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Processo n.º 682/03
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12 de Março de
2003, constante de fls. 357 e seguintes, foi decidido fixar em € 107.185,56 o montante da indemnização a pagar pela A., a B. e C., em virtude da expropriação da parcela de terreno, com a área de 3.025 m2, a destacar do prédio rústico sito no lugar de ---------, freguesia de ---------, Braga, actualizada desde a data da declaração de utilidade pública até efectivo pagamento da indemnização, em conformidade com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação e ainda nos juros de mora à taxa de 7% ao ano, a partir do termo do prazo concedido para depósito do complemento da indemnização.
Remetidos os autos à primeira instância, foi, na sequência de promoção do Ministério Público para o efeito, decidido, por despacho do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga de 26 de Junho de 2003, constante de fls. 396, oficiar ao Serviço das Finanças competente para que, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 23º, n.º 4, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, informe qual o montante da diferença entre os valores pagos nos
últimos cinco anos a título de contribuição autárquica pela parcela expropriada e aqueles que seriam devidos com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação.
Notificados do despacho que acaba de ser mencionado, vieram os expropriados, B. e C., requerer o respectivo esclarecimento, por entenderem que lhes assiste o direito a receber de imediato o montante da indemnização fixada através de decisão transitada em julgado e por considerarem inconstitucional a aplicação do artigo 23º, n.º 4, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro. Por despacho do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga de 8 de Julho de 2003, constante de fls. 406 e 407, foi decidido manter “o valor arbitrado a título de indemnização, conforme douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 357, não se aplicando o artigo 23º, n.º 4, do Código das Expropriações – Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro”. Entendeu-se, com efeito, não ser de aplicar o preceito em causa, “por se considerar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização, bem como do princípio da não retroactividade em matéria fiscal, consagrados nos artigos 13º, 62º, 103º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa”.
2. Veio então o Ministério Público, “nos termos do disposto no artº
281º, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e ao abrigo do estatuído no artº 70º, n.º 1, alínea a); 71º, n.º 1, e 72º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Lei n.º 28782, de 15/11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida a fls. 406 e 407 dos autos à margem referenciados, para apreciação da (in)constitucionalidade da norma do artº 23º, n.º 4, da Lei n.º 168/99, de 18/9, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade (material) por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização, bem como do princípio da não retroactividade em matéria fiscal, consagrados nos artigos 13º, 62º, 103º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa”.
Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, que concluiu da seguinte forma:
“1 – A norma constante do artigo 23º, n.º 4, do Código das Expropriações de
1999, ao prever a compensação entre o montante da indemnização devida ao expropriado e resultante da avaliação efectuada em tal processo e o direito da Fazenda Pública à correcção e revisão oficiosa da liquidação da contribuição autárquica, resultante da actualização dos valores matriciais – e devida no período temporal em que não ocorreu ainda caducidade do direito à liquidação – não viola os princípios da não retroactividade da lei fiscal e da igualdade, confiança, segurança jurídica e justa indemnização.
2 – Na verdade – e face ao regime instituído nos artigos 20º e 21º do Código da Contribuição Autárquica – a liquidação desta com base nos valores constantes de matrizes não actualizadas reveste natureza provisória até ao momento da caducidade do direito à liquidação e revisão oficiosa, podendo ser corrigida pela Administração Fiscal sempre que uma superveniente avaliação de bens revele um valor patrimonial superior ao que constava da matriz.
3 – E inexistindo, deste modo, qualquer expectativa minimamente fundada do contribuinte na estabilidade dos valores liquidados com base na matriz, sendo os mesmos oficiosamente revisíveis sempre que uma avaliação ulterior de bens mostre que uma avaliação ulterior dos bens mostre que os valores patrimoniais não estavam actualizados.
4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
Os recorridos não alegaram.
3. Sucede que, entretanto, foi aprovado, em plenário deste Tribunal, o Acórdão n.º 422/04 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual se julgou não ser inconstitucional a norma desaplicada pela decisão agora recorrida. E é a doutrina fixada pelo plenário, da qual se extrai necessariamente a não violação também do princípio da não retroactividade em matéria fiscal, que agora cabe aplicar ao caso dos autos, por valer igualmente para as hipótese em que o expropriante não é um município, remetendo-se para os fundamentos do citado Acórdão n.º 422/04.
Note-se que está fora do âmbito do presente recurso a apreciação de qualquer questão de constitucionalidade que eventualmente pudesse ser suscitada a propósito do trânsito em julgado da decisão de fixação do valor da indemnização, apontado pelos expropriados no requerimento de fls.400. Na verdade, não tendo os recorridos alegado, tal âmbito encontra-se confinado à norma impugnada pelo Ministério Público, ora recorrente.
Assim, decide-se conceder provimento ao recurso, pelos fundamentos constantes do Acórdão n.º 422/04, devendo, em consequência, a decisão recorrida ser reformulada em conformidade com o aqui decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 12 de Novembro de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Artur Maurício