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Processo n.º 160/04
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Pela decisão sumária de fls. 435 foi decidido não conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A. e mulher, B., do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2003, de fls. 317 e seguintes. O acórdão recorrido fora proferido no âmbito de uma acção contra eles proposta por C. e mulher, D., na qual, em síntese, foram condenados a reconhecer que sobre o seu prédio rústico, identificado nos autos, se acha constituída uma servidão de passagem a favor de prédio dos autores. Entendeu-se na referida decisão que os recorrentes não tinham definido qualquer questão de constitucionalidade normativa, susceptível de constituir o objecto do recurso que interpuseram, e que basearam nas alíneas a), b) e i) do n.º1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, antes atribuindo “à própria decisão de que recorrem (...) a violação das normas e princípios constitucionais que indicam.”
2. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82; a reclamação foi indeferida pelo Acórdão n.º 440/2004, de fls. 461, que confirmou a decisão reclamada.
3. Vieram então os recorrentes interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional; o recurso não foi admitido, pelo despacho de fls. 493, do seguinte teor:
«1. Não admito o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, por não ser invocada nenhuma oposição de julgados que o permita, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Com efeito, só uma oposição sobre a “questão de constitucionalidade” relativa à mesma norma é que pode constituir o objecto de tal recurso; ora, no caso, o acórdão recorrido não conheceu do mérito do recurso interposto.
Note-se, aliás, que, ainda que tal limitação não existisse, não ocorreria qualquer contradição com o Acórdão n.º 440/94, invocado pelo recorrente para justificar o recurso. Com efeito, não está agora em causa saber se a inconstitucionalidade foi ou não oportunamente suscitada, como se vê, mas antes a ausência de definição, pelo recorrente, de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de ser apreciada no âmbito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.».
4. A fls. 518, os recorrentes vieram recorrer (conforme dizem) para o Plenário. Em síntese, após afirmarem que o recurso que não foi admitido preenche os pressupostos definidos pelo artigo 79º-D da Lei nº 28/82, tecem considerações sobre a evolução do Processo Civil e dos seus princípios fundamentais, sobre a necessidade de se “concretizar uma manifestação do direito de acesso aos tribunais contra actos jurídicos inconstitucionais” e sobre a consequente exigência de “ser reconhecida a possibilidade de interposição de um recurso extraordinário atípico de todas as decisões judiciais directa e imediatamente inconstitucionais, sempre que se tenham esgotado os respectivos recursos ordinários”. Apontam, para o efeito, a aplicação das regras do recurso de revisão, devidamente adaptadas. E formulam as seguintes conclusões:
«1.ª 'Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a declaração universal dos direitos do homem' – art.º 16.º/2 CRP.
2.ª Embora seja possível restringir o âmbito e eficácia dos direitos fundamentais certo é que tais restrições não poderão ir ao ponto de tornar ilusória a protecção garantida pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
3.ª Em todo o caso o processo deverá sempre ser um processo leal e justo), i. é: um lugar de diálogo e de comunicabilidade efectiva entre o Julgador e os restantes sujeitos processuais por forma a garantir a superação de todos os obstáculos processuais à realização da justiça material bem como a recíproca e pública compreensão exacta do que vai sendo decidido.
4.ª A sucessiva e não fundamentada rejeição dos recursos interpostos nestes autos pelo ora recorrente, viola os princípios do Estado de Direito democrático
(art.º 2.º CRP) e as garantias constitucionais de defesa globalmente consideradas, com especial destaque para o direito ao contraditório e ao recurso
(art.º 32.º n.º1 CRP).
5.ª Pelas mesmas razões, a paz jurídica, a certeza e a confiança, princípios estruturantes de um qualquer Estado de direito democrático, estão postos em crise ao negar-se o direito ao contraditório e ao recurso como incompreensivelmente tem vindo a ser feito nestes autos ao ora recorrente .
6.ª Por forma a combater com justiça os inerentes excessos, que caracterizam a natureza do processo, os limites legais deste ramo do direito, impõem-se do mesmo modo, quer a quem propõe a acção, quer a quem julga, quer a quem se defende, não podendo ser violados por qualquer destes intervenientes processuais, como nestes autos desde a segunda à última instância.
7.ª Assim, dando provimento a este recurso, deverão ser julgadas nulas, ineficazes e inconstitucionais todas e cada uma das decisões subsequentes ao Despacho de folhas , que ordenou a subida dos autos da primeira instância para o STJ, por violação reiterada e sucessiva dos artigos 2.º da CRP e ainda com fundamento em expressa contradição com o Doutamente Decidido por este Alto Tribunal no Acórdão 440/94 deste Alto Tribunal de 7.JUN.94 (P.º 510/92 1.ª Secção), ordenando-se a realização do julgamento no Tribunal da Relação de Coimbra de conformidade com o juízo de inconstitucionalidade enunciando na precedente minuta de recurso que integralmente aqui se reitera.
Por cautela, o recorrente – embora entenda que não é necessário dizê-lo expressamente –, reitera o interesse na apreciação de todos e cada um dos recursos anteriormente interpostos.»
5. O requerimento agora apresentado – e que se trata como reclamação, via adequada de reacção contra o despacho impugnado – em nada abala as razões que justificaram o despacho de não admissão de fls. 493, que o Plenário confirma.
Apenas se acrescentam duas notas.
Em primeiro lugar, para reiterar que, como se disse já na decisão sumária de fls. 435, o recurso de constitucionalidade, tal como a Constituição o concebeu e a lei o definiu, destina-se a que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição de normas, e não das próprias decisões que as tenham aplicado (ou recusado aplicar) – artigos 280º da Constituição e 70º da Lei nº 28/82. A pretensão dos recorrentes de que o Tribunal Constitucional admita a interposição de um recurso atípico, destinado à apreciação de decisões transitadas em julgado acusadas de inconstitucionalidade, esbarra, assim, desde logo, com a configuração constitucional do objecto de um recurso de constitucionalidade.
Em segundo lugar, e na sequência do que acaba de ser dito, para observar que as considerações agora apresentadas não têm cabimento no âmbito de um recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 79º-D da Lei nº 28/82; o seu acolhimento conduziria a que fosse aberta nova via de recurso, em repetição da que foi já utilizada com o recurso interposto a fls. 583.
6. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso interposto para o plenário.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 10 de Novembro de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Maria João Antunes Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Paulo Mota Pinto Artur Maurício