 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº: 872/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I – RELATÓRIO
 
 
 
 1. Nos presentes autos em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, 
 foi interposto recurso de acórdão proferido, em conferência, pela 9ª Secção 
 Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em 09 de Outubro de 2008 (fls. 541 a 
 
 555) para apreciação da constitucionalidade da norma extraída do “artigo 105. °, 
 nº 4, alínea b), do RGIT segundo a qual pode ser criminalmente punido quem tenha 
 sido notificado para pagar uma prestação tributária acrescida dos respectivos 
 juros, sem que seja indicado o montante concreto desses juros, nem a forma de os 
 calcular, designadamente por omissão das respectivas taxas, do período de 
 cálculo dos mesmos e das normas legais que os prevêem.” (fls. 558).
 
  
 
 2. Notificado, o recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
                         «I.        Notificar os arguidos para pagar determinado 
 tributo, acrescido de juros de mora, não lhes indicando, aquando dessa 
 notificação, o montante concreto destes, nem os elementos de que depende o seu 
 cálculo (taxas, período de mora e fundamento legal), seria deixar os arguidos 
 numa situação de incerteza e insegurança jurídicas, absolutamente inaceitável 
 num Estado de Direito democrático, mormente quando está em causa a sua 
 responsabilidade criminal. 
 
  
 II.        Tal entendimento violaria também a plenitude das garantias de defesa 
 dos arguidos, pois ver-se-iam praticamente impossibilitados de reagir, em tempo 
 
 útil e de modo adequado, a eventuais erros no cálculo ou na liquidação dos 
 juros. 
 
  
 III.       Admitir que os requisitos de validade ou eficácia de uma notificação 
 para pagamento de juros de mora tributários de que depende a responsabilização 
 criminal dos arguidos fossem menos exigentes do que os requisitos de uma 
 notificação para realização de um pagamento de que apenas depende a mera 
 responsabilização tributária violaria manifestamente o princípio da 
 proporcionalidade. 
 
  
 IV.       Com efeito, nesse caso, sem qualquer razão justificativa e de modo 
 desnecessário e desproporcionado, a limitação ou compressão do direito à 
 liberdade que decorre da responsabilidade criminal seria maior, ou poderia 
 ocorrer com maior facilidade, do que a limitação do direito de propriedade que 
 decorre da responsabilidade tributária. 
 
  
 V.        É, pois, inconstitucional, por violação dos princípios da confiança e 
 da certeza e segurança jurídicas, decorrentes dos princípios da dignidade da 
 pessoa humana (art. 1º da CRP) e da legalidade (art. 29. °, n.º 1, da CRP), da 
 proporcionalidade (art. 18. °, n.º 2), da plenitude das garantias de defesa 
 
 (art. 32. °, n.º 1, da CRP), da boa fé e do dever de fundamentação (arts. 266. 
 
 °, n.º 2, e 268. °, n.º 3 da CRP), a norma extraída da interpretação do artigo 
 
 105. °, n.º 4, alínea b), do RGIT segundo a qual pode ser criminalmente punido 
 quem tenha sido notificado para pagar uma prestação tributária acrescida dos 
 respectivos juros, sem que seja indicado o montante concreto desses juros, nem a 
 forma de os calcular, designadamente por omissão das respectivas taxas, do 
 período de cálculo dos mesmos e das normas legais que os prevêem. 
 
  
 VI.       Em consequência, deve determinar-se a revogação ou alteração do douto 
 Acórdão recorrido, de harmonia com o correspondente juízo de 
 inconstitucionalidade da norma por ele aplicada.» (fls. 570 e 571)
 
  
 
 3. O Ministério Público formulou as seguintes contra-alegações: 
 
  
 
 «1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 
  
 
 1.1. Não se conformando com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o 
 arguido A. interpôs o presente recurso de constitucionalidade circunscrito à 
 apreciação da conformidade à lei fundamental da norma do artigo 105º nº4, alínea 
 b) do Regime Geral de Infracções Tributárias, nos termos que constam do 
 respectivo requerimento de interposição de fls 558 e 559.
 
 1.2. Nas suas conclusões refere o recorrente no ponto V: “É pois, 
 inconstitucional, por violação dos princípios da confiança e da certeza e 
 segurança jurídicas, decorrentes dos princípios da dignidade da pessoa humana 
 
 (artigo 1 da Constituição da República Portuguesa) e da legalidade (artigo 29º, 
 nº1 da Constituição da República Portuguesa) da proporcionalidade ( artigo18º, 
 nº2) da plenitude das garantias de defesa (artigo 32º, nº 1, da Constituição da 
 República Portuguesa) da boa fé e do dever de fundamentação (artigos 266º nº2 e 
 
 268º, nº3 da Constituição da República Portuguesa), a norma extraída da 
 interposição do artigo 105º,nº4, alínea b), do Regime Geral de Infracções 
 Tributárias segundo o qual pode ser criminalmente punido quem tenha sido 
 notificado para pagar uma prestação Tributária acrescida dos respectivos juros, 
 sem que seja indicado o montante concreto desses juros, nem a forma de os 
 calcular, designadamente por omissão das respectivas taxas, do período de 
 cálculo dos mesmos e das normas legais que os prevêem”.
 
 1.3.Sobre a matéria e conteúdo da notificação pronunciou-se a decisão de 
 primeira instância em termos clarividentes (fls 490 a 491): “Compulsados os 
 autos, verifica-se a existência, a fls. 182 de cópia da notificação remetida 
 pela Segurança Social ao arguido A. (que é também representante legal da 
 sociedade arguida), na qual se menciona que o mesmo é notificado, nos termos e 
 para os efeitos do disposto na al. b) do n.°4 do  art. 105.°do RGIT para 
 proceder ao pagamento ou fazer prova de ter pago, no prazo de 30 dias, o valor 
 de €620.719,46 relativo a quotizações retidas e não entregues na Segurança 
 Social, a que acrescem os respectivos juros de mora que se vencem até integral 
 pagamento, referentes aos meses indicados no mapa de apuramento de dívida. em 
 anexo. Mais se faz constar na notificação que a prova do cumprimento da 
 notificação deve ser feito no Gabinete de Investigação Criminal cuja morada é 
 também indicada na notificação. 
 Ora, efectivamente, conforme invocado pelos arguidos, não é referido na 
 notificação efectuada qual o montante da coima a pagar, nem o montante concreto 
 dos juros devidos. 
 Porém, tais omissões não podem importar qualquer vicio da notificação. 
 Por um lado, porque não está legalmente prevista a possibilidade de 
 sancionamento com coima da falta de entrega das contribuições devidas à 
 Segurança Social e deduzidas nos salários dos trabalhadores. Assim, não 
 existindo contra-ordenação relativa a tal infracção, não será devida coima. E 
 porque tal ausência e previsão resulta da análise dos preceitos legais 
 aplicáveis, naturalmente não carecerá de referência na notificação efectuada. 
 Por outro lado porque os juros aplicáveis serão naturalmente os juros legais, ou 
 seja, os previstos no Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de Março. Efectivamente, 
 vencendo-se os juros mensalmente e sendo certo que os arguidos foram informados 
 em concreto de cada contribuição em falta e do montante respeitante a cada mês, 
 o respectivo apuramento depender de mero cálculo aritmético, em função da 
 percentagem legalmente fixada. Não estavam, pois, impossibilitados os arguidos 
 de conhecer o montante em dívida e, por outro lado, não estava a Segurança 
 Social obrigada a proceder à sua liquidação sem sabe em concreto quando se 
 procederia ao seu pagamento e sendo certo que os juros vencer-se-iam até àquela 
 data.
 Temos pois, que não sendo determinado montante dos juros devidos, o mesmo era 
 determinável por simples cálculo aritmético e aplicação dos juros legais, não 
 carecendo, por isso, de ser provisoriamente liquidados para se ter por perfeita 
 a notificação.”
 
  
 
 1.4 Refere, por seu lado, a decisão recorrida (fls 554 e 555) o seguinte: “O 
 crime de abuso de confiança contra a segurança social é um crime omissivo puro, 
 pois o facto tipicamente ilícito consiste em não entregar à Segurança Social o 
 montante das contribuições legalmente devidas, deduzidas aos trabalhadores ou 
 membros dos órgãos sociais no valor das suas remunerações. 
 A Lei de Orçamento de Estado de 2007 ao aditar ao n ° 4 do artigo 105° do RGIT a 
 alínea b,), mais não fez do que acrescentar uma nova condição de punibilidade ao 
 referido preceito, i.é, para além do decurso de mais de 90 dias sobre o termo do 
 prazo para o cumprimento da obrigação de entrega da prestação tributária, 
 exige-se agora que o contribuinte que tenha cumprido as obrigações declarativas 
 acessórias à obrigação de entrega das cotizações retidas, não tenha regularizado 
 a situação perante a segurança social, no prazo de 30 dias após notificação para 
 o efeito. A interpretação que se deve dar à “nova” norma deverá ser a de que os 
 factos não serão puníveis criminalmente se o agente regularizar a situação 
 contributiva (cotizações acrescidas de juros de mora), pagando também uma coima 
 devida pela falta de entrega atempada das contribuições retidas, no prazo de 30 
 dias após ter sido notificado para o efeito.
 Pretendeu, com esta alteração, o legislador conceder uma derradeira oportunidade 
 aos arguidos de não serem punidos criminalmente pelos factos praticados, caso 
 regularizassem a situação contributiva no prazo de 30 dias após terem sido 
 notificados para o efeito.
 Refira-se ainda que, tendo já os arguidos sido notificados anteriormente a fls 
 
 95 para efectuarem o pagamento das quantias em dívida à Administração Fiscal, 
 não se entende como apenas depois da acusação deduzida e neste momento se vem 
 dizer que não se sabe qual o montante das quantias a pagar.
 Por outro lado, os arguidos são notificados apenas da possibilidade de, num 
 prazo de 30 dias, efectuarem o pagamento de uma prestação em dívida. Não lhes 
 são remetidas quaisquer guias de pagamento, nem o Tribunal seria a sede indicada 
 para proceder ao pagamento. 
 Como é obvio, pela supra aludida notificação, é dada uma derradeira hipótese aos 
 arguidos de liquidarem os montantes devidos, sendo que, para tal efeito, terão 
 que diligenciar pela concretização desse mesmo pagamento, junto dos serviços da 
 administração fiscal competentes e, posteriormente, comprovar o pagamento nos 
 autos.
 Os juros devidos sobre os valores, das prestações da segurança social deduzidas 
 e não entregues, encontra fundamento no n°1 do art°16° do DL nº 411/91, de 17 de 
 Outubro onde se estabelece que são devidos juros de mora pelo não pagamento das 
 contribuições à segurança social, e no art°130 do DL n°103/80, de 9 de Maio, 
 segundo o qual são pessoal e solidariamente responsáveis pelas contribuições e 
 
 ‘juros de mora que devem ser pagos por sociedades de responsabilidade limitada, 
 os respectivos gerentes ou administradores.
 Refira-se por último não existir qualquer inconstitucionalidade na aplicação das 
 normas acima referidas.”
 
 1.5. A leitura dos extractos que acabámos de citar em 1.3 e 1.4 parecem-nos 
 claramente elucidativos para que se possa concluir com suficiência e segurança, 
 no sentido da ausência de violação de preceitos ou princípios constitucionais.
 
 1.6 Um prazo de 30 dias, como o que consta da norma em apreciação, que visa 
 conceder uma derradeira oportunidade de não desencadeamento dos procedimentos 
 incriminatórios, configura um período de tempo mais que razoável, para quem 
 perante uma notificação, tal e qual a que foi feita, e que não é passível de 
 critica, possa obter o devido esclarecimento relativo ao concreto montante em 
 causa, caso alguma dúvida subsista e nisso tenha interesse para evitar as 
 consequências penais da situação.
 
  
 
 2. Conclusão
 
  
 Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:
 
  
 
 1. Não é inconstitucional a norma do artigo 105º, nº4, línea b) do RGIT, quando 
 a notificação aí prevista faça referência expressa á prestação devida e aos 
 respectivos juros legais, ainda que não os quantifique, nem refira as normas 
 legais que os prevejam.
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.» (fls. 573 a 577)
 
  
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Pelo presente recurso, pretende o recorrente que seja apreciada a 
 constitucionalidade da seguinte norma, constante do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, segundo a redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de 
 Dezembro:
 
  
 
 “Artigo 105º
 
             (…)
 
             4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
 
             (…)
 
             b) A prestação comunicada à administração tributária através da 
 correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do 
 valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”
 
  
 Argumenta o recorrente que a sua punição, por crime de abuso de confiança fiscal 
 praticado contra a Segurança Social conduz a uma interpretação inconstitucional 
 daquele preceito legal, na medida em que poderia “ser criminalmente punido quem 
 tenha sido notificado para pagar uma prestação tributária acrescida dos 
 respectivos juros, sem que seja indicado o montante concreto desses juros, nem a 
 forma de os calcular, designadamente por omissão das respectivas taxas, do 
 período de cálculo dos mesmos e das normas legais que os prevêem.” (fls. 558)
 
  
 Ora, tal configuração da dimensão normativa em apreço poderia suscitar dúvidas 
 quanto à admissibilidade do seu conhecimento, na medida em que a decisão 
 recorrida parece oscilar entre considerar que “de tal notificação parece-nos 
 resultar claro e perceptível qual o pagamento a efectuar (…), sendo que é sobre 
 tal montante que, como se diz na notificação e sabe o contribuinte, incidem 
 juros de mora” (fls. 552) e reconhecer que não consta da notificação a 
 referência ao diploma legal que fixa os juros de mora e que o recorrente 
 disporia de 30 dias para diligenciar no sentido do esclarecimento quanto aos 
 montantes em causa.
 
  
 Daqui decorre que, pelo menos implicitamente, a decisão recorrida reconhece que 
 da notificação só consta o montante total a liquidar, não mencionando 
 expressamente qual o montante a pagar a título de juros de mora, nem tão pouco 
 qual o diploma legal que determina a taxa aplicável. Aliás, note-se que a 
 própria decisão recorrida sentiu a necessidade de explicitar que os juros são 
 devidos ao abrigo do n.º 1 do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de 
 Outubro, e do n.º 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09 de Maio (cfr. fls. 555), 
 e não com base no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, como constava da 
 decisão de primeira instância. 
 
  
 Entende-se pois ser de conhecer da questão de constitucionalidade em apreço, na 
 medida em que o tribunal “a quo” aplicou efectivamente a dimensão normativa 
 reputada de inconstitucional pelo recorrente, ainda que não o tenha feito de 
 modo totalmente explícito.
 
  
 
             5. A questão de constitucionalidade que se coloca é, portanto, a de 
 saber se “a norma extraída do “artigo 105. °, nº 4, alínea b), do RGIT segundo a 
 qual pode ser criminalmente punido quem tenha sido notificado para pagar uma 
 prestação tributária acrescida dos respectivos juros, sem que seja indicado o 
 montante concreto desses juros, nem a forma de os calcular, designadamente por 
 omissão das respectivas taxas, do período de cálculo dos mesmos e das normas 
 legais que os prevêem” configurará uma lesão dos direitos fundamentais do 
 recorrente ao respeito pelos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 
 
 1º, da CRP), da legalidade (artigo 29°, n.º 1, da CRP), da proporcionalidade 
 
 (artigo 18°, n.º 2, da CRP), da plenitude das garantias de defesa (artigo 32°, 
 n.º 1, da CRP), da boa fé e do dever de fundamentação (artigos 266°, n.º 2, e 
 
 268°, n.º 3, ambos da CRP), tal como alega o recorrente.
 
  
 
             Antes de mais, importa determinar qual a esfera de protecção 
 normativa de cada um destes princípios e direitos, de modo a avaliar da sua 
 eventual violação.
 
  
 
             Começando pelo princípio da dignidade da pessoa humana, importa 
 notar que este se apresenta enquanto princípio rector do ordenamento jurídico 
 português, significando que a República Portuguesa reconhece a impossibilidade 
 de instrumentalização do indivíduo, sujeitando-o a regras jurídicas que o 
 transformem em objecto e não em sujeito de Direito (assim, ver Jorge Reis 
 Novais, “Direitos Fundamentais: Trunfos Contra a Maioria”, 2006, Coimbra, pp. 30 
 e 31; Gomes Canotilho / Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa 
 Anotada”, 2007, Coimbra, p. 199). Daquele princípio fundamental decorrem outros 
 princípios (por exemplo, o princípio da igualdade) e direitos fundamentais que 
 encontram eco na própria Constituição (por exemplo, o direito à vida, o direito 
 ao desenvolvimento da personalidade, o direito à integridade física, etc).
 
             
 
             Porém, mal se compreende a invocação directa do princípio da 
 dignidade da pessoa humana, quando relacionado com a questão de 
 constitucionalidade em discussão nos presentes autos. Não se vislumbra como é 
 que a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida pode contender 
 directamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, da CRP).
 
  
 
             Quanto à alegada violação do princípio da legalidade das penas 
 
 (artigo 29º, n.º 1, da CRP), importa frisar que o recorrente foi acusado nos 
 autos recorridos do crime de abuso de confiança fiscal, previsto no n.º 1 do 
 artigo 105º do RGIT, nos termos do qual “Quem não entregar à administração 
 tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a 
 
 (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a 
 entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.”. Ora, 
 independentemente da aferição sobre a ausência de especificação dos juros 
 devidos, respectiva taxa e diploma legal aplicável, torna-se evidente que, à 
 data em que não entregou a quantia devida, o recorrente tinha que estar ciente 
 da cominação legal da sua conduta omissiva como crime de abuso de confiança, 
 previsto por lei prévia. A circunstância de – no seu entendimento – a 
 notificação para pagamento não se encontrar devidamente fundamentada não 
 invalida que aquele conhecesse o montante total devido e, consequentemente, que 
 pudesse concluir que, caso não o entregasse, estaria a cometer o referido 
 ilícito típico criminal. Como tal, não se detecta qualquer violação do princípio 
 da legalidade das penas (artigo 29º, n.º 1, da CRP).
 
  
 
             Quanto à alegada violação do princípio da boa fé (artigo 266º, n.º 
 
 2, da CRP) por força da interpretação normativa adoptada pela decisão recorrida, 
 diga-se, muito sinteticamente, que não se vislumbra de que modo tal violação 
 poderia ocorrer. A administração tributária notificou o recorrente para que 
 procedesse ao pagamento da quantia devida – ainda que a fundamentação da decisão 
 nela corporizada pudesse não ser a mais adequada, o que se discutirá infra – e a 
 decisão recorrida interpretou a alínea b) do n.º 4 do artigo 105º RGIT de modo a 
 que a administração tributária permanecesse vinculada ao dever de prestação de 
 informações e esclarecimentos, durante um prazo de 30 dias:
 
  
 
 “Por outro lado, os arguidos são notificados apenas da possibilidade de, num 
 prazo de 30 dias, efectuarem o pagamento de uma prestação em dívida. Não lhe são 
 remetidas quaisquer guias de pagamento, nem o Tribunal seria a sede indicada 
 para proceder ao pagamento.
 Como é óbvio, pela supra aludida notificação, é dada uma derradeira hipótese aos 
 arguidos de liquidarem os montantes devidos, sendo que, para tal efeito, terão 
 que diligenciar pela concretização desse mesmo pagamento, junto dos serviços da 
 administração fiscal competentes e, posteriormente, comprovar o pagamento nos 
 autos.” (fls. 555)
 
  
 
             Daqui resulta que nada na interpretação normativa acolhida na 
 decisão ora sub judice aponta no sentido de que seria lícito interpretar-se a 
 alínea b) do n.º 4 do artigo 105º RGIT, de modo a que ficasse colocado em risco 
 o princípio da boa fé. Pelo contrário, a própria interpretação normativa 
 acolhida desmente a alegação do recorrente.
 
  
 Do mesmo modo se pode dizer que a interpretação normativa adoptada pelo tribunal 
 
 “a quo” não implica qualquer restrição do âmbito de protecção dos direitos e 
 garantias de defesa do recorrente (artigo 32º, n.º 1, da CRP) nem a preterição 
 do dever de fundamentação pela administração tributária (artigo 268º, n.º 3, da 
 CRP) e do seu correspectivo direito à fundamentação, isto porque não está aqui 
 em causa qualquer notificação de acto tributário que deva estar sujeito a essas 
 regras.  
 
  
 
             Também não faz qualquer sentido a invocação, neste caso, do 
 princípio da proporcionalidade, desde logo porque não se verifica qualquer 
 restrição de direitos.
 
  
 Em suma, o recorrente não tem razão.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao presente recurso.
 
  
 Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 25 de Março de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão