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Processo n.º 595/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª secção do tribunal constitucional
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da decisão sumária do relator, de 16 de Junho de 2004, que teve o seguinte teor:
«I. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª instância de Viseu, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1995, por ter considerado intempestiva a dedução da referida impugnação. Nas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:
“1. [Pelo] facto de constar no processo tributário uma informação, veiculada pelo Serviço de Finanças, referindo uma data da entrada do articulado da impugnação, e que corresponde a um dia após a data do termo do prazo da dedução da impugnação, não pode ser dado como necessariamente provado e assente, que esta data valha como data do acto processual, sem que se tenha a certeza de que tal data não corresponde à data da entrada do articulado via postal registado remetido em dia anterior, já que é esta última que, nos termos do n.º 1 do art.
150.º, vale como data do acto processual.
2. Acresce que, caso a impugnação tenha dado entrada um dia após o termo do prazo – o que desde já não se aceita – haveria lugar à aplicação da sanção prevista nos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º do CPC, notificando-se para tal a impugnante para proceder em conformidade, e não, desde logo, dar como provada a intempestividade da prática do acto.
3. Assim, não havia fundamento para se considerar como provado que a data constante da informação do processo tributário valha como data da prática do acto, já que era possível que o articulado tenha sido enviado via postal e remetido em data anterior à que consta dos autos – como presentemente sucede na grande maioria dos actos, e ainda pelo facto do signatário ter escritório longe da comarca – pelo que não se pode considerar como praticado fora do prazo, já que no dia anterior ocorreu o termo deste.
4. Decidindo-se o M.mº Juiz a quo pela intempestividade da prática do acto, quando de todo não o poderia fazer, e julgando com base neste facto a improcedência da impugnação, foram violados os n.ºs 5 e 6 do art. 145.º e n.º 1 do art. 150.º, todos do CPC.” Por acórdão datado de 10 de Fevereiro de 2004, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, podendo ler-se como fundamento dessa decisão:
«FUNDAMENTOS
2.1. A questão a decidir no recurso reconduz-se à de saber se a P.I. de impugnação foi, ou não, apresentada dentro do prazo legal.
2.2. Para decidir pela improcedência, por intempestividade da impugnação, a sentença recorrida considerou os factos seguintes, que teve como apurados nos autos, face aos documentos juntos:
1 – A impugnação foi interposta em 17/3/99 – fls. 2 dos autos.
2 – O prazo para pagamento voluntário do imposto terminou em 16/12/98 – informação de fls. 19.
2.3. Com base nesta factualidade a sentença julgou improcedente a impugnação, por ter sido apresentada extemporaneamente a respectiva P.I. . Para tanto, considerou que o prazo de 90 dias contido na al. a) do n.° 1 do art.
120.º do CPT, se conta de acordo com as regras do art. 279.º do C. Civil e a partir do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto (correndo, por isso, continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão, e transferindo-se, quando termine em domingo ou dia feriado, para o primeiro dia útil e sendo as férias judiciais equiparadas aos domingos e dias feriados). E porque no caso considerou que quando a impugnação foi deduzida (em 17/3/99), já estava expirado o prazo para o efeito (em 16/3/99) – terça feira – e, além disso, o prazo de dedução da impugnação é um prazo peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, conheceu de tal excepção peremptória e julgou a impugnação improcedente.
2.4. Discorda a recorrente alegando que, no caso, nem está provado que a P.I. tenha dado entrada um dia após o termo do prazo da dedução da impugnação e que, ainda que assim fosse, sempre haveria lugar à aplicação da sanção prevista nos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º do CPC. A questão a decidir no recurso é, pois, a de saber se a sentença enferma de erro de facto e de direito relativamente à ali apreciada questão da caducidade do direito à impugnação. Vejamos:
3. Na sentença deu-se por assente que a impugnação foi interposta em 17/3/99. Ora é precisamente este o facto que a recorrente questiona desde logo, sustentando que não havia fundamento para se considerar como provado que a data constante da informação do processo tributário valha como data da prática do acto, já que é possível que o articulado tenha sido enviado via postal e remetido em data anterior à que consta dos autos. Mas, do nosso ponto de vista, a recorrente carece de razão.
3.1. Sendo o prazo de impugnação judicial um prazo de direito substantivo e sendo a impugnação um processo de natureza judicial (embora a P.I. deva, por imposição legal, ser apresentada na R.F.), é aplicável o disposto na alínea e) do art. 279.º do CC (cfr. o então disposto no n.º 2 do art. 49.º do CPT). Ou seja: se o termo ‘ad quem’ do referido prazo ocorrer em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte. Ora, tendo, no caso, o prazo para pagamento voluntário do imposto terminado em
16/12/98, o prazo de 90 dias referido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPT, terminou em 16/3/99 (terça-feira). Ora, não se questiona nos autos que a data aposta no carimbo na P.I. (cfr. fls.
2) é a de 17/3/99. E assim, a ser essa a data de apresentação da impugnação, está ela fora de prazo. Todavia, é também certo que, dado o disposto no n.º 5 do art. 35.º da LPTA bem como no n.º 1 do art. 150.º do CPC, aqui subsidiariamente aplicáveis por força do que então dispunham as als. b) e f) do art. 2.º do CPT, os articulados podem ser remetidos à secretaria pelo correio, sob registo, valendo neste caso como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.
3.2. Deveria, então, face a estas disposições e como pretende a recorrente, a sentença recorrida julgar que “não havia fundamento para se considerar como provado que a data constante da informação do processo tributário valha como data da prática do acto, já que era possível que o articulado tenha sido enviado via postal e remetido em data anterior à que consta dos autos”? A resposta é, a nosso ver, negativa.
3.2.1. Face à alegação, quer por parte da Fazenda (logo na pronúncia que a fls.
99 efectuou ao abrigo do disposto no art. 130.º do CPT e posteriormente no articulado da resposta à impugnação – 104/105), quer por parte do M.P. (no Parecer de fls. 107/108), o M.mº Juiz proferiu, a fls. 109, o despacho de teor seguinte: “No seu douto parecer, o Exmo. Magistrado do M.P. levantou questão que obsta ao conhecimento de mérito. A qual, de resto, já vinha colocada pelo Ex.mº R.F.P. na sua douta contestação. Determino, pois, se notifique o impugnante do seu teor e para quanto a ela se pronunciar. Proceda-se, desde já, à junção aos autos de cópia da informação lavrada pelo S.F. a fls. 31 do Processo de Impugnação Judicial n.º 197/2001, a correr termos neste Tribunal entre as mesmas partes, e onde se discute questão idêntica.”. Ora, no seguimento deste despacho a recorrente nada veio dizer aos autos. E foi então junta, a fls. 110, cópia da informação que é do teor seguinte: “Cumpre-me informar V. Ex.ª de que, após consulta a todos os elementos existentes neste Serviço de Finanças, designadamente o duplicado da petição inicial de impugnação dos presentes autos, que se encontra em arquivo, não foi localizado qualquer envelope, com registo dos correios, desconhecendo-se, portanto, se a referida petição inicial deu entrada no Serviço por mão própria ou envio postal.”. No entanto, apesar de a junção desta informação não ter sido notificada à recorrente, não estamos perante nulidade insanável (nulidade insanável seria a falta de informação oficial referente a questão de conhecimento oficioso, mas não já a falta de notificação desta – cfr. art. 98° do CPPT), nem a respectiva irregularidade foi invocada (o que a recorrente contesta no recurso é que tenha sido julgado provado que a P.I. deu entrada em 17/3/99) e, de todo o modo, sempre estaríamos perante mera irregularidade. E nem se diga que com a sentença ocorreu uma decisão surpresa: com efeito a questão da intempestividade da impugnação foi suscitada pela Fazenda e pelo M.P. e a recorrente foi notificada para sobre ela se pronunciar, sendo que nada veio dizer aos autos. Mas, decisivo para a questão do recurso é, ainda, a circunstância de o facto documentado (que a impugnação foi apresentada em 17/3/99), não ter sido infirmado nem pela recorrente (que, quando foi notificada para se pronunciar sobre a questão da intempestividade nada disse, tal como também nenhuma prova ofereceu para infirmar aquele facto), nem pela própria informação de fls. 110 prestada pela R.F., já que da mesma nada resulta – o que por ela se fica a saber
é que não foi localizado qualquer envelope, com registo dos correios e que se desconhece se a P.I. deu entrada no Serviço por mão própria ou envio postal). Ou seja, só aquele facto (o de que no carimbo de entrada aposto consta a data de
17/3/99) poderia, face à prova dos autos, ter-se como assente. Veja-se, aliás, que no próprio recurso (cfr. Conclusão 1ª) a recorrente não afirma que a P.I. da impugnação tenha sido remetida à R.F. pela via postal: limita-se a alegar que “não pode ser dado como necessariamente provado e assente, que esta data valha como data do acto processual, sem que se tenha a certeza de que tal data não corresponde à data da entrada do articulado via postal registado remetido em dia anterior...” e que “...não havia fundamento para se considerar como provado que a data constante da informação do processo tributário valha como data da prática do acto, já que era possível que o articulado tenha sido enviado via postal e remetido em data anterior à que consta dos autos...” (cfr. Conclusão 3ª). Porém, como se viu, não tendo a recorrente apresentado qualquer prova
(documental ou testemunhal ou outra) tendente a demonstrar que tinha remetido a P.I. da impugnação por via postal, só aquela data de entrada em 17/3/99 podia ter-se como assente, face à prova documental decorrente do carimbo aposto na P.I. . Acresce que, contrariamente ao alegado na Conclusão 2ª do recurso, porque estamos perante um prazo de caducidade (prazo de propositura de acção) não há lugar à aplicação do regime previsto nos n.ºs 5 e 6 do art. 145.º do CPC para os actos processuais.
3.2.2. Conclui-se, portanto, que perante a prova produzida nos autos, a sentença decidiu de acordo com a lei aplicável ao julgar provado que a impugnação foi interposta em 17/3/99 e que, por isso, é extemporânea.»
2. Inconformada com tal decisão, a recorrente veio interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciadas as normas constantes “do n.º
1 do art. 150.º do CPC e n.º 5 do art. 35.º da LPTA ex vi das alíneas b) e f) do art. 2º do CPT”, alegando só agora suscitar a questão de constitucionalidade
“(...) em face da ‘DECISÃO SURPRESA’ constante do aresto de que se recorre, dado que neste se entende que deveria o recorrente ter apresentado qualquer prova tendente a demonstrar que tinha remetido a p.i. da impugnação por via postal, entendimento este que está ferido de inconstitucionalidade uma vez que deveria, isso sim, ser a secção do processo a demonstrar que a peça processual entrou fora do prazo, não se podendo limitar a dizer que não sabe se entrou por via postal ou entregue por mão própria.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas, como dispõe o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, essa decisão não vincula este Tribunal, e, entendendo-se que não é de conhecer do recurso, é caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
4. Com efeito, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, que se tenha impugnado durante o processo a constitucionalidade de uma norma, que essa norma tenha sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi, e que tenham sido esgotado os recursos ordinários dessa decisão. No caso vertente, falha logo o primeiro dos referidos requisitos específicos. Como se viu pelas transcrições efectuadas, e como a própria recorrente admite no requerimento de recurso, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi enunciada. A desconformidade com a Constituição foi, antes, assacada à própria decisão condenatória, só se volvendo numa imputação de inconstitucionalidade normativa – num pedido de apreciação da constitucionalidade de uma determinada interpretação de uma norma – já no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Este momento já não é, porém, adequado para poder suscitar tempestivamente uma questão de constitucionalidade, excepto em situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que não tenha havido oportunidade processual de o fazer antes (v.g. Acórdãos n.ºs 61/92, 499/97 e 120/02, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente de 18 de Agosto de 1992, 21 de Outubro de 1997 e 15 de Maio de 2002). Mas, contrariamente ao que a recorrente sustenta, não é este, manifestamente, o caso dos autos. Não só a recorrente nada disse quando, durante o processo, foi notificada para se pronunciar sobre a questão da intempestividade da impugnação, suscitada pela Fazenda e pelo Ministério Público, como não formulou, nas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, qualquer juízo de inconstitucionalidade das normas que, agora, pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. Não tendo a questão de constitucionalidade sido suscitada perante o tribunal recorrido, não pode, agora, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso.
5. Acresce que, como resulta claramente da decisão recorrida, a dimensão normativa impugnada pela recorrente no presente recurso não foi aplicada como ratio decidendi pelo tribunal a quo. O entendimento impugnado, que a recorrente imputa a determinadas disposições do Código de Processo Civil e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, é o de que a recorrente deveria “ter apresentado qualquer prova tendente a demonstrar que tinha remetido a p. i. da impugnação por via postal”, quando, pelo contrário, segundo a recorrente “deveria, isso sim, ser a secção do processo a demonstrar que a peça processual entrou fora do prazo, não se podendo limitar a dizer que não sabe se entrou por via postal ou entregue por mão própria.” Ora, a decisão recorrida não se baseou em qualquer dúvida quanto à prova, mas antes na circunstância de existir um facto documentado “que a impugnação foi apresentada em 17/3/99”, que não foi “infirmado nem pela recorrente (que, quando foi notificada para se pronunciar sobre a questão da intempestividade nada disse, tal como também nenhuma prova ofereceu para infirmar aquele facto), nem pela própria informação de fls. 110 prestada pela R.F., já que da mesma nada resulta”, pelo que “só aquele facto (o de que no carimbo de entrada aposto consta a data de 17/3/99) poderia, face à prova dos autos, ter-se como assente”. As limitações da alegação da recorrente quanto a ter ou não remetido a impugnação pela via postal são referidas pelo tribunal a quo como mera circunstância suplementar (“Veja-se, aliás, que”), para além da ratio decidendi. Por conseguinte, também o facto de a interpretação normativa impugnada pela recorrente não ter constituído a ratio decidendi para a decisão recorrida impede o Tribunal Constitucional de tomar conhecimento do presente recurso.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«1. O Ex.mº Sr. Conselheiro Relator entende que o presente recurso carece de dois dos requisitos necessários para que seja apreciado o presente recurso, respeitando o primeiro ao facto de não ter sido submetido a juízo de inconstitucionalidade na instância inferior e o segundo que a interpretação normativa impugnada pela ora Recorrente não ter constituído a “ratio decidendi” para a decisão recorrida.
2. Ora, com o devido respeito, carece de razão tal entendimento. Na verdade:
3. O que está em causa nestes autos é este facto simples: o carimbo de entrada da impugnação aposto nos autos consta a data de 17/3/99 e as instâncias entendem que o prazo expirou a 16/3/99. A informação prestada pelo serviço em que deu entrada a impugnação reza que desconhece “se a referida petição inicial deu entrada no serviço por mão própria ou por envio postal”.
4. Ora, Ex.mºs Srs. Conselheiros, perante a informação deste teor dos serviços não se pode desde logo admitir que a impugnação foi extemporânea, pois a lei admite a entrada e a aposição do carimbo na data em que foi aposto, caso tenha sido enviada sob registo. Em boa verdade a ora Recorrente confiou que os serviços de finanças iriam informar correcta e verdadeiramente o que se tinha passado, que foi a entrada regular e legal via registo, nunca lhe “passando pela cabeça” que doutro modo informassem os autos e muito menos que dessem a informação que deram.
5. Os serviços deveriam, obrigatoriamente, tomar uma posição certa e inflexível e nunca “lavar as mãos” sobre o assunto, como se nada de importante se passasse!!! Há, assim, com toda a evidência uma falha grosseira dos serviços que receberam a impugnação, falha essa, cujas consequências estão a recair estrondosamente sobre a Recorrente.
6. É evidente que, caso estes autos não sejam apreciados na sua substância, só resta à Recorrente pedir responsabilidades aos serviços, maxime, ao Estado, pelo facto de a recepção da impugnação não ter sido notada convenientemente no respectivos autos, já que é inadmissível que os serviços tomem a posição que tomaram o que só releva a falta de rigor e transparência na tramitação processual dos casos, já que deveriam ter ficado a constar dos autos a recepção da impugnação via registo, tal como se processou. Ora,
7. Perante a decisão da primeira instância que entendeu que valia como acto de entrada o dia 17, fazendo tábua rasa da informação dada pelos serviços que não afastam o facto de a impugnação ter sido enviada sob registo, pelo menos, “in dubio pro reo”, deveria aceitar como boa e regular a entrada da petição inicial, a Recorrente interpôs o respectivo recurso pugnando pela validade do acto, pois nada nos autos indicava e indiciava que a impugnação tivesse sido extemporânea, já que era regular e legal ela dar entrada na data que consta do carimbo.
8. Ora, só quando recebe a decisão da Segunda Instância é que se põe a questão de que o ora Recorrente tinha o ónus de documentar nos autos o envio via registal. De facto reza no referido aresto:
“...o recorrente nada veio dizer aos autos.”
“Mas decisivo para a questão do recurso é, ainda, a circunstância de o facto documentado (que a impugnação foi apresentada em 17/3/99) não ter sido infirmado nem pela recorrente....nem pela própria informação de fls. 110 prestada pela Repartição de Finanças”. E sendo assim, dá-se como assente que a data aposta no carimbo é extemporânea!!!
9. Aquando da interposição do recurso da primeira instância, não se punha o problema de constitucionalidade, porquanto pugnou-se tão só pelo reconhecimento de que a data aposta no carimbo é uma data legal e regular, pois nada nos autos indicia que a entrada da impugnação não pudesse ter sido enviada sob registo - os serviços da Repartição de Finanças admitem tal situação...nunca pondo em causa que a recorrente não tivesse enviado dessa forma a petição inicial - pois a situação está prevista no art.º 150º do CPC.
10. Mas o mesmo já não se passa quanto à decisão da Segunda Instância, porquanto o entendimento desta é que a Recorrente tinha o ónus total de demonstrar que o envio foi feito sob registo e como o não fez “sibi imputat”.
É esta interpretação que se entende agora, que ofende os preceitos constitucionais, porquanto deveriam ser os serviços que receberam a impugnação que deveriam ter alegado e demonstrado - e feita a respectiva notação nos autos
- que a recepção da impugnação efectuada na data que foi aposta no carimbo, foi entregue em mão e não chegou à Repartição de Finanças sob registo com data do dia anterior. Porque na verdade assim sucedeu!!! Na verdade a Recorrente não se preocupou em demonstrar o envio sob registo porquanto acreditou e sempre pensou que os serviços da Repartição de Finanças iriam informar nos autos o que realmente se tinha verificado. E a Recorrente sempre pensou - e correctamente... - que caso os serviços de Finanças não relatassem verdadeiramente o envio sob registo da impugnação, sempre poderiam, aí sim, juntar aos autos prova concludente do que se tinha passado. Mas tal já não lhe foi possível, pois só soube da informação das Finanças já com a sentença dada. Mas o que importa, agora, pois é o facto de o entendimento expendido pela Segunda Instância violar princípios constitucionais porquanto do art.º 150º do CPC nunca [se] pode inferir que cabe às partes o ónus de demonstrar que o envio foi feito sob registo ou não, mas sim devem ser os serviços que recepcionam as peças processuais a fazer notar nos autos a forma como deram entrada tais peças e a alegarem que são extemporâneas, sob pena de em caso de dúvida dar como válida e regular. Ex.mºs Conselheiros: Há uma falha bastante grave na forma como os serviços da Repartição de Finanças actuaram, pois é inadmissível que não tenham notado nos autos a recepção via registo da petição inicial. Depois, perante a informação dada aos autos, a Recorrente, que aí sim, deveria poder infirmar a informação das Finanças, não teve essa possibilidade. E a instância de recurso fundamenta a sua decisão no facto [de] considerar como provada a data de entrada aposta no carimbo e entende que é extemporânea porquanto não foi demonstrada pela Recorrente como tendo sido enviada via registo nem pela Repartição de Finanças. Perante isto, entende a ora Recorrente que tem fundamento para a presente Reclamação, uma vez que a decisão da Segunda Instância é inesperada, fundando-se numa interpretação inconstitucional do art.º 150º, já que entende que recai essencialmente sobre a parte o ónus de demonstrar a forma como foi entregue determinada peça processual, quando o serviço do tribunal que a recepcionou teve falhas na sua recepção e não sabe dizer como deu entrada os respectivos documentos.»
3.A entidade recorrida não respondeu à reclamação. Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Pode desde já adiantar-se que a presente reclamação carece de fundamento. Antes de mais, verifica-se que a reclamante centra a reclamação na circunstância de a decisão do tribunal recorrido ter sido inesperada, “já que entende que recai essencialmente sobre a parte o ónus de demonstrar a forma como foi entregue determinada peça processual, quando o serviço do tribunal que a recepcionou teve falhas na sua recepção e não sabe dizer como deu entrada os respectivos documentos.” Por esta razão, a recorrente parece sustentar que estaria dispensada do ónus de suscitação da inconstitucionalidade da norma impugnada perante o tribunal a quo. A recorrente reconhece, porém, que não suscitou a inconstitucionalidade da norma. Como se referiu na decisão reclamada, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo a desconformidade com a Constituição foi apenas assacada à própria decisão condenatória, só imputando uma inconstitucionalidade a um entendimento normativo já no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Aliás, a recorrente nada disse sobre qualquer inconstitucionalidade normativa apesar de ter sido notificada para se pronunciar sobre a questão da intempestividade da impugnação, suscitada pela Fazenda e pelo Ministério Público – a qual incluía, claramente, a controvérsia sobre o envio da peça processual em causa e sua data. Mantém-se, pois, a procedência de um dos fundamentos da decisão reclamada, só por si bastante para impor a conclusão da impossibilidade de se tomar conhecimento do recurso, a presente reclamação tem de ser indeferida. Pode, pois, deixar-se em aberto a questão de saber se a dimensão normativa impugnada pela recorrente foi realmente aplicada, como ratio decidendi, pelo tribunal a quo. A interpretação normativa que a recorrente impugnou foi o de que ela deveria “ter apresentado qualquer prova tendente a demonstrar que tinha remetido a p. i. da impugnação por via postal”. Segundo a recorrente, pelo contrário, “deveria, isso sim, ser a secção do processo a demonstrar que a peça processual entrou fora do prazo, não se podendo limitar a dizer que não sabe se entrou por via postal ou entregue por mão própria.” E na presente reclamação repete-se o entendimento de que, segundo a decisão reclamada, recairia
“essencialmente sobre a parte o ónus de demonstrar a forma como foi entregue determinada peça processual”. Na decisão reclamada, afirmou-se que o tribunal recorrido não se fundamentou em qualquer dúvida quanto à prova, ou em qualquer distribuição do ónus da prova, mas antes na circunstância de existir um facto documentado nos autos: o de que “que a impugnação foi apresentada em 17/3/99”, o qual não foi “infirmado nem pela recorrente (que, quando foi notificada para se pronunciar sobre a questão da intempestividade nada disse, tal como também nenhuma prova ofereceu para infirmar aquele facto), nem pela própria informação de fls. 110 prestada pela R.F., já que da mesma nada resulta”, pelo que “só aquele facto (o de que no carimbo de entrada aposto consta a data de 17/3/99) poderia, face à prova dos autos, ter-se como assente”. E disse-se ainda na decisão reclamada que as limitações da alegação e prova por parte da recorrente, quanto a ter ou não remetido a impugnação pela via postal, são referidas pelo tribunal recorrido apenas como circunstância suplementar (“Veja-se, aliás, que”), para além da ratio decidendi. Seja, porém, como for quanto à exacta dimensão normativa aplicada pela decisão recorrida, é certo que, não tendo a recorrente cumprido o ónus de suscitação da questão de constitucionadidade normativa durante o processo, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar a recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Outubro de 2004
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos