 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 552/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
   
 
                         1. A., invocando o artigo 405.º do Código de Processo 
 Penal (CPP), apresentou reclamação, endereçada ao Presidente do Tribunal 
 Constitucional, contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de 
 Justiça (STJ), de 9 de Maio de 2008, que não admitiu recurso por ele interposto, 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra os acórdãos do STJ, de 13 de Março de 2008 e de 17 
 de Abril de 2008, que, respectivamente, concedeu parcial provimento, quanto à 
 medida da pena, ao recurso do arguido e supriu nulidade do anterior acórdão, 
 arguida pelo Ministério Público.
 
                         À reclamação contra despachos de não admissão de recurso 
 para o Tribunal Constitucional é aplicável o disposto nos artigos 76.º, n.º 4, e 
 
 77.º da LTC, e não o artigo 405.º do CPP, invocado pelo reclamante, e o seu 
 julgamento cabe à conferência referida no artigo 78.º‑A, n.º 3, daquela Lei.
 
                         No requerimento de interposição de recurso, o recorrente 
 referiu que “na decisão recorrida, os doutos acórdãos, com aliás o havia feito 
 o acórdão da Relação de Coimbra e a sentença de primeira instância, violaram o 
 disposto nos artigos 32.º, n.º 1, 12.º, 18.º, 20.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, 27.º, 
 n.ºs 1 e 2, 64.º, 202.º, 204.º e 205.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa”, “como violaram também, por incorrecta interpretação e aplicação (o 
 que determina a sua ilegalidade e a inconstitucionalidade da decisão), o 
 disposto nos artigos 132.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º, 40.º, n.ºs 1 e 3, 50.º a 
 
 55.º e 70.º a 73.º, todos do Código Penal; artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, 
 de 27 de Junho; e artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 410.º, n.º 2, alíneas a), 
 b) e c), ambos do Código de Processo Penal”, mais aduzindo que “suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade na sua motivação de recurso 
 interposto da sentença da primeira instância e do recurso interposto do douto 
 acórdão de segunda instância”.
 
                         O despacho de 9 de Maio de 2008 do Conselheiro Relator 
 do STJ, que não admitiu o recurso interposto, é do seguinte teor:
 
  
 
             “Não admito o(s) recurso(s) interposto(s) pelo arguido A. para o 
 Tribunal Constitucional (fls. 1513 e 1527), porquanto o recorrente não levantou 
 qualquer questão de inconstitucionalidade relevante no decurso do processo. O 
 que ele arguiu de inconstitucionalidade foi a própria decisão, dizendo 
 taxativamente que «na decisão recorrida, os doutos acórdãos, como aliás o havia 
 feito o acórdão da Relação de Coimbra e a sentença da primeira instância, 
 violaram o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, 12.º, 18.º, 20.º, n.º 1, 24.º, n.º 
 
 1, 27.º, n.ºs 1 e 2, 64.º, 202.º, 204.º e 205.º, todos da Constituição da 
 República Portuguesa. Como violaram também, por incorrecta interpretação e 
 aplicação (o que determina a sua ilegalidade e a inconstitucionalidade da 
 decisão), o disposto nos artigos 132.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º, 40.º, n.ºs 1 e 
 
 3, 50.º a 55.º e 70.º a 73.º, todos do Código Penal; artigo 6.º, n.º 1, da Lei 
 n.º 22/97; e artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e 
 c), ambos do CPP».
 
             Por conseguinte, não arguiu nenhuma inconstitucionalidade normativa, 
 não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar as decisões proferidas por 
 outros tribunais, mas sim a apreciação de normas ou interpretações de normas 
 segundo os parâmetros constitucionais.
 
             O recorrente não diz em parte nenhuma por que razão ou razões o 
 extenso rol de normas que indica ofende princípios ou normas constitucionais ou 
 qual a interpretação feita dessas normas que tivesse colidido com essas normas 
 ou princípios. A sua discordância reside apenas em não aceitar o decidido, 
 desde logo do ponto de vista da qualificação jurídico‑penal dos factos e da 
 medida da pena, que, sendo de prisão efectiva, é compreensível que venha a 
 afectar a vida do recorrente, já quase com 80 anos de idade e estando em 
 liberdade.”
 
  
 
                         Na reclamação apresentada, aduz o reclamante, após 
 transcrever o despacho reclamado:
 
  
 
             “II – Ora, a ilegalidade ou inconstitucionalidade da decisão 
 judicial resulta de, com a sua prolação, serem feridos dispositivos 
 constitucionais que se reportem aos direitos, liberdades e garantias, 
 constitucionalmente consagrados.
 
             III – E não cabe ao cidadão nem lhe é exigível que, 
 premonitoriamente, vislumbre uma qualquer violação de preceitos constitucionais, 
 ou de normas que, pela sua aplicação, ou não aplicação, possam contender com os 
 direitos, liberdades e garantias do cidadão.
 
             IV – Não lhe sendo sequer exigível que tivesse suscitado 
 anteriormente violação de preceitos constitucionais ainda não consumados.
 
             V – Mas a verdade é que o arguido recorrente, já no recurso 
 interposto da sentença de primeira instância para o Tribunal da Relação, 
 suscitou e fundamentou a questão da violação dos preceitos constitucionais, 
 nomeadamente do princípio das garantias de defesa, nomeadamente quando ali 
 refere que:
 
  
 
             «O sistema de recurso que se acha consagrado no Código de Processo 
 Penal, maxime nos artigos. 410.º e 433.º, não dá flanco às críticas de que é 
 alvo a apelação penal e, simultaneamente, preserva o núcleo central do direito 
 ao recurso da matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias – direito 
 esse que decorre do principio das garantias de defesa consagrados no artigo 
 
 32.º, n.º 1, da CRP. ... Um tal sistema – de revista alargada – protege o 
 arguido dos perigos de um erro de julgamento, designadamente do erro grosseiro 
 na decisão da matéria de facto, e desse modo defende‑o do risco de uma sentença 
 injusta» – Acórdão do Tribunal Constitucional, de 5 de Maio de 1993, Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 427, p. 100.
 
  
 
             E, em consequência, o arguido/recorrente requereu o reenvio do 
 processo, com vista à realização de nova audiência de julgamento e clarificação 
 da matéria de facto tida por provada e não provada, com reflexo na decisão 
 condenatória, o que o Tribunal não fez, violando o disposto no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da CRP.
 
             VI – Violação essa que, como consequência, e porque não é legítimo 
 ao Tribunal extrair da prova produzida em audiência de julgamento o que lá não 
 está, o que as partes não referem, o que as partes desconhecem, implica, do 
 mesmo passo, a violação do disposto nos artigos 12.º, 18.º, 20.º, n.º 1, 27.º, 
 n.º 1, 202.º, 204.º e 205.º da CRP, posto que o Tribunal não pode, de modo 
 algum, substituir‑se a uma prova, e concluir por um facto, que não está 
 demonstrado.
 
             VII – Aliás, como também se refere naquele recurso da sentença de 
 primeira instância, o que é um facto relevantíssimo a ser levado em 
 consideração para a medida e o tipo da pena, «a efectiva detenção de uma pessoa 
 agora já com quase 80 anos, que é doente, é primária, que nunca antes nem depois 
 cometeu quaisquer actos puníveis, que não tem retratado no seu histórico de vida 
 quaisquer comportamentos atípicos ou ilícitos, ir‑lhe‑á acarretar danos morais, 
 psíquicos e físicos, que lhe determinarão a curto prazo lesões irreversíveis, 
 senão o próprio decesso, o que contende com os mais elementares direitos do 
 cidadão».
 
             Pelo que a decisão de primeira instância, do acórdão da Relação e 
 agora do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça constitui flagrante violação dos 
 direitos constitucionalmente consagrados do arguido, nomeadamente o direito à 
 vida, à saúde e à liberdade, previstos nos artigos 18.º, n.ºs 1 a 3, 24.º, n.º 
 
 1, 27.º, n.ºs 1 e 2, e 64.º da CRP.
 
             VIII – A violação de tais princípios constitucionais foi, do mesmo 
 passo, invocada no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e ali 
 devidamente fundamentada.
 
             IX – Ora, sendo manifesta a violação dos princípios invocados, e 
 verificando‑se em consequência a ilegalidade da decisão proferida pelas 
 instâncias, é óbvio que o recurso para o Tribunal Constitucional está 
 devidamente sustentado.
 
             X – O despacho de não admissão do recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional coarcta ao arguido e recorrente o exercício de direitos 
 constitucionalmente consagrados, impedindo‑o de promover a sua mais justa 
 defesa quanto ao crime que lhe vem imputado nos autos e à pena que lhe foi 
 aplicada.
 
             XI – Consequentemente, deveria ter sido admitido o recurso agora 
 interposto para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência da 
 reclamação, por, como decorre claramente quer do requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, quer dos termos da presente reclamação, 
 o reclamante não suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 susceptível de constituir objecto idóneo da fiscalização concreta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. No sistema português de fiscalização de 
 constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional 
 cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões 
 de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a 
 interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com 
 clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
 
                         Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente 
 caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos 
 de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o 
 processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 
 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua 
 ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
                         Ora, nem na motivação do recurso interposto para o STJ – 
 tribunal que proferiu a decisão de que se pretendeu interpor recurso, pelo que 
 essa peça processual era o local adequado, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º 
 da LTC, para suscitar as questões de inconstitucionalidade que se pretendiam 
 ver apreciadas –, nem sequer no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, nem ainda na presente reclamação (apesar de estes dois 
 
 últimos já serem momentos, à partida, impróprios para o cumprimento do ónus, que 
 incidia sobre o recorrente, de prévia suscitação da questão de 
 constitucionalidade), o recorrente logrou suscitar, em termos idóneos, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa. Isto é: o reclamante jamais imputou 
 a normas de direito ordinário (ou a interpretações dessas normas, minimamente 
 identificadas) a violação de normas ou princípios constitucionais, tendo‑se 
 sempre limitado a imputar às decisões judiciais sucessivamente impugnadas, em si 
 mesmas consideradas, a violação de regras de direito ordinário e, 
 concomitantemente, de normas constitucionais, o que manifestamente não 
 constitui modo adequado de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa.
 
                         Não tendo o recorrente suscitado qualquer questão desse 
 tipo durante o processo, o recurso interposto era claramente inadmissível, como 
 bem decidiu o despacho reclamado.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando o despacho reclamado.
 
                         Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 15 de Julho de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos