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Processo n.º 130/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         1.1. O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Judicial de Gondomar deduziu acusação contra, entre outros, A., a quem imputou 
 a autoria de:
 
                         – vinte e seis (26) crimes dolosos de corrupção activa, 
 sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 374.°, n.º 1, do Código 
 Penal, por referência ao artigo 386.°, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma legal, 
 aos artigos 21.°, 22.° e 24.° da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (agora artigos 
 
 20.°, 21.°, 22.º, 23.º e 24.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho), aos artigos 
 
 7.°, 8.° e 11.° do Decreto‑Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, e Despacho n.º 56/95 
 da Presidência do Conselho de Ministros, de 1 de Setembro de 1995, in Diário da 
 República, II Série, de 14 de Setembro de 1995 (factos descritos nos pontos 1.1, 
 
 1.3, 1.2, 1.3.1, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.7, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 
 
 1.3.11, 1.3.12, 1.3.13, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.19, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.23, 
 
 1.3.24, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27, 1.3.28 e 1.3.29); e de
 
                         – vinte e um (21) crimes dolosos de corrupção desportiva 
 activa, sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, 
 por referência aos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, todos do Decreto‑Lei n.º 
 
 390/91, de 10 de Outubro (factos descritos nos pontos 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 
 
 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 
 
 1.3.17, 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29).
 
  
 
                         1.2. Notificado da acusação, o arguido apresentou 
 requerimento de abertura de instrução, cujo teor sintetizou no seguinte resumo:
 
  
 
             “1. Ainda que fosse verdadeira – o que não se concede –, a matéria 
 de facto descrita na acusação não é passível de censura penal mediante recurso 
 aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 390/91, 
 de 10 de Outubro, nem se enquadra na previsão normativa do artigo 374.º, n.º 1, 
 do Código Penal.
 
             2. A Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, e o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 
 
 10 de Outubro, são inconstitucionais por violação dos n.º 1, alínea c), e 2 do 
 artigo 165.º do CRP, como tal devendo ser declarados.
 
             3. Assim sendo, como se tem por certo, ainda que fossem verdadeiros 
 
 – mas não são – os factos descritos nos pontos. 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 1.3.3, 
 
 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 
 
 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29 da acusação, não 
 poderiam os mesmos ser sancionados mediante recurso aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, 
 n.º 1, e 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, pelo que, 
 nessa parte, se impõe a não pronúncia do arguido.
 
             4. Tais factos, declarada a inconstitucionalidade daqueles diplomas 
 legais, jamais poderão ser sancionados mediante o recurso aos preceitos do 
 Código Penal que prevêem e punem a corrupção, em especial o artigo 374.º, n.º 1, 
 por referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), além do mais porque nenhuma 
 das entidades referenciadas naqueles pontos da matéria de facto poderá ser 
 considerada funcionário público.
 
             5. Os tipos criminais descritos nos artigos 372.º, 373.º e 374.º do 
 Código Penal não abrangem os actos praticados no domínio do futebol 
 profissional, não profissional e amador.
 
             6. O bem jurídico corporizado na verdade, lealdade e correcção da 
 competição e do seu resultado e no respeito pela ética das competições 
 desportivas apenas recebeu protecção criminal com a publicação do Decreto‑Lei 
 n.º 390/91, de 10 de Outubro, embora de modo juridicamente inoperante, tendo em 
 consideração a inconstitucionalidade deste diploma.
 
             7. É insustentável a incriminação do arguido pela suposta prática de 
 
 26 crimes dolosos de corrupção activa, previstos e punidos pelo artigo 374.º, 
 n.º 1, do Código Penal.
 
             8. A interpretação do artigo 374.º, e, bem assim, dos artigos 372.º 
 e 373.º do Código Penal que considera estes preceitos aplicáveis aos actos 
 praticados no âmbito do desporto em geral e do futebol em particular que 
 ofendam a verdade, lealdade e correcção da competição e do seu resultado e o 
 respeito pela ética das competições desportivas é inconstitucional, por violação 
 do princípio da subsidiariedade e intervenção mínima do direito penal 
 consagrados no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
 
             9. A incriminação do arguido por 26 crimes dolosos de corrupção 
 reporta‑se à suposta solicitação feita por si ao Presidente do Conselho de 
 Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol B. (também arguido no processo) 
 para que, de entre os que reuniam condições para serem por ele nomeados, apenas 
 escolhesse para dirigir jogos do C. árbitros constantes de uma lista que lhe era 
 apresentada para o efeito.
 
             10. A acusação não descreve nenhuma irregularidade ou ilegalidade 
 que afectem o conteúdo, a substância ou o fundo do acto de nomeação dos árbitros 
 efectuada pelo co‑arguido B. nessas circunstâncias nem enuncia sequer as regras 
 das nomeações que pudessem ter sido violadas.
 
             11. A ser punido pelo Código Penal – o que se repudia –, aquele 
 comportamento só poderia enquadrar-se no n.º 2 do artigo 374.º, por referência 
 ao artigo 373.º, e nunca no seu n.º 1.
 
             12. A incriminação da corrupção activa para acto lícito no domínio 
 do fenómeno desportivo ofenderia em medida de todo incomportável o citado 
 princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade do direito penal.
 
             13. A interpretação do artigo 374.º, n.º 2, do Código Penal que 
 estendesse o respectivo âmbito de aplicação aos actos praticados no âmbito do 
 desporto em geral e do futebol em particular sempre seria, por conseguinte, 
 inconstitucional, por violação do princípio da subsidiariedade e intervenção 
 mínima do direito penal consagrados no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
 
             14. O conceito de funcionário previsto para efeitos da lei penal é 
 integrável apenas nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário.
 
             15. É manifesto que o Presidente do Conselho de Arbitragem da 
 Federação Portuguesa de Futebol não é reconhecido pelo cidadão comum como 
 funcionário público, mesmo admitindo que o seja por ele próprio, do que se 
 duvida.
 
             16. Assim sendo, como é, não existe a indispensável avaliação 
 paralela na esfera do leigo quanto a essa qualidade de funcionário para que 
 possa estender‑se a previsão do artigo 374.º do Código Penal à hipótese 
 vertente.
 
             17. Também por isso, os factos descritos na acusação não poderiam 
 jamais ser enquadrados na previsão do artigo 374.º, n.º 1, por referência ao 
 artigo 386.º, n.º 1, alínea c), parte final, do Código Penal.
 
             18. Estender o campo de aplicação deste último preceito ao 
 Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol para 
 efeitos de incriminação da corrupção activa prevista e punida pelo n.º 1 do 
 artigo 374.º do Código Penal, implicaria uma interpretação inadmissível dessa 
 normas, por ofensivo da tipicidade e subsidiariedade do direito penal 
 decorrentes dos artigos 18.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, da CRP.
 
             19. Os actos e omissões praticados por dirigentes desportivos com 
 violação da verdade, lealdade, correcção e ética ou a solicitação por outrem 
 para a prática desse tipo de actos seriam puníveis apenas pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 390/91, de 10 de Outubro, e nunca pelo Código Penal.
 
             20. O Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa 
 de Futebol não pode senão considerar‑se dirigente desportivo, maxíme para todos 
 os efeitos previstos no citado Decreto‑Lei.
 
             21. Ainda que este diploma não estivesse enfermo de 
 inconstitucionalidade, a conduta do requerente visando a prática de actos 
 lícitos pelo Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de 
 Futebol jamais poderia implicar responsabilidade criminal, atenta a sua 
 qualidade de dirigente desportivo.
 
             22. Por último, a entender‑se que a conduta que a acusação imputa ao 
 requerente tinha por escopo a prática de actos ilícitos pelo Presidente do 
 Conselho de Arbitragem, sempre seria indiscutível, pelas invocadas razões, que 
 a mesma seria punível, quando muito, pelo n.º 2 do artigo 4.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 390/91, e não pelo n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal.
 
             23. No sentido da insuperável improcedência da acusação converge 
 ainda a circunstância de nela se não descreverem factos indispensáveis para 
 consubstanciar qualquer tipo de corrupção activa.
 
             24. Desde logo porque, quanto aos actos relacionados com o 
 Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, a 
 acusação não descreve nenhum facto susceptível de ser considerado ofensivo da 
 verdade, correcção, lealdade e ética desportivas.
 
             25. Bem pelo contrário, o que ressalta do próprio libelo é que a 
 intervenção do requerente tinha como único escopo prevenir e impedir a viciação 
 dos resultados desportivos, evitando que fossem nomeados árbitros que pudessem 
 prejudicar o C..
 
             26. Depois, porque não estão descritos na acusação actos 
 susceptíveis de consubstanciar qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial 
 que o requerente tenha dado ou prometido, ainda que por interposta pessoa, a 
 troco dos comportamentos que lhe imputam ter solicitado de qualquer dos 
 intervenientes no processo.
 
             27. Nenhuma das «ofertas» a que se alude na acusação poderá 
 considerar‑se relevante ou ofensiva dos hábitos sociais instituídos na 
 actividade do futebol, ou adequada a criar um clima de permeabilidade ou 
 simpatia propício à obtenção futura de favores ilícitos.
 
             28. A extensa e a todos os títulos imprópria citação de excertos de 
 conversações telefónicas contida na acusação implica nulidade, por ofensa do 
 disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º, que fica alegada.
 
             29. E a verdade é que os meios de recolha de prova utilizados 
 enfermam de gravíssimas nulidades que lhes retiram em definitivo e sem remissa 
 qualquer réstia de valor.
 
             30. É esse o caso, antes do mais, das escutas telefónicas, que são 
 nulas, em síntese, porque:
 
             30.01. Têm origem num despacho judicial nulo, porque:
 
             – não concretiza nem descreve qualquer indício probatório;
 
             – não concretiza nem especifica qualquer facto relativo ao crime que 
 diz mostrar‑se indiciado;
 
             – não descreve nem especifica qualquer facto/razão que permita 
 concluir que as escutas se revelam de grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova ou que justifique não se poder alcançar o escopo 
 pretendido através de outros meios de prova menos ofensivos da liberdade e 
 privacidade do arguido; e
 
             – não fixa nenhum prazo para duração das escutas.
 
             Estas omissões ofendem o disposto nos artigos 97.º, n.º 4, e 187.º, 
 n.º 1, parte final, do CPP, e 205.º, n.º 1, da CRP, e implicam, como efeito 
 directo e imediato, a nulidade de todas as escutas que são consequência adequada 
 e exclusiva das escutas iniciais.
 
             Sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º, 
 n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP, este conjunto normativo não pode ser interpretado 
 como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar através de factos os 
 elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar 
 mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que 
 condensam os indícios da prática de tal crime, os factos e as razões, diferentes 
 da mera natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam 
 a opção por este meio de recolha de prova e, bem assim, de fixar um prazo para a 
 respectiva duração.
 
             30.02. Não respeitaram as exigências legais e constitucionais da 
 imediação, acompanhamento e controlo pela autoridade judicial, ocorrendo 
 enormes lapsos de tempo, por vezes superiores a dois meses, entre a data da 
 intercepção e gravação das conversações e a audição pelo JIC das sessões que a 
 Polícia Judiciária considerou de interesse, audição que, na falta dos 
 correspondentes autos, se presume ter sido feita nas datas de prolação dos 
 despachos em que o JIC ordena a transcrição e/ou destruição das gravações;
 
             Interpretado no sentido de permitir a ocorrência de tais lapsos de 
 tempo, o artigo 188.º, n.º 1, do CPP é inconstitucional, por ofensa do disposto 
 nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             30.03. A entidade que lavrava os autos de intercepção e gravação, 
 nos quais seleccionava logo as sessões consideradas com interesse, retinha 
 sistematicamente esses elementos na sua posse, só os apresentando ao JIC muitos 
 dias depois de os recolher.
 
             A interpretação do artigo 188.º, n.º 1, que admita a ocorrência de 
 grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a elaboração do auto de 
 intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com 
 interesse e a sua apresentação ao Juiz é inconstitucional, por ofensa das 
 disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 
 
 2, da CRP.        30.04. Mantiveram‑se, mediante prorrogações de autorização 
 judicial, mesmo quando se reconhece e certifica que nenhuma ou apenas uma ínfima 
 parte das sessões anteriores tinha interesse para a investigação.
 
             Interpretado no sentido de permitir a prorrogação do prazo da 
 escutas nestas circunstâncias, o artigo 187.º, n.º 1, do CPP é 
 inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, 
 da CRP.
 
             30.05. Não respeitaram o formalismo que regula a sua execução:
 
             – por um lado, de nenhum dos inúmeros autos de intercepção e 
 gravação lavrados no processo constam «a identidade da pessoa que procedeu à 
 intercepção (...) e o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção e 
 da gravação», com o que foi preterido, assim e desde logo, o disposto no artigo 
 
 99.º, 3.º, alínea a).
 
             – por outro lado, não foi lavrado nenhum auto de audição das 
 gravações pelo M.mo Juiz de Instrução, para documentar, da única forma 
 aceitável, tendo em consideração a natureza dos direitos fundamentais em causa, 
 a prática do acto e as circunstâncias, sobretudo de tempo, em que foi praticado, 
 com o que foram preteridos, entre outros, os artigos 94.º, n.º 6, 95.º, n.º 1, e 
 
 99.º, n.º 1.
 
             A interpretação do conjunto normativo formado pelos artigos 94.º, 
 n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), que considere tais preceitos 
 inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas telefónicas é 
 inconstitucional, por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             30.06. Estão feridas pela destruição de grande parte dos suportes 
 magnéticos da respectiva gravação, ordenada pelo JIC.
 
             A segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º é inconstitucional, por 
 ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 43.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
 
             30.07. Arrastaram‑se por um período de tempo superior a treze meses, 
 incompatível com a natureza excepcional deste meio de recolha de prova e que 
 excede em muito os prazos legais para a conclusão do inquérito.
 
             A interpretação do artigo 187.º que permita a autorização e 
 manutenção das escutas telefónicas por um período de tempo superior ao da 
 duração do prazo máximo do inquérito é inconstitucional, por violação do 
 disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             30.08. Foi prorrogada a respectiva autorização mesmo quando estava 
 reconhecido e certificado que as sessões já gravadas não tinham qualquer 
 interesse ou se revestiam de interesse residual.
 
             A interpretação deste preceito que legitime a prorrogação de escutas 
 que se revelaram de interesse nulo ou residual é inconstitucional, porque ofende 
 os artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             31. Em suma, as escutas alimentam‑se a si próprias num processo de 
 justificação autofágico que reduziu a investigação a um inconcebível voyerismo 
 auto‑suficiente e preguiçoso, altamente lesivo da privacidade dos arguidos e de 
 terceiros.
 
             32. Dos mesmos vícios sofre a recolha de prova que se realizou nos 
 autos através do registo de imagens e som, que, por isso, é de igual modo nula.
 
             33. A esses vícios acresce o de, entre Março de 2003 e Abril de 
 
 2004, terem sido recolhidos som e imagem do arguido sem que o despacho que as 
 autorizou tenha sido renovado uma única vez.
 
             34. Não existe, por outro lado, nos autos nenhum indício, seja de 
 que ordem for, que demonstre ou certifique ter o M.mo Juiz de Instrução 
 acompanhado e controlado a execução deste meio de recolha de prova: não foi 
 lavrado nenhum auto de recolha de imagens e som que tenha sido apresentado ao 
 JIC com os respectivos elementos de suporte, para visionamento e/ou audição.
 
             35. Todas as imagens e registos de voz que foram recolhidas e estão 
 documentadas nos autos são nulos, por manifesta violação do disposto no artigo 
 
 190.º, conjugado com o artigo 189.º do CPP, artigos 1.º, n.ºs 1, alínea d), e 3, 
 
 6.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e artigo 1.º, n.º 1, 
 alínea a), da Lei n.º 26/94, de 25 de Setembro.
 
             36. A interpretação deste conjunto normativo que sancione o registo 
 de imagem e de voz sem o efectivo e permanente controlo do Juiz de Instrução é 
 inconstitucional, porque viola os artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.”
 
  
 
                         1.3. O Juiz de Instrução Criminal de Gondomar, em 6 de 
 Março de 2007, proferiu decisão instrutória, em que, além do mais, desatendeu 
 as arguições de nulidade feitas pelo ora recorrente e as questões de 
 inconstitucionalidade por ele suscitadas, tendo, a final, pronunciado o arguido 
 pelos crimes por que vinha acusado pelo Ministério Público.
 
  
 
                         1.4. O arguido interpôs recurso da decisão instrutória 
 para o Tribunal da Relação do Porto, tendo sintetizado a respectiva motivação 
 nas seguintes conclusões:
 
  
 
 “1. NULIDADE DAS ESCUTAS
 
             As escutas telefónicas efectuadas no decurso do inquérito são nulas, 
 em síntese porque:
 
             1.1.1. têm origem num despacho nulo, porque:
 
             – não concretiza nem descreve qualquer indício probatório;
 
             – não concretiza nem especifica qualquer facto relativo ao crime que 
 diz mostrar‑se indiciado;
 
             – não descreve nem especifica qualquer facto/razão que permita 
 concluir que as escutas se revelam de grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova ou que justifique não se poder alcançar o escopo 
 pretendido através de outros meios de prova menos ofensivos da liberdade e 
 privacidade do arguido; e
 
             – não fixa nenhum prazo para a duração das escutas.
 
             Estas omissões ofendem o disposto nos artigos 97.º, n.º 4, e 187.º, 
 n.º 1, parte final, do CPP, e 205.º, n.º 1, da CRP, e implicam, como efeito 
 directo e imediato, a nulidade de todas as escutas que são consequência adequada 
 e exclusiva das escutas iniciais.
 
             Sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º, 
 n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP, este conjunto normativo não pode ser interpretado 
 como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar através de factos os 
 elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar 
 mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que 
 condensam os indícios da prática de tal crime, os factos e as razões, diferentes 
 da mera natureza do crime ou da simples moldura penal abstracta aplicável, que 
 justificam a opção por este meio de recolha de prova e, bem assim, de fixar um 
 prazo para a respectiva duração.
 
             A falta de fundamentação do despacho que ordena as escutas integra 
 uma verdadeira e própria nulidade, não uma simples irregularidade.
 
             Ainda que o não fosse, teria sido invocada no prazo legal previsto 
 no artigo 123.º pelo arguido B., aproveitando essa invocação a todos os demais 
 arguidos.
 
             A interpretação que o douto despacho adoptou do conjunto normativo 
 integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, n.º 1 do artigo 187.º e 189.º do CPP, de 
 acordo com a qual constitui simples irregularidade, como tal sanável, a falta de 
 concretização através de factos [d]os elementos da tipicidade do crime concreto 
 cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às escutas 
 telefónicas autorizadas, os factos concretos que condensam os indícios da 
 prática de tal crime e, bem assim, os factos e as razões, diferentes da mera 
 natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam a opção 
 por este meio de recolha de prova, é inconstitucional, por ofensa do disposto, 
 entre outros, nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             1.1.2. Ainda que aquele despacho não fosse nulo por falta de 
 fundamentação, sempre seria certo que, do ponto de vista substancial, não 
 existiam, à data em que foi proferido, quaisquer indícios probatórios (fosse de 
 que natureza fosse) da prática pelo arguido do crime de que foi considerado 
 suspeito – corrupção activa do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que 
 sempre estaria violado o disposto no artigo 187.º, n.º 1.
 
             1.2. As escutas não respeitaram as exigências legais e 
 constitucionais da imediação, acompanhamento e controlo pela autoridade 
 judicial, como se manifesta:
 
             – na prorrogação pelo JIC da autorização de escutas sem que 
 previamente tenha procedido à audição das gravações das escutas anteriores e 
 mesmo sem que tenha tido acesso aos suportes magnéticos destas, ou sequer sem 
 que tenha procedido à leitura dos respectivos autos de selecção, que não lhe 
 tinham sido entregues nem estavam elaborados;
 
             – nos enormes e, a todos os títulos, inadmissíveis períodos de tempo 
 que decorreram entre a apresentação ao Juiz do suporte magnético das gravações, 
 acompanhado da selecção dos elementos que a Polícia Judiciária considera 
 relevantes, e a respectiva audição;
 
             – nos enormes lapsos de tempo verificados entre a data em que é 
 feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos de gravação e 
 dos suportes magnéticos das gravações;
 
             Interpretado no sentido de permitir a prorrogação das escutas sem 
 prévia audição das anteriores e a ocorrência de tais lapsos de tempo, o artigo 
 
 188.º, n.º 1, do CPP é inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 
 
 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             1.3. A entidade que lavrava os autos de intercepção e gravação, nos 
 quais seleccionava as sessões consideradas com interesse, retinha 
 sistematicamente esses elementos na sua posse, só os apresentando ao JIC muitos 
 dias depois de os recolher.
 
             A interpretação do artigo 188.º, n.º 1, que admita a ocorrência de 
 grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a elaboração do auto de 
 intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com 
 interesse e a sua apresentação do Juiz é inconstitucional, por ofensa das 
 disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 
 
 2, da CRP.
 
             1.4. As escutas mantiveram‑se, mediante prorrogações da autorização 
 judicial, mesmo quando se reconhece e certifica que nenhuma ou apenas uma ínfima 
 parte das sessões anteriores tinha interesse para a investigação.
 
             Interpretado no sentido de permitir a prorrogação do prazo das 
 escutas nestas circunstâncias, o artigo 187.º, n.º 1, do CPP, é 
 inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, 
 da CRP.
 
             1.5. As escutas não respeitaram o formalismo que regula a sua 
 execução:
 
             – por um lado, de nenhum dos inúmeros autos de intercepção e 
 gravação lavrados no processo constam «a identidade da pessoas que procedeu à 
 intercepção [...] e o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção e 
 da gravação», com o que foi preterido, assim e desde logo, o disposto no artigo 
 
 99.º, n.º 3, alínea a);
 
             – por outro lado, não foi lavrado nenhum auto de audição das 
 gravações pelo Juiz de Instrução, para documentar, da única forma aceitável, 
 tendo em consideração a natureza dos direitos fundamentais em causa, a prática 
 do acto e as circunstâncias, sobretudo de tempo, em que foi praticado, com o que 
 foram preteridos, entre outros, os artigos 94.º, n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.º 
 
 1.
 
             A interpretação do conjunto normativo formado pelos artigos 94.º, 
 n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), que considere tais preceitos 
 inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas telefónicas é 
 inconstitucional, por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             1.6. As escutas estão feridas pela destruição de grande parte dos 
 suportes magnéticos da respectiva gravação, ordenada pelo JIC e levada a cabo 
 sem a audição dos arguidos.
 
             A segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º do CPP é inconstitucional, 
 por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 43.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
 
             1.7. As escutas arrastaram‑se por um período de tempo superior a 
 treze meses, sem a prática ou recolha de quaisquer outros elementos relevantes 
 de prova, sendo esse prazo incompatível com a natureza excepcional deste meio de 
 recolha de prova, até porque excede em muito os prazos legais para a conclusão 
 do inquérito.
 
             A interpretação do artigo 187.º que permita a autorização e 
 manutenção das escutas telefónicas por um período de tempo superior ao da 
 duração do prazo máximo do inquérito, sobretudo sem a prática ou recolha de 
 quaisquer outros meios relevantes de prova, é inconstitucional, por violação do 
 disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             1.8. Foi prorrogada a autorização das escutas mesmo quando estava 
 reconhecido e certificado que as sessões já gravadas não tinham qualquer 
 interesse ou se revestiam de interesse residual.
 
             A interpretação deste preceito que legitima a prorrogação de escutas 
 que se revelaram de interesse nulo ou residual é inconstitucional, porque ofende 
 os artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
  
 
             2. INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE FUNCIONÁRIO DA ALÍNEA C) DO N.º 1 
 DO ARTIGO 386.º DO CÓDIGO PENAL AO PRESIDENTE DO CONSELHO DE ARBITRAGEM DA FPF
 
             2.1. Como resulta do n.º 6 do artigo 267.º da Lei Fundamental, as 
 pessoas colectivas de utilidade pública não estão incluídas, por definição, no 
 conceito de «entidades públicas» a que se reportam os artigos 269.º e 271.º da 
 CRP, ainda que «exerçam poderes públicos».
 
             2.2. De acordo com o que dispõe o n.º 1 daquele artigo 271.º da CRP, 
 só os «agentes» que actuam no âmbito de pessoas colectivas de direito público 
 estão submetidos a uma responsabilização por crimes cometidos no exercício de 
 funções públicas (com efeito externo, ou seja, perante terceiros).
 
             2.3. Quem exerce funções (ou nelas participe) em entidades privadas 
 não está submetido ao regime jurídico (incluindo, para efeitos penais) que 
 regula as pessoas colectivas de direito público.
 
             2.4. Assim, não se pode considerar funcionário, para efeitos da lei 
 penal, quem exerça funções em pessoas colectivas de utilidade pública.
 
             2.5. A Federação Portuguesa de Futebol não pode, em caso algum, ser 
 considerada pessoa colectiva de direito público (melhor dizendo, não pode sequer 
 ser considerada «entidade pública», na expressão constitucional – citado artigo 
 
 269.º, n.º 1 – de «Estado e demais entidades públicas»).
 
             2.6. Nenhum «titular de órgão social» da FPF pode cometer um crime 
 que suponha, como elemento típico, um «cargo», elemento este que, para efeitos 
 penais, terá de corresponder a um «cargo público».
 
             2.7. Os crimes que no Código Penal pressupõem os deveres do cargo 
 
 (público) – de que são exemplo os diversos tipos do crime de corrupção – são 
 inaplicáveis a agentes que desempenhem funções ou participem em actividades 
 compreendidas nos fins de uma pessoa colectiva de direito privado (mesmo que de 
 utilidade pública) – como é o caso da FPF, pelo que nenhum dos titulares dos 
 seus órgãos sociais pode cometer tais crimes.
 
             2.8. O Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF não é titular de 
 qualquer poder de natureza pública, participando numa área de actividade desta 
 pessoa colectiva – o sector da arbitragem – que se integra manifestamente no 
 
 âmbito estritamente desportivo e normativo privado,
 
             como, aliás, acentua o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 
 
 27 de Outubro de 2004, ao decidir que «a violação das regras sobre nomeação de 
 
 árbitros se enquadra no âmbito das questões estritamente desportivas».
 
             2.9. O Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF não exerce 
 qualquer função pública e, por isso, nunca poderia, mesmo numa interpretação 
 extensiva da lei penal, ser considerado funcionário.
 
             2.10. Todos aqueles que tomam parte no sector da arbitragem não 
 podem, mesmo numa interpretação extensiva do conceito de funcionário, cometer 
 crimes no exercício de funções públicas em consequência de violação das regras 
 
 (seja qual for a razão de ser dessa violação) referentes à designação de 
 
 árbitros.
 
             2.11. A interpretação do conjunto normativo formado pelos artigos 
 
 372.º, 373.º, 374.º e 386.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal que inclua nas 
 respectivas previsões o Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF enferma de 
 inconstitucionalidade material, por ofensa do disposto, entre outros, nos 
 artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, 267.º, n.º 6, 269.º, n.º 1, e 271.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
             2.12. Assim sendo, nenhum dos actos imputados ao arguido poderá 
 jamais ser enquadrado na previsão normativa do artigo 374.º, n.º 1, do Código 
 Penal.
 
             
 
 3. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE AUTORIZAÇÃO N.º 49/91, DE 3 DE AGOSTO, E DO 
 DECRETO‑LEI N.º 390/91, DE 10 DE OUTUBRO.
 
             A Lei da Autorização n.º 49/91, de 3 de Agosto, é inconstitucional 
 porque, não definindo com rigor a respectiva extensão e sentido, ofende o 
 disposto no n.º 2, por referência à alínea c) do n.º 1, do artigo 165.º da CRP, 
 sendo, por isso e por violação dos mesmos preceitos da Lei Fundamental, 
 inconstitucional o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro.
 
             4. Ao decidir de modo diverso, considerando válidas as escutas 
 telefónicas executadas no decurso do inquérito, considerando aplicável aos 
 factos sub judice o conceito extensivo de funcionário previsto na alínea c) do 
 n.º 1 do artigo 386.º do Código Penal e aceitando a conformidade constitucional 
 da Lei de Autorização n.º 49/91 e do correlativo Decreto‑Lei n.º 390/91, o douto 
 despacho em mérito ofendeu os preceitos legais que ficaram indicadas nos 
 antecedentes números destas conclusões.”
 
  
 
                         1.5. Por acórdão de 14 de Novembro de 2007, o Tribunal 
 da Relação do Porto. (i) negou provimento ao recurso na parte em que se refere à 
 arguida nulidade das escutas telefónicas e, consequentemente, nessa parte 
 confirmou a decisão recorrida; e (ii) não conheceu das demais questões 
 suscitadas – inaplicabilidade do conceito de funcionário previsto no artigo 
 
 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal ao Presidente do Conselho de 
 Arbitragem da FPF (com a consequente impossibilidade de enquadramento dos 
 factos imputados ao recorrente na previsão do artigo 374.º, n.º 1, do Código 
 Penal e inerente insubsistência da pronúncia pelos mencionados 26 crimes de 
 corrupção activa) e inconstitucionalidade da Lei n.º 49/91 e do Decreto‑Lei n.º 
 
 390/91 (com a consequente impossibilidade de ser pronunciado pelos mencionados 
 
 21 crimes de corrupção desportiva activa) – por, nessa parte, o recurso ser 
 inadmissível. Na verdade, relacionando‑se estas questões com o mérito do 
 despacho de pronúncia (e não com quaisquer nulidades ou questões prévias ou 
 incidentais), aplica‑se o disposto no artigo 310.º, n.º 1, do CPP, que declara 
 inadmissível o recurso do despacho que pronuncia o arguido pelos factos 
 constantes da acusação do Ministério Público (como no caso ocorreu).
 
  
 
                         1.6. Notificado deste acórdão, endereçou o arguido ao 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), tendo 
 por objecto quer o aludido acórdão quer a decisão instrutória de 6 de Março de 
 
 2007, para apreciação da inconstitucionalidade das seguintes normas:
 
  
 
             “A.
 
             – conjunto normativo integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, e 187.º, 
 n.º 1, parte final, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, interpretado como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar 
 através de factos os elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação 
 se pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os 
 factos concretos que condensam os indícios da prática de tal crime, os factos e 
 as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da simples moldura penal 
 abstracta aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha de prova 
 e, bem assim, de fixar um prazo para a respectiva duração, por violação dos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – conjunto normativo integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, 187.º, n.º 
 
 1, e 189.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 
 interpretado no sentido de que constitui simples irregularidade, como tal 
 sanável, a falta de concretização através de factos dos elementos da tipicidade 
 do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às 
 escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que condensam os indícios 
 da prática de tal crime e, bem assim, os factos e as razões, diferentes da mera 
 natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam a opção 
 por este meio de recolha de prova, por ofensa do disposto, entre outros, nos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, interpretado no sentido de permitir a prorrogação das escutas 
 sem prévia audição das anteriores pelo JIC e sem que este tenha procedido à 
 leitura dos respectivos autos de selecção, e no sentido de permitir a ocorrência 
 de lapsos de tempo superiores a quinze dias entre a apresentação ao JIC do 
 suporte magnético das gravações, acompanhado da selecção dos elementos que a 
 Polícia Judiciária considera relevantes e a respectiva audição e entre a data em 
 que é feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos de 
 gravação e dos suportes magnéticos das gravações, por ofensa do disposto nos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, 
 de 9 de Agosto, interpretado no sentido de admitir a ocorrência de grandes 
 lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a elaboração do auto de 
 intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com 
 interesse e a sua apresentação ao Juiz, por ofensa das disposições conjugadas 
 dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP;
 
             – artigo 187.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, interpretado no sentido de permitir a prorrogação de escutas 
 quando se reconhece e certifica que nenhuma ou apenas uma ínfima parte das 
 sessões anteriores tinha interesse para a investigação, por ofensa do disposto 
 nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – conjunto normativo integrado pelos artigos 94.º, n.º 6, 95.º, n.º 
 
 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, alínea a). do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, interpretado no sentido de considerar tais preceitos 
 inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas telefónicas, por ofensa 
 dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, na versão anterior 
 
 à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de permitir a 
 destruição dos elementos recolhidos através de escutas telefónicas e dos 
 respectivos suportes magnéticos sem que o arguido escutado tenha tido acesso a 
 tais elementos nem tenha consentido na sua destruição, por ofensa dos artigos 
 
 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 43.º, n.ºs 1 e 4, da CRP;
 
             – artigo 187.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, na interpretação que permite a autorização e manutenção das escutas 
 telefónicas por mais de treze meses e um período de tempo superior ao da duração 
 do prazo máximo do inquérito, sobretudo sem a prática ou recolha de quaisquer 
 outros meios relevantes de prova, por violação do disposto nos artigos 18.º, 
 n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP;
 
             – artigo 187.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, na interpretação que legitima a prorrogação de escutas que se 
 revelaram de interesse nulo ou residual, por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, e 
 
 32.º, n.º 8, da CRP;
 
  
 
             B.
 
             – conjunto normativo formado pelos artigos 372.º, 373.º, 374.º e 
 
 386.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na versão anterior à Lei n.º 59/2007, 
 de 4 de Setembro, na interpretação que inclui nas respectivas previsões o 
 Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, por 
 ofensa do disposto, entre outros, nos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, 267.º, 
 n.º 6, 269.º, n.º 1, e 271.º, n.º 1, da CRP;
 
             – Lei de Autorização n.º 49/91, de 3 de Agosto, e Decreto‑Lei n.º 
 
 390/91, de 10 de Outubro, por ofensa do n.º 2, por referência à alínea c) do n.º 
 
 1, do artigo 165.º CRP.”
 
  
 
                         Como pretendia impugnar duas decisões proferidas por 
 tribunais diferentes (o Tribunal da Relação do Porto, quanto às questões 
 enunciadas na parte A. do requerimento de interposição de recurso, e Tribunal de 
 Instrução Criminal de Gondomar, quanto às questões enunciadas na parte B. do 
 mesmo requerimento), o arguido, à cautela, apresentou na mesma data requerimento 
 de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional endereçado ao Juiz de 
 Instrução Criminal de Gondomar, restrito às duas questões enunciadas na parte B.
 
                         Porém, o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do 
 Porto proferiu despacho em que admitiu os dois recursos.
 
  
 
                         1.7. No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho 
 em que determinou a apresentação de alegações, consignou que as partes se 
 deveriam pronunciar, querendo, sobre a eventualidade de não se conhecer do 
 recurso na parte relativa às 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª e 9.ª questões 
 de inconstitucionalidades referidas na parte A do dito requerimento, por duas 
 ordens de razões: (i) por não se revestirem das características de generalidade 
 e abstracção próprias das questões de inconstitucionalidade normativa, antes 
 serem susceptíveis de ser vistas como representando a imputação directa da 
 violação da Constituição a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, em 
 termos inseparáveis das especialidades irrepetíveis do presente caso concreto; e 
 
 (ii) por não existir inteira coincidência entre os critérios normativos que o 
 recorrente reputa inconstitucionais e os critérios normativos efectivamente 
 aplicados, como ratio decidendi, pelo acórdão recorrido.
 
  
 
                         1.8. O recorrente apresentou alegações, que terminam com 
 a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. O conjunto normativo integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, e 
 
 187.º, n.º 1, parte final, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, é inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 
 
 8, da CRP, quando interpretado como dispensando o Juiz de Instrução de 
 concretizar:
 
             – através de factos, os elementos da tipicidade do crime concreto 
 cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas 
 autorizada,
 
             – os factos concretos que condensam os indícios da prática de tal 
 crime,
 
             – os factos e as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da 
 simples moldura penal abstracta aplicável, que justificam a opção por este meio 
 de recolha de prova e, bem assim,
 
             – de fixar um prazo para a respectiva duração.
 
             2. O conjunto normativo integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, 187.º, 
 n.º 1, e 189.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 
 interpretado no sentido de que constitui simples irregularidade, como tal 
 sanável, a falta de concretização através de factos dos elementos da tipicidade 
 do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar mediante o recurso às 
 escutas telefónicas autorizadas, os factos concretos que condensam os indícios 
 da prática de tal crime e, bem assim, os factos e as razões, diferentes da mera 
 natureza do crime ou da simples moldura penal aplicável, que justificam a opção 
 por este meio de recolha de prova, é inconstitucional por ofensa do disposto, 
 entre outros, nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             3. O artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de permitir a prorrogação das 
 escutas sem prévia audição das anteriores pelo JIC e sem que este tenha 
 procedido à leitura dos respectivos autos de selecção, e no sentido de permitir 
 a ocorrência de lapsos de tempo superiores a quinze dias entre a apresentação ao 
 JIC do suporte magnético das gravações, acompanhado da selecção dos elementos 
 que a Polícia Judiciária considera relevantes, e a respectiva audição e entre a 
 data em que é feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos 
 de gravação e dos suportes magnéticos das gravações, é inconstitucional por 
 ofensa do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             4. O artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de admitir a ocorrência de 
 grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a elaboração do auto de 
 intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos considerados com 
 interesse e a sua apresentação do Juiz, é inconstitucional por ofensa das 
 disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 
 
 2, da CRP.
 
             5. O artigo 187.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretado no sentido de permitir a 
 prorrogação de escutas quando se reconhece e certifica que nenhuma ou apenas uma 
 
 ínfima parte das sessões anteriores tinha interesse para a investigação, é 
 inconstitucional por ofensa do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, 
 da CRP.
 
             6. O conjunto normativo integrado pelos artigos 94.º, n.º 6, 95.º, 
 n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do CPP, na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de considerar tais preceitos 
 inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas telefónicas, é 
 inconstitucional por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             7. A norma contida na segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, 
 na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido 
 de permitir a destruição dos elementos recolhidos através de escutas telefónicas 
 e dos respectivos suportes magnéticos sem que o arguido escutado tenha tido 
 acesso a tais elementos nem tenha consentido na sua destruição, é 
 inconstitucional por ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 43.º, n.ºs 
 
 1 e 4, da CRP.
 
             8. O artigo 82.º da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as 
 alterações nela introduzidas por diversos diplomas) é inconstitucional, por 
 violação do n.º 3 do artigo 281.º da CRP, se interpretado no sentido de permitir 
 que o Tribunal Constitucional profira, em qualquer processo, decisão contrária 
 ao juízo de inconstitucionalidade duma norma que tenha sido proferido em três 
 casos concretos e, por conseguinte, no sentido de que, neste caso concreto, pode 
 pronunciar‑se pela constitucionalidade da segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º 
 da CPP na interpretação sub judice.
 
             9. O artigo 187.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, na interpretação que permite a autorização e manutenção das 
 escutas telefónicas por mais de treze meses e um período de tempo superior ao da 
 duração do prazo máximo do inquérito, sobretudo sem a prática ou recolha de 
 quaisquer outros meios relevantes de prova, é inconstitucional por violação do 
 disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             10. O artigo 187.º do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, na interpretação que legitima a prorrogação de escutas que se 
 revelaram de interesse nulo ou residual, é inconstitucional por ofensa dos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 
             11. O conjunto normativo formado pelos artigos 372.º, 373.º, 374.º e 
 
 386.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretado no sentido de incluir nas 
 respectivas previsões o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação 
 Portuguesa de Futebol, é inconstitucional, por ofensa do disposto, entre outros, 
 nos artigos 18.º n.º 2, 29.º, n.º 1, 267.º, n.º 6, 269.º, n.º 1, e 271.º, n.º 1, 
 da CRP.
 
             12. A Lei da Autorização n.º 49/91, de 3 de Agosto, é 
 inconstitucional porque, não definindo com rigor a respectiva extensão e 
 sentido, ofende o disposto no n.º 2, por referência à alínea c) do n.º 1, do 
 artigo 165.º CRP, sendo, por isso e por violação dos mesmos preceitos da Lei 
 Fundamental, também inconstitucional o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de 
 Outubro.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou contra‑alegações, no termo das quais formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. Por não estarem reunidos todos os requisitos e pressupostos, não 
 deverá conhecer‑se do objecto do recurso relativamente às 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 
 
 5.ª, 6.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª questões de constitucionalidade referidas nas 
 conclusões do recorrente.
 
             2. Não é inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 188.º do Código 
 de Processo Penal (na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), 
 interpretada no sentido de permitir a destruição de escutas telefónicas e dos 
 respectivos suportes magnéticos, quando considerados não relevantes, sem que 
 antes o arguido deles tenha conhecimento e possa pronunciar‑se sobre o eventual 
 interesse para a sua defesa.
 
             3. Não é inconstitucional o conjunto normativo composto pelas normas 
 dos artigos 374.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, 
 interpretado no sentido de incluir na respectiva previsão o Presidente do 
 Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, sendo esta uma pessoa 
 colectiva de direito privado, com o Estatuto de Utilidade Pública Desportiva.
 
             4. Quer a Lei de Autorização n.º 49/91, de 3 de Agosto, quer o 
 Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, emitido ao seu abrigo, não enfermam 
 de quaisquer inconstitucionalidades.
 
             5. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Por despacho do relator foi determinada a notificação do 
 recorrente para se pronunciar, querendo, sobre as novas questões prévias 
 suscitadas pelo Ministério Público, tendo sido apresentada resposta, que será 
 considerada à medida que forem apreciadas essas questões.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto
 
                         2.1.1. Dada a sua conexão, tratar‑se‑ão conjuntamente as 
 primeira e segunda questões suscitadas na alegação do recorrente, ambas 
 relativas às exigências de fundamentação da decisão judicial de autorização de 
 intercepções telefónicas, sendo que:
 
                         – a primeira tem por objecto a inconstitucionalidade, 
 por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP, do conjunto 
 normativo integrado pelos artigos 97.º, n.º 4, e 187.º, n.º 1, parte final, do 
 CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretado 
 como dispensando o Juiz de Instrução de concretizar: (i) através de factos, os 
 elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se pretende melhorar 
 mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas; (ii) os factos concretos 
 que condensam os indícios da prática de tal crime; (iii) os factos e as razões, 
 diferentes da mera natureza do crime ou da simples moldura penal abstracta 
 aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha de prova; e, bem 
 assim, (iv) de fixar um prazo para a respectiva duração; e
 
                         – a segunda tem por objecto a inconstitucionalidade, por 
 violação das mesmas normas constitucionais, do conjunto normativo integrado 
 pelos artigos 97.º, n.º 4, 187.º, n.º 1, e 189.º do CPP, na versão anterior à 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de que constitui 
 simples irregularidade, como tal sanável, a falta de concretização através de 
 factos dos elementos da tipicidade do crime concreto cuja investigação se 
 pretende melhorar mediante o recurso às escutas telefónicas autorizadas, os 
 factos concretos que condensam os indícios da prática de tal crime e, bem 
 assim, os factos e as razões, diferentes da mera natureza do crime ou da 
 simples moldura penal aplicável, que justificam a opção por este meio de recolha 
 de prova.
 
                         No despacho do relator que determinou a apresentou de 
 alegações, advertiu‑se o recorrente da possibilidade de não conhecimento destas 
 questões, por duas ordens de razões: (i) por não se revestirem das 
 características de generalidade e abstracção próprias das questões de 
 inconstitucionalidade normativa, antes serem susceptíveis de ser vistas como 
 representando a imputação directa da violação da Constituição a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas, em termos inseparáveis das especialidades 
 irrepetíveis do presente caso concreto; e (ii) por não existir inteira 
 coincidência entre os critérios normativos que o recorrente reputa 
 inconstitucionais e os critérios normativos efectivamente aplicados, como ratio 
 decidendi, pelo acórdão recorrido.
 
                         O não conhecimento desta parte do recurso é sustentado 
 nas contra‑alegações do Ministério Público, não só por não ter sido suscitada 
 uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, mas também porque, 
 mesmo que o tivesse sido, a norma de que foi interposto recurso não foi aplicada 
 na decisão recorrida e da que foi efectivamente aplicada não houve recurso. Na 
 verdade, sustentando, no fundo, o recorrente, nesta parte do recurso, que o 
 despacho que autorizou as escutas não está devidamente fundamentado e que as 
 normas do artigo 97.º, n.º 4, e 187.º, n.º 1, parte final, do CPP, interpretadas 
 como não exigindo esse grau de fundamentação que ele considera essencial, são 
 inconstitucionais, mas tendo o acórdão recorrido, após análise pormenorizada da 
 fundamentação do despacho que autorizou as escutas, concluído que o mesmo estava 
 suficientemente fundamentado, “apurar pormenorizadamente qual o exacto grau de 
 fundamentação é estar a apreciar a própria decisão e já não qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa”. Por outro lado, o acórdão recorrido, após 
 concluir que a decisão se encontrava fundamentada, afirma que, mesmo que assim 
 não fosse, se estaria apenas perante uma irregularidade prevista no artigo 
 
 123.º, n.º 1, do CPP, que se encontrava sanada porque não arguida atempadamente 
 pelo recorrente, pelo que “as normas referentes à exigência de fundamentação não 
 constituem a ratio decidendi da decisão, daqui resultando que independentemente 
 do juízo que viesse a ser formulado sobre a constitucionalidade de tais normas, 
 o acórdão, nesta parte, sempre se manteria (cf. nesse sentido Acórdão n.º 
 
 102/2001)”. Assim sendo, dado que “as normas efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida e que constituem a sua ratio decidendi são as referentes à 
 qualificação do vício de falta ou de insuficiente fundamentação, isto é, os 
 artigos 118.º a 123.º do CPP” e que, “apesar de o acórdão recorrido se referir 
 expressamente a tais normas e até ter apreciado o regime nelas previsto, sob o 
 ponto de vista da sua constitucionalidade, o recorrente não inclui tais normas 
 
 (maxime o artigo 123.º) no objecto do recurso, não o fazendo nem no requerimento 
 de interposição (o momento próprio), nem nas alegações apresentadas neste 
 Tribunal (cf. Acórdão n.º 166/2003)”, entende o Ministério Público que não deve 
 conhecer-se desta parte do recurso.
 
                         Respondendo a estas objecções, diz o recorrente:
 
  
 
             “Ao contrário do que está pressuposto na peça em análise, o 
 recorrente não suscitou no seu recurso a questão da medida ou do quantum de 
 fundamentação das decisões recorridas.
 
             Colocou a questão sob um ângulo muito diverso desse, submetendo à 
 análise do Tribunal Constitucional o critério (ou o sentido 
 interpretativo/normativo) aplicado nessas decisões, critério esse que consiste, 
 em suma, na assumida possibilidade de fundamentação por remissão implícita.
 Não se trata – nem foi essa a perspectiva do recorrente – de conferir se a 
 fundamentação das concretas decisões proferidas é mais ou menos esclarecedora, 
 mais ou menos rigorosa, mais ou menos extensa.
 
             Trata‑se, repete‑se, duma questão diferente, de saber se é ou não 
 admissível a fundamentação por remissão e, mais do que isso, por remissão 
 implícita.
 
             De resto, ainda que a questão tivesse sido colocada em termos de 
 amplitude ou grau de fundamentação, nem por isso deixava, na circunstância 
 concreta deste caso, de ter uma dimensão normativa e de comportar uma vertente 
 de abstracção e generalidade susceptíveis de permitir a sua análise, na exacta 
 medida em que se poderia formular, quanto a ela, a dúvida sobre se o grau de 
 fundamentação pode ser tão exíguo que prescinda, no caso das escutas 
 telefónicas, da invocação dos factos concretos que justificam esse meio de 
 recolha de prova.
 
             Julga‑se que mesmo essa limitativa incidência – a que não pode 
 reduzir‑se este recurso – ainda comportaria uma dimensão normativa capaz de 
 justificar a intervenção do Tribunal Constitucional.
 
             Daí que não pareça adequada a afirmação de que o recorrente pretende 
 que se «apure pormenorizadamente qual o exacto grau de fundamentação».
 
             Também não pode o recorrente subscrever a conclusão de que «as 
 normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida e que constituem a sua 
 ratio decidendi são as referentes à qualificação do vício de falta ou de 
 insuficiente fundamentação, isto é, os artigos 118.º a 123.º do Código de 
 Processo Penal».
 
             O artigo 123.º do CPP é uma norma em branco e residual.
 
             Não contém a enumeração taxativa das irregularidades.
 
             Qualificar um determinado vício como irregularidade é, por isso, uma 
 questão que antecede a aplicação do regime do artigo 123.º, em especial se, 
 como no caso vertente, a natureza do vício contende com uma questão de 
 constitucionalidade.
 
             Dito de outro modo: a decisão recorrida comporta dois momentos.
 
             Num primeiro momento, considera que o critério de fundamentação 
 utilizado (por remissão implícita) não ofende a Constituição; num segundo 
 momento, considera que, a ocorrer um vício da decisão, se trataria duma simples 
 irregularidade.
 
             O recorrente considera que a questão não pode ser retalhada nesses 
 dois momentos: do que se trata é de saber se a interpretação adoptada das normas 
 relativa à fundamentação das decisões sobre escutas é ou não inconstitucional.
 
             Se o for, como sugere, não se coloca sequer a questão da aplicação 
 do artigo 123.º do CPP: um vício de ofensa à Constituição não poderá jamais ser 
 qualificado como irregularidade.
 
             Daí que o recorrente não tenha suscitado directamente a questão da 
 constitucionalidade do artigo 123.º do CPP.
 
             Insiste‑se em que o artigo 123.º é uma norma em branco, residual.
 
             É através da interpretação de cada uma das normas concretas 
 relativas aos actos processuais que se concluirá se a sua ofensa é ou não mera 
 irregularidade.
 
             Se se concluir que uma determinada interpretação duma norma concreta 
 ofende a Constituição, está, por definição, excluída a aplicação do artigo 123.º 
 do CPP.
 
             Daí que o Tribunal Constitucional possa e deva declarar se a 
 interpretação das normas em causa é ou não conforme à CRP.
 
             Se declarar essa inconstitucionalidade, o Tribunal recorrido terá de 
 rever a decisão proferida e retirar daí as consequências inevitáveis, uma vez 
 que o vício da inconstitucionalidade não pode jamais enquadrar‑se na categoria 
 residual das irregularidades.”
 
  
 
                         Relativamente a estas questões, o acórdão recorrido, 
 após descrição da evolução legislativa pertinente e das posições doutrinárias 
 relevantes, consignou o seguinte:
 
  
 
             “Interpretando o teor deste despacho decisório em crise (acima 
 transcrito), verifica‑se que o mesmo, na sua fundamentação, ainda que exígua, 
 remete implicitamente para o teor da promoção do Ministério Público (referindo, 
 depois, até expressamente, «porque se mostra indiciada a prática pelo mesmo de 
 um crime de corrupção activa previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, do 
 Código Penal»), acabando por concluir estarem preenchidos os pressupostos 
 previstos «nos artigos 187.º, n.º 1, alínea a), e 188.º do Código de Processo 
 Penal», razão pela qual autorizou, além do mais, as promovidas (nos pontos 1 e 
 
 2) intercepções e gravações das conversações efectuadas de e para o telemóvel 
 com o n.º  (…) e de e para o telefone da rede fixa com o n.º (…), ambos 
 utilizados pelo recorrente.
 
             Esta interpretação é lógica e clara uma vez que o inquérito (cuja 
 direcção cabe exclusivamente ao Ministério Público – artigo 263.º do CPP) 
 apenas foi concluso à Sr.ª Juiz de Instrução Criminal para ela se pronunciar 
 sobre aquela promoção (o juiz de instrução só exerce funções jurisdicionais em 
 inquérito – artigo 17.º do CPP, na versão anterior à actual).
 
             Obviamente que para se pronunciar (e poder proferir a decisão 
 pessoal em questão), a Sr.ª Juiz de Instrução Criminal teve de ponderar o teor 
 da promoção do Ministério Público, titular do inquérito (promoção essa que 
 provocou a intervenção jurisdicional e delimitou o seu âmbito da intervenção – 
 v. g. artigo 269.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na versão anterior à actual), os 
 elementos existentes nos autos, nomeadamente, os indicados expressamente naquela 
 promoção de fls. 95.
 
             E, não estando em causa (nem o próprio recorrente coloca essa 
 questão) que aquela decisão de autorização de intercepções e gravações das 
 conversações efectuadas de e para aqueles telemóvel e telefone da rede fixa 
 
 (utilizados pelo então suspeito A.), se tratou de uma decisão pessoal do JIC, 
 como «garante das liberdades», embora se possa discordar dessa forma de 
 fundamentação, a verdade é que, ainda assim, a mesma não ofende o «dever 
 constitucional de fundamentação» (artigo 205.º, n.º 1, da CRP).”
 
  
 
                         E depois de transcrever passagens pertinentes da decisão 
 instrutória, prossegue o acórdão:
 
  
 
             “Atenta a natureza do crime em análise (independentemente da 
 qualificação jurídico‑penal então efectuada, sempre crime que, em abstracto, 
 era punido com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos), a diligência 
 de autorização de escutas telefónicas, nos termos em que foi promovida, 
 tornava‑se decisiva e imprescindível para a investigação, havendo razões 
 objectivas e sérias para as autorizar (o interesse da eficácia da investigação 
 do crime de corrupção activa previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, 
 que então se mostrava indiciado, era bem superior ao direito à privacidade e à 
 palavra falada do então suspeito A., face aos factos denunciados, que eram 
 sustentados pelo teor das diligências efectuadas, v. g. do depoimento da 
 testemunha D., não obstante este último ter sido prestado em 30 de Agosto de 
 
 2001), por revelarem grande interesse para a descoberta da verdade e para a 
 recolha de prova.
 
             E, claro, a promoção do Ministério Público de fls. 95 (acima 
 transcrita) sustentava‑se nas referidas diligências efectuadas pela própria 
 Polícia Judiciária, documentadas nos autos de inquérito já iniciado.
 
             A decisão judicial em crise está alicerçada na promoção do 
 Ministério Público e nos elementos constantes dos autos (não sendo ao tempo 
 exigível que devesse repetir o que constava daquela promoção e dos elementos dos 
 autos), o que permitiu à Sr.ª Juiz de Instrução Criminal deferir ao promovido, 
 por considerar verificados os requisitos que mencionou, previstos no artigo 
 
 187.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
 
             Efectivamente, o crime que o Ministério Público se propôs investigar 
 com base nas pretendidas intercepções telefónicas era o de corrupção activa, 
 previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal (um dos que cabiam no artigo 
 
 187.º, n.º 1, alínea a), do CPP) que então se indiciava, sendo o recurso à 
 intercepção e gravação de conversas telefónicas o meio imprescindível ao 
 desenvolvimento da investigação, atento o tipo e natureza de crime em causa e 
 carácter dos actos sujeitos a investigação (v. g. modus operandi).
 
             E, ainda que se viessem a indiciar, ao longo das investigações 
 
 (sendo conhecimentos decorrentes da própria investigação, por estarem com ela 
 relacionados), crimes de corrupção desportiva activa (…), também da 
 responsabilidade do recorrente (independentemente da questão suscitada da 
 eventual inconstitucionalidade do Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro), 
 como, aliás, veio a ser pronunciado, os conhecimentos obtidos através das 
 escutas telefónicas, uma vez que respeitavam a crimes (previstos no artigo 4.º, 
 n.º 2, do citado Decreto‑Lei n.º 390/91, tal como acabou por ser pronunciado) 
 incluídos no catálogo do artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do CPP (na versão 
 anterior à actual), eram válidos e lícitos, sendo admissível a valoração das 
 provas dessa forma obtidas.
 
             (…)
 
             Assim, podemos concluir que no despacho judicial de fls. 98 e 99 foi 
 ponderada a necessidade das intercepções telefónicas, ainda que, em parte, por 
 remissão implícita para o teor da promoção do Ministério Público e elementos 
 probatórios que a sustentavam.
 
             Estavam, pois, reunidos os requisitos e condições legalmente 
 exigíveis para serem autorizadas judicialmente as escutas telefónicas em 
 questão, que requeriam cuidados especiais, sob pena de se inviabilizar a 
 investigação.
 
             Portanto, ainda que de forma muito resumida e pouco modelar, a 
 decisão judicial em crise mostra‑se minimamente fundamentada, não havendo 
 qualquer violação do disposto nos invocados artigos 97.º, n.º 4, 187.º e 189.º 
 do CPP, e 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 205.º, n.º 1, da CRP.
 
             Ainda que assim não fosse (hipótese que também se coloca, por se 
 poder, ainda assim, sustentar que não haviam sido revelados todos os motivos que 
 levaram o juiz a proferir esse despacho decisório que, no entanto, não se pode 
 confundir com o grau de exigência imposto quando está em causa a fundamentação 
 de uma sentença), como acima já se referiu, estaríamos apenas perante uma 
 irregularidade prevista no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, que, todavia, se 
 mostrava sanada, por não ter sido arguida em tempo pelo recorrente (interessado 
 na invalidade desse despacho judicial que autorizava escutas telefónicas a 
 telefones por si utilizados).
 
             Alega também o recorrente (mas sem conceder) que, mesmo numa tese 
 minimalista, que considerasse que estávamos em presença de uma irregularidade, 
 o certo é que a mesma havia sido invocada no prazo legal, pelo arguido B. e, 
 como tal, também lhe aproveitava.
 
             Porém (independentemente da questão da irregularidade invocada por 
 um arguido poder ou não aproveitar aos demais), podemos aqui acompanhar também o 
 Ministério Público, na 1.ª instância, quando, na respectiva resposta ao recurso, 
 refere:
 
  
 
 «Com efeito, o arguido B. em lado nenhum invocou a nulidade ou sequer a 
 irregularidade do despacho inicial. (…)»
 
  
 
             E isso mesmo resulta da leitura do dito requerimento constante de 
 fls. 1559 a 1586 da certidão que constitui este processo de recurso.
 
             Conclusão: não tendo sido arguida, em tempo, a referida 
 irregularidade do despacho decisório de fls. 98 e 99 (a entender‑se que 
 enfermava de deficiente fundamentação), a mesma encontra‑se sanada, como bem se 
 concluiu na decisão instrutória.
 
             E, embora o recorrente, neste aspecto da falta de fundamentação do 
 despacho judicial que autorizou escutas a telefones por si utilizados, apenas 
 se reporte em concreto ao despacho judicial de fls. 98 e 99, podemos acrescentar 
 que o mesmo raciocínio que acima fizemos vale, com as devidas adaptações, quanto 
 aos despachos judiciais que autorizaram as escutas telefónicas em relação aos 
 telemóveis com os n.ºs (…) e n.º (…), utilizados também pelo recorrente.
 
             Quanto à questão suscitada pelo recorrente, da falta de fixação de 
 prazo para duração dessas escutas telefónicas autorizadas, é certo que, 
 nomeadamente na decisão de fls. 98 e 99, nada se diz a esse respeito e a lei 
 
 (artigo 187.º do CPP então vigente), na altura, também não impunha a indicação 
 desse prazo, embora fosse prática corrente (fazer constar esse prazo na decisão 
 judicial respectiva), até como forma de melhor controlar as escutas telefónicas 
 que fossem efectuadas pelos OPC, autorizadas judicialmente.
 
             Mas também é certo que, estando a Sr.ª Juiz de Instrução Criminal 
 
 (JIC) limitada pela promoção que provocara a sua intervenção, uma vez que não 
 fez constar do seu despacho qualquer prazo, também não podia ir além do prazo 
 que lhe fora pedido nessa promoção, que era o mínimo de 30 (trinta) dias.
 
             De qualquer modo, nos ofícios, datados de 26 de Março de 2003, que a 
 Sr.ª JIC endereçou ao Director da E., SA – e que também foram recebidos pela 
 Coordenadora de Investigação Criminal da Directoria do Porto da Polícia 
 Judiciária, cujas cópias endereçou ao Chefe da Área do Departamento de 
 Telecomunicações da Polícia Judiciária, em Lisboa – (fls. 5718 e 5721 da 
 certidão que constituiu este processo), por si assinados, para colmatar aquele 
 
 «lapso» (a entender‑se como «lapso» a falta de indicação de prazo da autorização 
 da intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os 
 identificados telefones, da rede fixa e móvel, concedida no despacho decisório 
 de fls. 98 e 99, não obstante a lei a não impor), fez constar que era autorizada 
 
 «a intercepção e gravação das conversações …, pelo período de 30 dias».
 
             Ou seja, pelo facto de não ter sido fixado no despacho de fls. 98 e 
 
 99 o prazo de duração da autorização judicial concedida (que então não era 
 legalmente exigido, como acima se referiu) não ocorre qualquer nulidade ou 
 inconstitucionalidade (v. g. violação dos invocados artigos 187.º, n.º 1, do 
 CPP, e 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da CRP), tanto mais que a mesma foi colmatada 
 através dos referidos ofícios acima mencionados, assinados pela Sr.ª JIC, que 
 mencionaram o dito prazo de 30 dias (era, portanto, esse o prazo que tinha de 
 ser atendido).”
 
                         Como é patente, o acórdão recorrido não adoptou como 
 critério normativo o de que a fundamentação do despacho que autoriza 
 intercepções telefónicas se basta com a invocação da mera natureza do crime e 
 da moldura abstracta aplicável; o que aí se entendeu foi que a exigível 
 substanciação da fundamentação, quer na perspectiva da suficiência dos indícios 
 da prática dos crimes em causa, quer na perspectiva da enunciação das razões 
 justificativas do uso deste meio de recolha de prova, havia sido satisfeita 
 pelo despacho em causa, designadamente por remissão (implícita) para a promoção 
 do Ministério Público que acolheu. E, por outro lado, o mesmo acórdão também 
 entendeu que, embora de modo indirecto (ou por aceitação tácita do prazo 
 proposto na promoção ou pela explicitação do prazo nas comunicações que, na 
 sequência desse despacho, a própria juíza de instrução endereçou às operadoras 
 de telecomunicações, com conhecimento ao órgão de polícia criminal encarregado 
 da efectivação das intercepções), foi fixado o prazo inicial de 30 dias para 
 tais intercepções, embora considerasse que, ao tempo, a lei não exigia tal 
 fixação prévia. Não tendo o acórdão recorrido adoptado o critério normativo 
 enunciado pelo recorrente a propósito da primeira questão de 
 inconstitucionalidade, o recurso, nesta parte, é inadmissível, sendo irrelevante 
 que só agora, na última resposta apresentada pelo recorrente, ele ensaie a 
 alteração da definição desse critério para passar a questionar a 
 constitucionalidade da admissibilidade de remissões implícitas da fundamentação 
 do despacho autorizativo das escutas.
 
                         Assente que não há que conhecer do recurso quanto à 
 primeira questão, fica prejudicada a apreciação da segunda questão, atinente à 
 qualificação como mera irregularidade da falta ou deficiência de fundamentação 
 do despacho que autorizou as escutas. É que o acórdão recorrido só adiantou essa 
 qualificação para a hipótese – que ele deu por não verificada – de o despacho 
 em causa carecer de fundamentação suficiente. Afastada definitivamente esta 
 hipótese (uma vez que o não conhecimento da primeira questão implica que se 
 considere definitivo o juízo de suficiência da fundamentação do despacho, 
 constante da correspondente parte do acórdão recorrido), carece de sentido 
 apurar se, se se tivesse perfilhado entendimento oposto, seria 
 constitucionalmente admissível qualificar essa (afinal inexistente) deficiência 
 do despacho como mera irregularidade, e não como nulidade.
 
                         Não se conhece, assim, das primeira e segunda questões 
 de inconstitucionalidade suscitadas na alegação do recorrente.
 
  
 
                         2.1.2. As terceira, quarta, quinta, nona e décima 
 questões, que se agrupam por respeitarem todas aos requisitos do acompanhamento 
 judicial da execução das escutas, são reportadas, as duas primeiras, à norma do 
 artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão anterior à Lei n.º 48/2007, quer 
 
 “interpretado no sentido de permitir a prorrogação das escutas sem prévia 
 audição das anteriores pelo JIC e sem que este tenha procedido à leitura dos 
 respectivos autos de selecção, e no sentido de permitir a ocorrência de lapsos 
 de tempo superiores a quinze dias entre a apresentação ao JIC do suporte 
 magnético das gravações, acompanhado da selecção dos elementos que a Polícia 
 Judiciária considera relevantes, e a respectiva audição e entre a data em que é 
 feita e documentada aquela selecção e a entrega ao Juiz dos autos de gravação e 
 dos suportes magnéticos das gravações”, quer “interpretado no sentido de admitir 
 a ocorrência de grandes lapsos de tempo, da ordem de vários dias, entre a 
 elaboração do auto de intercepção e gravação contendo a selecção dos elementos 
 considerados com interesse e a sua apresentação do Juiz”; e as três últimas ao 
 artigo 187.º, n.º 1, do mesmo diploma, na mesma versão, quer “quando 
 interpretado no sentido de permitir a prorrogação de escutas quando se reconhece 
 e certifica que nenhuma ou apenas uma ínfima parte das sessões anteriores tinha 
 interesse para a investigação”, quer “na interpretação que permite a 
 autorização e manutenção das escutas telefónicas por mais de treze meses e um 
 período de tempo superior ao da duração do prazo máximo do inquérito, sobretudo 
 sem a prática ou recolha de quaisquer outros meios relevantes de prova”, quer 
 
 “na interpretação que legitima a prorrogação de escutas que se revelaram de 
 interesse nulo ou residual”.
 
                         Nenhuma destas questões pode ser conhecida, pelas duas 
 razões avançadas no despacho inicial do relator. Por um lado, e pese embora o 
 esforço do recorrente de as revestir de fórmulas aparentemente gerais e 
 abstractas, o certo é que, de facto, o que se questiona é o concreto 
 comportamento dos intervenientes processuais e as decisões judiciais que os 
 admitiram, sendo as questões colocadas de modo indissociavelmente ligado às 
 especificidades, dificilmente repetíveis, do caso concreto. Por outro lado, o 
 acórdão recorrido não acolheu, em geral, nem os factos nem os critérios 
 avançados pelo recorrente, como resulta das seguintes transcrições:
 
  
 
             “Mas, fixando ou não prazo de duração da autorização judicial 
 concedida, o juiz que autorizou as escutas pode sempre, em qualquer altura, 
 contactar o OPC que está encarregado de as efectuar e exigir que lhe sejam 
 remetidos os respectivos suportes técnicos ou deslocar-se às instalações do OPC 
 e fazer em directo o respectivo controlo do conteúdo das conversações que vão 
 sendo gravadas (através do computador terminal que está ligado em rede ao 
 sistema central, com sede em Lisboa).
 
             A questão fulcral, nesse aspecto, é que as escutas telefónicas sejam 
 controladas (de forma efectiva, contínua e próximo‑temporal) pelo juiz, 
 enquanto forem autorizadas (isto é, enquanto as mesmas continuarem e se 
 prolongarem com autorização judicial, por subsistirem os requisitos e 
 pressupostos que justificavam a sua admissibilidade, naquele juízo de 
 ponderação vinculada que a juiz de instrução foi efectuando em cada momento que 
 autorizou a prorrogação das ditas escutas).
 
             Como é evidente, uma vez que não partilhamos o ponto de vista do 
 recorrente (no sentido de existir nulidade do «despacho matricial de fls. 98», 
 que afectaria todos os demais despachos subsequentes, por força do disposto no 
 artigo 122.º, n.º 1, do CPP), não podemos concluir, como o mesmo faz, que 
 
 «nenhuma escuta foi autorizada a partir do primeiro despacho» e que o vício do 
 primeiro despacho contamina todos os restantes, por se basearem «nos resultados 
 obtidos nas escutas anteriormente efectuadas».
 
             É que, pelos motivos já acima expostos, entendemos que não é caso de 
 aplicar o disposto no invocado artigo 122.º, n.º 1, do CPP.
 
             Agora, quanto à questão suscitada de não terem sido respeitadas «as 
 exigências legais e constitucionais da imediação, acompanhamento e controlo 
 pela autoridade judicial» daquelas escutas telefónicas, efectuadas em relação ao 
 recorrente, também podemos, desde já, adiantar, que não lhe assiste razão.”
 
  
 
                         E, após reproduzir a argumentação do recorrente e 
 explicitar quais as formalidades exigidas pelo artigo 188.º do CPP, na versão 
 aplicável ao caso dos autos, prossegue o acórdão:
 
  
 
             “No que respeita a autos, temos, assim, dois tipos: um é o previsto 
 no referido artigo 188.º, n.º 1, do CPP (auto de intercepção e gravação) e o 
 outro o indicado no n.º 3 do mesmo preceito (o chamado auto de transcrição).
 
             A disposição legal em questão não exige a realização de «auto de 
 início da intercepção de comunicações», nem tão‑pouco de «auto de audição do 
 Juiz» que atestasse que este ouvira as gravações enviadas pelo OPC e, portanto, 
 formalmente confirmasse o acompanhamento das escutas que autorizara.
 
             No entanto, a PJ lavrou «autos de início da intercepção de 
 comunicações», os quais, no que respeita ao recorrente (…), constam de fls. 
 
 108, 109 e 134 (…).
 
             (…)
 Tratava‑se de uma prática seguida pela PJ, de todo o interesse, na medida em que 
 dessa forma se tornava mais fácil ao juiz que autorizara a escuta telefónica 
 controlar a mesma e ver que a sua autorização não era usada de forma abusiva ou 
 conforme interesses alheios à investigação (v. g. juízos de oportunidade por 
 parte do OPC).
 
             Nesses autos (cada um deles relativo ao respectivo n.º de telefone 
 aí identificado), consta quer a identificação do inspector da PJ que iniciou as 
 respectivas intercepções das comunicações, bem como a referência à data (de 
 início) e local onde se procedia a tal intercepção de comunicações (obviamente 
 o local onde iriam ser feitas as gravações das respectivas conversações 
 telefónicas interceptadas, enquanto não fossem «canceladas»), a referência ao 
 despacho judicial que as autorizava, bem como a indicação de que o «conteúdo 
 das comunicações interceptadas» podia, a partir daquelas datas iniciais 
 indicadas, «ser a todo o tempo verificado directamente pela M.ma JIC, também 
 através de cassetes áudio».
 
             Conjugados esses autos (de início de intercepção), mais 
 concretamente os dos telemóveis com os n.º (…) e n.º (…), com os autos de 
 gravação que se seguiram em relação a cada um daqueles telefones «sob escuta», é 
 evidente que não sobram dúvidas quanto ao cumprimento das formalidades dos autos 
 de intercepção e gravação, tendo em atenção, com as devidas adaptações, o 
 disposto no artigo 99.º, n.º 3, do CPP.
 
             Mesmo nos autos de gravação respectivos, relativos a cada 
 intercepção telefónica quanto ao recorrente (onde, além do mais que neles se 
 menciona, é identificado o «alvo», o n.º de telefone correspondente, a pessoa 
 que procedeu àquela gravação, o local, a data de elaboração do auto e a menção 
 de terem sido reproduzidas em CD todas as conversações telefónicas gravadas nas 
 sessões que identificam por números) consta – consoante os casos – a referência 
 de as conversações não terem interesse para a investigação (nuns casos) ou 
 
 (noutros casos) a indicação daquelas sessões «consideradas como tendo eventual 
 interesse para a investigação em curso», referindo‑se os dias respectivos a que 
 respeitavam (ou seja, o OPC, consoante os casos, indicava as passagens das 
 gravações consideradas relevantes ou então, quando não tinham interesse, também 
 fazia essa menção – artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na versão então vigente).
 
             E, também, quando, por despacho judicial, foi ordenada a cessação 
 daquelas escutas telefónicas ou terminou o período de prorrogação das ditas 
 intercepções telefónicas (apesar de a lei o não exigir expressamente), foram 
 lavrados os respectivos autos de cessação (…).
 
             (…)
 
             Ou seja, quanto a esses aspectos formais dos autos de intercepção e 
 gravações em questão, foram cumpridas as formalidades legais (sendo certo que o 
 recorrente, quando afirma o contrário, também só o faz em termos abstractos, o 
 que, só por si, é insuficiente para o efeito que pretende), razão pela qual não 
 ocorre qualquer violação do disposto no artigo 99.º, n.º 3, do CPP e, muito 
 menos (consequência que o recorrente pretende retirar de um abstracto 
 incumprimento do disposto naquele artigo 99.º, n.º 3), a nulidade prevista no 
 artigo 189.º do CPP.
 
             De resto, mesmo considerando o momento (datas) em que esses autos de 
 intercepção e gravações foram apresentados ao juiz (por confronto com a data que 
 deles consta) ou mesmo considerando o momento de realização de cada uma daquelas 
 intercepções (vistas as datas dos despachos judiciais, quer de autorização 
 daquelas escutas telefónicas, quer das respectivas prorrogações), não se pode 
 concluir que tivessem de alguma forma afectado ou impossibilitado o contínuo 
 
 (próximo e temporal) e efectivo acompanhamento judicial daquelas operações ou 
 que, dessa forma, tivesse sido manipulada a autorização judicial concedida.
 
             Tão‑pouco deles resulta qualquer restrição intolerável dos direitos 
 de privacidade e da palavra falada do recorrente.
 
             Esse cumprimento de formalidades legais estende‑se, também, aos 
 respectivos autos de transcrição das conversações, feitos de acordo com o que 
 ia sendo decidido pela Sr.ª JIC, à medida que ia ouvindo as sessões gravadas nos 
 CDs que eram entregues no tribunal, com os respectivos autos de gravação.
 
             Daí que se concorde com o Sr. JIC, que proferiu a decisão 
 instrutória, quando afirma: «Não é pois por aqui que se pode afirmar ter 
 perigado a exigência de acompanhamento judicial da operação, acompanhamento que 
 em rigor assume decisiva relevância perante o auto referido no n.º 1 do artigo 
 
 188.º do CPP, revestindo‑se o ‘auto de início de gravação’ de uma função 
 meramente instrumental, para controlo futuro do respeito dos prazos de duração 
 máxima das intercepções».
 
             Quanto à invocada falta de «auto de audição» das gravações pela Sr.ª 
 JIC, também não tem razão, como acima já se referiu, uma vez que os mesmos não 
 são exigidos legalmente (nem o disposto nos invocados artigos 94.º, n.º 6, 95.º, 
 n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, do CPP o impõe ou assim determina e tão‑pouco se pode 
 considerar que entendimento contrário viola o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 
 e 32.º, n.º 8, da CRP), razão pela qual não existem no processo.
 
             Para se ver se houve um «acompanhamento efectivo, contínuo e 
 próximo‑temporal» de escutas telefónicas autorizadas judicialmente não é 
 preciso lavrar «autos de audição» que atestem ter o juiz ouvido as conversações 
 interceptadas gravadas: basta atentar nos sucessivos despachos que a Sr.ª JIC 
 foi proferindo, ao longo das investigações, de onde resulta, de modo inequívoco, 
 que ia procedendo à audição dos CDs (relacionados com gravações de conversações 
 não só do recorrente, como das demais conversações, resultantes das escutas 
 telefónicas que autorizara a outros suspeitos e arguidos) que ia recebendo e, 
 só depois de concretizar essa tarefa, é que seleccionava, por si (de modo 
 autónomo e pessoal), aquelas sessões que depois ordenava (em despacho judicial) 
 a respectiva transcrição.
 
             De resto, o conceito de «imediatamente» (inserido no artigo 188.º, 
 n.º 1, do CPP, na versão então vigente), assume, como diz Damião da Cunha, «uma 
 dupla finalidade: ‘a) a de garantir que a inviolabilidade do sigilo das 
 telecomunicações seja sempre de reserva de um juiz, cabendo‑lhe 
 auto‑responsavelmente, não só decidir da legitimação do recurso às escutas 
 telefónicas, como da “utilização” dos elementos recolhidos para efeitos de 
 investigação criminal; b) e a de garantir que, face aos elementos recolhidos, 
 este proceda a um autónomo juízo substancial quanto ao grande interesse para a 
 descoberta da verdade ou para a prova’».”
 
  
 
                         E depois de citar o que a esse respeito constava da 
 decisão instrutória e do dito na resposta do Ministério Público à motivação do 
 recurso, prossegue o acórdão:
 
  
 
             “De facto, basta ler com atenção os diversos despachos proferidos 
 pela Sr.ª JIC (ver inclusive datas em que foram proferidos), na sequência das 
 promoções do Ministério Público, e, bem assim, o teor das transcrições que 
 foram efectuadas, por ordem daquela Magistrada, considerando o número de pessoas 
 alvo de intercepções telefónicas, para se poder concluir que foi adequado e 
 apenas o estritamente necessário o tempo que mediou entre a realização (em tempo 
 real) das intercepções e gravações das comunicações telefónicas respeitantes ao 
 recorrente, a elaboração dos respectivos autos de intercepção e gravação e a 
 sua entrega no tribunal (incluindo respectivos CDs), bem como entre aqueles 
 autos e as decisões judiciais que ordenaram as transcrições que constam do 
 processo.
 
             Aliás, é patente que a Sr.ª JIC não se limitou a ouvir as sessões 
 das gravações das conversações telefónicas que o OPC apontava como sendo 
 aquelas com eventual interesse e relevo para a prova, o que também mostra que a 
 mesma não abdicou do seu papel de, efectivamente, acompanhar judicialmente, 
 passo a passo, a execução daquela operação e de emitir o seu juízo pessoal e 
 autónomo sobre a relevância dos elementos recolhidos, cuja transcrição ordenou 
 
 (juízo esse que, sempre podia ser contraditado pelo recorrente – pessoa 
 escutada – desde logo a partir do momento em que lhe fora facultado o exame das 
 transcrições).
 
             Acresce que o facto de a Sr.ª JIC não ter fixado um prazo, um 
 período temporal máximo de tempo de gravação (fazendo constar do despacho que, 
 v. g., desde que as gravações realizadas atinjam x horas ou quando não atinjam 
 tal tempo de gravação, no período máximo de y dias deverão ser presentes, ou 
 desde logo, quando o interesse imediato para a diligência de prova assim se 
 justifique), para serem apresentados os respectivos elementos (autos de 
 gravação e CDs) pela Polícia Judiciária, apenas pode ser entendido (aliás, de 
 acordo, também, com o salientado pelo Ministério Público, na resposta ao 
 recurso) como «uma maior flexibilidade por parte dos investigadores na escolha 
 do momento para apresentar os elementos para transcrição à supervisão judicial, 
 dentro do período autorizado de intercepções, sem que, todavia, a autoridade 
 judiciária ficasse inibida de, a qualquer momento, tendo em vista a própria 
 natureza da matéria sob investigação e as necessidades decorrentes da mesma, 
 determinar aquela apresentação».
 
             Não se pode, por isso, afirmar (nem sequer de modo conclusivo), como 
 o faz o recorrente (que, ao longo do texto da motivações vai fazendo 
 considerações genéricas, não especificando em concreto, salvo raras excepções, 
 quais os particulares autos e decisões judiciais que enfermam dos vícios que 
 aponta de modo abstracto, v. g., não indicando em que situações é que teria 
 ocorrido a falta de acompanhamento e controlo das escutas que lhe foram feitas), 
 que o OPC «retinha sistematicamente esses elementos na sua posse», em violação 
 do disposto no artigo 188.º, n.º 1, do CPP então vigente (na tese do recorrente, 
 não os levava imediatamente após a sua realização e gravação no CD ao juiz).
 
             Aliás, nem havia qualquer interesse da PJ em efectuar qualquer 
 retenção dos autos de gravação e dos respectivos CDs, uma vez que, desde que as 
 escutas se iniciaram, a qualquer momento, o juiz que as autorizara poderia 
 verificar a sua gravação e, portanto, o conteúdo das comunicações 
 interceptadas, em directo (deslocando‑se às instalações onde está instalado o 
 computador terminal) ou podia mesmo, em qualquer altura, solicitar cassetes 
 
 áudio ou CDs.
 
             De qualquer forma, o facto de a Sr.ª JIC não ter fixado prazo para a 
 apresentação dos autos de gravação das conversações telefónicas não significa 
 descontrolo judicial sobre as escutas telefónicas que haviam sido autorizadas 
 
 (aliás, como decorre dos elementos constantes deste processo de recurso, os 
 autos de intercepção e gravação foram sendo apresentados à Sr.ª JIC, no máximo 
 e, apenas em casos pontuais, à volta de 30 dias, mas sempre dentro dos prazos de 
 autorização das escutas telefónicas, atentas as prorrogações que foram sendo 
 concedidas pelos respectivos despachos judiciais).
 
             Também a Sr.ª JIC não fixou prazos para a elaboração dos autos de 
 transcrição e, todavia, apesar das dimensões do processo (e número de escutas 
 telefónicas que estavam a decorrer), os mesmos foram sendo realizados em tempo 
 razoável, sempre antes do termo do inquérito (não tendo a data em que as 
 transcrições foram feitas interferido no direito de defesa do recorrente ou 
 limitado o seu direito de as examinar e, tão‑pouco, restringido o «direito à 
 inviolabilidade de um meio de comunicação privada»).
 
             Aliás, o próprio arguido que exercer o direito que lhe assiste, 
 concedido pelo artigo 188.º, n.º 5, do CPP, na versão então vigente, tem «a 
 possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente 
 seleccionadas pelo juiz, quer por entender que as mesmas assumem relevância 
 própria quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido 
 das passagens anteriormente seleccionadas».
 
             O que também significa que não é vedado ao juiz de instrução, por 
 sua iniciativa ou a requerimento, vir, mais tarde, a ordenar a transcrição de 
 conversações telefónicas gravadas, que anteriormente havia considerado 
 irrelevantes.
 
             Tudo isto mostra a irrelevância do tempo que levou a elaborar, quer 
 os autos de gravação das intercepções telefónicas, quer os autos de transcrição 
 que constam dos autos (estes últimos, na sequência das decisões da Sr.ª JIC, 
 durante a fase do inquérito, antes de ser proferida a acusação pública).
 
             Não existe, assim, qualquer nulidade por inobservância do formalismo 
 estabelecido no artigo 188.º, n.ºs 1 a 3, do CPP, na versão então vigente e, 
 assim, também não ocorre qualquer inconstitucionalidade (dado que não houve 
 violação dos invocados artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da 
 CRP).
 
             Acompanhamos, assim, a decisão instrutória quando, pelos motivos que 
 vai indicando concretamente (para os quais remetemos), acaba por concluir que, 
 neste processo, a Sr.ª JIC assegurou «um acompanhamento contínuo, próximo 
 temporal e material da fonte», tendo presente o princípio da proporcionalidade, 
 garantindo sempre que a restrição dos direitos fundamentais afectados com as 
 escutas telefónicas (concretamente quanto ao recorrente, que é o que aqui nos 
 ocupa), se limitassem ao estritamente necessário tendo em vista, também, a 
 
 «salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e 
 punição do seu agente».
 
             Quanto à invocada nulidade por prorrogação de prazos de intercepções 
 telefónicas, sem que tivessem sido ouvidas as anteriores gravações, esqueceu o 
 recorrente que a Sr.ª JIC, não obstante ter algumas sessões anteriores por 
 ouvir, já tinha, entretanto, ouvido outras gravações, designadamente de 
 conversações telefónicas de outros suspeitos e arguidos (que também estavam a 
 ser escutados, com autorização judicial da mesma magistrada), o que lhe 
 permitia aperceber‑se das interligações (uma vez que falavam uns com os outros) 
 que existiam entre as várias pessoas escutadas e, desse modo, concluir que 
 
 «havia razões para crer» que as prorrogações das escutas que estavam em curso 
 
 (ou seja, a sua continuação), relativamente ao recorrente, se revelavam «de 
 grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova».
 
             O raciocínio do recorrente (de haver despachos a renovar e prorrogar 
 a autorização de escutas sem audição prévia das anteriores) só fazia sentido se, 
 no caso, ele fosse a única pessoa que estivesse a ser escutada (o que não foi 
 claramente o caso dos autos).
 
             Aliás, basta ler os volumes relativos às diversas transcrições das 
 conversações consideradas relevantes (conferindo as datas em que essas 
 conversas tiveram lugar, mormente antes dos despachos que autorizaram as ditas 
 prorrogações) para se perceber que essas prorrogações não foram arbitrárias ou 
 caprichosas.
 
             E repare‑se que a Sr.ª JIC ia ouvindo os CDs com as gravações das 
 conversações interceptadas, mesmo antes de seleccionar e indicar (nos despachos 
 judiciais que ia proferindo) aquelas que eram relevantes para a prova (e que, 
 depois, em tempo adequado e, até, compatível com o volume de gravações das 
 conversações telefónicas interceptadas que tinha para ouvir, mandava 
 transcrever).
 
             Como é evidente, não foi no momento em que ordenou as transcrições 
 
 (na data dos respectivos despachos) que a Sr.ª JIC procedeu à sua audição: essa 
 audição vinha sendo analisada desde que recebia os CDs com as gravações das 
 conversações telefónicas interceptadas (juntamente com os respectivos «autos de 
 gravação») até à altura em que concluía a selecção das passagens relevantes para 
 a prova (passados dias, desde que recebera os CDs, como era de esperar, sob pena 
 de não ser credível – e até se poder questionar – que, de facto, os tivesse 
 ouvido).
 
             Aliás, isso mesmo foi exarado em alguns dos despachos da Sr.ª JIC, 
 como acima já se salientou.
 
             E não se esqueça que o juiz, quando indica os elementos recolhidos 
 que considera relevantes (e que, portanto, devem ser transcritos) – artigo 
 
 188.º, n.º 3, do CPP, na versão então vigente – faz a selecção, guiando‑se pela 
 imparcialidade, objectividade, independência, estando aberto a todas as 
 posições e soluções (portanto, quer considerando o ponto de vista da acusação, 
 quer o ponto de vista da defesa), tendo em atenção os princípios da liberdade, 
 da igualdade, da proporcionalidade e do respeito pela personalidade individual 
 
 (pois só assim cumpre o seu papel de garante dos direitos e liberdades dos 
 cidadãos, enquanto entidade distinta, imparcial e independente da acusação), 
 tendo presente que as finalidades do processo penal são a descoberta da verdade 
 material, a realização da justiça, bem como alcançar a paz jurídica (o que tem 
 de ser feito, v. g., com respeito pela dignidade humana e com o asseguramento 
 de todas as garantias de defesa).
 
             Como lembra o Ministério Público, na resposta ao recurso: «a 
 reiteração de condutas sempre foi confirmada nas sessões telefónicas escutadas 
 que já tinha ouvido e de que tinha determinado a transcrição e, tendo em conta 
 que os campeonatos de futebol, em que os escutados intervinham, se prolongavam 
 por toda a época desportiva, bem como a particular forma de actuação dos 
 visados, continuava a haver fortes razões para crer que tais condutas se 
 prolongavam pelo menos até ao fim de tais campeonatos de futebol, o que só iria 
 ocorrer em Maio de 2004. E, de facto, sempre isso se confirmou ao longo das 
 intercepções, o que confirma o acerto do juízo efectuado nas prorrogações.»
 
             Afirmações essas que também constam da decisão instrutória, 
 chamando‑se ainda à atenção: «Por outro lado, dos autos (das sessões 
 efectivamente escutadas, que é certo não foram todas) resultava já aquando dos 
 despachos de prorrogação que os utilizadores dos telefones sob intercepção 
 falavam uns com os outros, quer entre telefones interceptados, quer através de 
 telefones fixos ou móveis não interceptados, para telefones interceptados, pelo 
 que ao ouvir as sessões telefónicas referentes a uns facilmente se concluía que 
 havia fortíssimas razões para crer que a prorrogação das intercepções de uns e 
 outros telefones era necessária para os efeitos a que alude a parte final do n.º 
 
 1 do artigo 187.º do CPP».
 
             Por isso, podemos acompanhar, relativamente ao recorrente, a decisão 
 instrutória quando afirma, a propósito das prorrogações das escutas: «Não foram 
 assim, e também por isto, violadas as disposições legais constantes dos artigos 
 
 187.º e 188.º do CPP, tal como não se verifica qualquer violação do princípio da 
 proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º da CRP, uma vez que a quantidade de 
 crimes a investigar e a comprovada reiteração das condutas criminosas dos 
 intervenientes legitimava, de forma não desproporcional, a compressão do seu 
 direito à palavra, à reserva da intimidade da vida privada, da correspondência 
 e das telecomunicações – cf. artigo 34.º da CRP».
 
   
 
                         Especificamente sobre a questão da excessiva duração das 
 escutas telefónicas (a que respeita a “nona questão” ora em apreço), lê‑se no 
 acórdão recorrido:
 
  
 
             “Nesta matéria, repare‑se que apenas estão em causa as escutas 
 telefónicas relativas aos dois telemóveis com os números de telefone acima 
 identificados, da operadora F., utilizados pelo recorrente.
 
             Por se concordar com a fundamentação da decisão instrutória, 
 transcreve‑se aqui a respectiva argumentação que se considera relevante: «Como 
 
 é por demais sabido, os prazos legalmente fixados para a duração do inquérito 
 são meramente ordenadores, sob pena de impedirem a realização e o culminar de 
 inúmeras investigações. É certo que no caso dos autos houve intercepções que se 
 prolongaram para além do prazo máximo legalmente fixado para a duração do 
 inquérito. Sucede, porém, que nem a lei impõe, pelo menos por agora, prazos 
 máximos para a duração das intercepções telefónicas, nem tão‑pouco a 
 complexidade dos autos permitia que se tivesse actuado de outra forma. Na 
 verdade, para além do elevado número de suspeitos (e depois arguidos), também o 
 número e a diversidade de crimes em investigação era de tal forma que não se 
 compaginava com o respeito pelo aludido prazo legal. Veja‑se que, apesar de 
 terem sido extraídas dos autos um elevado número de certidões (cerca de 80) para 
 continuação da investigação ou despacho final a desenvolver ou a proferir 
 noutras Comarcas, ainda assim são 27 os arguidos acusados nestes autos e 
 inúmeros os crimes em apreço. A tudo isto acresce ainda o facto da actividade 
 desenvolvida pelos arguidos se estender ao longo do tempo que duravam os 
 campeonatos de futebol. Reduzir a possibilidade de utilizar o meio de obtenção 
 da prova em apreço ao prazo máximo de duração do inquérito seria fazer com que a 
 investigação ficasse coarctada do principal meio de obtenção da prova (uma vez 
 que sempre seria física e humanamente impossível proceder à presente 
 investigação naquele prazo legal) e imediatamente votada ao insucesso.»
 
             E adiante‑se mais o seguinte argumento, também relevante, utilizado 
 na resposta ao recurso do Ministério Público na 1.ª instância: «Acresce que a 
 actividade dos arguidos em causa se estendia ao longo do tempo que duravam os 
 campeonatos de futebol. Pelo que, coarctar a utilização de tal meio precioso de 
 investigação, só porque se ultrapassara o prazo máximo de duração do inquérito 
 
 (que não tem valor constitucional) seria impedir que a investigação fosse 
 efectuada, e, por isso, que o Ministério Público exercesse a acção penal, nos 
 termos do princípio da legalidade e da consequente oficiosidade, tal como o 
 impõe o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
 
             Acresce que a questão colocada pelo recorrente não faz sentido desde 
 logo porque as escutas telefónicas ao arguido/recorrente aqui em questão sempre 
 foram controladas, passo a passo, pela Sr.ª JIC que as autorizou.
 
             Aliás, se essa Magistrada tivesse considerado que não havia 
 interesse na continuação daquelas escutas telefónicas (naquele juízo de 
 ponderação vinculada – que foi efectuando em cada momento que autorizou a 
 prorrogação das escutas – entre, por um lado, o interesse público da 
 investigação criminal e, por outro, o direito à palavra falada e à privacidade 
 do recorrente) que estavam a ser feitas ao recorrente, assim o teria dito, como 
 o fez relativamente ao telefone da rede fixa (que apenas esteve sob escuta desde 
 a data em que foi autorizado – despacho proferido em 25 de Março de 2003 – até à 
 data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção – despacho judicial de 26 
 de Maio de 2003) e como o fez relativamente ao telemóvel n.º (…) (que apenas 
 esteve sob escuta desde a data em que foi autorizado – despacho judicial de 15 
 de Outubro de 2003 – até à data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção 
 
 – despacho judicial de 12 de Dezembro de 2003).”
 
  
 
                         E quanto à alegada prorrogação de escutas sem interesse 
 
 (a que respeita a “décima questão” ora em apreço), aduziu‑se no acórdão 
 recorrido:
 
  
 
             “Ora, como já vimos, relativamente ao telefone da rede fixa 
 utilizado pelo recorrente, as escutas telefónicas apenas se prolongaram entre a 
 data em que foram autorizadas (despacho proferido em 25 de Março de 2003) e a 
 data em que foi ordenada a cessação dessa intercepção (despacho judicial de 26 
 de Maio de 2003).
 
             A cessação justificou‑se precisamente por, apesar da prorrogação que 
 existiu, ainda assim, não ter tido qualquer resultado útil.
 
             Por isso, nada de mais adequado e ajustado, do que fazer cessar 
 aquela escuta telefónica, assim acautelando os direitos fundamentais do 
 arguido/recorrente que estavam em jogo com aquele meio de obtenção de prova.
 
             O mesmo se diga em relação ao telemóvel com o n.º (…) (que, tendo 
 sido autorizada a sua intercepção telefónica por despacho judicial de 15 de 
 Outubro de 2003 foi, depois, determinada a cessação da mesma intercepção por 
 despacho judicial de 12 de Dezembro de 2003, pelos motivos aí indicados, ou 
 seja, cerca de 2 meses depois).
 
             Situação diferente é a das escutas relativas aos mencionados 
 telemóveis da operadora F.. que o recorrente utilizava, como decorre, desde 
 logo, do teor das transcrições que constam dos volumes 12 a 14 deste processo de 
 recurso.
 
             E, a este respeito, esclarece‑se bem na decisão instrutória: «quanto 
 ao facto de a M.ma Juíza de Instrução Criminal ter mantido a intercepção ao alvo 
 
 (…) até 26 de Maio de 2003, mesmo depois de ter mandado destruir os suportes 
 magnéticos das intercepções efectuadas entre a data do início da intercepção (4 
 de Abril de 2003) e a data do despacho de prorrogação (fls. 148), e sem qualquer 
 resultado útil. É certo que a intercepção do alvo em questão nada de útil trouxe 
 aos autos. Porém, o arguido era titular de um outro telefone em relação ao qual 
 foi determinada a intercepção na mesma data (…), tendo sido vários os resultados 
 
 úteis daqui surgidos (cf. fls. 112, 123, 137 e 148). Ou seja, apesar de aquele 
 número de telefone se ter revelado inútil para a investigação, o certo é que não 
 havia razões para ordenar de imediato a cessação da sua intercepção, uma vez que 
 o outro telefone propriedade do arguido em questão e também interceptado vinha 
 fornecendo elementos úteis à investigação. No momento em que foi verificado que 
 persistia a inexistência de conversas com utilidade, e ponderadas as 
 necessidades da investigação com a menor compressão possível dos direitos do 
 arguido, foi decidido fazer cessar a intercepção, o que ocorreu por despacho de 
 
 26 de Maio de 2003, tendo sido lavrado o auto de cessação a 28 de Maio de 2003, 
 ou seja, um mês e 24 dias após o início da mesma.»
 
             De resto, como acima se referiu, as gravações de conversações 
 telefónicas que foram destruídas, no que respeita ao recorrente, foram 
 pontuais, não afectando de forma desproporcionada os seus direitos de defesa.
 
             Não se pode, por isso, acompanhar o recorrente, uma vez que (além de 
 não indicar, no recurso, aspectos concretos em que tivesse ocorrido a violação 
 que aponta em termos abstractos), como acima se referiu, as escutas que lhe 
 foram efectuadas foram sendo sempre acompanhadas e controladas judicialmente, 
 de forma efectiva, contínua e próximo‑temporal.
 
             A circunstância de apenas parte daquelas intercepções telefónicas 
 gravadas terem sido consideradas relevantes e, por isso, transcritas, não 
 inutiliza o entendimento do interesse na prorrogação das escutas judicialmente 
 autorizadas.”
 
  
 
                         Basta a leitura destas considerações do acórdão 
 recorrido para se concluir que o mesmo manifestamente não adoptou os pretensos 
 
 “critérios normativos” enunciados pelo recorrente nas terceira, quarta, quinta, 
 nona e décima questões de inconstitucionalidade suscitadas, tendo, pelo 
 contrário, sido afirmada a existência de efectivo controlo, de modo contínuo e 
 temporalmente próximo, das diversas fases de execução da intercepção de 
 conservações telefónicas, sua gravação, selecção e transcrição, por parte do 
 juiz de instrução, sem dilações que pusessem em risco a efectividade desse 
 controlo, e nunca tendo existido autorização de prorrogações das escutas sem 
 prévia ponderação judicial, designadamente pelo confronto com as escutas 
 simultaneamente feitas a outros intervenientes processuais, do interesse e 
 relevância para a descoberta da verdade da manutenção da intercepção das 
 conversações telefónicas do ora recorrente.
 
                         Por estas razões, não se conhece das terceira, quarta, 
 quinta, nona e décima questões de constitucionalidade suscitadas na alegação do 
 recorrente.
 
  
 
                         2.1.3. A sexta questão vem reportada ao conjunto 
 normativo integrado pelos artigos 94.º, n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, 
 alínea a), do CPP, na aludida versão, “interpretado no sentido de considerar 
 tais preceitos inaplicáveis no domínio da recolha de prova por escutas 
 telefónicas”, por alegada ofensa dos artigos 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 8, da 
 CRP.
 
                         As citadas disposições determinam que nos “actos 
 processuais que tiverem de praticar‑se sob a forma escrita”, “é obrigatória a 
 menção do dia, mês e ano da prática do acto, bem como, tratando‑se de acto que 
 afecte liberdades fundamentais das pessoas, da hora da sua ocorrência, com 
 referência do respectivo início e conclusão”, e ainda a indicação do “lugar da 
 prática do acto” (n.º 6 do artigo 94.º), devendo o escrito a que houver de 
 reduzir‑se um acto processual ser no final “assinado por quem a ele presidir, 
 por aquelas pessoas que nele tiverem participado e pelo funcionário de justiça 
 que tiver feito a redacção” (n.º 1 do artigo 95.º), devendo o “auto” – definido 
 como o “instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se 
 desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais 
 tiver assistido quem os redige, bem como a recolher as declarações, 
 requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante 
 aquele” (n.º 1 do artigo 99.º) – conter, além dos requisitos previstos para os 
 actos escritos, a menção da “identificação das pessoas que intervieram no acto” 
 
 (alínea a) do n.º 3 do artigo 99.º).
 
                         Nas contra‑alegações do Ministério Público o não 
 conhecimento desta questão é propugnado por duas ordens de razões. Em primeiro 
 lugar, a alegação de que as referidas normas foram interpretadas “no sentido de 
 considerar tais preceitos inaplicáveis no domínio da recolha de prova por 
 escutas telefónica” constitui “uma afirmação genérica”, sendo certo que “nunca 
 se disse no acórdão que os autos lavrados no domínio das escutas telefónicas não 
 têm de obedecer aos requisitos constantes dos artigos 94.º, 95.º a 99.º do 
 Código de Processo Penal”, “nem o recorrente alguma vez pôs em causa um auto, 
 por ele não obedecer aos requisitos legais” – o que seria suficiente para não se 
 conhecer desta parte do recurso. Ao que acresce que, na motivação de recurso 
 para a Relação, o que o recorrente considerou inaceitável foi não ter sido 
 lavrado auto de audição das gravações, pelo juiz, quando essa obrigatoriedade 
 resultar dos preceitos do CPP atrás referidos; ora, o que estes preceitos 
 estabelecem é simplesmente quais são os requisitos a que devem obedecer os 
 
 “actos processuais que tiverem de praticar‑se sob a forma escrita”, aí não se 
 discriminando quais são os actos processuais que estão sujeitos a essa forma, 
 pelo que “qualquer questão que tenha a ver com a obrigatoriedade ou não de 
 alguns actos referentes às escutas serem reduzidos a escrito, tem de passar 
 necessariamente pelo artigo 188.º do CPP”, e “é aí que se diz que apenas deve 
 ser lavrado auto de intercepção e gravação (n.º 1) e de transcrição (n.º 3)”, 
 pelo que “uma eventual inconstitucionalidade consistente em não estar previsto 
 que seja lavrado auto de audição de gravação pelo juiz radicará sempre e 
 exclusivamente no artigo 188.º” – não tendo o recorrente incluído esta norma no 
 objecto desta parte do recurso, também por este motivo dela não deverá 
 conhecer‑se.
 
                         Em resposta a esta questão prévia, aduziu o recorrente:
 
  
 
             “O que está em causa no recurso sub judice é a questão de saber qual 
 o âmbito normativo dos artigos 94.º, n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3.
 
             Pelo menos, foi desse enfoque que o recorrente colocou o problema, 
 ou seja, da perspectiva de analisar se essas normas abrangem ou não os actos 
 relativos à recolha de prova por escutas telefónicas.
 
             Admite‑se que houvesse outra forma de colocar o problema, 
 enfocando‑o da perspectiva do artigo 188.º do CPP.
 
             Mas trata‑se apenas e como ficou dito de uma outra forma de abordar 
 a questão, não havendo nenhum motivo que exclua a abordagem do recorrente que, 
 por isso, se reitera e considera válida.”
 
  
 
                         Como resulta da transcrição do acórdão feita no ponto 
 anterior, aí se entendeu que do artigo 188.º do CPP apenas resulta a 
 obrigatoriedade da elaboração do “auto de intercepção e gravação” (n.º 1) e do 
 
 “auto de transcrição” (n.º 3), não exigindo essa disposição legal nem a 
 elaboração de “auto de início da intercepção de comunicações” nem de “auto de 
 audição das gravações pelo juiz”. Não obstante, apesar de não legalmente 
 exigidos, a Polícia Judiciária por sistema elaborou autos de início de 
 intercepção das gravações, referindo‑se no acórdão que: “Nesses autos (cada um 
 deles relativo ao respectivo n.º de telefone aí identificado), consta quer a 
 identificação do inspector da PJ que iniciou as respectivas intercepções das 
 comunicações, bem como a referência à data (de início) e local onde se procedia 
 a tal intercepção de comunicações (obviamente o local onde iriam ser feitas as 
 gravações das respectivas conversações telefónicas interceptadas, enquanto não 
 fossem «canceladas»), a referência ao despacho judicial que as autorizava, bem 
 como a indicação de que o «conteúdo das comunicações interceptadas» podia, a 
 partir daquelas datas iniciais indicadas, «ser a todo o tempo verificado 
 directamente pela M.ma JIC, também através de cassetes áudio»”.
 
                         Do exposto resulta não ter o acórdão recorrido aplicado 
 o “critério normativo” ora questionado pelo recorrente: em parte alguma dessa 
 decisão se aceitou que os autos legalmente exigíveis no âmbito das escutas 
 telefónicas não estavam subordinados aos requisitos formais dos artigos 94.º, 
 n.º 6, 95.º, n.º 1, e 99.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do CPP. O que se disse foi 
 que o artigo 188.º do CPP não exigia a elaboração dos autos aludidos pelo 
 recorrente, pelo que a única forma adequada de, a este propósito, suscitar uma 
 questão relevante de inconstitucionalidade seria impugnar esta interpretação do 
 artigo 188.º do CPP, o que o recorrente não fez, como, aliás, ele próprio 
 reconhece.
 
                         Não se conhecerá, assim, da sexta questão de 
 inconstitucionalidade suscitada na alegação do recorrente.
 
  
 
                         2.1.4. A sétima questão respeita à norma contida na 
 segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, na citada versão, “interpretada 
 no sentido de permitir a destruição dos elementos recolhidos através de escutas 
 telefónicas e dos respectivos suportes magnéticos sem que o arguido escutado 
 tenha tido acesso a tais elementos nem tenha consentido na sua destruição”.
 
                         Como se consignou no recente Acórdão n.º 340/2008 desta 
 
 2.ª Secção:
 
  
 
             “O Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos n.º 660/2006, da 
 
 2.ª Secção, e n.ºs 450/2007 e 451/2007, ambos da 3.ª Secção, (…) pronunciou‑se 
 no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 CRP, da norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual 
 permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que 
 o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua 
 relevância.
 
             Atendendo à existência de vários votos de vencido apostos a esses 
 Acórdãos e para evitar divergências jurisprudenciais, determinou o Presidente 
 do Tribunal Constitucional, com a concordância do Tribunal, ao abrigo do artigo 
 
 79.º‑A, n.º 1, da LTC, a intervenção do Plenário, que, pelo Acórdão n.º 70/2008 
 
 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), embora com diversos votos 
 dissidentes, inflectiu aquela orientação, decidindo “não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, 
 na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no 
 sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de 
 escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido 
 dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a 
 sua defesa”.
 
             A orientação assim definida foi posteriormente seguida pelos 
 Acórdãos n.ºs 128/2008, 204/2008 e 205/2008 e pela Decisão Sumária n.º 202/2008.
 
             É essa mesma orientação que ora se reitera.”
 
  
 
                         Julga‑se, assim, improcedente a sétima questão de 
 inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 
                         2.1.5. A oitava questão de inconstitucionalidade vem 
 reportada ao artigo 82.º da LTC, por alegada violação do n.º 3 do artigo 281.º 
 da CRP, “se interpretado no sentido de permitir que o Tribunal Constitucional 
 profira, em qualquer processo, decisão contrária ao juízo de 
 inconstitucionalidade duma norma que tenha sido proferido em três casos 
 concretos e, por conseguinte, no sentido de que, neste caso concreto, pode 
 pronunciar‑se pela constitucionalidade da segunda parte do n.º 3 do artigo 
 
 188.º da CPP na interpretação sub judice”.
 
                         Na contra‑alegação do Ministério Público propugna‑se o 
 não conhecimento desta questão, pelas seguintes razões:
 
  
 
             “O recorrente levanta esta questão, pela primeira vez, nas alegações 
 produzidas neste Tribunal.
 
             Em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade é com o 
 requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que se fixa o 
 seu objecto. Nas posteriores alegações ele apenas pode ser restringido, nunca 
 alargado.
 
             Tanto bastaria para não se conhecer, nesta parte, do recurso.
 
             Outras razões há, no entanto, que levam à mesma conclusão.
 
             Aquilo a que o recorrente se refere é ao facto de, após terem sido 
 proferidos três acórdãos a julgarem inconstitucional o n.º 3 do artigo 188.º do 
 Código de Processo Penal (destruição dos elementos recolhidos através de escutas 
 telefónicas), o Plenário do Tribunal ter proferido decisão em sentido contrário 
 
 (Acórdão n.º 70/2008).
 
             Ora, assim sendo, e a ter sido aplicado tal preceito, essa aplicação 
 ocorreu no processo onde foi proferido aquele acórdão e, obviamente, não neste 
 processo.
 
             Mas verifica‑se que nem naquele foi aplicado porque a intervenção do 
 Plenário teve lugar ao abrigo do disposto no artigo 79.º‑A da LTC e não do 
 artigo do artigo 82.º da mesma Lei.
 
             Por tudo isto, também não deve conhecer‑se do recurso, nesta parte.”
 
  
 
                         A esta questão prévia respondeu o recorrente nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “O recorrente colocou nas suas alegações, pela primeira vez, a questão da 
 constitucionalidade do artigo 82.º da LTC.
 Não parece, todavia, que a circunstância de essa questão não ter sido suscitada 
 no requerimento de interposição do recurso seja impeditiva da sua análise pelo 
 Tribunal Constitucional, por duas razões que se conjugam.
 Por um lado, porque, à data da interposição do recurso, não eram conhecidas as 
 três decisões convergentes em que o recorrente funda a questão de 
 constitucionalidade que suscitou nas suas alegações.
 Por outro lado, porque a interpretação do artigo 82.º da LTC contrária à por si 
 propugnada (no fundo, a que foi adoptada pelo Acórdão n.º 70/2008 do Plenário do 
 Tribunal Constitucional) constituiu para o recorrente uma verdadeira surpresa.
 O recorrente considera que não era expectável que pudesse vir a publicar‑se uma 
 decisão que – salvo o devido respeito – implica uma ofensa clara e frontal do 
 disposto no artigo 82.º da LTC e, sobretudo, do n.º 3 do artigo 281.º da CRP.
 Acresce que – e assim se aborda a outra objecção proposta pelo Ministério 
 Público – o recorrente não põe em causa directamente a constitucionalidade 
 desse acórdão do Plenário.
 Nem o poderia pôr, como é óbvio, uma vez, por um lado, que esse aresto não foi 
 tirado neste processo e, por outro, que, apesar de ter vocação uniformizadora, 
 não tem força obrigatória geral.
 A questão, tal como o recorrente a suscita, é algo diferente e assenta numa 
 espécie de inconstitucionalidade por omissão, passando por saber se o Tribunal 
 Constitucional, em cada processo concreto submetido à sua decisão, é ou não 
 obrigado a suprir a falta de decisão normativa imposta pelo artigo 281.º, n.º 3, 
 da CRP.
 Trata‑se, se se quiser, de uma questão prévia à análise da constitucionalidade 
 duma norma concreta: a questão de saber se o Tribunal Constitucional tem outra 
 alternativa nessa análise que não seja a de decidir na conformidade das três 
 anteriores decisões de sentido convergente.
 Seja como for, a questão colocada pelo recorrente não tem o perfil do recurso de 
 amparo, muito menos contra uma decisão proferida noutro processo.”
 
  
 
                         Aceita‑se que, ao colocar, nos termos em que o fez, a 
 presente questão de constitucionalidade, o recorrente não está a colocá‑la em 
 termos de recurso (isto é: de impugnação de uma decisão de outro tribunal que 
 teria aplicado norma inconstitucional), mas antes está a suscitar uma questão de 
 inconstitucionalidade visando evitar que o Tribunal Constitucional, ao decidir 
 o presente recurso, vá, ele próprio, de forma directa, aplicar norma que o 
 recorrente reputa inconstitucional. Isto é: uma vez que o Tribunal 
 Constitucional, como qualquer outro tribunal, não deve aplicar, nas suas 
 decisões, normas inconstitucionais, o que o recorrente pretende não é que o 
 Tribunal Constitucional controle a constitucionalidade de uma norma 
 efectivamente aplicada pela decisão recorrida, mas antes que se recuse, na 
 decisão do recurso, uma interpretação normativa que o recorrente reputa 
 inconstitucional.
 
                         Entende‑se, porém, que a aplicação – que acabou de ser 
 feita no ponto anterior – de uma interpretação normativa do artigo 82.º da LTC 
 que considera não estar o Tribunal Constitucional impedido de emitir, na 
 apreciação de um processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, um 
 juízo de não inconstitucionalidade de uma norma que já fora objecto de três 
 anteriores decisões no sentido da inconstitucionalidade, não viola o artigo 
 
 281.º, n.º 3, da CRP.
 
                         Na verdade, como se referiu no citado Acórdão n.º 
 
 340/2008:
 
  
 
             “Como é sabido, a existência de três decisões do Tribunal 
 Constitucional, proferidas em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, que tenham julgado inconstitucional determinada norma não 
 determina necessariamente que, no processo de «generalização» previsto no 
 artigo 82.º da LTC, a decisão do Tribunal não possa ser outra senão a 
 confirmação daqueles juízos de inconstitucionalidade. A «generalização» dos 
 juízos concretos de inconstitucionalidade não se produz automaticamente, sendo 
 a existência de três decisões concretas de inconstitucionalidade mero 
 pressuposto da instauração de um processo autónomo de fiscalização abstracta 
 da constitucionalidade da norma em causa, que seguirá os termos do esquema comum 
 dessa forma processual, designadamente com audição do autor da norma (que não 
 teve lugar nos processos de fiscalização concreta). Assim, estando‑se perante 
 um processo autónomo, nada impede que a decisão do Plenário seja divergente dos 
 juízos de inconstitucionalidade proferidos pelas Secções (decisões estas que 
 inclusivamente podem ser provenientes de uma mesma Secção e ter sido aí 
 aprovadas por uma maioria tangencial de três dos respectivos juízes, pelo que 
 não faria sentido impor o sentido dessa decisão ao Plenário, integrado por 
 treze juízes). Como refere Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo 
 VI, 3.ª edição, Coimbra, 2008, p. 280), «uma automática declaração de 
 inconstitucionalidade, concomitante com a terceira decisão em concreto, 
 brigaria com a letra da Constituição, com o seu espírito e com a distinção de 
 competência das secções e do plenário» (posição reafirmada em Jorge Miranda e 
 Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra, 2007, p. 811). 
 No sentido da não automaticidade da «generalização» dos juízos de 
 inconstitucionalidade também se pronunciaram J. J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 1025; e 
 José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª 
 edição, Coimbra, 2007, p. 91 e nota 122) e constitui entendimento desde sempre 
 sustentado por este Tribunal, tendo‑se referido no Acórdão n.º 457/94: «O facto 
 de determinada norma ter sido julgada inconstitucional em três casos 
 concretos não conduz, por sua vez, e como pondera o Acórdão n.º 347/92 (…), na 
 esteira de outros, a uma declaração automática da sua inconstitucionalidade 
 com força obrigatória geral, mas implica reapreciar a questão pelo Tribunal 
 Constitucional: como então se observou, ‘é um novo processo de fiscalização 
 que se abre e uma nova decisão que se tem de tomar’».
 
             A existência de juízos concretos de inconstitucionalidade por parte 
 de Secções do Tribunal Constitucional, independentemente do número desses 
 juízos, não tem força vinculativa fora dos processos em que foram proferidos, 
 nem em relação aos restantes tribunais, nem sequer face ao próprio Tribunal 
 Constitucional, nada impedindo que, quer em Secção, quer em Plenário, e seja 
 este chamado a intervir ao abrigo do artigo 82.º ou dos artigos 79.º‑A ou 79.º‑C 
 da LTC, venha a obter vencimento posição no sentido da não 
 inconstitucionalidade. E, por outro lado – embora, em estrito rigor, não seja 
 juridicamente vinculativa –, a pronúncia do Plenário chamado a intervir ao 
 abrigo do artigo 79.º‑A da LTC, intervenção motivada justamente por o Tribunal, 
 colegialmente, a ter considerado «necessária para evitar divergências 
 jurisprudenciais», deva ser seguida em posteriores decisões do Tribunal, mesmo 
 pelos juízes que dela divergiram, ao menos enquanto se mantiver a composição do 
 Plenário e não sobrevierem alterações relevantes do quadro jurídico 
 existente.”
 
  
 
                         Julga‑se, assim, improcedente a oitava questão de 
 inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 
                         2.2. Recurso da decisão instrutória
 
                         2.2.1. A primeira questão suscitada no âmbito do recurso 
 da decisão instrutória (décima primeira questão enunciada na alegação do 
 recorrente) respeita ao conjunto normativo formado pelos artigos 372.º, 373.º, 
 
 374.º e 386.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal “interpretado no sentido de 
 incluir nas respectivas previsões o Presidente do Conselho de Arbitragem da 
 Federação Portuguesa de Futebol”.
 
                         Na contra‑alegação do Ministério foi suscitada – para 
 além da restrição do objecto do recurso às normas dos artigos 374.º, n.º 1, e 
 
 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal (únicas efectivamente aplicadas na 
 decisão recorrida), com exclusão das dos artigos 372.º e 373.º desse Código – a 
 questão do não conhecimento desta questão, com os seguintes argumentos:
 
  
 
             “3.2.2. A questão essencial que é trazida pelo recorrente é a de 
 saber se considerar‑se o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação 
 Portuguesa de Futebol como funcionário para efeitos do crime de corrupção 
 activa constitui uma interpretação daquelas normas, violadora do princípio da 
 legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
 
             Estando nós no domínio de normas incriminadoras parece-nos óbvio que 
 vigorará, no caso, em pleno, o princípio da legalidade penal.
 
             3.2.3. Uma vez que o que está em causa é a violação do princípio da 
 legalidade por uma certa interpretação normativa, poderia colocar‑se a questão 
 de competência do Tribunal Constitucional para conhecer do recurso.
 
             Na verdade, poderá afirmar‑se que no caso dos autos o que o 
 recorrente verdadeiramente questiona, ratio constitutione, não é tanto um certo 
 sentido ou dimensão normativa que a decisão recorrida tenha extraído das normas, 
 mas, antes, o processo interpretativo que permitiu ao tribunal recorrido 
 concluir que o Presidente do Conselho de Arbitragem é funcionário para efeitos 
 do crime de corrupção activa (sobre a competência do tribunal nesta matéria, cf. 
 Lopes do Rego, «As Interpretações Normativas Sindicáveis pelo TC», in 
 Jurisprudência Constitucional, n.º 3).
 
             Sobre esta controversa questão da competência do Tribunal e após 
 numerosa, diversa e diversificada jurisprudência, o Plenário proferiu 
 recentemente o Acórdão n.º 183/2008, que, por violação do princípio da 
 legalidade, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da 
 norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a), 
 do Código Penal e dos artigos 366.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos 
 na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do 
 procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia.
 
             Preliminarmente ao conhecimento da questão de fundo o Tribunal 
 decidiu ser competente para conhecer do pedido.
 
             Nesse aresto e citando os Acórdãos n.ºs 412/2003 e 110/2007, o 
 Tribunal entendeu que para que houvesse um objecto apto à apreciação da 
 constitucionalidade bastaria que se estivesse perante um critério normativo, 
 dotado de elevada abstracção e susceptível de ser invocado e aplicado a 
 propósito de uma pluralidade de situações concretas, sendo, pois, necessário que 
 a questão se colocasse com um grau suficiente de generalidade e abstracção, de 
 forma a poder dizer‑se que se tratava de uma interpretação normativa que não 
 dependia do circunstancialismo concreto dos factos.
 
             Ora, no presente processo vem suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade de normas penais enquanto aplicáveis a uma pessoa: o 
 Presidente do Conselho de Arbitragem. O que está em causa é saber se a 
 interpretação que considera que o Presidente do Conselho de Arbitragem é 
 funcionário para efeitos do crime de corrupção activa é ou não violadora do 
 princípio da legalidade.
 
             Parece‑nos, portanto, que tal como a questão vem colocada, não se 
 vislumbra nela a existência de um qualquer grau de abstracção e generalização.”
 
  
 
                         A esta questão prévia respondeu o recorrente nos 
 seguintes termos:
 
  
 
             “No que diz respeito à objecção desenvolvida sob o n.º 3.2.3, 
 dir‑se‑á que o recorrente colocou a questão aí abordada em termos normativos, na 
 medida em que o que propôs ao debate é a interpretação das normas contidas na 
 parte final dos artigos 372.º, 373.º, 374.º e 386.º, n.º 1, alínea b), do Código 
 Penal, na perspectiva do âmbito subjectivo abstracto e genérico de aplicação de 
 tais normas, ou seja, da definição do universo de entidades e pessoas 
 abrangidas por elas.
 
             A aplicação dessas normas a uma entidade concreta (a Comissão de 
 Arbitragem da FPF e qualquer dos seus membros) tem como pressuposto a 
 delimitação desse âmbito segundo critérios genéricos de interpretação cuja 
 constitucionalidade o recorrente submeteu à sindicância deste Tribunal.
 
             Assim sendo, não saímos do domínio normativo e da solicitação de um 
 juízo de constitucionalidade abstracto e geral.”
 
  
 
                         No citado Acórdão n.º 183/2008 foi feita desenvolvida 
 exposição da problemática relativa à sindicabilidade pelo Tribunal 
 Constitucional da alegada violação do princípio da legalidade penal (ou fiscal) 
 imputada a interpretações analógicas feitas pelos restantes tribunais, tendo, a 
 esse respeito, expendido o seguinte:
 
  
 
             “Sabe‑se que a Constituição não acolheu um sistema de recurso de 
 amparo ou de queixa constitucional mas sim um sistema de fiscalização normativa 
 da constitucionalidade, que impede que o Tribunal conheça de actos (não 
 normativos) dos poderes públicos que sejam directamente lesivos de direitos 
 fundamentais, constitucionalmente tutelados. Nessa medida, não pode também o 
 Tribunal conhecer da eventual inconstitucionalidade de decisões judiciais em si 
 mesmas tomadas.
 
             Mantém‑se exemplar, a este propósito, a explicação do Acórdão n.º 
 
 674/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Fevereiro de 2000) 
 que foi recentemente transcrito no já citado Acórdão n.º 524/2007 e que aqui se 
 repete:
 
  
 
             «[…] mesmo que se entendesse que este Tribunal ainda era competente 
 para conhecer das questões de inconstitucionalidade resultantes do facto de se 
 ter procedido a uma constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma 
 operação equivalente, designadamente a uma interpretação ‘baseada em 
 raciocínios analógicos’, o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal 
 Constitucional possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, 
 efectuadas pelos tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da 
 legalidade.[…]
 
             […] Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a 
 controlar, em todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou 
 fiscais), já que a todas as interpretações consideradas erróneas pelos 
 recorrentes poderia ser assacada a violação do princípio da legalidade em 
 matéria penal (ou fiscal). E, em boa verdade, por identidade lógica de 
 raciocínio, o Tribunal Constitucional, por um ínvio caminho, teria que se 
 confrontar com a necessidade de sindicar toda a actividade interpretativa das 
 leis a que necessariamente se dedicam os tribunais – designadamente os tribunais 
 supremos de cada uma das respectivas ordens –, uma vez que seria sempre possível 
 atacar uma norma legislativa, quando interpretada de forma a exceder o seu 
 
 ‘sentido natural’ (e qual é ele, em cada caso concreto?), com base em violação 
 do princípio da separação de poderes, porque mero produto de criação judicial, 
 em contradição com a vontade real do legislador; e, outrossim, sempre que uma 
 tal interpretação atingisse norma sobre matéria da competência legislativa 
 reservada da Assembleia da República, ainda se poderia detectar 
 cumulativamente, nessa mesma ordem de ideias, a existência de uma 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
             Ora, um tal entendimento – alargando de tal forma o âmbito de 
 competência do Tribunal Constitucional – deve ser repudiado, porque conflituaria 
 com o sistema de fiscalização da constitucionalidade, tal como se encontra 
 desenhado na Lei Fundamental, dado que esvaziaria praticamente de conteúdo a 
 restrição dos recursos de constitucionalidade ao conhecimento das questões de 
 inconstitucionalidade normativa.»
 
  
 
             Tudo isto é verdade e terá de se manter como boa jurisprudência.
 
             De facto, como se disse, não vigora entre nós um sistema de recurso 
 de amparo ou de queixa constitucional, existindo, sim, um sistema de 
 fiscalização normativa da constitucionalidade que não permite que o Tribunal 
 conheça do mérito constitucional do acto casuístico de subsunção de um 
 pormenorizado conjunto de factos concretos na previsão abstracta de uma certa 
 norma legal.
 
             Contudo, o problema que agora se coloca − que é o de saber se não 
 haverá porventura uma violação do princípio da legalidade criminal quando se 
 considera que a declaração de contumácia constituía uma causa de suspensão da 
 prescrição à luz do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 e do artigo 
 
 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987 − tem uma especificidade que 
 não poderá ser negligenciada.
 
             Esta especificidade do problema poderá ser explicada partindo de uma 
 distinção metodológica relativa ao referente da norma legal.
 
             As normas podem referir‑se (i) a factos concretos cujo 
 circunstancialismo envolvente será sempre inabarcável, podem também referir-se 
 
 (ii) a realidades típicas não configuradas pelo legislador e podem, ainda, 
 referir-se (iii) a meras categorias normativas fixadas por lei (…).
 
             Esta diferença é processualmente relevante.
 
             Se no primeiro caso é líquido que a determinação do referente da 
 norma (factos concretos) está fora do domínio de actividade do Tribunal 
 Constitucional, já o mesmo não se poderá dizer, com igual certeza, no segundo 
 caso, em que o referente são factos típicos com um elevado grau de abstracção e, 
 menos ainda, no terceira hipótese, em que o referente sejam categorias legais.
 
             O sistema português de fiscalização da constitucionalidade inclui a 
 possibilidade de apreciar a validade daquilo que geralmente se designam como 
 interpretações normativas, admitindo o artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional a possibilidade de «o juízo de constitucionalidade sobre a norma 
 que a decisão tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em 
 determinada interpretação dessa mesma norma».
 
             O controlo de constitucionalidade das «interpretações normativas», 
 assim admitido, não atribui, porém, ao Tribunal a competência que ele não pode 
 ter, desde logo face ao disposto no artigo 221.º da Constituição. Um «tribunal 
 ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza 
 jurídico‑constitucional» não pode, evidentemente, transformar‑se em instância 
 revisora do modo como os demais tribunais interpretam e aplicam o direito 
 infra‑constitucional, substituindo‑se‑lhes na tarefa (que exclusivamente lhes 
 pertence) de subsunção de certos factos a certo tipo de determinação legal. Tal 
 em caso algum poderá ocorrer; tal não ocorre seguramente no caso agora sub 
 judice.
 
             Com efeito, e ao invés do que sucede quando se pergunta se 
 determinado conjunto de factos concretos é ou não susceptível de subsunção num 
 determinado tipo legal, quando se pergunta se a declaração de contumácia é ou 
 não susceptível de integrar o universo das causas legais de suspensão da 
 prescrição, não se está a determinar se uma expressão legal é ou não 
 susceptível de ter como referente um determinado conjunto de factos concretos, 
 mas sim um acto processual legalmente definido de forma geral e abstracta. O 
 referente é pois, em primeira linha, o conteúdo geral e abstracto de uma norma 
 legal e não um conjunto de factos concretos ou típicos.
 
             Não se pergunta se um determina facto concreto com todo o seu 
 circunstancialismo se pode incluir no âmbito da norma. A esta pergunta não pode 
 o Tribunal Constitucional responder.
 
             Não se coloca aqui, sequer, a questão de saber se um determinado 
 facto típico dotado já de um grau médio de abstracção está abrangido pelo âmbito 
 de uma norma − que era o que sucederia, por exemplo, se se perguntasse se a 
 
 «energia eléctrica» se pode considerar uma «coisa móvel» ou se o «ácido» se 
 poderá considerar uma «arma» para efeitos de um determinado tipo de crime 
 
 (veja‑se Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte geral, Tomo I: Questões 
 Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2.ª ed., Coimbra 2007, p. 188 s.). 
 
             Pergunta‑se, sim, se um acto processual normativamente inventariado 
 em termos gerais e abstractos pela lei – a «declaração de contumácia» – é, ou 
 não, passível de ser assimilado pelos conceitos utilizados pelo texto do artigo 
 
 119.º na versão originária de 1982 e, em especial, se ela se poderá configurar 
 como um «caso de suspensão da prescrição especialmente previsto na lei» ou como 
 uma hipótese de «“falta de autorização legal para continuar o procedimento».
 
             Trata‑se apenas de saber se − em abstracto − será possível incluir o 
 conteúdo normativo constante de uma norma – o artigo 336.º do Código de 
 Processo Penal – no conteúdo normativo constante de outra norma – o artigo 
 
 119.º, n.º 1, do Código Penal, na versão originária de 1982.
 
             Assim, os argumentos fundamentais invocados para não conhecer das 
 eventuais violações do princípio da legalidade não valem para este caso em que o 
 possível referente da norma é uma outra norma geral e abstractamente fixada por 
 lei.
 
             (…)
 
             Nos Acórdãos n.ºs 412/2003 e 110/2007, o Tribunal Constitucional 
 entendeu que, para que houvesse um objecto apto à apreciação da 
 constitucionalidade, bastaria que se estivesse perante um critério normativo, 
 dotado de elevada abstracção e susceptível de ser invocado e aplicado a 
 propósito de uma pluralidade de situações concretas.
 
             Seria, pois, necessário que a questão se colocasse com um grau 
 suficiente de generalidade e abstracção, de tal modo que se pudesse dizer que 
 se trataria de uma interpretação normativa que não dependeria do 
 circunstancialismo concreto dos factos. 
 
             Se admitimos que este critério possa gerar dúvidas no que respeita a 
 realidades típicas sem previsão legal, já o mesmo não se poderá dizer quando 
 está em causa uma figura processual abstracta normativamente prevista como é o 
 caso da declaração de contumácia.”
 
  
 
                         A situação em causa no presente recurso é 
 substancialmente diferente daquela que foi apreciada no Acórdão n.º 183/2008, 
 pois do que agora se trata é de saber uma concreta pessoa, a quem alegadamente o 
 recorrente teria dado ou prometido determinada vantagem, que não lhe era devida, 
 para ele praticar qualquer acto ou omissão contrários ao dever do cargo, e que 
 detinha a específica qualidade de presidente da Comissão de Arbitragem da 
 Federação Portuguesa de Futebol desempenha funções em “organismo de utilidade 
 pública” e, por isso, por força da parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 
 
 386.º do Código Penal, é considerado “funcionário” para efeitos da lei penal.
 
                         A decisão recorrida respondeu afirmativamente à questão, 
 pelas razões desenvolvidas a fls. 859 a 884 destes autos (fls. 22 841 a 22 866 
 do processo principal), basicamente por entender que a Federação Portuguesa de 
 Futebol, como resulta claramente das disposições legais pertinentes, é uma 
 pessoa colectiva de direito privado à qual foi concedido estatuto de utilidade 
 pública, tendo, por efeito desta concessão, passado a prosseguir também fins de 
 natureza pública e praticar actos que implicam prerrogativas de autoridade 
 perante os clubes, jogadores, dirigentes, árbitros, etc., cabendo das decisões 
 dos seus órgãos, no uso de poderes públicos, recurso para os tribunais 
 administrativos.
 
                         O que o recorrente questiona é, pois, a correcção do 
 entendimento judicial de que a concreta pessoa que exercia as funções de 
 presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol e à qual 
 ele terá dado ou prometido dar vantagens pela prática de actos ou omissões 
 contrários ao dever do cargo desempenhava funções em organismo de utilidade 
 pública. Tratou‑se de entendimento que assumidamente se circunscreveu ao teor 
 literal do preceito em causa, sem qualquer alusão a argumentos de igualdade ou 
 maioria de razão, que denunciassem o recurso à analogia. Entendimento esse que, 
 aliás, era o perfilhado pela doutrina, designadamente no Comentário 
 Conimbricense do Código Penal (Parte Especial, Tomo III, Coimbra, 2001, p. 812, 
 
 § 23 da anotação ao artigo 386.º), que refere:
 
  
 
             “Organismos de utilidade pública corresponde ao conceito, corrente 
 no direito administrativo, de pessoas colectivas de utilidade pública, isto é, 
 pessoas colectivas de direito privado que mereçam a qualificação de interesse 
 público, ou seja, a declaração de utilidade pública, independentemente do 
 substrato que lhes presidia. Podem ser pessoas colectivas de mera utilidade 
 pública, instituições particulares de solidariedade social ou pessoas colectivas 
 de utilidade pública administrativa (…).”
 
  
 
                         Neste contexto, a questão ora em causa não é 
 recondutível às hipóteses em que se arguí a inconstitucionalidade, por violação 
 do princípio da legalidade penal, designadamente pelo proibido recurso à 
 integração analógica, de um critério normativo, dotado de elevada abstracção e 
 susceptível de ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de 
 situações concretas, como ocorria nas situações em que o Tribunal Constitucional 
 considerou admissível conhecer do objecto do recurso.
 
                         O que, em rigor, o recorrente pretende é que o Tribunal 
 Constitucional sindique a correcção da operação judicial de subsunção do caso 
 dos autos à previsão legal, o que, pelas razões expostas, é inadmissível.
 
                         Por estas razões, não se conhecerá da décima primeira 
 questão suscitada na alegação do recorrente.
 
  
 
                         2.2.2. Finalmente, a décima segunda questão vem 
 reportada à Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, que, ao não definir com rigor a 
 extensão e sentido da autorização legislativa concedida, ofenderia o disposto 
 no n.º 2, por referência à alínea c) do n.º 1, do artigo 165.º da CRP, sendo 
 consequentemente inconstitucional o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, 
 emitido ao abrigo dessa inválida autorização (embora, quanto ao Decreto‑Lei, 
 como se assinala na contra‑alegação do Ministério Público, tendo o recorrente 
 sido pronunciado pela prática de 21 crimes dolosos de corrupção desportiva 
 activa previsto e punido nos artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, por referência aos artigos 
 
 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, desse diploma, são apenas estas as normas 
 efectivamente aplicadas, pelo que exclusivamente elas poderão, nesta parte, 
 integrar o objecto do recurso).
 
                         A Lei n.º 49/91 tem a seguinte redacção:
 
  
 
             “Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de 
 qualificar como crime comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da 
 competição desportiva e seu resultado.
 
             Art. 2.º O diploma a publicar ao abrigo da presente autorização 
 legislativa estabelecerá a definição dos comportamentos, acções ou omissões, 
 contrários ao princípio da ética desportiva, com o fim de alterar a verdade, 
 lealdade e correcção da competição desportiva ou o seu resultado, fixará as 
 respectivas sanções, até ao limite de quatro anos de prisão, com ou sem multa, 
 podendo o julgamento prever penas acessórias de suspensão da actividade 
 desportiva e de privação de receber subsídios oficiais.
 
             Art. 3.º A presente autorização legislativa tem a duração de 90 
 dias.”
 
  
 
                         Como no recente e já citado Acórdão n.º 340/2008 desta 
 Secção se consignou:
 
  
 
             “Relativamente à exigência constitucional de a lei de autorização 
 legislativa definir, não apenas o objecto e a extensão, mas também o sentido da 
 autorização (requisito apenas aditado na revisão constitucional de 1982), a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reiteradamente aderido às 
 formulações avançadas no Acórdão n.º 358/92, segundo as quais:
 
  
 
             «(…) o sentido de uma autorização legislativa, sendo um dos 
 elementos do ‘conteúdo mínimo exigível’ da lei de autorização, só é 
 efectivamente observado quando as indicações a esse título constantes da lei de 
 autorização permitam um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do 
 acto delegado em relação ao da lei delegante, pelo que, se o ‘sentido’ não tem 
 que exprimir‑se em abundantes princípios ou critérios directivos, deverá, pelo 
 menos, ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa preencher 
 a função paramétrica que a Constituição lhe confere.
 
             Nesta ordem de ideias escreveu António Vitorino (op. cit., págs. 238 
 e 239): ‘O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera 
 conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os 
 poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas 
 matérias que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não 
 constitui, contudo, exigência especificada de princípios e critérios 
 orientadores (...), mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve 
 constituir essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa 
 tripla vertente:
 
             – por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a 
 expressão pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na 
 perspectiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem 
 jurídica vigente (é o sentido na óptica do delegante);
 
             – por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos 
 fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, 
 assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (é o sentido na óptica do 
 delegado);
 
             – e, finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a 
 conhecer aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das 
 transformações que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da 
 outorga da autorização (é o sentido na óptica dos direitos dos particulares, 
 numa zona revestida de especiais cuidados no texto constitucional – as matérias 
 que incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da 
 República).’»
 
  
 
             Nesta mesma linha se insere o Acórdão n.º 213/95, no qual se lê:
 
  
 
             «(…) dir‑se‑á que o objecto constitui o elemento enunciador da 
 matéria sobre que versa a autorização, a extensão especifica qual a amplitude 
 das leis autorizadas e através do sentido são fixados os princípios base, as 
 directivas gerais, os critérios rectores que hão‑de orientar o Governo na 
 elaboração da lei delegada.
 
             Este último elemento de condicionamento substancial constitui já, 
 não um limite externo, definidor dos contornos da autorização, mas um verdadeiro 
 limite interno à própria autorização, pois que é essencial para a determinação 
 das linhas gerais das alterações a introduzir numa dada matéria legislativa.
 
             Assim sendo, a autorização há‑de conter os princípios, as normas 
 fundamentais que concedem unidade lógico‑política à disciplina a editar pelo 
 Governo, e há‑de estabelecer também as directivas, reconduzíveis à 
 determinação das finalidades a que aquela disciplina tem de adequar‑se.
 
             E deve sublinhar‑se com especial destaque, que se o sentido da 
 autorização não tem de exprimir‑se em abundantes princípios ou critérios 
 directivos (que levados às últimas consequências poderiam até condicionar por 
 inteiro em termos de conteúdo o exercício dos poderes delegados), deverá, no 
 mínimo, como condição da sua própria verificação, ser suficientemente 
 inteligível a fim de poder operar como parâmetro de aferição dos actos 
 delegados e, consequentemente, como padrão de medida por parte do legislador 
 delegado do essencial dos ditames do legislador delegante (cf., por todos, os 
 Acórdãos n.ºs 107/88 e 70/92, Diário da República, respectivamente, I série, de 
 
 21 de Junho de 1988 e II série, de 18 de Agosto de 1992).»”
 
  
 
                         Estes requisitos mínimos são satisfeitos pela lei ora em 
 apreço, que claramente indica o sentido da intervenção legislativa programada – 
 a qualificação como crime de comportamentos que afectem a verdade e a lealdade 
 da competição desportiva e seu resultado – não sendo exigível que a própria lei 
 contenha a definição dos diversos conceitos jurídicos que utiliza, como o de 
 competição desportiva, ética desportiva, actividade desportiva, etc., conceitos 
 cujo sentido, além de ser de apreensão comum, já resultavam de outros 
 instrumentos jurídicos vigentes (designadamente a Lei de Bases do Sistema 
 Desportivo – Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro). Aliás, a lei em causa, para além 
 desse sentido incriminador fundamental, enunciou claramente os valores a 
 proteger (a ética desportiva e a verdade, a lealdade e a correcção da 
 competição desportiva) e chegou ao detalhe de elencar as sanções aplicáveis e 
 seus limites (prisão até quatro anos, com ou sem multa, e penas acessórias de 
 suspensão da actividade desportiva e de privação de receber subsídios 
 oficiais).
 
                         O cumprimento do objectivo da imposição constitucional 
 em causa ainda foi reforçado, no caso em apreço, pela circunstância de a 
 Proposta de Lei n.º 174/V, que esteve na génese da Lei n.º 49/91, ter sido logo 
 acompanhada do projecto de decreto‑lei que o Governo se propunha editar no uso 
 da autorização legislativa solicitada (cf. Diário da Assembleia da República, V 
 Legislatura, 4.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 14, de 14 de Dezembro de 
 
 1990, pp. 288‑290), como veio a fazer.
 
                         Conclui‑se, assim, que a Lei n.º 49/91 não padece de 
 inconstitucionalidade, por alegada violação do disposto no n.º 2, por 
 referência à alínea c) do n.º 1, do artigo 165.º da CRP, e, assim sendo, também 
 improcede a imputação de inconstitucionalidade das normas aplicadas do 
 Decreto‑Lei n.º 390/91, inconstitucionalidade esta que, na tese do recorrente, 
 surgia como meramente consequente da pretensa inconstitucionalidade da lei de 
 autorização legislativa.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, decide‑se:
 
                         a) Não conhecer das 1.ª a 6.ª e 9.ª a 11.ª questões 
 suscitadas na alegação do recorrente;
 
                         b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode 
 destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado 
 não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa 
 pronunciar‑se sobre o eventual interesse para a sua defesa;
 
                         c) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 82.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, interpretado no sentido de permitir que o 
 Tribunal Constitucional profira, no julgamento de um recurso, juízo de não 
 inconstitucionalidade de uma norma que já fora objecto de juízos de 
 inconstitucionalidade em três decisões anteriores;
 
                         d) Não julgar inconstitucional a Lei n.º 49/91, de 3 de 
 Agosto, nem o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, emitido ao abrigo da 
 autorização concedida por essa Lei; e, consequentemente,
 
                         e) Negar provimento aos recursos, confirmando as 
 decisões recorridas, nas partes impugnadas.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 15 de Julho de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos