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Processo n.º 877/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 12 de Outubro de 2004 o relator lavrou despacho com o seguinte teor:
“1. Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 13 de Novembro de 2003 que negou provimento ao recurso interposto por A. da sentença prolatada em 29 de Agosto de 1996 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo aquele indicado impugnante.
Não tendo a Relatora do Tribunal Central Administrativo, por despacho lavrado em 17 de Dezembro de 2003, admitido o recurso, reclamou o recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, que, por despacho de 25 de Maio de 2004, indeferiu a reclamação.
Deste despacho recorreu o impugnante para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, o que motivou o Presidente deste Alto Tribunal a indeferir tal pretensão por despacho de 14 de Julho de 2004, já que entendeu que nos ‘termos e por força do disposto no artº. 689º. nº. 2, do Cod. Proc Civil, a decisão proferida no âmbito da reclamação prevista no artº. 688º. do mesmo diploma ‘não pode ser impugnada’’.
Do citado despacho interpôs então A. recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez ‘ao abrigo do Artº. 70º, nº. 1, alíneas b), f) e i) da Lei nº. 28/82, de 15/11, conjugada com o Artº. 20º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa’, dizendo nesse requerimento, para o que ora releva:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
1. – Relativamente à alínea b) do referido Artº. 70º, nº1: Aos actos recorridos foi aplicada a norma constante do artº. 16º, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 43/84, de
3 de Fevereiro, ora revogado pelo Decreto-Lei n.º 247/92, de 7/11, conjugado com o Artigo 34º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 41/84, de 3/2, o qual não chegou a ser regulamentado, cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, por manifesta violação dos artigos 12º, 13º, nºs. 1 e 2, 53º, 58º, nºs. 1 e 3, 59º, nº. 1, alíneas a) e b) e nº. 2, e ainda alínea v) do nº. 1 do Artº. 168º
(correspondente à alínea t), do n.º 1 do Artigo 165º), todos da Constituição da República Portuguesa, conforme consta do recurso contencioso e dos recursos que se lhe seguiram, designadamente as alegações de recurso entregues em 3 de Março de 1998, perante o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e também no recurso jurisdicional apresentado no TAC de Lisboa, em 20/5/97;
2. – Quanto à alínea f) do mesmo Artigo: Foram aplicadas normas cuja ilegalidade foi suscitada durante o processo, designadamente as contidas no Artigo 16º, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 43/84, de 3/2 e no Artigo 34º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 41/84, de 3 de Fevereiro, valendo aqui os fundamentos aduzidos no número anterior;
3. – A respeito da alínea i) do citado artigo 70º: Também foi aplicada norma em desconformidade com o já decidido anteriormente acerca da questão pelo Venerando Tribunal Constitucional, ou seja, sobre a ‘aposentação obrigatória, isto é, compulsiva’, (v/ Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 285/92, de 22/07/1992 – Diário da República nº. 188, I Série – A, de 17/08/1992.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo requerimento cuja quase totalidade se encontra acima transcrita foi admitido por despacho proferido em 21 de Setembro de 2004 pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 76º da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Efectivamente, e sem que se esteja agora a analisar se, in casu, se congregavam alguns dos demais requisitos pressupositores dos recursos que se ancoram nas alíneas b), f) e i) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o que é certo é que se torna inequívoco que, na situação em presença, se não depara a existência de um dos pressuposto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade a que se reportam tais alíneas.
Consiste ele, justamente, na aplicação, no despacho ora intentado colocar sob censura, de nenhuma das normas que o impugnante elegeu como constituindo o objecto do recurso desejado interpor.
Aquele despacho, como indubitavelmente resulta do relato supra efectuado, limitou-se a convocar, como suporte jurídico da decisão no mesmo
ínsita, a norma vertida no nº 2 do artº 698º do diploma adjectivo civil.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
Notificado do transcrito despacho, o recorrente veio apresentar requerimento no qual disse:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ O Recorrente foi notificado do despacho de folhas 287 a 289 que indeferiu o Recurso que houvera apresentado para este Tribunal, ignorando os seus fundamentos, que são manifestamente de ordem constitucional, e atendo-se a outros, que são de natureza meramente formal e dizem respeito ao despacho do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo. Salvo o devido respeito, existe um manifesto erro na apreciação do recurso, já que o Recorrente não quis recorrer, nem podia, para o Tribunal Constitucional, em consequência de um despacho proferido por outro Tribunal, in casu o referido despacho de 14 de Julho de 2004 proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo. Como transparece, o Recorrente, mesmo não tendo outros méritos, bem sabe que este despacho não pode ser impugnado, e menos ainda levantando questões de ordem constitucional. Acontece que o Recorrente jamais pretendeu recorrer do referido despacho do STA. O Recorrente é bem claro, pensava, quando recorreu para o Tribunal Constitucional, invocando para tanto, os diversos preceitos legais que foram violados, pelos precedentes Tribunais Administrativos. Assim sendo, o despacho de 14 de Julho de 2004 do STA, tem apenas o condão de encerrar, jurisdicionalmente, a questão controvertida, devendo agora ser apreciada em sede do Tribunal Constitucional.
É isso que se pretende.
A vingar a tese do despacho que se pede a reparação, então nenhum recurso podia ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, já que todos eles hão-de ter como origem um despacho judicial que põe termo à questão controvertida. No presente caso, por mero acaso, a questão controvertida terminou com o despacho que transcreveu um preceito do Código de Processo Civil. Todavia este despacho, transitando em julgado, encerra a causa sub judice. Naturalmente que o Recorrente, antes de tal acontecer, e porque tem bastos fundamentos para que a presente questão seja apreciada pelo Tribunal Constitucional, uma vez que são inúmeros os diplomas legais que estão feridos de inconstitucionalidade, tinha de interpor o respectivo recurso. O saber do Recorrente é diminuto, para não se dizer escasso, mas ainda está convencido de que o Tribunal Constitucional tem por missão apreciar a inconstitucionalidade dos diplomas legais que afectam os direitos fundamentais dos cidadãos, ou seja contrários à Constituição, como é o caso daqueles que cita, e mais ainda tendo em conta que em todo o ‘processo administrativo’ sempre fez referência às referidas inconstitucionalidades. Sendo de outra forma, o Recorrente não sabe o caminho que deve trilhar, mas uma coisa é certa, fica privado e é altamente lesado dos seus .direitos, e mais ainda tratando-se de uma questão que tem contornos de uma quase perseguição política. O Recorrente não tem culpa de ter sido nomeado Chefe da Repartição Provincial de São Tomé e Príncipe, e por inerência Vogal do Tribunal Administrativo, Director do Arquivo de Identificação, despachando directamente com o Sr. Primeiro-ministro do Governo de Transição de São Tomé e Príncipe e ainda membro da Comissão de Recenseamento dos eleitores para a Assembleia Constituinte de Portugal, nomeação feita por um Delegado da Junta de Salvação Nacional, na qual exerceu as funções de Secretário dessa dita Comissão. Todos os dias mudam as normas, e o cidadão hoje perde-se num emaranhado de leis e contra-leis, normas e contra-normas, avanços e recuos, judicialização e desjudicialização de inúmeras questões que fazem parte do quotidiano português. O Tribunal Constitucional, seria o último reduto a que o Recorrente pode socorrer-se. O despacho de que se pede a reparação deita por terra todas as esperanças do Recorrente. Veja-se que é uma causa que teve início no dia 13 de Setembro de 1991. Eventualmente estes esclarecimentos serão despiciendos, e não seriam necessários. Seja como for estão em causa direitos fundamentais do Recorrente, e pensamos merecem uma apreciação do Tribunal Constitucional, e tal só é possível reparando o despacho em crise, que é devido, e admitir-se o recurso constitucional, posto que só assim, se fará Justiça. Na eventualidade do nosso requerimento ser falho nalgum aspecto essencial para a apreciação do referido recurso e sem querer por em causa o respeito que é devido aos Tribunais, talvez as razões do Recorrente fiquem melhor expressas, lendo-se as alegações que haveriam de ser entregues a esse Tribunal, e que se juntam para a melhor decisão. Nestes termos requer-se a V. Exa. que seja feita a reparação do despacho de folhas 287 a 289, admitindo-se o recurso para o Tribunal Constitucional, com os fundamentos expostos”.
Ouvida sobre a reclamação, Direcção-Geral da Administração Pública pronunciou-se no sentido de manifestar a sua total concordância com a decisão em crise.
Cumpre decidir.
2. Muito embora na parte final do requerimento que ora se aprecia - requerimento esse ao “Dr. Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional” - o impugnante venha solicitar “a reparação do despacho de folhas 287 a 289”, entende-se que, em rectas contas, aquilo que o mesmo pretende será reclamar, por força do preceituado no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, da decisão ínsita em tal despacho.
E, nesse contexto, será justamente essa actividade jurisdicional - a de o Tribunal emitir agora um juízo sobre a decisão de não conhecimento do objecto do recurso vertida no despacho supra transcrito - que irá ser levada a efeito.
Não se suscitam dúvidas em como o despacho intentado colocar sob a censura do Tribunal Constitucional foi o prolatado pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, proferido na sequência de um recurso que o ora impugnante intentou interpor para o pleno daquele Alto Tribunal de um despacho anterior, também lavrado pela mesma entidade, que indeferiu a reclamação de um despacho lavrado pela Relatora do Tribunal Central Administrativo e por intermédio do qual não admitiu um recurso que o ora impugnante desejou interpor para o dito Supremo Tribunal Administrativo.
Por outra banda, é igualmente inquestionável que o falado despacho da autoria do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo não convocou, como razão jurídica da decisão nele tomada, nenhum dos normativos que o ora recorrente indicou no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
Sendo assim, nenhuma censura merece a decisão tomada no despacho de fls. 287 a 289 dos presentes autos, razão pela qual se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 8 de Novembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício