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Processo n.º 866/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 13 de Outubro de 2004 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. Pelo 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto veio A., impugnar judicialmente a liquidação e subsequente execução fiscal contra si instaurada na Repartição de Finanças do 7º Bairro Fiscal do Porto e referente à quantia de Esc. 462.367$00, que seria devida pela impugnante a título de dívidas ao Centro Regional de Segurança Social.
Tendo, naquele Tribunal, o Representante do Ministério Público emitido
«parecer» no qual suscitou a questão da intempestividade da impugnação, o impugnante, ouvido sobre tal «parecer», limitou-se a defender que tal entidade carecia de razão.
Por sentença proferida em 6 de Outubro de 2003 pelo Juiz do indicado 1º Juízo, foi a impugnação julgada improcedente, pois que se entendeu que, aquando da extracção da certidão para fins executivos, já se encontrava esgotado o prazo para impugnar a liquidação, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Inconformada com o assim decidido recorreu a A. para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, na alegação adrede produzida, não suscitou, de todo em todo, qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda normativo ou normativos ínsitos no ordenamento jurídico infra-constitucional.
Tendo o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de Março de
2004, negado provimento ao recurso, assim confirmando a sentença proferida em 1ª instância, veio a recorrente solicitar o esclarecimento daquele aresto.
No requerimento consubstanciador do pedido de esclarecimento, a dado passo, para o que ora releva, disse a recorrente:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Sendo contado o prazo de noventa dias do artº 102º do C.P.P.T. a partir do dia 15 do mês seguinte ao envio das ‘folhas de remuneração’, sem prévia liquidação do tributo e sua legal notificação ao contribuinte, o acórdão em causa deixa no obscurantismo toda a legislação e conceitos aqui expressos.
A não ser assim, estar-se-á a violar o conjunto das disposições dos artºs 105, 106 e 107 da Constituição e o conjunto dos artºs 203, 204 e 205 da mesma Lei Fundamental.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 8 de Junho de 2004, indeferiu o pedido de aclaração, já que entendeu que um tal pedido sempre seria imprestável para se alcançar a modificação do julgado, sendo certo que aquilo que o impugnante pretendia, com a solicitação que efectuou, era transmitir a sua divergência ‘quanto ao modo de determinar o ‘dies a quo’ do prazo de impugnação de dívidas à Segurança Social, quando não se funde em erro de notificação’. E, sendo assim, discorreu aquele Alto Tribunal, o impugnante não vinha imputar ao aresto aclarando ‘qualquer obscuridade ou ambiguidade mas sim erro de julgamento com vista a obter, de forma enviesada, a modificação do julgado’.
Notificada do acórdão de 8 de Junho de 2004, fez a impugnante juntar aos autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de recorrer para o Tribunal Constitucional ‘do acórdão do STA de 24/03/04, abrangendo também o acórdão de 08/06/04’, dizendo que o fazia, pois que ‘em todo o processado está a cometer-se uma ilegalidade abrangida no nº 2 do artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional, a qual cai também na alínea b) do nº 1 do artº
70 da mesma Lei’.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 1 de Julho de 2004 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Constitucional em 22 de Setembro seguinte.
2. Porque o despacho admissor do recurso não vincula este Tribunal
(cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº
[78º-A] [por lapso escreveu-se “76º”] da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Resulta da forma como se encontra escrito o requerimento de interposição de recurso para este órgão de administração de justiça que a impugnante pretenderá a apreciação das normas vertidas nos artigos 99º e 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário, sendo que, como já se viu, tal recurso é esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Ora, como resulta do relato supra efectuado, antes da prolação do acórdão de 24 de Março de 2004, a ora recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Vale isto por dizer que, antes do proferimento da decisão judicial que decidiu a questão que motivou o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a impugnante não cumpriu o ónus pressupositor do recurso a que se reporta a dita alínea b) do artº 70º.
Por outro lado, o acórdão incidente sobre o pedido de esclarecimento daquele anterior aresto - o acórdão tirado em 8 de Junho de 2004 - não convocou, como ratio juris da decisão no mesmo tomada, qualquer dos normativos que foram eleitos como objecto do presente recurso de constitucionalidade, como bem ressalta do indicado relato.
De todo o modo, o que é certo é que tem repetidamente afirmado este Tribunal que, em regra, a suscitação da questão de inconstitucionalidade levada a efeito tão somente nos pedidos de reforma e esclarecimento das sentenças e, bem assim, nas arguições das respectivas nulidades, já não pode ser considerada como consubstanciando uma atempada suscitação para efeitos de cumprimento do pressuposto do recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º. Neste particular, vejam-se, verbi gratia, os Acórdãos números 439/91, 144/92, 478/97 e
280/99, respectivamente in Diário da República, 2ª Série, de 24 de Abril de
1992, Boletim do Ministério da Justiça, nº 416, 673 e seguintes e
www.tribunalconstitucional.pt.
Como se pode ler no primeiro dos exemplificados arestos, vem ‘este tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o pressuposto de admissibilidade daquele tipo de recurso (...) no atinente ao exacto significado da locução durante o processo, utilizado em ambos os normativos deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é o objecto do mesmo recurso’. E, prosseguiu tal acórdão: ‘Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional ‘não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna este obscura ou ambígua’ há-de, ainda, entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade’.
Em face do exposto, porque a impugnante não suscitou atempadamente a questão de inconstitucionalidade, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
É da transcrita decisão que, pela impugnante, vem, nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, deduzida reclamação, aduzindo nesta:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
A reclamação baseia-se em que a ‘decisão sumária’ não está a apreciar convenientemente o momento do levantamento da inconstitucionalidade e da ilegalidade que vem sendo cometida pelos Tribunais Tributários quanto à apreciação das normas vertidas nos artºs 99 e 102 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Para além disso, torna-se indispensável fixar em definitivo até que momento pode ser levantada a inconstitucionalidade e/ou a ilegalidade como objecto de recurso perante este Altíssimo Tribunal.
É preciso que o ‘sistema jurídico’ defina se a extinção da instância, como momento para admissão de recurso para o T.C., tem que ser interpretada num sentido puramente formal ou num sentido funcional.
Igualmente deve ser definido se o Tribunal a quo tem ou não de se pronunciar obrigatoriamente sobre uma ‘inconstitucionalidade’ ou sobre uma
‘ilegalidade’ que eventualmente come[ ]tam e que seja objecto obrigatório de recurso para o Tribunal Constitucional”.
Notificada a Fazenda Pública, nada veio ela dizer.
Cumpre decidir.
2. Como transparece facilmente da respectiva transcrição, a decisão ora sub judicio fundou-se, como razão condutora ao não conhecimento do objecto do recurso, na circunstância de a impugnante, aquando da formulação da alegação do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, não ter equacionado qualquer questão de desconformidade com a Constituição por parte da ou das normas jurídicas ordinárias reguladoras da determinação do dies a quo do prazo para impugnação de dívidas à Segurança Social, e isso não obstante ter sido notificada do «parecer» emitido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, «parecer» esse no qual se propugnava pela intempestividade da impugnação deduzida perante este último Tribunal, solução que, aliás, foi a acolhida na sentença que constitui objecto do recurso para aquele Supremo, pelo que o suporte normativo que constituiu a ratio juris da decisão se ancorou na interpretação que aquele Representante sustentava.
Neste contexto, se a interpretação normativa sufragada na sentença da 1ª instância suscitava dúvidas de conformidade constitucional ou de ilegalidade cognoscível pelo Tribunal Constitucional, era exigível à impugnante que, no recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitasse essa questão, já que era o momento processual adequado para tanto.
Não o fez, porém.
E, por outro lado, sublinhou-se na decisão em crise, com base na jurisprudência já firmada a esse propósito por este órgão de administração de justiça, que a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade (e sem que agora se entre na questão de saber se, no caso, se poderia considerar que aquilo que foi escrito no pedido de esclarecimento do acórdão de 24 de Março de 2004 seria um modo processualmente adequado de levantar uma questão de inconstitucionalidade normativa) em requerimento onde se peticione o esclarecimento da decisão jurisdicional intentada colocar sob a censura do Tribunal Constitucional já não pode ser considerada como um modo atempado e adequado de colocação dessa questão, indicando-se, por remissão para um aresto exemplificador dessa jurisprudência, os motivos pelos quais uma a tal conclusão se haveria de chegar.
Acontece que a reclamação ora em apreço não logra minimamente pôr em causa o que foi convocado na decisão em causa.
Aquilo por que a reclamante pugna, ou seja, a indispensabilidade de se “fixar em definitivo até que momento pode ser levantada a inconstitucionalidade e/ou a ilegalidade” está suficientemente claro, seja na decisão sub specie, seja na jurisprudência de que foi citado um exemplificativo aresto.
De outra banda, nem sequer é perfeitamente entendível o passo da reclamação em que se pretende a indispensabilidade da definição do problema de saber “se o Tribunal a quo tem ou não de se pronunciar obrigatoriamente sobre uma ‘inconstitucionalidade’ ou sobre uma ‘ilegalidade’ que eventualmente come[ ]tam e que seja objecto obrigatório de recurso para o Tribunal Constitucional”, e isso, justamente, porque, in casu, não se colocava uma questão de um recurso de constitucionalidade obrigatório.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 22 de Novembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício