007, quer do teor da promoção do Ministério Público quer do despacho judicial 
 em crise,
 Porque, nos temos da lei substantiva penal, a condenação por crime doloso, 
 cometido durante o período da suspensão, deixou de provocar automaticamente a 
 revogação da suspensão – artigo 56.º do Código Penal,
 Porque a revogação da suspensão da execução da pena depende, ainda, da 
 circunstância de o arguido revelar que as finalidades que estiveram na base da 
 suspensão não foram alcançadas,
 Porque a revogação da suspensão da execução da pena de prisão constitui, 
 verdadeiramente, a aplicação e cominação de outra pena privativa da liberdade,
 Porque ao arguido estão, quer na lei adjectiva penal quer na CRP, assegurados 
 os direitos de defesa e de exercício do contraditório – artigos 61.º, n.º 1, 
 alínea b), do Código de Processo Penal e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP,
 Porque ao arguido recorrente foi‑lhe aplicada uma pena de prisão, sem a sua 
 simples audiência prévia, o que, a admitir‑se como possível, traduzirá uma 
 inconstitucional interpretação do artigo 56.º do Código Penal, por violação do 
 artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP,
 deve o douto despacho em crise ser revogado e substituído por outro no qual se 
 determine a notificação do arguido para se pronunciar sobre a revogação da 
 suspensão da execução da pena de prisão.»
 
  
 
             Como se vê, a questão de inconstitucionalidade aqui suscitada era 
 reportada a pretensa falta (absoluta) de audiência do arguido antes da decisão 
 de revogação da suspensão da execução da pena, e não – como veio a ser 
 configurada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional – à inconstitucionalidade da utilização da via postal simples 
 para a notificação ao arguido da promoção do Ministério Público no sentido 
 dessa revogação.
 
             Acresce que, no parecer emitido pelo representante do Ministério 
 Público junto do Tribunal da Relação do Porto, foi sustentado não ser 
 verdadeira a alegação do arguido de que só em 6 de Julho de 2007 tivera 
 conhecimento simultâneo do teor da promoção do Ministério Público e do despacho 
 recorrido, pois, «como se pode concluir dos autos, o arguido foi notificado da 
 promoção de revogação do Ministério Público em 21 de Junho de 2006, quer por via 
 postal simples, com prova de depósito, quer na pessoa da sua ilustre defensora 
 oficiosa (cf. fls. 96/97 – 493/494)», pelo que, «na sequência dessa notificação 
 teve oportunidade e muito tempo para alegar o que bem entendesse, mas nada 
 juntou aos autos com vista a contrariar a promoção do Ministério Público», dado 
 que só «decorrido cerca de um ano foi finalmente proferido o despacho 
 recorrido».
 
             O arguido foi notificado deste parecer do Ministério Público, nos 
 termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal 
 
 (cf. fls. 111 e 112), mas não apresentou qualquer resposta, que seria o local 
 adequado para a suscitação da questão da inconstitucionalidade que agora 
 pretende ver apreciada.
 
             O acórdão recorrido negou provimento ao recurso do arguido, 
 desenvolvendo a seguinte fundamentação:
 
  
 
             «III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das 
 razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que 
 define e delimita o objecto do recurso – artigo 412.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal.
 Assim, a questão suscitada pelo recorrente, para apreciação pelo tribunal de 
 recurso, por si, de resto, sublinhada no início da motivação, é a de saber se o 
 Tribunal a quo podia ter decidido, após a promoção do Ministério Público, no 
 sentido da revogação da suspensão da pena, sem que o arguido seja ouvido, 
 previamente.
 Cumpre referir que, assim delimitado o objecto e o âmbito do recurso, como não 
 pode deixar de ser, com base nas conclusões extraídas da respectiva motivação, 
 não vindo suscitada, de resto, nem sequer, na própria motivação do recurso, 
 questão atinente ao mérito da decisão que revogou a suspensão da execução da 
 pena de prisão aplicada ao recorrente neste processo, é evidente que a mesma 
 estará para além dos nossos poderes de cognição, razão pela qual, se adianta já, 
 sobre ela não nos iremos pronunciar, não obstante o Ex.mo Sr. Procurador‑Geral 
 Adjunto a tenha aflorado e dela haja extraído consequências, no seu lúcido 
 parecer.
 III. 2. Cumpre referir, para uma melhor compreensão e explicitação do tema 
 subjacente ao presente recurso, o que dos autos consta, a propósito:
 
 – neste processo, por sentença de 26 de Novembro de 2002, transitada em julgado, 
 o recorrente foi condenado pela prática de 3 crimes de roubo, previstos e 
 punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 10 
 meses, por cada um, e na pena única de 2 anos de prisão, cuja execução foi 
 suspensa pelo período de 3 anos;
 
 – posteriormente veio a ser condenado pela prática, em 8 de Julho de 2003, de um 
 crime de condução ilegal de motociclo, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 
 e 2, do Decreto‑Lei n.º 2/98, em pena de multa, no processo sumário 
 
 868/03.9PEGDM do 2.º Juízo Criminal de Gondomar, em face da qual se decidiu não 
 ser caso de revogação da suspensão daquela pena;
 
 – por sentença de 1 de Março de 2006, no processo comum singular 56/03.4GDGDM 
 do 1.º Juízo de Competência Criminal de Gondomar, por factos ocorridos a 17 de 
 Janeiro de 2003, veio a ser condenado pela prática de um crime de tráfico de 
 menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º 
 e 25.º, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 15/93, na pena de 16 meses de prisão, cuja 
 execução foi suspensa pelo período de 3 anos;
 
 – em face desta decisão, o Ministério Público pronunciou‑se no sentido de ser 
 revogada a suspensão da pena decretada nos autos, por despacho de 14 de Junho de 
 
 2006;
 
 – por despacho de 19 de Junho de 2006, foi ordenada a notificação de tal 
 promoção ao arguido;
 
 – notificação efectuada na pessoa da sua defensora e na sua própria, por cartas 
 enviadas a 21 de Junho de 2006, tendo a respeitante ao recorrente sido enviada 
 para o domicílio constante dos autos, Rua do Pina, 103, 4435‑000 Rio Tinto, e 
 depositada no receptáculo no dia seguinte;
 
 – nada tendo sido dito, surgiu o despacho recorrido, datado de 27 de Junho de 
 
 2007 e notificado à defensora por carta de 2 de Julho de 2007 e ao próprio, 
 através da PSP, em 6 de Julho de 2007.
 III. 3. O cerne da questão suscitada com o presente recurso reporta‑se ao 
 alegado facto de o recorrente não ter sido chamado a pronunciar‑se quanto à 
 promoção do Ministério Público, no sentido da revogação da suspensão da execução 
 da pena, como expressamente refere o recorrente na sua motivação de recurso.
 No entanto, carece esta versão de fundamento fáctico.
 Com efeito, ao contrário do por si alegado, em sede de recurso, o arguido foi 
 notificado do teor da promoção do Ministério Público, quer na sua pessoa, quer 
 na da sua defensora e, apenas depois de nada ter sido dito, o Tribunal veio a 
 decidir pela verificação dos pressupostos de que depende a revogação da 
 suspensão da execução da pena e a ordenar o seu cumprimento.
 Ao contrário então do defendido pelo recorrente, o Tribunal não decidiu ‘após 
 simples promoção do Ministério Público’.
 Foi‑lhe dada a oportunidade de se pronunciar sobre a questão e, mais 
 concretamente, para se pronunciar sobre a posição tomada pelo Ministério Público 
 no processo, de cujo despacho lhe foi dado conhecimento.
 No entanto, remeteu‑se ao silêncio. Nada disse.
 Em termos de direito:
 como acertadamente expende o recorrente,
 a revogação da suspensão da pena deixou de operar automaticamente, a partir da 
 reforma introduzida em 1995 no Código Penal, passando a estar dependente da 
 verificação, constatação que, no caso que ao caso interessa, de cometimento de 
 crime pelo qual venha a ser condenado, se revelar que as finalidades que 
 estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas – cf. 
 artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal;
 o arguido tem de ser ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer 
 decisão que pessoalmente o afecte – artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de 
 Processo Penal.
 Ao contrário da situação prevista no artigo 495.º do Código de Processo Penal, a 
 propósito da falta de cumprimento das condições da suspensão – situação esta 
 prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal – onde 
 expressamente se prevê que a decisão sobre os efeitos daquele incumprimento da 
 suspensão anteriormente decretada será precedida da recolha de prova, de parecer 
 do Ministério Público e da audição do condenado – cf. n.º 2 da mesma norma –, a 
 propósito da situação dos autos, repetimos, não a violação de deveres, prevista 
 na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, antes o cometimento de 
 novo crime, situação prevista na alínea b) da mesma norma, a prévia e específica 
 audição do condenado não está prevista, de forma particular e expressa.
 Não pode, no entanto, deixar de se entender que existe a obrigatoriedade de o 
 fazer, em cumprimento, quer do comando genérico previsto no artigo 61.º, n.º 1, 
 alínea b), do Código de Processo Penal, quer do estatuído no artigo 32.º, n.ºs 1 
 e 5, da Constituição da República, que consagra que o processo criminal 
 assegura todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do 
 contraditório.
 A omissão da audição do arguido constituiria, pois, uma irregularidade, que 
 afecta o exame e a própria decisão, pelo que, a acontecer, nos termos do artigo 
 
 123.º do Código de Processo Penal, deveria sempre ser reparada.
 No caso, temos como inquestionável que o recorrente não exerceu o 
 contraditório, apesar de lhe ter sido dada – através de notificações feitas a si 
 próprio e à defensora – a possibilidade de o fazer: foi notificado, 
 dando‑se‑lhe conhecimento do teor da promoção do Ministério Público, que 
 despoletou a decisão que culminou com a revogação da suspensão da execução da 
 pena.
 Não existe, pois, a violação de qualquer norma ou princípio jurídicos e, 
 designadamente, do, ainda por si invocado, da igualdade de tratamento.
 Contrariamente ao por si alegado, o recorrente foi ouvido sobre o facto. Ficou, 
 no entanto, indiferente à ameaça de cumprir a pena de prisão em que fora 
 condenado. À notificação respondeu com o silêncio.
 Questão introduzida no recurso pelo recorrente, ainda que não expressamente, 
 mas através da citação em nota de rodapé, de um acórdão deste Tribunal, 
 proferido em 23 de Setembro de 1998, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 479, p. 718, onde se decidiu que, ‘antes de decidir da providência a tomar 
 perante o incumprimento dos deveres ou das condições da suspensão da execução da 
 pena, impõe‑se o tribunal indagar da culpa do condenado, tomando‑lhe 
 declarações, com a presença do defensor e recolhendo a prova que se mostre 
 adequada’, e depois retomada, na sua resposta, pelo Ministério Público, é a da 
 forma de efectivação daquela audição.
 Em que se deve traduzir, afinal, o exercício do contraditório?
 Como vimos, o artigo 495.º do Código de Processo Penal, não aplicável ao caso, 
 fala em audição do condenado e o artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de 
 Processo Penal, directamente aplicável ao caso, fala em ‘ser ouvido’, donde 
 semanticamente não existe diferença entre ambas as situações: dever‑se proceder 
 
 à audição do arguido equivale a que o mesmo seja ouvido.
 A propósito do direito de audição, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito 
 Processual Penal, 1981, vol. I, pp. 157/8, refere que ‘constitui a expressão 
 necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigência 
 comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa 
 do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os 
 interessados na criação do Direito: a todo o participante processual, antes de 
 qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade, através da 
 sua audição, de influir na declaração do direito’.
 A audição deve ser entendida à letra, exigindo a presença física do arguido? Ou 
 basta‑se com a simples concessão da possibilidade de exercício do contraditório, 
 por requerimento no processo?
 Seguramente que não implica a necessidade da realização de um interrogatório, 
 de uma audição presencial, com a sua comparência física.
 Nem a letra, nem o espírito da norma, inculcam tal obrigação.
 Doutra forma, a ter que ser assim, a possibilidade de revogação da suspensão da 
 execução da pena ficaria dependente da vontade do condenado. Ficaria na sua 
 disponibilidade. O Tribunal ficava à mercê da sua vontade, uma vez que, se não 
 comparecesse ou se comparecesse e se remetesse ao silêncio, estava encontrado um 
 obstáculo intransponível àquela revogação.
 A ter que ser assim, estava encontrado um incentivo a que o condenado se 
 furtasse à acção da justiça, com o propósito de inviabilizar a revogação da 
 suspensão – cf. neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 14 de Maio de 
 
 2002, Relator: Desemb. Manuel Nabais, consultável no site da dgsi, que vimos 
 seguindo de perto.
 Em conclusão:
 a pretensão que o recorrente pretende atingir com a interposição do presente 
 recurso, sendo a ‘revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro 
 que determine a sua notificação para se pronunciar sobre a revogação da 
 suspensão da execução da pena’, isto é, visando fazer ressurgir a notificação, 
 já antes efectuada, que antecedeu a prolação do despacho recorrido, apontando 
 para a sua repetição, nada mais pretendia alcançar que não a concessão de uma 
 segunda oportunidade para o exercício do contraditório, como recompensa, de 
 todo injustificada, pela sua inércia e desinteresse, no momento próprio, 
 anteriormente demonstrados.
 Está assim, o recurso – delimitado pelas conclusões apresentadas pelo 
 recorrente, frise‑se – votado ao insucesso.»
 
  
 
             Como resulta da leitura da fundamentação do acórdão recorrido, nele 
 deu‑se como assente que o arguido foi ouvido sobre a promoção do Ministério 
 Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, atribuindo‑se 
 relevância às notificações desta promoção efectuadas para o arguido e para a sua 
 defensora, sendo aquela por via postal simples, com prova do depósito da 
 correspondência. Perdendo sentido, face a essa fundamentação, a questão da 
 inconstitucionalidade da alegada (mas não comprovada) completa falta de audição, 
 suscitada na motivação do recurso para a Relação, a abertura da via de recurso 
 para o Tribunal Constitucional para apreciação da questão da 
 inconstitucionalidade do uso da via postal simples para notificação da promoção 
 de revogação da suspensão da execução da pena dependia da prévia suscitação 
 dessa questão perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, suscitação 
 a que o arguido, ora recorrente, não procedeu, como lhe cumpria, apesar de ter 
 disposto de oportunidade processual para o efeito, designadamente na resposta – 
 que omitiu – ao parecer do representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal da Relação do Porto, onde a validade e eficácia dessa notificação foram 
 expressamente invocadas.
 
             Não tendo o recorrente suscitado perante o tribunal recorrido, 
 apesar de ter disposto de oportunidade processual para o efeito, a questão de 
 inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, o presente recurso surge como 
 inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação do recorrente desenvolve a seguinte 
 argumentação:
 
  
 
             “Entendeu o M.mo Juiz Conselheiro Relator, em súmula, não conhecer 
 do recurso por entender [na nossa opinião mal, com o devido respeito] que o aqui 
 recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade do uso da via postal 
 simples para notificação da promoção de revogação da suspensão da execução da 
 pena, em sede de recurso.
 
             Acrescentou, ainda, o M.mo Juiz Conselheiro Relator que o recorrente 
 teve oportunidade para o fazer – em sede de resposta ao parecer do 
 representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto – e 
 não o fez.
 
             Se é certo que o recorrente não respondeu ao parecer do Ministério 
 Publico [nem a tal é obrigado, não podendo por isso ser prejudicado já que a 
 delimitação do recurso, em sede da Relação, estava já balizado pelas conclusões 
 apresentadas nas motivações] já não é correcta a outra conclusão retirada, ou 
 seja, que não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade, senão vejamos.
 
             O arguido recorrente sempre negou ter tido conhecimento da decisão 
 que o notificou do despacho de promoção de revogação da suspensão da execução 
 da pena pelo Ministério Público.
 
             E que mais poderia dizer?
 
             Que recebeu essa notificação, dela teve integral conhecimento mas a 
 forma utilizada [via postal simples] desrespeitou a forma estabelecida na lei 
 processual penal para que tal ocorresse?
 
             Julgamos que não.
 
             O que releva, nestes casos, é saber‑se se o arguido, aqui 
 recorrente, tomou ou não conhecimento dessa decisão. E essa prova competiria, 
 apenas e só, ao Ministério Público, enquanto órgão tutelar da acção penal, 
 fazê‑la.
 
             O facto de existir um comprovativo de depósito tal implica que o 
 arguido teve conhecimento da decisão? Julgamos que não.
 
             A não ser assim, seria inexplicável o porquê da consagração, na lei 
 adjectiva, das diferentes formas de notificação aos arguidos (postal 
 simples/postal registada/pessoal)!
 
             O arguido, em sede de recurso para o Venerando Tribunal da Relação 
 do Porto, alegou que a forma como foi lhe foi aplicada uma pena privativa da 
 liberdade, sem a sua audiência prévia, constituía uma violação dos direitos de 
 defesa e exercício do contraditório assegurados, na Constituição da República 
 Portuguesa – artigo 31.º, n.ºs 1 e 5.
 
             Acresce que, ainda que se colha o entendimento do M.mo Juiz 
 Conselheiro Relator, é jurisprudência assente neste Alto Tribunal que a forma 
 como foi sendo configurada a questão controvertida nas instâncias inferiores não 
 constitui limitação ou cerceamento àqueles poderes (Acórdão n.º 160/92).
 
             Não podemos deixar de repetir que o aqui recorrente não foi 
 notificado para se pronunciar, quanto à promoção do Ministério Público no 
 sentido de revogar a suspensão da execução da pena, apesar do registo postal 
 existente a fls. 495, por duas ordens de razões:
 
             1.º – O aqui recorrente não teve conhecimento dessa notificação 
 
 «alegadamente» depositada no receptáculo postal pelo funcionário dos CTT. Tal 
 notificação, apesar de ter sido efectuada à então mandatária do aqui 
 recorrente, teria de o ser, também e obrigatoriamente, na sua pessoa.
 
             2.º – Não se poderá olvidar que a forma empregue – notificação por 
 via postal simples – só pode ser efectuada nos «casos expressamente previstos» 
 no artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
             a) Ora, com o trânsito em julgado da decisão condenatória cessaram 
 as medidas de coacção, incluindo o termo de identidade e residência (artigo 
 
 214.º, n.º 1, alínea e), do CPP), deixando a partir de então de ser possível 
 notificar o arguido recorrente por via postal simples, nos termos do artigo 
 
 196.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
 
             Consequentemente, não pode ser o aqui reclamante «onerado» com a 
 conclusão que foi regularmente notificado de tal despacho – porque não o foi, 
 M.mos Juízes Conselheiros!!!
 
             b) Poder‑se‑ia, ainda, colocar a questão de saber‑se se tal despacho 
 deveria ter sido notificado ao arguido recorrente, ou se bastava a sua 
 notificação ao defensor.
 
             Esta questão tem resposta plasmada no artigo 113.º, n.º 9, do CPP, 
 estabelecendo a seguinte regra: a notificação ao defensor é bastante, a não ser 
 nos casos ali expressamente previstos: notificações respeitantes à acusação, à 
 decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de 
 medidas de coacção e de garantia patrimonial e dedução do pedido cível.
 
             No caso sub judice, quer pela promoção tida em 1.ª instância, quer 
 pelo despacho judicial que ordenou a notificação ao arguido recorrente, quer 
 pelo parecer do Ex.mo Sr. Procurador‑Geral Adjunto na Relação do Porto, quer 
 pelo teor do acórdão, subscrito por unanimidade pelos Ex.mos Senhores Juízes 
 Desembargadores, inexiste qualquer dúvida que tal despacho tinha de ser 
 notificado ao arguido [a divergência apenas surge quanto ao tipo de notificação 
 
 – postal ou pessoal?].
 
             Ou seja, entendeu‑se que o caso sub judice se incluía nos casos 
 expressamente referidos no artigo 113.º, n.º 9, do CPP, quando se decidiu da 
 notificação ao arguido da promoção do Ministério Público. Assim sendo e, 
 enquanto tal despacho não for revogado, como não foi, impõe‑se a notificação 
 quer ao arguido quer ao seu defensor.
 
             Impondo-se a notificação ao arguido, na forma como se encontra 
 prevista na lei processual [por assim ter sido decidido no despacho que ordenou 
 a notificação (mal efectuada) do sentido e teor da promoção], ou seja, por 
 
 «contacto pessoal» ou por «via postal registada» – artigo 113.º, n.ºs 1 e 2, do 
 CPP.
 
             Se o arguido se remeteu ao silêncio, mais não lhe era exigível. Como 
 poderia se pronunciar contra algo que desconhecia?
 
             Uma vez aqui chegados, também não subscrevemos o acórdão da Relação 
 na parte em que aí refere e citamos:
 
  
 
             «Não pode, no entanto, deixar de se entender que existe a 
 obrigatoriedade de o fazer, em cumprimento quer do comando genérico previsto no 
 artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, quer do estatuído no artigo 32.º, n.ºs 1 
 e 5, da Constituição da República, que consagra que o processo criminal assegura 
 todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do 
 contraditório.
 
             A omissão da audição do arguido constituiria, pois, uma 
 irregularidade, que afecta o exame e a própria decisão, pelo que, a acontecer, 
 nos termos do artigo 123.º do CPP, deveria sempre ser reparada.»
 
  
 
             A omissão verificada é geradora de verdadeira nulidade, e não mera 
 irregularidade (ainda que quer pela adopção da 1.ª tese quer da subscrita no 
 acórdão em crise se extraia uma conclusão unânime):
 
             a ter ocorrido (como ocorreu) a omissão do princípio do 
 contraditório, a sua consequência terá de ser a repetição do acto ou a sua 
 reparação – nulidade, essa, insanável – artigo 410.º, n.º 3, do CPP.
 
             C) – Por outro lado, não seguimos a orientação vertida no acórdão em 
 crise, no sentido e interpretação constitucional, dada à lei adjectiva penal, ao 
 não exigir a presença física do arguido, para a sua audição e, consequente, 
 exercício do contraditório.
 
             Pelo exposto e, 
 
             tal como resulta da própria argumentação tecida no douto acórdão em 
 crise, julgamos que a questão da inconstitucionalidade das normas invocadas no 
 recurso, na interpretação que lhes foi dada, foi devidamente discutida em sede 
 do Tribunal da Relação do Porto, constituindo a interpretação efectuada uma 
 violação dos princípios constitucionais consagrados de defesa e exercício do 
 contraditório.
 
             Não se poderá olvidar que estamos a discutir, tão simplesmente, a 
 liberdade da pessoa humana. 
 
             Consequentemente, 
 
             deverá a conferência julgar procedente a presente reclamação com 
 vista a ser tomada pelo pleno da secção douto Acórdão, como é de inteira 
 justiça.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público apresentou 
 resposta, considerando “manifestamente improcedente” a presente reclamação, já 
 que “a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da (…) decisão 
 reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do recurso 
 interposto”.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. O objecto da reclamação de decisão sumária de não 
 conhecimento do recurso cinge‑se à apreciação da correcção das razões pelas 
 quais se entendeu não se verificarem os pressupostos do conhecimento do recurso 
 de constitucionalidade, pelo que, neste contexto, são irrelevantes as 
 considerações tecidas pelo reclamante quanto à interpretação do direito 
 ordinário no que respeita à forma de audição do arguido prévia à decisão sobre a 
 revogação da suspensão da execução da pena e quanto ao tipo de notificação a 
 utilizar, questões que só ganhariam relevância em sede de apreciação do mérito 
 do recurso, se o mesmo fosse admitido.
 
                         Na presente reclamação, trata‑se apenas de apurar se é, 
 ou não, procedente o entendimento, sufragado na decisão sumária reclamada, de 
 que o recorrente teve oportunidade processual de suscitar, perante o tribunal 
 recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, a questão de 
 inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Aí se entendeu, de 
 facto, que o arguido podia – e devia – ter suscitado tal questão na resposta 
 
 (que optou por não apresentar) ao parecer do Ministério Público junto do 
 Tribunal da Relação, em que explicitamente se conferia relevância à notificação 
 
 (tida por regular) do arguido, feita por via postal simples, com prova de 
 depósito, que lhe foi feita (para além da notificação, por via postal registada, 
 feita à sua defensora), da promoção do Ministério Público na 1.ª instância no 
 sentido da revogação da suspensão da execução da pena.
 
                         A circunstância, aduzida na presente reclamação, de o 
 arguido recorrente não estar obrigado a responder ao parecer emitido pelo 
 Ministério Público junto do Tribunal da Relação é, de todo, irrelevante. O 
 carácter facultativo dessa resposta em nada afecta a constatação de que o 
 arguido dispôs de oportunidade processual para suscitar, antes de proferida a 
 decisão recorrida, a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver 
 apreciada. E é a falta dessa suscitação, apesar da existência de oportunidade 
 processual para o efeito, que determina a inverificação do apontado requisito de 
 admissibilidade específico do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC.
 
                         Por estas razões, a decisão sumária reclamada merece 
 confirmação.
 
             
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 23 de Julho de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos