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Processo n.º 933/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, por despacho proferido em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi indeferida a pretensão dos arguidos relativamente à sua notificação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 411.º n.º 5 do CPP. Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, porém, rejeitou o recurso, por “ser a pretensão dos recorrentes contrária à letra da lei, pelo que se entende ser de considerar como manifesta a [sua] improcedência e inviabilidade [...]”.
2. Ainda inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que ordenasse a notificação dos arguidos nos termos reclamados perante a Relação. Aquele Tribunal rejeitou o recurso por inadmissibilidade e condenou os recorrentes a pagarem taxa de justiça e uma sanção processual, individual, de quatro unidades de conta, nos termos do n.º 4 do artigo 420º do Código de Processo Penal. Fundamentou, assim a decisão:
“[...]O recurso é, na verdade, inadmissível. Com efeito, a decisão recorrida - da Relação de Lisboa - foi proferida em recurso que não pôs termo à causa já que se limitou a rejeitar a pretensão dos recorrentes a serem notificados de um acto processual consumado no processo respectivo. Consequentemente, da decisão não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como emerge do disposto no artigo 400.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal. Assim, é de inteira pertinência a questão prévia suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, impondo-se a consequente rejeição do recurso, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, do mesmo diploma. De resto, tratando-se de decisão de juiz singular , em processo apenas com intervenção do juiz singular, estaria arredada, em princípio, a possibilidade de qualquer recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 14. º, 16.º, 427.º e 432.º, todos do Código de Processo Penal. [...]”
3. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, através de um requerimento com o seguinte teor:
“[...] recorrentes no processo supra referenciado, não se conformando com o douto Despacho, proferido a fls., que rejeitou o recurso por si interposto para este Venerando Tribunal, por o considerar contrário à lei, e, por isso, improcedente e inviável, vêm do mesmo interpor o competente recurso para o V. Tribunal Constitucional.[...]”
4. Foi, então, proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...]5. Entende-se que este recurso não deveria ter sido admitido. Tendo-o sido, cumpre, porém, decidir se dele se pode conhecer, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC). Ora, no caso dos autos, é manifesto que o requerimento de interposição de recurso não contém sequer os requisitos exigidos pela Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Acontece, todavia, que, no caso concreto, não é tão pouco possível lançar mão do convite a que se refere o n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, por força do princípio da limitação dos actos, contido no artigo 137º do Código de Processo Civil. De facto, é por demais evidente que os recorrentes não identificaram, no requerimento de interposição do recurso, qualquer questão de constitucionalidade normativa que possa ser submetida ao Tribunal Constitucional, limitando-se, apenas, a manifestar a pretensão de recorrer do “Douto Despacho de fls., que rejeitou o recurso por si interposto para este Venerando Tribunal [STJ], por o considerar contrário à lei, e, por isso, improcedente e inviável”. Visando, contudo, o recurso de constitucionalidade submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade de normas, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada. Tal, só por si, conduz a que se não possa tomar conhecimento do recurso. Por outro lado, admitindo que o recurso de constitucionalidade é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – única plausivelmente invocável - verifica-se, compulsados os autos, que os recorrentes também nunca formularam, antes de proferida a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo
72º da LTC, qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada a qualquer preceito aplicado naquela decisão. Concretamente, não o fizeram nas alegações apresentadas. Com efeito, se atentarmos na única parte das alegações em que os recorrentes se referem à Constituição da República Portuguesa, verificamos que os recorrentes se limitam a referir que “a notificação do recurso ao arguido é um imperativo constitucional, consagrado, de forma genérica, pelo artº 32º, sendo essencial para o exercício do direito ao contraditório, consagrado pela doutrina, pela lei e pela jurisprudência, como princípio fundamental do processo penal”, o que não corresponde, de todo em todo, à exigência legal de suscitar uma “questão da inconstitucionalidade [...] de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.” Também por este motivo não se pode conhecer do presente recurso. Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, inteiramente inúteis no presente contexto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do recurso que os recorrentes pretenderam interpor, por manifesta falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade, nomeadamente: terem os recorrentes colocado ao Tribunal Constitucional uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de, por este, ser conhecida e terem suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, essa mesma questão.”
5. Desta decisão é interposta a presente reclamação, através de um requerimento em que os recorrentes começam por afirmar que vêm “interpor a presente reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto nos artºs 76°, n.º4 e
77°,n.º l, da LTC.” (sublinhado aditado) Depois, sob a epígrafe, “Objecto da Reclamação” dizem o seguinte:
“Exmº Senhor Presidente do Tribunal Constitucional I. OBJECTO DA RECLAMAÇÃO: Vem a presente reclamação interposta do despacho do Exmo Sr. Relator que decidiu abster-se de tomar conhecimento do recurso interposto pelos ora reclamantes para este Venerando Tribunal, pelo qual suscitam uma questão de ilegalidade, ao abrigo do art.º 70º n .º1, al. b) e f), da LTC, atinente à notificação de interposição de recurso em processo penal.”
De seguida, apresentam uma longa “Motivação” em que discutem as relações entre o artigo 113°, n° 9, e o artigo 411°, n° 5, ambos do Código de Processo Penal. Apresentam, depois, umas “Conclusões”, onde, além de prosseguirem esta discussão, fazem as afirmações de que “quer a Constituição da República (art.º
32º, 1, e 18º, 1, da CRP), quer a doutrina jurídica mais avalizada (Prof. Jorge Figueiredo Dias e Prof. Germano Marques da Silva, nos respectivos Manuais de Direito Processual Penal[ )], e o art.º 411º, n.º 5, do CPP, garantem aos reclamantes o direito à sua notificação pessoal de recurso contra si interposto, afim de poderem exercer o contraditório” e de que “no mesmo sentido, proclama a Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos seus artigos 2º e 8º”. Finalmente, concluem da seguinte forma:
“IV. O PEDIDO Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, requerem a V. Ex.ªs, Eminentíssimos Senhores Conselheiros, se dignem, em Conferência, receber a presente Reclamação, e revogar, ao abrigo do disposto no art.º 77 da LTC, o, aliás, douto despacho do Exmº Sr. Relator, pelo qual se absteve de conhecer do recurso interposto para este V. Tribunal e, em consequência, declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da aplicabilidade do preceito do art.º
113, n.º 9, do CPP, na notificação da interposição e motivação de recurso, em processo penal, porque, neste caso, deve aplicar-se a norma especial do n.º 5 de art.º 411 do mesmo diploma legal, ordenando, em seguida, se determine a notificação dos recorrentes (aqui reclamantes) para os fins do disposto no n.º 5 do art.º 75º-A, da LTC, no prazo de 10 dias. Assim decidindo, farão Ex.ªs Senhores Conselheiros, a boa e costumada JUSTIÇA !”
6. O recorrido, notificado da presente reclamação, respondeu sustentando a manifesta improcedência da mesma.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
7. Na decisão sumária reclamada considerou-se que, além de não estar sequer formulada, no requerimento de interposição do recurso, uma questão de constitucionalidade normativa, não tinham os recorrentes, em qualquer caso, admitindo que se tratava de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, suscitado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Os recorrentes vêm reclamar desta decisão. Fazem-no, porém, em termos que revelam não terem compreendido, minimamente, não só qual a natureza e função do recurso de constitucionalidade, nem, tão pouco, qual o fundamento normativo da decisão de que vêm reclamar.
Basta, na verdade, ler a reclamação, de que acima se deu conta, para verificar que nenhum argumento é aduzido para infirmar a fundamentada conclusão, a que se chegou na decisão reclamada, de que se não pode conhecer do objecto do recurso, por não estarem presentes os seus pressupostos de admissibilidade. Agora apenas se acrescenta que não só é descabida a invocação dos artigos “76°, n.º4 e
77°,n.º l, da LTC” para fundar a presente reclamação, como é despropositada a invocação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional para fundamentar um pedido de “declaração de ilegalidade”, como é desapropriada a invocação da alínea f) do mesmo artigo, já que não está em causa nenhum dos fundamentos nela referidos.
Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que os ora reclamantes pretenderam interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Artur Maurício