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Processo n.º 902/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 8 de Novembro de 2004 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:-
“1. Nos autos de expropriação por utilidade pública em que figuram, como expropriante, A., e, como expropriados, B. e marido, C., foi, em 10 de Agosto de 2002, proferida sentença pelo Juiz do 3º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Setúbal, fixando em € 42.421 a indemnização a atribuir aos expropriados.
Nessa sentença, a dado passo, escreveu-se:-
‘.................................................................................................................................................................................................................................................
Entenderam os Srs. Peritos aplicar o art. 23.º n.º 4 do Cexp., e em consequência deduzir ao montante indemnizatório a diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de Contribuição Autárquica e aquelas que os expropriados teriam efectivamente pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos.
Mas será que o poderiam ter feito? Nomeadamente, será minimamente razoável que, sendo a Contribuição Autárquica uma receita municipal, se esteja aqui a beneficiar a A., que nada tem a ver com uma autarquia local?
Luís Prestrelo de Oliveira, loc. cit., a págs 93, chama desde logo a atenção para a necessidade de uma interpretação restritiva deste preceito, afirmando que «só poderá funcionar quando a entidade expropriante seja um município e o prédio expropriado se localize na respectiva circunscrição.» De forma bem mais desenvolvida, Fernando Alves Correia, loc. cit,, desta vez no ano
133.º, n.ºs 3913 e 3914, a págs. 116/117, esclarece essa interpretação restritiva pelo modo seguinte:-
«Estamos perante uma norma fiscal espúria enxertada no Código das Expropriações, que suscita várias perplexidades. A primeira diz respeito ao seu
âmbito de aplicação. O texto da norma parece indicar que ela abrange todas e quaisquer expropriações de prédios urbanos e rústicos, qualquer que seja a entidade beneficiária da expropriação (o Estado, um ente público institucional, um município ou mesmo um sujeito jurídico-privado). Mas tal interpretação seria de todo incompreensível. De facto, sendo a contribuição autárquica um imposto de natureza local, no sentido de que constitui uma receita municipal (ainda que o mesmo seja lançado e cobrado pelo Estado), que incide sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, não faria sentido que o Estado, um instituto público ou empresa privada, enquanto beneficiários de uma expropriação, deduzissem na indemnização a pagar ao expropriado a ‘diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos’. Entendemos, por isso, que a norma só pode aplicar-se às expropriações cuja entidade beneficiária seja um município e que tenham como objecto prédios localizados na respectiva circunscrição territorial.»
Atendendo a esta interpretação - e outra não nos parece possível, sob pena de se estar a beneficiar entidades que não são as destinatárias do imposto em causa - entendemos não ser aplicável ao caso dos autos o referido no n.º 4 do art. 23.º do CExp., pelo que aos valores acima obtidos não se operará qualquer dedução.
O que evita, assim, a declaração de inconstitucionalidade daquele preceito - e ele sofre, na verdade, desse vício, quer porque viola o princípio da irretroactividade da lei fiscal, expressamente consagrado no art. 103.º n.º 3 da Constituição; quer ainda o princípio da igualdade fiscal, permitindo que pessoas em situações iguais paguem impostos desiguais, só porque uma foi afectada por uma expropriação e a outra não; quer impondo uma indemnização inferior ao valor de mercado, violando assim o art. 62.º n.º 2 da Lei Fundamental; quer impondo uma situação de desfavor, sem fundamento material, relativamente a outros expropriados, a quem não se tenha exigido igual dedução, por não ser expropriante um município. Para melhor desenvolvimento destas questões, vide Fernando Alves Correia, loc. cit., págs. 117 a 119.
.................................................................................................................................................................................................................................................’
Inconformada, apelou a A. para o Tribunal da Relação de Évora, recorrendo também subordinadamente os expropriados.
Na alegação adrede produzida, a expropriante, no que ora releva, disse:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
41 - O Meritíssimo Juiz considerou inconstitucional a norma do nº 4 do artº 23º do C.E. ao não determinar a sua não aplicação ao caso dos autos.
42 - Entende, contudo, a ora apelante que a referida norma não é inconstitucional, não assistindo, também aqui, qualquer fundamento para se ter decidido como o fez a sentença recorrida.
43 - Efectivamente, o citado nº 4 do artº 23º trata de um critério de delimitação da medida da indemnização: a norma não está a aplicar taxas, limitando-se através de cálculo aritmético, a deduzir no valor encontrado pelos peritos avaliadores correspondente ao bem expropriado, certas quantias diferenciais que permitam fixar uma justa indemnização.
.............................................................................................................................................................................................................................................. Conclusões
.............................................................................................................................................................................................................................................. O - Errou a sentença recorrida ao não aplicar o nº 4 do artº 23º do C.E., não deduzindo à indemnização o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que os expropriados teriam pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos. P - Não sendo a norma do nº 4 do artº 23º do C.E. uma norma de natureza fiscal, deve a mesma ser aplicável a todos os expropriantes e não apenas às autarquias locais que ficariam, assim, beneficiadas com os pagamentos devidos pelas expropriações, violando-se assim o princípio da igualdade quer no que respeita
às pessoas que em situações iguais recebiam indemnizações diferentes, quer no que respeita às entidades pagadoras das indemnizações.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 30 de Outubro de 2003, julgou parcialmente procedente a apelação da expropriante e improcedente a apelação dos expropriados.
Desse aresto respigam-se as seguintes asserções, no que interessa ao vertente recurso de constitucionalidade:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
A expropriante insurge-se também quanto à não dedução ao valor da indemnização do diferencial de contribuições autárquicas previst[o] no n.º 4 do art.º 23º do CE, que dispõe:
..............................................................................................................................................................................................................................................
No laudo pericial, foi feita, a esse título, a dedução de 1.767,81 € ao valor da indemnização, atendendo ao valor patrimonial correspondente às parcelas (de 0,19 €) e ao valor de indemnização das mesmas (aí calculado em
29.466,74 €) - ver fls. 199 e 200.
Posição que não foi seguida, na sentença, com a seguinte fundamentação:
..............................................................................................................................................................................................................................................
Temos que convir que é duvidosa a solução sobre a bondade ou não da interpretação restritiva acima referida e sobre a constitucionalidade ou não da norma do n.º 4 do art.º 23º.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Entendemos que o n.º 4 do art.º 23º é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13 da Constituição, com inerentes reflexos na fixação da justa indemnização (prevista no art.º 62º, n.º 2 da mesma).
Isto pelas seguintes razões:
Como já dissemos, a expropriação por utilidade pública impõe o pagamento de justa indemnização que, como resulta da lei, corresponde ao valor de mercado normal ou habitual do bem expropriado, sem ponderação, portanto, de factores especulativos (neste sentido, Alves Correia, ob. cit., n.º 3905 e 3906, pág. 233, e n.ºs 3913 e 3914, pág. 119).
E esse valor de mercado equivale, tendencialmente, ao valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado (Alves Correia, ob. cit., referida pág. 233).
Ora, a aplicar-se o n.º 4 do art.º 23º isso redundaria numa desigualdade de tratamento, injustificada, do expropriado em relação aos demais titulares de imóveis que os tenham vendido e obtido o referido preço de mercado e que não estão sujeitos ao ‘abatimento’ ou ‘pagamento’ obrigatório ou imperativo previsto nesse n.º 4.
Isso porque, sem razão fundamentada para tal, o expropriado veria a sua indemnização reduzida do montante correspondente ao diferencial das contribuições autárquicas referentes aos últimos 5 anos, nos termos da referida norma, sem que haja norma legal que imponha igual sujeição relativamente aos vendedores de imóveis.
E essa igualdade não é desfeita por eventual simples possibilidade - que não imperativo - de a Administração Fiscal fazer uma correcção dos valores matriciais do prédio vendido e ainda que essa correcção dite a revisão da liquidação da contribuição autárquica para os anos anteriores à venda, mesmo que os 5 anos anteriores.
É que sujeição obrigatória a essa dedução não é igual a simples possibilidade de dedução.
Doutra forma, o expropriado (e para o efeito que nos ocupa, a expropriação equivale, no fundo, no essencial, a ‘uma venda forçada’) via a sua posição agravada em relação ao proprietário que vendesse o seu imóvel por preço superior ao valor matricial ou patrimonial, dado que ele expropriado via absorvida pela apontada ‘dedução’ parte da justa indemnização, o que não acontecia ou podia não acontecer com o proprietário-vendedor.
E, assim, sendo inconstitucional, a norma em causa não é aplicável, não havendo lugar à dedução nela prevista.
Diga-se aqui que não aderimos à interpretação restritiva defendida na sentença.
A letra da norma não indicia minimamente que a lei tenha querido limitar a sua aplicação às hipóteses em que fossem expropriantes os Municípios, beneficiários das respectivas contribuições autárquicas.
O seu teor literal está formulado em termos amplos, consentindo a sua aplicação seja quem forem os expropriantes.
Por outro lado, a norma não está formulada em termos da sua aplicação necessitar de um processamento no quadro da liquidação da contribuição autárquica e de projectar a sua eficácia na respectiva relação fiscal, com reflexos na liquidação e cobrança de tal imposto.
Doutra forma, era legítimo esperar que o legislador se exprimisse com outra clareza, deixando pistas mínimas que fossem no sentido que pretendia, o que não acontece.
A aplicação prevista para a norma em causa limitava-se ao mero quadro do processo de expropriação, reconduzindo-se, no fundo, a um meio de reduzir o montante indemnizatório devido pela expropriação, à semelhança do que se passa com outras situações previstas na lei - por exemplo, as referidas nos n.ºs 2 do art.º 23 e nos já mencionados n.ºs 9 e 10 do art.º 26º e também no nº 8 deste
(ao prever que seja deduzido o acréscimo do custo de construção resultante das especiais condições do local).
E afigura-se-nos que não é de estranhar que o benefício da dedução do diferencial das contribuições autárquicas pudesse aproveitar a entidades expropriantes que não aos Municípios, v.g. ao Estado, seus serviços personalizados, institutos públicos ou mesmo empresas públicas.
É que não se está, a nosso ver, perante uma situação de verdadeira e própria liquidação e cobrança de um imposto, em termos de o respectivo montante ter de ser atribuído ao seu beneficiário - que, no caso, seria o respectivo Município -, mas de uma dedução ao montante indemnizatório explicada por razões que se reconduzem, de alguma forma, à ideia de ‘injustiça’ ou de ‘enriquecimento injusto’ se o expropriado beneficiasse desse diferencial, não sendo de esquecer, por outro lado, que entre o Estado e as referidas entidades expropriantes existem relações orçamentais, contribuindo o Estado com verbas para a satisfação das funções públicas dessas outras entidades, entre as quais se incluem, eventualmente, as referentes às expropriações por utilidade pública em que estas figuram como expropriantes.
Essas razões de cunho pragmático ou prático, que não se reconduzem a construções dogmáticas ou conceptualistas - e não se vê obstáculo a que a lei o possa fazer - explicam, a nosso ver, a opção seguida no n.º 4 do art.º 23º do C.E.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Do acórdão de que parte se encontra extractada intentou a A. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, no respectivo requerimento de interposição, dito:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ Dispõe o nº 5 do artº 66 do Código das Expropriações que, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do ac[ó]dão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida. No caso em apreço, o que se discute e motivou a interposição do presente recurso
é saber se o nº 4 do artº 23º do C.E. enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da irretroactividade da lei fiscal, o que consubstancia no entendimento da recorrente uma questão de direito material que deverá ser apreciada por esse Supremo Tribunal. O nº 5 do artº 66º do C.E. apenas proíbe o recurso do ac[ó]rdão do Tribunal da Relação no que respeita ao valor da indemnização, sendo que o que se encontra em discussão no âmbito do presente recurso - a inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23º do Código das Expropriações - é uma questão de direito substantivo que não tem a ver com o valor da indemnização devida pela expropriação. Assim, entende a recorrente que não se encontram excluídos os recursos de revista em processos de expropriação, desde que não versem sobre o valor da indemnização e tenham por fundamento violação da lei substantiva e o valor da causa exceda a alçada do Tribunal da Relação. Acresce, ainda, que a inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23º do C.E. apenas foi levantada no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação, pelo que, no que respeita ao julgamento da presente questão, nos encontramos ainda no segundo grau de jurisdicionalidade permitido por lei. A intenção do legislador ao estabelecer a previsão constante do nº 5 do artº 66º do C.E. foi a de não se justificar a existência de quatro graus de jurisdição facto que, na situação em apreço, não se verifica dado que a questão equacionada não foi apreciada nem discutida no âmbito da decisão arbitral.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Todavia, por despacho lavrado em 13 de Julho de 2004 pelo Conselheiro Relator daquele Alto Tribunal, do objecto de tal recurso não foi tomado conhecimento.
As razões carreadas para um tal decisão foram as seguintes:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Inconformada, pede a A. revista para este Supremo Tribunal.
Só que, como já deixámos expresso no despacho anterior, este pretendido recurso não é admissível.
Admiti-lo seria admitir uma quarta instância de conhecimento contra a regra expressa do nº 5 do art. 66º do CExpropriações99 - ... não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.
Tanto mais que não estamos aqui perante qualquer dos casos previstos no art. 678º, nºs 2,3,4 e 6 do CPCivil, os ressalvados em tal artigo - Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso ...
Neste sentido vai a jurisprudência deste Supremo Tribunal - vejam-se, por mais recentes, os acórdãos de 25 de Fevereiro de 2003, da 1ª secção, e de 26 de Junho de 2003 e 23 de Outubro de 2003, todos da 2ª secção.
Já assim foi dito, no domínio do CExpropriações91, pelo Assento de 30 de Maio de 1995, que só veio a ser publicado em DR de 15 de Maio de 1997, como Assento nº 10/97 - o CExpropriações91 consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida. E não se vê razão para que se deva alterar tal entendimento, à luz da disposição do nº 5 do art. 66º do CExpropriações99.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificada desse despacho, fez a A. juntar aos autos requerimento, dirigido ao ‘Doutor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça’, com o seguinte teor:-
‘A., nos autos de expropriação por utilidade pública em que são expropriados B. e marido vêm, ao abrigo do disposto nos art°s 70º nº 1 al. a) e 72° nº 1 al. b) ambos da Lei 28/82, de 15 de Novembro na redacção dada pela Lei n° 88/95, de 1 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos:
1 – Por douta sentença proferida em 10 de Outubro de 2002, o Tribunal Judicial de Setúbal fixou em EUR 42.471,00 a indemnização a atribuir aos expropriados tendo, ainda, entendido não ser aplicável o nº 4 do artº 23° do Código das Expropriações (C.E.) o que evitaria a:
‘... declaração de inconstitucionalidade do preceito que sofre, na verdade desse vício, quer porque viola o princípio da irretroactividade da lei fiscal, expressamente consagrado no art° 103° n° 3 da Constituição, quer ainda o princípio da igualdade fiscal, permitindo que pessoas em situações iguais paguem impostos desiguais, só porque uma foi afectada por uma expropriação e a outra não (...) violando assim o art° 62° nº 2 da Lei Fundamental...’
2 – Inconformada com a decisão proferida, veio a entidade expropriante interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora tendo sustentado que essa instância de recurso se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade levantada e aplicada pelo douto ‘Tribunal a quo’.
3 - Nas alegações de recurso, a expropriante sustentou a constitucionalidade do nº 4 do art° 23° do C.E por considerar que o mesmo se limita a deduzir, ao valor do bem expropriado, certas quantias diferenciais que permitem fixar a justa indemnização.
4 - Por douto acórdão proferido a fls. 331 e 346, o Tribunal da Relação de Évora acordou em confirmar a sentença recorrida entendendo, ainda, que:
‘... o nº 4 do art° 23° é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no art° 13° da Constituição, com inerentes reflexos na
.fixação da justa indemnização...’
5 – Inconformada, mais uma vez, veio a entidade expropriante interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação da questão da inconstitucionalidade do nº 4 do art° 23° do C.E.
6 – Por despacho de fls. 357, o Tribunal da Relação de Évora entendeu admitir, por tempestivo e legal, o recurso interposto com efeito devolutivo.
7 – Por despacho de 13 de Julho último, veio o Supremo Tribunal de Justiça concluir pela não admissão do recurso por entender que se estaria perante uma quarta instância de conhecimento em clara oposição com o nº 5 do artº 66 do C.E., o que na realidade não acontece por a questão em apreço respeitar apenas à inconstitucionalidade de um preceito, e por não se vislumbrar qualquer uma das situações previstas no artº 678° nºs 2, 3, 4 e 6 do C.P.C.
8 – A recorrente, inconformada com a não apreciação da inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23° do C.E. por parte desse Tribunal Superior, pretende agora interpor recurso para Tribunal Constitucional uma vez que, sendo a referida norma constitucional, não existe fundamento para que o Tribunal da Relação de
Évora a excluísse do cálculo da justa indemnização a fixar em processo expropriativo.
9 – A interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Évora ao supra citado preceito violou, assim, o princípio da igualdade consagrado no artº 13° da CRP, conduzindo à fixação de um montante indemnizatório desproporcionado relativamente ao valor do bem expropriado.
10 – E, por isso, aquele Tribunal manteve uma distorção que não deveria existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação devida, não assegurando, desse modo, uma igualdade de tratamento perante as demais entidades expropriantes. Assim, porque está em tempo e tem legitimidade, requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso para o Tribunal Constitucional atentas as disposições conjugadas dos artºs 70° n° 1 al. a), 71° e art° 72° nº 1 al. b) todas da Lei n°
28/82, de15 de Novembro na redacção dada pela Lei n° 88/95, de 1 de Setembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23º do Código das Expropriações’.
O recurso interposto pelo transcrito requerimento foi admitido por despacho proferido em 3 de Outubro de 2004 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal [de Justiça - por lapso, na decisão reclamada escreveu-se
“Administrativo”].
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), profere-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto do presente recurso.
Em primeiro lugar, pode desde logo sustentar-se que do requerimento de interposição de recurso resulta que aquilo que a impugnante pretende submeter à apreciação deste Tribunal é a decisão tomada nestes autos no Supremo Tribunal de Justiça e que, como se viu, foi a ínsita no despacho de 13 de Julho de 2004, prolatado pelo Conselheiro Relator daquele Supremo (neste sentido, atente-se no que foi referido no item 8 do requerimento de interposição de recurso, quando aí se menciona ‘inconformada com a não apreciação da inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23° do C.E. por parte desse Tribunal Superior, pretende agora interpor recurso para Tribunal Constitucional’ - negrito agora aposto - e, bem assim, na circunstância de tal requerimento ser dirigido ao ‘Doutor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça’).
Nesta visão das coisas, é por demais evidente que a norma constante do nº 4 do artº 23º do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro (recte, a recusa da respectiva aplicação com fundamento em contraditoriedade com normas ou princípios constitucionais), não constituiu ratio juris da decisão contida no despacho de 13 de Julho de 2004.
Na verdade, a razão de ser de uma tal decisão residiu, e tão só, numa forma de interpretação do normativo vertido no nº 5 do artº 66º do citado Código.
Neste contexto, se, efectivamente, o recurso para o Tribunal Constitucional tivesse por escopo a apreciação da decisão tomada no Supremo Tribunal de Justiça, não seria possível tomar-se conhecimento do recurso.
2.1. Poderia, porém, com alguma benevolência (desconsiderando-se, assim, o que, nomeadamente, foi dito no item 8 atrás indicado, e desconsiderando-se igualmente o facto de o requerimento de interposição de recurso ser endereçado ao ‘Doutor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça’), sustentar-se que, ao fim e ao resto, o que a recorrente pretenderia era impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão constante do acórdão tirado em 30 de Outubro de 2003 pelo Tribunal da Relação de Évora, o que sucederia após se ter conformado com a decisão que considerou inadmissível o recurso de revista desejado interpor para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nesta hipótese, contudo, o recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa não poderia ter sido admitido, como foi, pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, justamente pela circunstância de não estar em causa uma decisão emitida por esse Tribunal, mas sim pelo Tribunal da Relação de Évora, motivo pelo qual, nesta hipotética situação, a admissão do recurso ocorreu por um Juiz a non domino.
Consequentemente, mesmo nesta postura, não poderia o despacho de admissão vincular este Tribunal.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
É da transcrita decisão que, pela A., vem deduzida reclamação ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82,de 15 de Novembro.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, após intentar historiar os autos, disse a impugnante:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
8 - Inconformada com a não apreciação da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio a recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional para que esta instância se pronuncie em definitivo sobre a questão da inconstitucionalidade do nº 4 do artº 23º do Có[ ]digo das Expropriações.
9 - O que se discute no âmbito do presente recurso, contrariamente ao que pretende a decisão objecto da presente reclamação, é saber se o n° 4 do artº 23° do C.E. enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da irretroactividade da lei fiscal, o que consubstancia no entendimento da recorrente uma questão de direito material que deverá ser apreciada por este Tribunal.
10 - Na decisão sumária proferida, entende o Exmo. Senhor Juíz Conselheiro Relator que o recurso para o Tribunal Constitucional não poderia ter sido admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça porque, afinal, não está em causa uma decisão emitida por esse Tribunal mas por uma outra instância de recurso - Tribunal da Relação de Évora.
11 - O requerimento de recurso é apresentado na secretaria do Tribunal onde se encontra o processo.
12 - Este Tribunal é, no caso do art.º 75° da LTC, aquele que haja proferido a decisão de não admitir o último recurso ordinário interposto, mesmo que se entenda que tal requerimento deve ser dirigido, não ao Tribunal que decidiu não admitir esse recurso, mas sim àquele que proferiu a decisão que nele se impugnava.
13 - É questão da competência do Tribunal judicial, que só este pode apreciar, a de determinar o Tribunal que, nos termos do art.º 76° n° 1 da LTC, deve apreciar a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, no caso de não ter sido admitido o anterior recurso ordinário.
14 - Mesmo que se entenda que o Tribunal competente para o efeito é o Tribunal que proferiu a decisão recorrida (caso em que, no caso concreto, o STJ deveria ter remetido o requerimento de recurso, erradamente a ele dirigido, para o Tribunal da Relação de Évora), e não o que recusou a reapreciação da causa, o Tribunal Constitucional não pode questionar a competência do Tribunal judicial que haja admitido o recurso de constitucionalidade.
15 - O Tribunal Constitucional só pode, na verdade, indeferir o requerimento de interposição de recurso com algum dos fundamentos do art.º 76° n° 2 da LTC, ainda que a decisão tenha sido admitida pelo Tribunal judicial, não lhe sendo lícito pôr em causa a decisão, embora implícita, do Tribunal judicial que proferiu a decisão de admissão sobre a sua própria competência.
16 - Note-se, aliás, que, se essa questão de competência expressamente se tivesse levantado na relação, quem sobre ela decidiria em última instância, antes de o processo ser remetido para o Tribunal Constitucional, seria o STJ.
17 - Note-se, finalmente, que o erro no endereçamento de um requerimento não deve, segundo a jurisprudência corrente, dar lugar ao respectivo indeferimento, mas sim à remessa para o Tribunal competente, pelo que, se o STJ entendesse não ser competente, teria enviado o processo à Relação para esta se pronunciar sobre a admissão do recurso.
18 - Acresce que, em conformidade com o sistema consagrado na ordem jurídica portuguesa quanto à fiscalização concreta da constitucionalidade, todos os tribunais têm competência, nos litígios que tenham de dirimir, para julgar as questões de inconstitucionalidade, reservando-se para o Tribunal Constitucional a competência para, em última instância, julgar as referidas questões por via de recurso.
19- Dispõem, ainda, a al. a) do n° 1 do art.º 280° da Constituição e o art.º 70° n° 1 al. a) da LTC, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade.
20 - A fiscalização concreta da constitucionalidade das normas permite o recurso imediato para o Tribunal Constitucional de decisão judicial que recuse a aplicação de uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade, mas não inviabiliza a possibilidade de se esgotarem todas as vias de recurso admissíveis para a apreciação da questão da constitucionalidade e não preclude, assim, o direito de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
21 - Tratando-se de recurso de uma decisão judicial que recusou a aplicação de uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade, importa distinguir consoante os recorrentes são o Ministério Público ou os restantes intervenientes processuais.
22 - Tratando-se do Ministério Público, a interposição de recurso é obrigatória e feita directamente para o Tribunal Constitucional, ainda que o processo admita outros recursos ordinários - cfr. art.º 280 n° 1 al. a) e n° 3 da Constituição e art° 72° n° 1 al. a) e n° 3 da LTC.
23 - Tratando-se dos restantes intervenientes processuais com legitimidade para recorrer, é conferida a estes a possibilidade de optarem por um de dois recursos: o da constitucionalidade e o ordinário. Se a decisão admitir recurso ordinário, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira - art° 70° n° 6 da LTC. Interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torne definitiva a decisão de não admissão de recurso - art° 75° n° 2 da LTC.
24 - No caso em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o recurso restrito à questão da inconstitucionalidade do n° 4 do art.º 23° do Código das Expropriações já não era admissível, pelo que se deverá possibilitar à recorrente que a questão da inconstitucionalidade seja discutida no órgão de cúpula em matéria de competência relativa à constitucionalidade das normas aplicadas ou mandadas aplicar.
25 - O recurso destas decisões pode, como se referiu, quando seja interposto por qualquer um dos intervenientes processuais que não o Ministério Público, ser feito directamente para o Tribunal Constitucional ou esgotando-se previamente os recursos ordinários admissíveis.
26 - A recorrente entendeu esgotar todas as vias de recurso, sendo que a omissão de pronúncia por parte do Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão da inconstitucionalidade que, como se referiu, carece de fundamento, não pode ser imputada à recorrente e não pode levar a não se apreciar a questão essencial que ainda se encontra em aberto já que existe interesse jurídico relevante no conhecimento dos recursos interpostos de decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade.
27 - Assim, a única solução admissível é a de, em última instância, o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre a arguição da inconstitucionalidade da norma em causa.
28 - A não ser assim, estar-se-iam a violar os princípios constitucionais basilares da tutela jurisdicional efectiva prevista no art.º 20° da Constituição, já que a todo o direito constitucionalmente garantido deve corresponder uma via de recurso adequada, nomeadamente quando a mesma lhe foi negada de forma injustificada.
29 - Bem como o princípio da fiscalização difusa da constitucionalidade que permite a cada Tribunal e instância de recurso conhecer e apreciar de mérito a questão da constitucionalidade das normas.
30 - A única interpretação conforme com a Constituição terá de ser necessariamente a que admite o recurso para o Tribunal Constitucional, mesmo quando uma das instâncias de recurso se tenha recusado a proferir decisão de mérito sobre a questão da inconstitucionalidade”.
Ouvidos os expropriados, nada vieram os mesmos dizer.
Cumpre decidir.
2. Nenhuma razão é aduzida pela ora reclamante que infirme o que consta da decisão sub iudicio.
Aliás, é agora confirmado pela impugnante, no item 8 da sua reclamação, que a decisão pretendida submeter à censura deste Tribunal era o acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, sendo assim, como é, nem sequer se posta uma situação tal como a hipoteticamente delineada na primeira parte do ponto 2.1. da decisão em apreço, pelo que agora se reitera o que ficou consignado dessa decisão no sentido de não haver possibilidade da abertura do recurso de constitucionalidade previsto na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 se a decisão judicial querida impugnar perante o Tribunal Constitucional não desaplicou, por contraditoriedade com a Lei Fundamental, qualquer normativo constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Anotar-se-á, de todo o modo, que é totalmente desprovido de sentido o que, pela reclamante, é agora sustentado nos transcritos items 12 a
15, sendo que, no tocante ao referido no item 17, não compete ao Tribunal Constitucional censurar a actividade desenvolvida pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça consistente em não ter determinado - se porventura tivesse entendido que o requerimento de interposição de recurso era dirigido ao Tribunal da Relação de Évora (e já se viu que um tal entendimento não era possível, atento o que acima se expôs) - que os autos fossem remetidos àquele Tribunal de 2ª Instância para nele se aferir da admissibilidade de um tal recurso.
O que compete a este Tribunal é, isso sim, verificar se o órgão jurisdicional que admitiu o recurso era o competente para tanto, não estando vinculado a um quiçá erróneo juízo sobre a competência que tal órgão se arrogou.
Sublinhe-se, por último, que, tratando-se, como se trata, de um recurso ancorado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82,
é possível à «parte» sobre a qual não impenda a obrigação legal de interposição de recurso recorrer imediatamente para o Tribunal Constitucional da decisão que tiver operado a recusa de aplicação de norma ordinária com fundamento na sua inconstitucionalidade, mesmo nos casos em que essa decisão admita recurso ordinário.
Mas, se não quiser, desde logo, lançar mão desse meio de impugnação, antes optando por interpor recurso ordinário, se, eventualmente, a decisão tomada pelo tribunal superior não tiver recusado a aplicação de qualquer norma com esteio na sua incompatibilidade com a Constituição, então não se encontrará, como se viu acima, aberta a via de recurso de constitucionalidade ao abrigo da indicada alínea.
Este sistema, que deflui expressamente da letra da lei, como é por demais claro, em nada afecta o princípio constitucional do acesso aos tribunais previsto no nº 1 do artigo 20º do Diploma Básico.
Na verdade, tal sistema - pois que permite não só o acesso directo ao Tribunal Constitucional, impugnando-se perante ele uma decisão judicial que ainda admita recurso ordinário, como ainda, se assim se desejar, a efectivação deste recurso, sendo certo que, a ser mantida, na decisão tomada no recurso, a recusa de aplicação operada na decisão judicial impugnada, poderá ainda aí abrir-se a via de recurso prevista na citada alínea a) do nº 1 do artº
70º -, pelo contrário, possibilita a abertura de mais um meio através do qual se pode impugnar uma decisão judicial em que se recusou a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte e cinco unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício