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Processo n.º 840/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. e B., notificados do Acórdão n.º 556/2004, apresentaram o requerimento de fls. 5654-5655, do seguinte teor:
“1.º – Analisando o teor do douto Acórdão de fls. , depara-se o signatário com dúvidas que merecem ser esclarecidas.
2.º – Salvo o devido respeito, em que medida não se menciona no recurso interposto o critério normativo interpretativo adoptado pelo Tribunal.
Pois,
3.º Especifica-se o erro de análise e de aplicação da lei ao exigir-se a existência de «suspeita» de proveniência ilícita do bem recepcionado no caso da previsão estatuída no n.º 1 do artigo 231.º do Código Penal.
4.º – Não estará a lei a ser mal interpretada pelo julgador quando aplica erradamente e alarga os pressupostos da previsão normativa?
5.º – Não é tal actuação violadora dos direitos constitucionais de qualquer cidadão?
6.º – O facto de o julgador aplicar mal a lei não se vai reflectir em casos futuros nos direitos, liberdades e garantias de outros cidadãos sujeitos ao seu julgamento?
Termos em que, Requer-se a V. Ex.ª se digne esclarecer em que medida não foi especificada a inconstitucionalidade da interpretação realizada pelo Tribunal ad quem da norma constante do artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal.”
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, notificado deste requerimento, apresentou a seguinte resposta:
“1 – A decisão reclamada é – tal como, aliás, a decisão sumária inicialmente proferida – perfeitamente clara e insusceptível de dúvidas quanto ao nela estabelecido.
2 – Não cabendo obviamente nos quadros do «incidente» de aclaração a prestação de «explicações» adicionais às partes acerca de matérias perfeitamente sedimentadas na doutrina e jurisprudência, como ocorre com a natureza «normativa» do controlo da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional – e suas repercussões nos ónus que incidem sobre os recorrentes na delimitação do objecto do recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
O acórdão ora reclamado confirmou decisão sumária do relator de não conhecimento dos recursos interpostos pelos recorrentes.
Nessa decisão sumária consignara-se:
“2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas (como acontece com o recurso de amparo espanhol ou a queixa constitucional alemã), ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No presente caso, nas duas «dimensões» das questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos recorrentes jamais se questiona a conformidade constitucional de qualquer norma ou interpretação normativa erigidas em critérios de decisão (critérios abstractos e genéricos e, por isso, susceptíveis de aplicação a uma generalidade de casos), mas antes a própria correcção da concreta subsunção dos factos e da valoração das provas feita pelo acórdão recorrido, atentas as especificidades irrepetíveis do caso concreto.
Esse controlo, tendo por objecto directo a decisão judicial recorrida, em si mesma considerada, não cabe no âmbito do recurso de constitucionalidade.”
No acórdão ora reclamado, após se salientar que na reclamação daquela decisão sumária os recorrentes não haviam aduzido nenhum argumento novo capaz de abalar os seus fundamentos, referiu-se:
“Relativamente ao que designam por «primeira situação», o que questionam é a correcção da concreta subsunção efectuada pelo tribunal recorrido, que, com base nos factos tidos por provados, entendeu que a conduta dos recorrentes integrava a autoria do crime previsto no n.º 1 do artigo 231.º do Código Penal (...), quando, no entender dos recorrentes, o juízo subsuntivo correcto seria o de julgar verificado o tipo previsto no n.º 2 do mesmo preceito (...).
Os recorrentes não identificam nenhum critério normativo que o tribunal teria adoptado e que fosse constitucionalmente desconforme, mas apenas contestam a justeza da operação judicial de subsunção jurídica dos factos do caso concreto, o que não constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.”
O requerimento agora em apreciação respeita apenas a esta parte do Acórdão n.º 556/2004 (e não àquela em que se reiterara o entendimento da decisão sumária impugnada de que nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa fora suscitada a propósito do artigo 127.º do Código de Processo Penal), mas os recorrentes não assacam a qualquer passagem do referido Acórdão a ocorrência dos vícios da ambiguidade ou da obscuridade que a tornasse susceptível de diversas interpretações ou ininteligível. Os recorrentes solicitam o “esclarecimento de dúvidas”, que nada têm a ver com a compreensão das razões que fundamentaram as decisões de não conhecimento do objecto do recurso, mas apenas servem para exteriorizar o seu inconformismo com o decidido, por, no seu modo de ver, as erradas interpretação e aplicação da lei pelo julgador serem susceptíveis de violar direitos constitucionais dos cidadãos
e de se reflectir em casos futuros. Mas, como se adiantou no acórdão reclamado,
“o invocado risco de o mesmo tribunal, em situações similares à presente, vir a reincidir nos erros de julgamento em que pretensamente terá incorrido no presente caso é manifestamente insuficiente para transformar uma questão de decisão da matéria de facto e de qualificação jurídico-criminal dos factos apurados, indissociável das particularidades do caso concreto, numa questão de interpretação normativa”.
3. Decisão
Em face do exposto, não se assacando ao acórdão reclamado qualquer obscuridade ou ambiguidade, acordam em indeferir o presente pedido de “esclarecimento de dúvidas”.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 12 de Outubro de 2004
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos