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Processo n.º 828/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 recorrente A., SA, e recorrido o Instituto das Estradas de Portugal 
 
 (actualmente, EP – Estradas de Portugal, SA), foi interposto recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal 
 de 12.06.2007.
 
  
 
 2. Na sequência de despacho que convidava a recorrente a definir com precisão o 
 objecto do recurso, veio esta dizer o seguinte:
 
 «1. A Recorrente veio, nos termos do disposto no artigo 69.° e seguintes da Lei 
 n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor Recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 2. A interposição de recurso teve por base o disposto na alínea b) do n.° 1 do 
 artigo 70 do Diploma legal supra referido, ou seja, entende a Recorrente que no 
 Acórdão de que se recorre foram aplicadas normas, cuja inconstitucionalidade foi 
 suscitada durante o processo. 
 
 3. De forma sintética, a Recorrente pretende que este Tribunal aprecie as 
 seguintes questões: 
 
 3.1. O Acórdão recorrido fez uma aplicação e interpretação do artigo 61.° do C. 
 Expropriações contrárias ao disposto nos artigos 20.° e 202.° da C.R.P, 
 denegando a justiça material devida ao caso concreto. 
 
 3.2. O Acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 653.° e 655.° 
 do C. P. Civil, sendo certo que o tribunal deve apreciar livremente as provas, 
 decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não se 
 encontrando, in casu, ao valor do laudo que lhe foi fornecido pela maioria dos 
 peritos. 
 
 3.3. O Acórdão recorrido fez uma aplicação e interpretação dos artigos 25.°, n.° 
 
 1, 2 e 3 do C. Expropriações contrárias aos normativos constitucionais 
 constantes dos artigos 62.°, 266.°, 267.° e 268.° da C.R.P., na medida em que um 
 prédio ao ser considerado como urbano, quer para efeitos de cadastro fiscal, 
 quer para efeitos de cadastro registral, não pode ao mesmo ser atribuída outra 
 classificação, pelo simples facto do cadastro administrativo lhe dar outra 
 afectação. Com efeito, considerar (como fazem os arestos recorridos) que um solo 
 
 é ou não apto para a construção apenas com base em instrumentos de gestão 
 territorial traduz uma interpretação do artigo 25.°, n.° 2, al. c) dos C. 
 Expropriações contrária à Constituição. Deve a norma do artigo 25.°, n.° 2, al. 
 c) do C. Expropriações, na interpretação efectuada pela sentença e Acórdão 
 recorridos ser declarada inconstitucional, por violação das normas constantes 
 dos artigos 62.°, n.° 2 e 266.° da C.R.P. 
 
 3.4. O Acórdão recorrido viola o princípio da unidade jurídica (artigo 9.º do C. 
 Civil), bem como as normas constantes do artigo 38.° e seguintes do C.I.M.I. 
 
 3.5. O Acórdão recorrido violou a norma constante do artigo 26.° do C. 
 Expropriações, sendo certo que o mesmo não teve em conta natureza urbana do 
 prédio em causa, comprovada pela Recorrente por documentos. 
 
 3.6. O Acórdão recorrido fez uma interpretação do artigo 26.° do C. 
 Expropriações, a qual se encontra em contradição com o artigo 62.°, conjugado 
 com o artigo 266.° da C.R.P. 
 
 3.7. O Acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 1305.° e 1308.° 
 do C. Civil, os artigos 62.° da C.R.P. e, ainda, o artigo 23.°, n.° 1 do C. 
 Expropriações, na medida cm que a indemnização arbitrada é irrisória e 
 desproporcionada à perda do bem expropriado por parte da Recorrente. 
 
 3.8. O Acórdão recorrido, ao interpretar e aplicar as normas citadas (artigos 
 
 25.° e 26.° do C. Expropriações) como aplicou, viola o princípio da 
 proporcionalidade, o princípio da justa indemnização ou da retribuição do valor 
 económico do bem, com protecção constitucional.»
 
  
 
 3. Por despacho de fls. 391, foram as partes notificadas para alegações, 
 suscitando-se o eventual não conhecimento do objecto do processo no que respeita 
 
 às questões referidas nos pontos 3.1., 3.2., 3.4. e 3.5. da resposta que 
 antecede.
 
  
 
 4. A recorrente apresentou alegações, pronunciando-se sobre as questões prévias 
 e concluindo o seguinte: 
 
 «A) O Juiz da primeira instância, ao considerar desnecessária a produção da 
 prova testemunhal e a inspecção judicial fez uma interpretação e aplicação do 
 artigo 61° desconforme com o disposto no artigo 20.º e 202.° da C.R.P. e, o 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao confirmar tal decisão, cometeu o 
 mesmo erro, sendo certo que, em sede de Recurso da decisão final, é o momento 
 adequado para se levantar e apreciar tal questão. 
 B) A Sentença da primeira instância e o Acórdão que a confirma fez uma 
 interpretação e aplicação do artigo 25.° do C. Expropriações em desconformidade 
 com as normas dos artigos 62.°, 266.°, 267.° e 268.° da C.R.P. 
 C) O Acórdão recorrido fez uma interpretação e aplicação do artigo 26° do C. 
 Expropriações em desconformidade com as normas dos artigos 62.° e 266.° da 
 C.R.P. 
 D) O Acórdão recorrido, ao aplicar como aplicou as normas dos artigos 23.°, 25.° 
 e 26.° do C. Expropriações, não teve em conta os princípios orientadores 
 previstos nos artigos 1305.° e 1308.° do C. Civil e do artigo 62.° da C.R.P. 
 E) Não pode a expropriada pagar contribuição autárquica, actualmente imposto 
 municipal sobre imóveis (IMI), de um prédio urbano para nele poder desenvolver a 
 sua actividade e, quando lhe impõem o sacrifício de ceder tal bem por razões de 
 interesse público, o Estado, nos termos do artigo 25.° e 26.° do C.E., 
 discriminatoriamente avaliar tal prédio como rústico, em flagrante violação do 
 princípio da igualdade e não discriminação constitucionalmente consagrados, nos 
 artigos 13.° e 266.° da C.R.P. 
 Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser declarado 
 procedente e, por via dele: 
 A) Declarar inconstitucional, por violação das normas dos artigos 20.° e 202.° 
 da C.R.P., a interpretação e aplicação efectuada nos autos do artigo 61.° do C. 
 E. 
 B) Declarar inconstitucional, por violação das normas dos artigos 13.°, 62.º, 
 
 266.°, 267.° e 268.° da C.R.P., a interpretação e aplicação efectuada nos autos 
 dos artigos 23.°, 25.° e 26.° do C. E.»
 
  
 
 5. A recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «I - No recurso em crise não foi levantada qualquer desconformidade normativa 
 que sustente o mesmo, não estando verificados os pressupostos de aplicação do 
 art. 70.° da LTC. 
 II — Com o devido respeito a única desconformidade que se poderá verificar no 
 acórdão recorrido será à vontade e interesses da recorrente, mas não relativa à 
 Lei Fundamental.
 
  III — Não compete assim, nos termos da legislação invocada, ao Tribunal 
 Constitucional a apreciação da interpretação das normas jurídicas praticada pelo 
 tribunal a quo.  
 Sem conceder e à cautela, mesmo que assim não se entenda 
 IV — As decisões recorridas respeitam quer o direito ordinário, quer o 
 constitucional, não se verificando nenhuma das violações alegadas pela 
 recorrente.»
 
  
 
 6. Na sequência do despacho de fls. 422, onde se suscitou o eventual não 
 conhecimento da totalidade do objecto do recurso, pelas razões aí constantes, 
 veio a recorrente dizer o seguinte:
 
 «1. Como refere o artigo 72.° da LCT, tem legitimidade para recorrer para este 
 mais Alto Tribunal quem suscitou a questão da inconstitucionalidade ou da 
 ilegalidade que proferiu a decisão recorrida. 
 
 2. Nas alegações apresentadas no Tribunal de primeira instância, a recorrente 
 suscitou, desde logo, a questão de desconformidade da interpretação e aplicação 
 das normas constantes dos artigos 23°, 25° e 26° do C. Expropriações, em 
 desconformidade com o artigo 62° da CRP (cfr. pontos 44 a 64 de tais alegações). 
 
 
 
 3. Diga-se, em abono da verdade, que o corpo de tais alegações, nomeadamente os 
 pontos acima referidos, não são mais do que pugnar pela interpretação e 
 aplicação de tais dispositivos constantes do C. Expropriações em conformidade 
 com as normas constitucionais citadas, designadamente, as constantes dos artigos 
 
 62.°, 266.° e 267.° da CRP. 
 
 4. Também nas alegações de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de 
 Coimbra se pugna por tal interpretação e aplicação em conformidade com as normas 
 constitucionais, o que resulta, não só do corpo das alegações, mas, de igual 
 forma, das respectivas conclusões (cfr. pontos 53 a 60 do corpo das alegações e 
 al. K) das Conclusões). 
 
 5. É, para nós, inquestionável que de tais alegações emerge que os arestos 
 recorridos interpretaram e aplicaram as normas referidas do C. Expropriações em 
 desconformidade com as normas constitucionais citadas. 
 
 6. Com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a intervenção do 
 Tribunal Constitucional não deverá ser encarada restritivamente sob o ponto de 
 vista formal, sendo certo que as desconformidades com as normas e princípios 
 constitucionais invocados nos autos deverão ser objecto de análise, conhecimento 
 e decisão por este mais Alto Tribunal, o que, desde já, se requer.»
 
                         
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 A)    Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 7. Em sede de alegações, veio a recorrente restringir o objecto do recurso à 
 apreciação da inconstitucionalidade das normas dos 23.º, 25.º, 26.º e 61.º do 
 Código das Expropriações.
 Mostra-se, assim, prejudicada a apreciação da questão prévia de eventual não 
 conhecimento do objecto do recurso na parte agora excluída.
 Assim delimitado o objecto do recurso, cumpre começar por decidir as questões 
 prévias atinentes às normas acima identificadas.
 
  
 B) Falta de pressupostos para o conhecimento do objecto do recurso 
 
  
 
 8. Conforme se suscitou no despacho de fls. 391, acima mencionado, não estão 
 reunidas as condições para o conhecimento do objecto do recurso no que respeita 
 ao artigo 61.º do Código das Expropriações. 
 Independentemente de se saber se a recorrente suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade no decurso do processo, de forma adequada, o certo é que 
 nem o acórdão recorrido nem a sentença da primeira instância, que aquele 
 confirmou, fizeram efectiva aplicação do referido artigo 61.º 
 Pois, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tal questão 
 foi decidida por anterior despacho do juiz de primeira instância que, não tendo 
 sido objecto de qualquer recurso, transitou em julgado. 
 
 É o que resulta da seguinte passagem do acórdão recorrido: 
 
 «[…] 2.4. Frente a todo o exposto, temos, pois, que não tendo sido interposto 
 recurso − como vimos que lhe era admissível −, do predito despacho que lhe 
 indeferiu a realização das diligências probatórias solicitadas, a Recorrente 
 consentiu que o mesmo transitasse em julgado − “ut” arts. 679º e 677º do CPC −, 
 não sendo assim possível imputar, como referimos, qualquer deficiência à 
 actuação do Mmo. Juiz por, na sentença final, ter levado a efeito o atinente 
 julgamento de facto atendo-se “apenas” aos demais elementos de prova constantes 
 dos autos − maxime dos laudos periciais. […]»
 Assim, não tendo a decisão recorrida feito aplicação do artigo 61.º do Código 
 das Expropriações, não pode conhecer-se do objecto do recurso nesta parte (cfr. 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
 
  
 
 9. Também não se mostram reunidos os requisitos necessários ao conhecimento do 
 objecto do recurso na parte respeitante aos artigos 23.º, 25.º e 26.º do Código 
 das Expropriações, por falta de cumprimento do ónus de suscitação que incumbia à 
 recorrente, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
 De facto, a recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, uma questão 
 de inconstitucionalidade normativa atinente a estes preceitos legais. Nas 
 alegações do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, embora a recorrente 
 discorra sobre o conceito de justa indemnização (pontos 53 a 60 do corpo das 
 alegações), acaba por imputar a violação de normas constitucionais à própria 
 decisão recorrida (cfr. conclusão K) das referidas alegações) e em momento algum 
 imputa o vício de inconstitucionalidade a um critério normativo aplicado na 
 decisão recorrida. 
 Ora, como este tribunal tem reiteradamente salientado, não é a decisão judicial, 
 em si mesma, não é o acto judicativo de concreta aplicação do direito, enquanto 
 tal, que pode ser fiscalizado no recurso de constitucionalidade.
 Forçoso é concluir, por isso, que não foi suscitada qualquer questão de 
 constitucionalidade reportada a uma norma ou critério normativo, não se 
 mostrando, consequentemente, reunidos os pressupostos necessários ao 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 III − Decisão
 Pelo exposto, acordam em não conhecer do objecto do presente recurso.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 2 de Julho de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos