Imprimir acórdão
Processo n.º 840/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por decisão sumária do relator, de 24 de Agosto de
2004, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, por inadmissibilidade deste, dado que os recorrentes A. e B. imputavam a violação da Constituição directamente à decisão judicial recorrida, e não a qualquer norma ou interpretação normativa.
Contra esta decisão sumária deduziram os recorrentes reclamação para a conferência, qualificada pelo representante do Ministério Público neste Tribunal como “manifestamente improcedente”, e que veio a ser indeferida pelo Acórdão n.º 556/2004, de 15 de Setembro de 2004, por os reclamantes não terem aduzido “qualquer argumento novo capaz de abalar os fundamentos da decisão sumária impugnada”, não identificando “nenhum critério normativo que o tribunal teria adoptado e que fosse constitucionalmente desconforme”, mas apenas contestando a concreta valoração da prova que conduziu
à decisão da matéria de facto e a justeza da operação judicial de subsunção jurídica dos factos provados, o que não constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
Vieram então os recorrentes requerer o “esclarecimento de dúvidas” que a leitura do Acórdão n.º 556/2004 lhes teria suscitado, o que foi indeferido pelo Acórdão n.º 597/2004, de 12 de Outubro de 2004, uma vez que não era assacada a qualquer passagem do anterior acórdão “a ocorrência dos vícios da ambiguidade ou da obscuridade que a tornasse susceptível de diversas interpretações ou ininteligível”, solicitando os recorrentes o esclarecimento de dúvidas “que nada têm a ver com a compreensão das razões que fundamentaram as decisões de não conhecimento do objecto do recurso”.
Vem agora o recorrente B. interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79.º-D da LTC, aduzindo que a decisão de não conhecimento do objecto do recurso está em oposição com o decidido nos Acórdãos n.ºs 680/98 e 226/2003.
Mais uma vez se constata a utilização, pelo recorrente, de meios processuais sem a verificação dos requisitos mínimos da sua admissibilidade. Na verdade, como resulta directamente da lei e constitui entendimento uniforme deste Tribunal, o recurso para o Plenário só é admissível quando o acórdão que se pretende impugnar tenha julgado a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, não sendo cabível tal recurso face a eventuais decisões divergentes relativas a questões adjectivas, designadamente relacionadas com os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. Para além de, nestes termos, não caber recurso para o Plenário de acórdãos das Secções que tenham decidido não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade, por inadmissibilidade deste, acresce que, no presente caso, é patente a inexistência de qualquer oposição entre os acórdãos proferidos neste processo e os Acórdãos n.ºs 680/98 e 226/2003, os quais, sem conterem qualquer pronúncia expressa sobre os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, decidiram: (i) o Acórdão n.º 680/98, julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal de
1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º, também da Constituição; e (ii) o Acórdão n.º 226/2003, não julgar organicamente inconstitucional o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, nem materialmente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do seu artigo 15.º, que estabelece em 5 anos o prazo de prescrição do procedimento por crimes fiscais.
2. Os dois recorrentes, ao reclamarem para a conferência de decisão sumária sem contrariarem os respectivos fundamentos e ao pedirem esclarecimentos sem apontarem à decisão aclaranda qualquer ambiguidade ou obscuridade, e o recorrente B., ao interpor recurso para o Plenário em caso em que é patente a sua inadmissibilidade, vêm fazendo uma utilização abusiva dos meios processuais, visando obstar ao cumprimento da decisão de não conhecimento do recurso de constitucionalidade e, reflexamente, da decisão condenatória. Procedimento dilatório este que tem afectado a situação do co-arguido C., que se conformou com o acórdão condenatório e que, encontrando-se preso, tem-se visto privado da possibilidade de beneficiar de qualquer medida de flexibilização da pena (cf. requerimento de fls. 5687).
Impõe-se, assim, que o Tribunal Constitucional faça uso das faculdades conferidas pelos artigos 720.º do Código de Processo Civil e
84.º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional.
3. Termos em que, ao abrigo dessas disposições legais, acordam em determinar que:
a) após extracção de traslado integrado por cópia das fls. 5624 a 5633, 5660 a 5664, 5667 e 5683 a 5686 e do presente acórdão e contado o processo, se remetam de imediato os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra;
b) só depois de pagas as custas em dívida seja aberta conclusão no traslado para apreciação do requerimento de fls. 5683 a 5686 e de outros requerimentos que o respectivo recorrente venha a apresentar.
Lisboa, 4 de Novembro de 2004
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Silva Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos