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Processo n.º 834/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 285 e seguintes, foi proferida decisão sumária em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma que resulta dos artigos 6º, n.º 1, e
113º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) – nos termos da qual o recurso de decisão sobre pedido de suspensão da eficácia de acto contenciosamente impugnado é interposto mediante requerimento que inclua ou junte a respectiva alegação, sendo que o prazo para a interposição do recurso corre em férias, por se tratar de processo urgente – e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para este Tribunal por A..
Na decisão sumária referida – que se fundamentou em jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos n.ºs 222/2000,
588/2000 e 439/2004, transcritos na parte relevante –, o Tribunal concluiu:
“[...]
A fundamentação constante dos acórdãos mencionados vale inteiramente para o caso dos autos.
Perante a jurisprudência invocada – que essencialmente diz respeito a matéria de processo administrativo e tributário, não incluindo portanto a referência expressa a acórdãos que trataram de questões paralelas noutros sectores do direito processual –, conclui-se que o regime constante dos artigos
6º, n.º 1, e 113º, n.º 1, da LPTA não diminui intoleravelmente as garantias processuais da recorrente, nem implica um cerceamento das suas possibilidades de defesa que seja de considerar desproporcionado ou intolerável: a solução processual que nessa norma se consagra não só decorre da liberdade de conformação do legislador no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, como também obedece a objectivos de celeridade e economia processual. Acresce que não se vê no prazo concretamente fixado para a apresentação de alegações (dez dias, contados da notificação da decisão recorrida, sem suspensão durante as férias judiciais) um encurtamento que se repercuta no adequado exercício do direito da recorrente de modo a retirar-lhe a possibilidade de uma tutela jurisdicional efectiva. Não pode, por isso, afirmar-se que os referidos objectivos de celeridade e economia processual sejam alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa.
O presente processo – que é um processo de suspensão de eficácia de um acto contenciosamente impugnado – tem, na respectiva jurisdição, a natureza de urgente e os respectivos prazos correm nas férias. Essa natureza do processo não é estabelecida apenas no interesse da Administração; constitui também uma garantia dos administrados, tendo em vista a paralisação temporária dos efeitos jurídicos de actos administrativos que tenham sido contenciosamente impugnados. Como aliás se sublinha na decisão recorrida, «a urgência do processado, nos casos que o legislador ordinário definiu, tem subjacente um maior grau de eficácia na realização da justiça, atendendo aos valores e conflitos em presença e à particularidade da questão material decidenda».
Em suma, a solução consagrada não é constitucionalmente censurável, quando confrontada com os artigos 9º, alínea b), e 20º da Constituição da República Portuguesa, ou com os princípios constitucionais da igualdade, do direito ao recurso e do acesso ao direito, invocados pela recorrente.
[...].”
2. Notificada dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei deste Tribunal (requerimento de fls. 304 e seguintes), concluindo do seguinte modo:
“[...] A) Salvo o devido respeito, a jurisprudência anterior a que a douta decisão sumária se reportou e em que se alicerçou não contempla a questão de constitucionalidade suscitada. B) Ainda que o encurtamento do prazo para alegar e sua fixação em apenas 10 dias prevista no artº 113° n.° 1 da L.P.T.A. só por si não cerceie de forma desproporcionada ou intolerável as possibilidades de defesa da recorrente, a sua configuração com o disposto no art° 6° n.° 1 da mesma Lei, na medida em que o decurso daquele prazo não se suspenda durante as férias judiciais, é susceptível de diminuir de forma inaceitável as garantias processuais da recorrente quando tal prazo coincida e decorra total ou parcialmente em férias judiciais. C) Se concretamente interpretadas e aplicadas nos referidos termos, como foram, as mencionadas normas da L.P.T.A. violam os artºs 9° al. b) e 20° n.° 1 da Constituição da República bem como os princípios constitucionais da igualdade, do direito ao recurso e do acesso ao direito. D) Termos em que, assim decidindo, Vossas Excelências farão a habitual Justiça.
[...].”.
3. O recorrido Secretário de Estado da Justiça respondeu à reclamação apresentada através do requerimento de fls. 312 e seguintes, pronunciando-se no sentido de que a mesma deveria ser indeferida e formulando as seguintes conclusões:
“[...] a) O recurso em causa foi interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artº 70° da Lei n.° 28/82, de 15/11, pelo que aquele Tribunal apenas podia conhecer da constitucionalidade da norma que se extrai dos artigos 6° n.° 1 e 113° n.° 1 da LPTA, porquanto só essa foi aplicada na decisão recorrida. b) E foi precisamente isso o que fez a decisão ora reclamada, que se limitou, e bem, a julgar no estrito cumprimento desse comando, tendo conhecido, em toda a sua extensão e sentido, o pedido formulado pela recorrente. c) Ora, o artigo 113° da LPTA em nada compromete os valores constitucionais ao prescrever, em caso de recurso de decisão sobre suspensão da eficácia do acto recorrido, um prazo curto que se compagina, aliás, perfeitamente com a natureza urgente do procedimento em causa, prescrito no n.° 1 do artigo 6° do mesmo diploma legal. d) Natureza essa que exige uma aceleração processual que impõe, por um lado, um prazo curto e, por outro, que esse prazo não possa ser interrompido durante as férias judiciais. e) Este procedimento encontra-se, de resto, plenamente justificado pelo facto de a suspensão da eficácia ocasionar, enquanto tal, uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos do acto administrativo, prolongando uma situação de incerteza que importa terminar o mais breve possível, tanto no interesse da Administração como dos administrados; f) Foi precisamente por esta razão que o legislador dos artigos 6° n.° 1 e 113° n.° 1 da LPTA entendeu que, em sede de suspensão da eficácia do acto administrativo, os prazos teriam que ser reduzidos e não poderiam ser interrompidos pelo decurso das férias judiciais. g) Consequentemente, como sublinha a douta decisão, ora reclamada, o regime constante dos artigos 6° n.° 1 e 113° n.° 1 da LPTA, aplicável indiferentemente ao requerente e ao requerido, não diminuiu em nada as garantias processuais da reclamante, nem implicou um cerceamento das suas possibilidades de defesa que possa ser considerado desproporcional ou intolerável. h) A solução processual que decorre dos artigos 6° n.° 1 e 113° n.° 1 da LPTA consagra unicamente a liberdade de conformação do legislador ao estabelecimento das regras sobre recurso, em cada ramo processual, ao mesmo tempo que satisfaz os objectivos de celeridade e economia processual; i) Por outro lado, e independentemente da abordagem, ou não, pelos Acórdãos citados na decisão reclamada da conjugação da redução do prazo de recurso em causa com o seu decurso em férias, é incontornável que o reclamado aresto do T.C. se debruçou sobre a questão, j) não só ao conjugar como faz, logo no início, os preceitos dos artigos 6° n.°
1 e 113° n.° 1 da LPTA, numa única norma, como ao dizer explicitamente que «o presente processo é um processo de [suspensão da] eficácia de um acto contenciosamente impugnado, tem na respectiva jurisdição a natureza de urgente e os seus prazos correm em férias». k) Pelo que, e como inequivocamente conclui a douta decisão, ora reclamada, a solução consignada nos artigos 6° n.° 1 e 113° n.° 1 da LPTA não configura qualquer inconstitucionalidade, quando confrontada com os artigos 9° alínea b) e
26° da C.R.P., ou com os princípios constitucionais da igualdade, do direito ao recurso e do acesso aos tribunais que, de resto, «in casu» não foram minimamente beliscados. Termos em que deve ser mantida a douta decisão reclamada e negado provimento à presente reclamação para a Conferência.
[...].”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso, fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão de inconstitucionalidade normativa identificada pela recorrente.
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal”.
5. Na reclamação que deduziu ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo 78º-A da LTC, a reclamante, depois de afirmar que “a jurisprudência anterior a que a douta decisão sumária se reportou e em que se alicerçou não contempla a questão de constitucionalidade suscitada” (cfr. conclusão A) da reclamação), veio reiterar a sua opinião no sentido da inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 6º, n.º 1, e 113º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, por violação dos artigos 9°, alínea b), e 20°, n.° 1, da Constituição da República bem como dos princípios constitucionais da igualdade, do direito ao recurso e do acesso ao direito (cfr. conclusões B) e C) da reclamação).
Importa começar por sublinhar que um dos acórdãos para que remeteu a decisão sumária reclamada – o Acórdão n.º 222/2000 (publicado no Diário da República, II, n.º 237, de 13 de Outubro de 2000, p. 16598 s) – expressamente considerou a norma contida no artigo 113º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos em conjugação com o princípio afirmado no artigo 6º, n.º 1, da mesma Lei.
Por outro lado, não existe qualquer dúvida de que a norma enunciada no artigo 113º, n.º 1, da LPTA, relativa ao modo de interposição e ao prazo do recurso da decisão sobre pedido de suspensão da eficácia de acto contenciosamente impugnado, tem sempre de ser lida em conjunto com a norma do artigo 6º, n.º 1, da LPTA, que qualifica como “urgentes”, entre outros, os processos relativos à “suspensão da eficácia dos actos impugnados contenciosamente”, determinando que tais processos corram em férias.
Ora, no mencionado Acórdão n.º 222/2000, o Tribunal Constitucional afirmou, a certo passo:
“[...] Não se considera, porém, que o prazo de 10 dias previsto no artigo 113º, comprometa os valores constitucionais convocados, mesmo que se confronte com o prazo de 30 dias estabelecido por via do artigo 106º do mesmo diploma. Na verdade, e por um lado, a consagração legal de um prazo mais curto compagina-se com a natureza urgente do tipo de procedimento em causa, atribuída pelo n.º 1 do artigo 6º da LPTA, e foi, de resto, nesse sentido que se orientou a decisão recorrida ao entender impor-se uma aceleração processual a implicar a redução dos prazos de movimentação, vista, decisão e interposição dos recurso – artigos 78º e 113º do diploma – sem, no entanto, considerar estar-se perante uma redução constitucionalmente censurável. Compreende-se esta tramitação abreviada: a suspensão de eficácia é uma medida de carácter excepcional que, enquanto tal, ocasiona uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos do acto administrativo, prolongando um estado de incerteza que importa ser o mais breve possível, seja no interesse da Administração, seja no dos administrados. Por outro lado, não se surpreende no prazo fixado desproporção que se repercuta no adequado exercício do direito do recorrente de modo a afectar-lhe quer as garantias de defesa, quer a tutela jurisdicional efectiva. Se a unificação do acto de interposição do recurso e da fundamentação desde já se filiam no propósito de celeridade e de economia processuais que se quis imprimir em matéria de recursos sobre suspensão de eficácia [...], o encurtamento decretado pela norma em sindicância obedece ao mesmo objectivo e decorre da liberdade de conformação do legislador, encontrando-se suficientemente ancorado em termos de razoabilidade e de consonância com o sistema jurídico, o que lhe confere fundamento material.
3. A idêntico juízo negativo se chega se equacionada uma eventual violação do princípio da igualdade – questão não suscitada pela recorrente mas que o Tribunal pode conhecer, nos termos do artigo 79º-C da Lei n.º 28/82 (redacção da Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro). Como é consabido, o princípio da igualdade não impede o legislador de estabelecer tratamentos diferenciados. O que proíbe é a criação de desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional e, por outro lado, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for (a jurisprudência constitucional é, a este respeito, exaustiva e uniforme: cfr., inter alia, os Acórdãos n.ºs 231/94 e 49/95, publicados no Diário da República, I Série-A, de 28 de Abril de 1994, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., págs. 413 e segs., respectivamente). Ora, no caso sub judice, não há uma «pura e simples diferença de tratamento»: existem, como vimos, fundamentos justificativos da diferenciação de prazos consagrada na LPTA. Assim, também neste enfoque – o do artigo 13º da CR – não se verifica ser caso de censura jurídico-constitucional.
[...].”.
O acórdão a que acaba de fazer-se referência insere-se na jurisprudência deste Tribunal, firmada em numerosas ocasiões, a propósito de normas que estabelecem regimes paralelos ao que é questionado nos presentes autos: o Tribunal tem reconhecido a liberdade de conformação do legislador no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual e tem admitido, concretamente, o encurtamento de prazos processuais com fundamento em objectivos de celeridade e economia processual.
Também agora se conclui que a solução processual contida nos artigos
6º, n.º 1, e 113º, n.º 1, da LPTA não é constitucionalmente censurável.
Como se concluiu na decisão sumária reclamada, “não se vê no prazo concretamente fixado para a apresentação de alegações (dez dias, contados da notificação da decisão recorrida, sem suspensão durante as férias judiciais) um encurtamento que se repercuta no adequado exercício do direito da recorrente de modo a retirar-lhe a possibilidade de uma tutela jurisdicional efectiva. Não pode, por isso, afirmar-se que os referidos objectivos de celeridade e economia processual sejam alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa”.
6. Na reclamação agora deduzida, não aduz a reclamante qualquer argumento novo, que não tenha sido considerado nos acórdãos em que se firmou a jurisprudência seguida, e que seja susceptível de alterar o sentido da posição adoptada pelo Tribunal Constitucional.
Não sendo invocado na reclamação qualquer argumento novo, susceptível de pôr em causa a conclusão de não inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 6º, n.º 1, e 113º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 23 de Novembro de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos