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Processo n.º 130/01 Plenário Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O recorrente A. reclama para o Plenário do Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo relator que não lhe admitiu o recurso interposto para aquele Plenário, com base nas razões expendidas no longo discurso argumentativo, do seguinte teor:
«1. Violação do direito ao 'recurso efectivo' à jurisdição competente
1.1. Os acórdãos antes proferidos nos autos, nesse Tribunal, sob os nºs 182/2004 e 389/2004, e o Despacho acima identificado, violam o direito fundamental do recurso efectivo à jurisdição competente. Com efeito,
1.2. O direito que o recorrente vem pretendendo exercer é um direito fundamental conferido pelas normas do artº 20°, nºs 1 e 4, da Constituição da República
(CRP, doravante): direito à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo para defesa do seu direito fundamental ao bom nome e reputação. Tais normas encontram-se inseridas na Parte I da CRP relativa aos Direitos e Deveres Fundamentais. A doutrina e a jurisprudência constitucionais reconhecem, unanimemente, que, apesar de incluído no Título relativo aos princípios gerais, os nºs 1 e 4 do citado artº 20º, consagram verdadeiros direitos subjectivos. Neste sentido, Ac. n° 62/91, DR II S, de 19.4.91, e doutrina nele invocada dos Profºs Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jorge Miranda e Vieira de Andrade. No mesmo sentido, entre outros, Acs. 86/88, DR, II S, de 22.8.88, 163/90, DR II S, de 18.10.91, 444/91, DR II S, de 2.4.92, 52/92, DR I S, de 14.3.92, 529/94, DR II S, de 20.12.94, 140/94, DR II S, de 6.1.95, 271/95, DR II S, de 21.7.95,
299/95, DR II S, de 22.7.95, 960/96, DR II S, de 19.12.96, 690/98, DR II S, de
8.3.99, 202/99, DR II -5, de 6.2.01, 415/01, DR II S, de 30.11.01, 373/02, DR II S, de 3.2.03, 287/03, DR II S, de 12.7.03, 56/03, DR II S, de 18.7.03. Tal direito é o direito a uma decisão de mérito. Nesse sentido, o Preâmbulo do Dec. Lei n° 329-A/95 de 17.12., do qual se transcreve, com a devida vénia, o seguinte: os princípios gerais estruturantes do processo civil em qualquer das suas fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e densificação do princípio constitucional de acesso â justiça. O direito de acesso aos tribunais envolverá, identicamente a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a decisão de forma.
1.3. A interpretação das citadas normas do artº 20° da CRP , tem de fazer-se de acordo com os princípios da máxima efectividade - segundo o qual, nos caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais - e da força normativa da constituição - segundo o qual, na solução dos problemas jurídicos-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para. uma eficácia óptima da lei fundamental (cfr. J. J. Gomes Canoti1ho, Direito Constitucional, 6ª edição, pp. 227 e 229) - o que reforça o entendimento de que o direito em causa é um direito subjectivo a uma decisão de mérito.
1.4. Mas a interpretação das ditas normas, no sentido de conferirem direito a uma decisão de mérito sobre a questão de inconstitucionalidade adequadamente suscitada no Supremo Tribunal de Justiça, conferido pelas disposições conjugadas dos artºs 20°, nºs 1 e 4, e 280°, n° 1 b), da CRP, é, também, imposta pelo artº
16°, n° 2, da mesma. LEI. Com efeito, qualquer que seja a tese acolhida sobre a natureza da imposição normativa consignada neste preceito, nenhum autor põe em dúvida a sua validade constitucional enquanto elemento da metódica interpretativa da Constituição no domínio dos direitos fundamentais.
1.4.1. A sustentar-se, eventualmente, que as normas dos nºs 1 e 2 do artº 20° da CRP, mesmo quando esteja em causa a defesa de um direito fundamental - como é o caso - não conferem direito a uma. decisão de mérito, opõe-se o disposto no artº
8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH, doravante), aplicável ex vi artº 16°, n° 2, da CRP. Neste sentido, Prof.ºs J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, A Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição, Vol. I, p.
159, Jorge Miranda, Estudos Sobre A Constituição, Vol. I, p. 49-61, e A Constituição de 1976, p. 187, João de Castro Mendes, citados Estudos, p. 115, J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976, p. 37, Paulo Otero, O Direito 1990-III-IV, pp. 603 e ss., e Jorge Bacelar de Gouveia, 75 Anos da Coimbra Editora, p. 73. Segundo o disposto no referido artº 8° da DUDH, toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei (cfr. texto do DR 1ª Série de 9 de Março de 1978).
1.4.2. Atento o disposto no artº 8°, n° 2, do Código Civil (CC, doravante) o elemento semântico - recurso efectivo - afasta a possibilidade de se poder interpretar tal direito como mero direito processual instauração de acção em juízo, ou de recurso para uma instância judicial superior.
1.4.3. Mas, o artº 8° da DUDH enquanto Direito Internacional, tem de ser interpretado segundo os critérios próprios deste Direito. O 'elemento gramatical assume neste caso maior preponderância, sendo lícito afirmar-se ser ele aqui o dado nuclear da interpretação' (cfr. Rui Manuel Gens de Moura Ramos, Documentação e Direito Comparado, n° 5, 155/6, nota 120). Os 'elementos como as intenções das partes contratantes e as circunstâncias que rodearam a celebração do Tratado' têm tendência 'para pesar, de forma mais decisiva do que em direito interno' (idem).
1.4.4. Assim; atento o Preâmbulo da dita Declaração, o direito ao recurso efectivo à jurisdição competente, só pode significar a efectiva apreciação da violação invocada, com eliminação de todos obstáculos a uma. decisão jurisdicional sobre os factos a ela relativos.
1.4.5. A correspondência entre o artº 8º da DUDH, e o artº 20º , nº
1, da CRP, encontra-se feita pelo Prof. Jorge Miranda, na supra citada obra e página 187. A correspondência entre aquele artº 8° e o artº 13° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH, doravante) encontra-se feita por Ireneu Cabral Barreto em obra com o mesmo título, 2ª edição, a p. 222. Pronunciando-se sobre tal direito, diz este autor: este recurso deve ser efectivo, em direito e na. prática, isto é, o seu exercício não pode ser perturbado de uma maneira injustificada por actos ou omissões das autoridades do Estado requerido, e oferecendo a possibilidade de superar a violação alegada. Logo acrescentando que tal artigo da CEDH também protege as vítimas dos actos do poder judicial (cfr. p. 223). Ora, é sabido que a CEDH surgiu e visa assegurar a garantia colectiva de certo número de direitos enunciados na Declaração Universal (cfr. Preâmbu1o respectivo). Assim, aquele direito de recurso efectivo à jurisdição competente, a que se referem os artºs 8° da DUDH e 13° da CEDH, tem o valor normativo conferido pelo artº 16°, n° 2, da CRP, pese embora se poder sustentar ter esta última um valor infraconstitucional mas supra legal.
1.5. O direito violado tem, pois, a natureza de direito fundamental constitucionalmente consagrado, e tutelado pela jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nos termos dos artºs 34º e 35º da CEDH.
2. Nulidade do despacho reclamado Por força do disposto no artº 660º, n° 2, do Código de Processo Civil (CPC, doravante), o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Este normativo - que concretiza a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva - é aplicável ao processo de apreciação concreta de constitucionalidade ex vi artº 69° da Lei n° 28/82, de
15.11 (LTC, doravante).
2.1. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente voltou a demonstrar ter arguido atempadamente a inconstitucionalidade da norma aplicada do artº 456° do CPC, ao ter sido sancionado por imputações que nunca antes lhe haviam sido feitas, sem ter sido ouvido sobre as mesmas nem ter tido a possibilidade de sobre elas se haver pronunciado previamente. Fê-lo mediante transcrição do que se encontra exarado a fls 85 dos autos - alegado perante o Supremo Tribunal de Justiça em momento processualmente adequado - que, com a devida vénia, se repete: nem apreciou da inconstitucionalidade dessa norma no segmento em que permite aplicação do artº 456° do CPC, na redacção anterior à reforma de 95/96, uma vez que a decisão do Supremo, nesse âmbito, não é recorrível, privando o condenado do seu direito de defesa em processo equitativo, em violação do disposto no artº 32º, nº 10, da Constituição. Trata-se de omissão de acto imposto por norma constitucional constante de preceito directamente aplicável - o do invocado artº 32° - por força do disposto no artº 18°, n° 1, da CRP, de e que os Acórdãos da secção nºs 182/2004 e
389/2004 se recusaram a tomar conhecimento.
A norma invocada daquele artº 32°, tem de ser interpretada em conformidade com o disposto no artº 11º, da DUDH, segundo qual toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. No mesmo sentido, também, o disposto artº 6° da CEDH, segundo a qual o acusado tem, como mínimo, o direito de ser informado no mais curto prazo, de forma minuciosa, da natureza da acusação contra ele formulada, e de dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa. Tais direitos mínimos integram a garantia constitucional do processo equitativo a que se refere também o artº 20°, n° 4, da Constituição. Segundo Ireneu Cabral Barreto, em anotação ao referido artº 6°, o tribunal tem a obrigação de proceder a um exame efectivo dos meios, argumentos e elementos de provas oferecidas pelas partes (cfr. p. 134). O mesmo processo equitativo é proclamado pela DUDH, no seu artº 10º, nos termos seguintes: toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja equitativamente julgado por um tribunal independente e imparcial.
É neste sentido que tem de ser jurisdicionalmente concretizado o direito ao processo equitativo consagrado nos artºs 20°, n° 4, e 32°, n° 10, da CRP, interpretados na conformidade constitucional dos artºs 8º, 10° e 11 ° da DUDH, e
6° da CEDH, a que o Estado Português se encontra vinculado.
2.1.1. O despacho ora impugnado volta a recusar o conhecimento da alegação supra transcrita: privação do condenado à audição prévia sobre as imputações que lhe são feitas, e ao seu direito de prévia defesa contra elas. Mas, nenhuma das questões de que conheceu prejudica o seu dever de pronúncia sobre esta questão essencial.
2.1.2. Tal questão é, só por si, justificativa da admissão do recurso para o pleno, por se referir a decisão contraditória no domínio de aplicação da mesma norma. Ela é contraditória com as anteriormente tomadas, porque também estas respeitam à arguição de falta de prévia notificação dos respectivos arguidos de imputações que lhes foram feitas com violação do processo equitativo.
2.1.3. A omissão de pronúncia do despacho reclamado, sobre tal questão, implica a sua nulidade, cominada pelo artº 668°, n° 1 d), 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi artº69º da LTC.
2.2. No requerimento de interposição do recurso disse o recorrente - além do mais que, com a devida vénia, se pede seja aqui havido por reproduzido: A imposição constitucional de uniformização da jurisprudência das secções desse Alto Tribunal no domínio de aplicação da mesma norma abrange também a uniformização decisória sobre o conhecimento do recurso tendo por objecto a sua aplicação.
Mais disse o recorrente: Esta interpretação resulta tanto dos supra citados artºs 20º, nºs 1, 4 e 5, e 224º, n° 3, da Constituição, como do disposto no artº
8º da DUDH aplicável ex vi artº 16º, n° 2, da dita LEI. Deste modo, o recorrente pediu a resolução da questão da interpretação ao artº
224°, n° 3, da CRP, em conformidade com o preceituado no artº 16°, n° 2, da mesma, e por via deste, no artº 8° da DUDH. Isto é, o recorrente suscitou a questão de as decisões dos acórdãos nºs 182/2004 e 389/2004, prolatados nos autos, serem contraditórias com os que foram invocados desde logo com relação à questão do conhecimento do recurso. Questão esta contida na norma do artº 224°, n° 3, da CRP.
Tal questão não foi resolvida pelo despacho ora reclamado, e não se encontra. prejudicada pela solução dada a outra. O que significa que o despacho ora reclamado, enferma, também por isso, da nulidade do artº 668º, n° 1 d), primeira parte, do CPC, aplicável ex vi artº 69° da LTC.
2.3 No despacho reclamado é transcrito, do Acórdão n° l82/2004, o texto seguinte: De todo o modo este discurso dos acórdãos recorridos resulta que o fundamento da condenação do recorrente como litigante de má fé e no montante de
100U não está associado. pela decisão recorrida de modo exclusivo ou sequer prevalente ao pedido de passagem de certidão ... Este texto revela, só por si que tal acórdão foi prolatado com pleno conhecimento de que essa foi uma dimensão da norma aplicada, previamente arguido de inconstitucionalidade. Mas, não foi apreciada a questão de tal dimensão ser, só por si, justificativa da admissão do recurso interposto. A falta de resolução de tal questão implica a nulidade do artº 668º, n° 1 d), 1ª parte, do CPC.
2.4. No despacho reclamado é transcrito do Acórdão n° 182/2004, o texto seguinte: mas antes à valoração de um diversificado leque de condutas processuais do recorrente, tidas no decurso da lide, entre elas se apontando, a titulo de mero elemento de uma estratégia de obstaculização do regular andamento do processo, o pedido de passagem de certidão com a menção de que os dois acórdãos haviam transitado em julgado e a insistência no mesmo pedido após o tribunal haver negado a possibilidade de certificar esse trânsito em julgado.
2.4.1. A este respeito, impõe-se dizer: a) O Exmo Relator está ciente de que nunca o recorrente fui ouvido sobre tais generalidades injuriosas e difamatórias; b) Pelo que, não podia, sequer, delas conhecer no despacho reclamado; c) Tendo-o feito, este encontra-se ferido da nulidade do art° 668°, nº 1 d), 2ª parte, do CPC.
2.4.2. A tal respeito, impõe-se, com o respeito devido - que é muito
- por esse Venerando Tribunal, proclamar, em defesa do direito ao bom nome e reputação do recorrente: a) Tais imputações são falsas, não provadas, injuriosas e difamatórias; b) Elas constituem um grave atentado à dignidade humana e profissional do advogado constituído nos autos, que se limitou a requerer uma certidão de peças processuais no exercício legítimo dos seus deveres profissionais, e cuja recusa o prejudicou gravemente no cumprimento dos seus deveres profissionais; c) Nenhum tribunal pode chamar à colação eventuais factos do advogado constituído nos autos, praticados nas instâncias inferiores, que lhe desagradem, mas que não mereceram reparo algum dos ilustres magistrados seus titulares; d) Todos os actos praticados pelo advogado constituído nos autos são conformes à lei, à moral e à deontologia profissional do recorrente;
2.4.3. Sobre a generalidade de tais imputações, cumpre dizer: a) Elas nem sequer são adequadas ao asseguramento do direito do artº 32º, nº 10, da CRP; b) Se o acusado tivesse sido, previamente, mandado ouvir sobre elas, teria requerido que fossem explicitados os factos, o tempo, o lugar e o modo do seu cometimento; c) Sem o que não poderia, sequer, ter-se defendido; d) Logo que o recorrente seja mandado ouvir sobre quaisquer factos concretos predispostos à sua indiciação como infractor à lei ou aos seus deveres deontológicos legais, provará que sempre procedeu noa autos, em estrita conformidade com tais normativos.
2.4.4. O aproveitamento de tais generalidades no Acórdão n° 182/2004 e no despacho ora reclamado, constitui violação do disposto no artº 660º, nº 2,
2ª Parte do CPC, geradora da nulidade cominada no artº 668°, n° 1 d), 2ª parte, do CPC.
3. Violação da norma do artº 224°, n° 3, da CRP.
3.1. Como acima se refere, o Exmo Juiz Relator não resolveu a questão submetida à sua apreciação de serem contraditórias decisões em que, no domínio de aplicação da mesma norma - a do artº 456° do CPC, identificada no requerimento de interposição do recurso e antes sindicada nos acórdãos recorridos em que foi aplicada – numa se recusa a tomar conhecimento de recurso em que ela é arguida de inconstitucional, e em diversas outras se conhece da sua inconstitucionalidade e a reconhece. Importa recordar que: a) a inconstitucionalidade da norma em causa foi adequadamente suscitada, nos termos do disposto no artº 72°, n° 2, da LTC, b) os direitos fundamentais típicos por ela violados são, no caso dos autos, mais numerosos do que nos casos em que foi tomado conhecimento da respectiva arguição, e reconhecido o mérito desta.
3.2. O artº 224°, n° 3, da CRP, como expressão linguística de norma jurídica, carece de ser interpretada.
3.2.1. O primeiro segmento desse preceito, que contém polissemia relevante no âmbito do requerimento de interposição do recurso para esse Venerando Plenário - e relevante para efeito da arguida nulidade do despacho do Exmo Relator - é o relativo a decisões contraditórias. O bem jurídico-constitucional que a respectiva norma tutela é o da segurança jurídica (cfr. Prof. Gomes Canotilho Direito Constitucional, 6ª edição, p. 1064) imposta pelo princípio fundamental consignado nos artºs 2° e 9º b) da CRP. O mesmo que é tutelado pelo recurso para o Pleno do STJ, no âmbito do CPC e do Código do Processo Penal (CPP, doravante). Tal preceito foi introduzido na CRP na sua 2ª revisão, isto é, na de 1989. Mas o legislador constitucional não limitou o recurso de uniformização de jurisprudência, pelo Tribunal Constitucional, aos termos então previstos nos artºs 763° do primeiro, e 437º do segundo. Nestes, a faculdade de recorrer para o Pleno decorre da existência de dois acórdãos que, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão fundamental de direito/questão de direito, assentem sobre soluções opostas. Ora, tendo presente que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artº 9º, n° 3, do CC), afigura-se evidente que o legislador constitucional, ao referir-se, no seu artº
226°, n° 3, depois 224°, n° 3, a decisões contraditórias, quis conferir maior amplitude aos pressupostos e à teleologia do recurso neste consagrado. Na semântica do artº 224°, n° 3, da CRP, decisões contraditórias não são apenas as relativas à mesma questão fundamental de direito. São todas as relativas à apreciação jurisdicional da aplicação da mesma norma. O conteúdo semântico de tal preceito admite a consideração de toda e qualquer contradição que exista nas decisões em presença, quer esta respeite aos pressupostos do conhecimento do recurso quer ao resultado final da sua apreciação de mérito. O princípio da máxima efectividade da norma do artº 224°, n° 3, impõe que se prefira a interpretação que reconheça a maior eficácia ao direito fundamental exercido com o recurso, e à tutela jurisdicional dos direitos fundamentais violados pela norma nele sindicada. Em causa estão os direitos dos artºs 20º, nºs 1, 4 e 5, 26°, n° 1, 29º, n° 1, 32°, nºs 9 e 10, 62°, n° 1, e 208° da CRP.
O princípio da força normativa da constituição no domínio da garantia dos direitos fundamentais, impõe que a solução hermenêutica contribua para uma eficácia óptima. da lei fundamental. Em causa estão os princípios fundamentais da CRP, dos artºs 1º, 9º b), 12°, 1, e
13° 1, da CRP. Assim, a decisão que, nos autos, nega conhecimento à arguição de inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada na. decisão recorrida, é contraditória com as que, anteriormente, o concederam, e a reconheceram.
3.2.2. O segundo segmento normativo do artº 224°, nº 3, da CRP, relevante nos termos referidos no número anterior, é o de 'no domínio de aplicação da mesma norma'. Também nele existe polissemia. Vejamos algumas interpretações possíveis: a) quando esteja em causa a aplicação da mesma norma infractora da mesma norma ou principio constitucional; b) quando esteja em causa a aplicação da mesma norma infractora da mesma ou de outras normas ou princípios constitucionais; c) na vigência do mesmo preceito legal aplicado às decisões impugnadas, violador da mesma ou mesmas normas ou princípios constitucionais; d) com relação à aplicação da mesma norma violadora da mesma ou de outras normas ou princípios constitucionais; e) quando esteja em causa o efeito produzido ao nível das decisões recorridas, pela norma aplicada, isto é, quando estejam em causa decisões contraditórias quanto aos efeitos da aplicação da mesma norma na ordem jurídica. Também aqui, a metódica interpretativa é a antes referida. Estando em causa o exercício do direito fundamental do recurso efectivo à jurisdição para reparar a violação de direitos fundamentais típicos decorrente da aplicação de norma inconstitucional, os princípios da máxima efectividade e da força normativa da constituição impõem que a concretização jurisdicional da norma do artº 224º, nº 3, da CRP, seja a mais ampla possível compatível com a sua teleologia. A interpretação considerada em último lugar é a que melhor concretiza a norma constitucional. Assim, a decisão que, nos autos, nega conhecimento à arguição de inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada na decisão recorrida, sendo contraditória com as que, anteriormente, o concederam, e a reconheceram, e tendo sido prolatada com relação à aplicação da mesma norma e por violação de normas e princípios constitucionais mais numerosos, é passível do recurso previsto no artº 224°, nº 3, da CRP.
3.2.3. Por outro lado, e conforme já acima foi referido, a imposição do artº 16º, nº 2, da CRP, obriga a ter em conta, na interpretação do artº 224º, nº 3, da CRP, as normas interpretativas do Direito Internacional, em que o elemento gramatical, a intenção das partes contratantes e as circunstâncias que rodearam a celebração do Tratado, assumem relevo decisivo. Estando em causa o recurso efectivo à jurisdição competente nos termos dos artºs
8º da DUDH e 13º da CEDH, e à tutela jurisdicional efectiva garantida pela CRP, nos seus artºs 20º, nºs 1, 4 e 5, 3 268º, nº 34, são decisões contraditórias não só as que concretizaram tal direito conhecendo do recurso, como também as que recusam, deixando violada a norma do artº 204º da CRP. O direito ao recurso efectivo à jurisdição constitucional contra a aplicação de norma ferida de inconstitucionalidade, mediante a qual foram violados direitos fundamentais do recorrente, reconhecidos pela Constituição e pela lei, impõe a admissão de recurso para o pleno e que este dele conheça e declare a inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada, no mínimo nos termos em que fizeram os invocados Acórdãos nºs 440/94, 357/98 e 289/2002.
A concretização jurisdicional de tal garantia não pode afastar-se do sentido normativo dos referidos preceitos constitucionais conjugados e interpretados à luz do princípio da unidade da Constituição. O recurso para o pleno é, também ele, expressão do direito à tutela judicial efectiva conforme já decidiu esse Venerando Tribunal no seu Douto Acórdão nº
533/99, de 12.10.1999, publicado no DR II S, de 22.11.99. Só assim se concretiza a garantia constitucional consignada nos artºs 20°, nºs 1, 4 e 5, e 268°, n° 4, da CRP. E só este sentido normativo do artº 224°, n° 3, da CRP, é compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, no domínio do asseguramento dos direitos fundamentais, por cuja violação poderá ter que responder nos termos dos artºs 34° e 35° da CEDH.
3.3. Poderá invocar-se que a CRP cometeu à lei ordinária o encargo de regular o recurso para o pleno do Tribunal Constitucional, e que esta o fez nos termos do artº 79º-D da LTC, na. alteração nela introduzida pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, não inteiramente coincidentes com os do artº 226º, nº 3, de então, e
224º, nº 3, actual. Efectivamente, o preceito do n° 1 do referido artigo 79º-D, tem redacção linguística diferente.
3.3.1. Mas tal preceito não tem - nem pode ter - sentido normantivo divergente. O princípio fundamental da conformidade das leis com a Constituição consignado no artº 3°, n° 3, desta, impede que a concretização legislativa da norma do artº
224°, n° 3, da CRP, seja divergente da neste plasmada. O princípio constitucional de interpretação das normas legais em conformidade com a Lei Fundamental, decorrente do seu artº 204º, impede que se reconheça qualquer divergência normativa entre ambos os preceitos.
A norma constitucional em causa. relegou, naturalmente, para a lei ordinária a regulação processual de tal recurso. Mal não conferiu - nem podia ter conferido
- ao legislador ordinário poderes para restringir a sua dimensão normativa. A teleologia da norma constitucional - a da segurança jurídica e de outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados - faz frustrar qualquer tentativa de conferir relevância à opção pelas expressões linguísticas de 'sentido divergente' e de 'quanto à mesma norma', sob pena de ter de ser julgada inconstitucional a norma reguladora em causa.
3.3.2. O que se verifica aliás, ao nível da lei ordinária, é que esta assumiu, com o seu artº 79º-A, os princípios da máxima efectividade e da força normativa da Constituição, ao consagrar o poder-dever de o presidente, com a concordância do Tribunal, operar o julgamento com a intervenção do plenário quando o considere necessário para evitar divergências jurisprudênciais - quaisquer que elas sejam - ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir - em que não podem deixar de incluir-se as obrigações a que o Estado Português se encontra internacionalmente vinculado no âmbito da CEDH.
É, mais uma vez, a garantia da segurança jurídica implícita no princípio do Estado de direito democrático plasmado no artº 2° e 9º b) da CRP , a determinar a concretização das normas e princípios constitucionais no domínio dos direitos fundamentais. Com efeito, tendo a mesma lei determinado ao abrigo do n° 2, do artº 226°, n° 3, ora 224°, n° 2, da CRP, o funcionamento do Tribunal Constitucional por secções, as normas do artº 79º-A da LTC seriam inconstitucionais se não se estribassem na força normativa geral da Constituição no domínio do asseguramento dos princípios fundamentais nela consignados, já acima invocados. O que aqui se refere para sublinhar a força expansiva das normas que tutelam os direitos fundamentais já acima invocada, em que se inclui a norma do artº 224°, n° 3, da CRP.
3.3.3. A dimensão normativa dos segmentos 'decisões contraditórias no domínio de aplicação da mesma norma', a que se refere o n° 1 do artº 79°-D da LTC, a) Abrange uma interpretação conforme à Constituição e um juízo de inconstitucionalidade da mesma norma (cfr. Conselheira Maria Fernanda Palma, Acórdão n° 466/2000, DR II S, de 7.6.2001) b) Não restringe o recurso para o plenário aos casos em que, sobre a mesma questão normativa, recaia um juízo de inconstitucionalidade e um juízo de não inconstitucionalidade (cfr. Conselheira Maria Helena de Brito, idem) c) Não é uma questão abstracta, relativa apenas à interpretação da lei fundamental; trata-se, antes da interpretação e aplicação da Constituição da República Portuguesa a determinados critérios normativos, com as suas possibilidades interpretativas (cfr. Conselheiro Paulo Mota Pinto, idem).
4. Inconstitucionalidade da norma aplicada no despacho reclamado Além de padecer de nulidade pelas razões de facto e de direita acima aduzidas, a decisão do despacho reclamado assenta na aplicação de norma inconstitucional : a extraída do n° 1 do artº 79-D da LTC. Com efeito, tal preceito legal foi aplicado no despacho reclamado com dimensão restritiva da dimensão normativa plasmada no artº 224º, n° 3, da CRP.
4.1. Já acima foi revelada a dimensão normativa deste preceito constitucional, e aduzidas as razões constitucionais por que tal dimensão tem de coincidir com. a sua máxima amplitude semântica. E já acima foi demonstrada a impossibilidade constitucional de a sua regulação a nível infraconstituciona1, restringir a sua dimensão axiológica.
4.2. Ora, é fácil de verificar que, no despacho reclamado, a norma aplicada dita plasmada no n° 1 do artº 79º-D da LTC, é restritiva relativamente à dimensão normativa do artº 224°, n° 3, da CRP.
Com efeito, na interpretação que deste foi feito, só o julgamento substantivo da norma aplicada é susceptível de consubstanciar a decisão contraditória constante da mesma. Assim, nesta interpretação, basta a recusa em tomar conhecimento do recurso em que a norma sindicada foi efectivamente aplicada – ainda que tal decisão de recusa se encontre ferida de nulidade, como é o caso dos autos – para sustentar a inexistência do direito ao recurso para o pleno, com fundamento na inexistência de 'sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma'. Ou seja, a denegação do direito a uma decisão de mérito sobre questão de
inconstitucionalidade adequadamente suscitada sobre a mesma aplicada, serve de fundamento à denegação do direito ao recurso efectivo à jurisdição do tribunal competente para conhecer da inconstitucionalidade da norma cuja aplicação viola direitos fundamentais típicos do catálogo constitucional.
4.3. Assim, a norma do n° 1 do artº 79-D da LTC, nessa interpretação, além de violar a norma do artº 224°, 3, da CRP, viola também as normas conjugadas dos artºs 202°, n° 2, e 221°, da mesma LEI, que incumbem o Tribunal Constitucional de assegurar a defesa dos direitos à jurisdição efectiva consignada no artº 20º, nºs 1, 4 e 5, interpretado em conformidade com a metódica de interpretação das normas constitucionais, e com o disposto nos artºs 16°, n° 2, da CRP, conforme já demonstrado. Isto é, por força do disposto nos artºs 202°, n° 2, 221° e 224°, n° 3, da CRP, o Tribunal Constitucional tem de admitir e conhecer do recurso interposto. Mas, nos termos normativos invocados no despacho reclamado, tal direito não existe. Ora, a lei ordinária não pode negar o direito que a Constituição confere.
4.4. Tal norma, na dita interpretação, viola também os princípios fundamentais consignados e implícitos nos artºs 2°, 9º b), 12°, n° 1, 1º segmento, e 13°, n°
1, 2° segmento, da CRP. Com efeito,
a) A norma do artº 224°, n° 3, da CRP, visa a concretização do princípio constitucional da segurança jurídica, mas, segundo tal interpretação, a norma do nº 1 do artº 79º-D da LTC só reconhece tal direito quando a decisão contraditória respeite à questão de mérito e não já quando respeite à tomada de conhecimento do respectivo recurso; b) A norma do artº 224°, nº 3, da CRP, visa a concretização da tarefa fundamental do Estado de garantir os direitos fundamentais, mas, segundo tal interpretação a norma do n° 1 do artº 79-D da LTC exclui de tal garantia os casos em que as secções do Tribunal Constitucional se tenham, sem fundamento material e legal, recusado a conhecer do mérito da questão de inconstitucionalidade adequadamente suscitada: A norma do artº 224°, n° 3, da CRP, visa a concretização do princípio fundamental de que todos os cidadãos gozam dos direitos consignados na Constituição - entre os quais se encontram os invocados no recurso, do direito ao bom nome e reputação, de não ser sancionado senão por factos de que tenha sido previamente acusado e ouvido com possibilidade de defesa, de não ser sentenciado sancionatoriamente senão por entidade legalmente competente para o efeito, de gozar das imunidades necessárias ao exercício do mandato forense, e de exercer o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça - mas, segundo a interpretação feita no despacho reclamado, do preceito do n° 1 do artº 79º-D da LTC, podem ser excluídos de tal garantia constitucional aqueles que não tenham logrado - sem culpa sua - a apreciação de mérito da norma aplicada, já anteriormente reconhecida como inconstitucional, com a qual tais mitos foram violados; d) A norma do artº 224°, n° 3, da CRP , visa a concretização do princípio fundamental de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas, segundo a invocada dimensão normativa do n° 1 do artº 79º-D da LTC, essa igualdade não pode ser reconhecida aos que tenham sido vítimas de denegação do direito ao recurso efectivo à jurisdição competente contra aplicações normativas violadoras dos seus direitos fundamentais.
4.5. A norma aplicada no despacho reclamado á manifestamente inconstitucional por restringir o âmbito da norma do artº 224º, nº 3, da CRP, cuja concretização legislativa se operou também nos termos do artº 79º-A da LTC, que dispensa o pedido para que se cumpra a força normativa da Constituição no plano de asseguramento dos direitos fundamentais e de outros. Enquanto a concretização legislativa da unidade do sistema constitucional reconhece o poder-dever de conhecimento oficioso de decisões contraditórias no domínio de aplicação da mesma norma, e relevantes por outras razões, a norma aplicada no despacho reclamado nega o direito ao pedido. A concretização legislativa da norma do artº 224º, nº 3, da CRP, de que se serviu o despacho reclamado para negar o direito ao recurso para o pleno, é, pois; desconforme com a norma por ela regulada, e com os princípios constitucionais supra referidos. Ela enferma no plano conceptual, de um entendimento limitado do que é o julgamento da 'questão de inconstitucionalidade' de normas pelo Tribunal Constitucional, e, no plano funcional ou dos efeitos das decisões, de uma não consideração da ratio do recurso para o plenário (cfr. Conselheiro Paulo Mota pinto, Acórdão 466/2000, DR II S, de 7.6.2001).
4.6. O despacho reclamado, ferido de nulidade, carece de ser revogado e substituído por outro que faça aplicação do preceito do n° 1 do artº 79°-D da LTC, em conformidade com a norma plasmada no artº 224°, n° 3, da CRP, e em consonância com o disposto no artº 79º-A da mesma lei.
5. Inconstitucionalidade da norma aplicada nas decisões do STJ
5.1. Podendo esse Venerando Tribunal julgar inconstitucional a. norma sindicada com fundamento em violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada (cfr. artº 79-C da LTC), pode também julgar cumulativamente com as normas e princípios constitucionais cuja violação já foi invocada. Assim, in casu, a esse títu1o, não deixará de julgar também violadas as normas conjugadas constantes dos artºs 29º, nº 1, 32° nº 9 e 208° da CRP: a do artº
29º, nº 1, aplicável por extensão da norma do artº 32°, nº 10, ex vi artº 208°; a do artº 32°, nº 9, aplicável por analogia com a do seu n° 10. Com efeito, a norma aplicada não é aplicável a mandatário forense no exercício do patrocínio. A norma aplicável a este é, por força do disposto no artº 208º da CRP, apenas a do artº 459º do CPC (cf. Acs. STJ de l2.10.99, e RP de 31.3.04, CJ VII-III-52 e XXIX-II-178, respectivamente). A norma. aplicada nos autos ao mandatário requerente de certidão, viola, pois, as normas do artº 208º da CRP concretizadas pelo legislador ordinário nos termos do disposto no artº 459º do CPC, designadamente.
5.2. Quanto ao reconhecimento já operado pelas secções desse Venerando Tribunal, da inconstitucionalidade da norma aplicada, acrescenta-se, agora, o do Douto Acórdão n° 362/2004, de 19 de Maio de 2004, publicado no DR II S, de
29.6.2004, que é facto superveniente.
6. Em conclusão:
1ª - Os Acórdãos nºs 182/2004 e 389/2004, e o Despacho de 14.7.2004, violam o direito ao recurso efectivo à jurisdição competente;
2ª - O Despacho reclamado é nulo por nele ter sido violado o disposto no artº
660º, n° 2, do CPC, sancionado pelo artº 668º, n° 1 d) do mesmo diploma legal;
3ª - O artº 224º, nº 3, da CRP, interpretado em conformidade com o disposto no seu artº 16º, nº 2, e 8º, 10º e 11º da DUDH, e 6º da CEDH, confere ao recorrente o direito ao recurso para esse Venerando Tribunal;
4ª - A concretização legislativa da norma do artº 224º, nº 3, da CRP, na interpretação e aplicação que dela foi feita no Despacho reclamado, é inconstitucional por violar as normas e princípios dos artºs 1º, no segmento relativo à dignidade da pessoa humana, 2º, no princípio implícito da segurança jurídica, 9º b), 12º, nº 1, 1º segmento, 13º, 2º segmento, 16º, nº 2, 17º, 18º, nº 1, 20º, nºs 1, 4 e 5, 26º, nº 1, no segmento relativo ao bom nome e reputação, 29º, nº 1, 32º, nºs 9 e 10, 62º, nº 1, 202º, nº 2, 208º, 221º, 280º, nº 1 b), e 4 , da CRP;
5ª - Esse Venerando Tribunal pode conhecer oficiosamente de outras normas ou princípios constitucionais violados pela norma aplicada nas decisões recorridas; a inconstitucionalidade de tal norma voltou a ser reconhecida em acórdão posterior ao Acórdão 182/2004 - o n° 362/2004 de 19.5.04.
6. - Pelo que, com a devida vénia, se requer seja declarado nulo o Despacho reclamado e admitido o recurso, seguindo-se os demais termos legais.»
2 – A recorrida SONAE INVESTIMENTOS, S.G.P.S.,S.A., respondeu pugnando pelo indeferimento da reclamação.
3 – O despacho reclamado é do seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Plenário do Tribunal Constitucional do Acórdão n.º
182/2004, completado pelo Acórdão n.º 389/2004, ao abrigo dos art.ºs 224º, n.º
3, da Constituição da República, e 79º-D, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), «interpretados nos termos do art.º 16º, n.º 2, da Lei Fundamental, e tendo ainda em conta a garantia constitucional do art.º 20º, n.ºs 1, 4 e 5», por «estar[está] em causa, conforme alegado no requerimento de interposição do recurso, a fls. 99, al. d), a dimensão normativa com que foram aplicadas as normas do art.º 456º do CPC, violadora das normas dos art.ºs 2º,
3º, n.º 3, 18º, n.ºs 1 e 2, 20º, n.ºs 1 e 4, 25º, n.º 1 (integridade moral do recorrente), 26º, n.º 1 (direito ao bom nome e reputação do recorrente, 32º, n.º
10 (asseguramento dos direitos de audiência e defesa do recorrente), e 62º, n.º
1, da Constituição». Mais alega o recorrente que, ao contrário do afirmado no acórdão n.º389/2004, a norma do art.º 456º do CPC foi aplicada no acórdão do tribunal a quo (recorrido no Acórdão n.º 182/2004) na acepção de a condenação do recorrente como litigante de má fé dispensar a audiência e defesa do interessado e que em vários acórdãos que identifica se julgou que «a conformidade constitucional das normas do art.º 456º, n.ºs 1 e 2, do CPC, está condicionada pela prévia audição sobre tal matéria».
2 – No art.º 79º-D, n.º 1, da LTC, que concretiza a regulação a que se refere o n.º 3 do art.º 224º da Constituição da República Portuguesa (CRP), dispõe-se que “Se o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o Plenário do Tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido”.
3 – Para que seja admissível recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional torna-se, pois, necessário, como resulta deste preceito, que a decisão recorrida tenha julgado a questão de constitucionalidade (ou de ilegalidade) relativa a determinada norma (infraconstitucional) de forma divergente da anteriormente julgada quanto à mesma norma por outra decisão proferida por qualquer das secções do Tribunal Constitucional.
Como se colhe de tal preceito, não cabe assim ao plenário do Tribunal Constitucional, ao contrário do que o recorrente sustenta, sindicar a correcção do juízo feito pelos acórdãos da Secção no sentido de que a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade o recorrente prendia ver apreciada era diversa da que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida e de que o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade do art.º 456º do CPC na acepção de ser dispensável a audição do interessado”.
O tipo de recurso em causa tem por único escopo a uniformização da jusrisprudência constitucional sobre certa e determinada questão de constitucionalidade ou seja sobre a conformidade ou desconformidade de certa norma com a Lei Fundamental e não a sindicância da correcção do juízo feito pelo acórdão em causa sobre outras questões que nele hajam sido decididas ou, dito de outro modo, segundo moldes de recurso de reexame de todas as questões decididas por um tribunal colocado hierarquicamente acima.
4 – Ora, no caso dos autos não se verifica aquela hipótese a que se refere o n.º 1 do art.º 79º-D, da LTC. Na verdade, nem o Acórdão n.º 182/2004, nem o Acórdão n.º 389/2004, que o complementa, aqui recorridos, julgaram qualquer questão de constitucionalidade ou de ilegalidade relativa à norma do art.º 456º do Código de Processo Civil, ou de qualquer outro preceito normativo, em determinado sentido que possa estar em sentido divergente com o julgado relativamente à mesma norma em outros acórdãos das secções do Tribunal Constitucional, nomeadamente, os identificados pelo recorrente no seu requerimento. Cingindo a análise apenas à norma do art.º 456º do Código de Processo Civil – por o recorrente limitar a ele o objecto do recurso para o Plenário do Tribunal – consta-se que no Acórdão n.º 182/2004 se decidiu não conhecer do recurso por a norma inferida por via interpretativa do art.º 456º do Código de Processo Civil cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendia ver, aí, apreciada ser diversa daquela que constituiu a ratio decidendi da decisão judicial aí recorrida, afirmando-se em fundamentação de tal decisão:
«[...]
De acordo com as suas alegações de recurso, que nesta matéria precisam o sentido do afirmado no requerimento da sua interposição, o recorrente controverte a constitucionalidade do art. 456º do CPC na interpretação, que diz haver sido aplicada pelo STJ, “segundo a qual há litigância de má fé quando se requer a passagem de uma certidão com a menção de que dois acórdãos haviam transitado em julgado e, posta em causa tal possibilidade pelo aludido Tribunal, se insiste naquele pedido apresentando os fundamentos da referida pretensão”, sustentando que ela viola a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º da CRP), do direito à informação (art. 26º da CRP) e do exercício de patrocínio (art. 208º da CRP).».
E mais adiante disse-se:
«De todo este discurso dos acórdãos recorridos resulta que o fundamento da condenação do recorrente como litigante de má fé e no montante da multa de 100 UC. não está associado pela decisão recorrida, de modo exclusivo ou sequer prevalente, ao pedido de passagem de certidão, mas antes à valoração global de um diversificado leque de condutas processuais do recorrente, tidas no decurso da lide, entre elas se apontando, a título de mero elemento de uma estratégia de obstaculização do regular andamento do processo, o pedido de passagem de certidão com a menção de que os dois acórdãos haviam transitado em julgado e a insistência no mesmo pedido após o tribunal haver negado a possibilidade de certificar esse trânsito em julgado.
Na verdade, o tribunal a quo considerou que o recorrente adoptou, no processo, uma postura deliberada de tentar entravar o seu andamento, atitude essa que estava traduzida em “[...] muitas intervenções processuais assentes em teses irrealistas como as inúmeras e insustentadas inconstitucionalidades, a pretensão relativa à certidão - argumento de última hora aduzido já no TC - as extensas e confusas posições em cada intervenção, as afirmações pouco elegantes em relação ao intérprete, as insinuações absurdas quanto à actuação processual de funcionários” e “por último, a fantástica arguição de suspeição do Relator por inimizade grave”, tudo “a solicitar a aplicação do máximo da multa fixado pelo art. 102º, alínea a), do Código das Custas Judiciais”. Decorre do exposto que o padrão de valoração global da conduta do recorrente que foi utilizado pelo tribunal a quo para concluir que o recorrente havia litigado de má fé e para o condenar no máximo da multa não se justapõe ao que o recorrente definiu, mas é um outro diverso, mais complexo quanto ao seu conteúdo sob o ponto de vista global. Tanto basta para se concluir que, também, as dimensões normativas dos arts. 456º do CPC e 102º do CCJ, cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende sindicar, não foram aplicadas pelos acórdãos recorridos e que, portanto, não se pode conhecer do recurso.».
Por seu lado, no Acórdão n.º 389/2004 decidiu-se indeferir os pedidos de nulidade e de reforma do Acórdão n.º 182/2004.
A propósito do fundamento da reclamação relacionado com a norma do art.º 456º do Código de Processo Civil, escreveu-se em tal aresto:
«4.3 - Vejamos agora a questão da inobservância, imputada ao acórdão agora reclamado, do “direito de audiência e defesa consignado no art.º 32º, n.º
10, da Constituição, relativamente às imputações que, nos acórdãos recorridos, são feitas ao advogado requerente”. A alegação do reclamante só teria sentido se o Tribunal Constitucional tivesse procedido à aplicação directa do art.º 456º do CPC no processo de fiscalização concreta de constitucionalidade que corre perante ele. Ora, o Tribunal não condenou o reclamante no pagamento de qualquer multa ou indemnização por litigância de má fé. Nada havendo para se defender perante ele, de nada tinha que ser ouvido. A intervenção do Tribunal Constitucional ocorreu a título de órgão jurisdicional a quem a Constituição comete o conhecimento dos recursos de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art.º 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição). Ora, nesse tipo de recursos, e como corolário do princípio da autonomia processual e do pedido, tem o recorrente o ónus de, no respectivo requerimento de interposição, definir o seu objecto, qual seja a norma, mesmo que traduzida em uma certa dimensão ou acepção normativa, cuja (in)constitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Só se lhe tivesse sido pedido, nesse requerimento, o julgamento de inconstitucionalidade do art.º 456º do CPC na dimensão de a condenação como litigante de má fé poder ser aplicada sem dar à parte a oportunidade de se defender, é que o Tribunal Constitucional poderia indagar – mas mesmo assim apenas para efeitos da admissibilidade do recurso (cabendo sempre ao tribunal a quo a tarefa de reforma da decisão em caso de eventual provimento do recurso de constitucionalidade, caso houvesse sido interposto) – se a norma teria sido aplicada nessa acepção. Não tendo o reclamante questionado a constitucionalidade do art.º 456º na dimensão normativa que diz agora ter sido aplicada, não tinha (nem poderia) o Tribunal Constitucional de se debruçar sobre se tal norma havia sido aplicada com o sentido agora invocado pelo reclamante, por inútil ao conhecimento do objecto do recurso tal qual fora definido no requerimento de interposição.
É, pois, de indeferir também nesta parte o pedido do reclamante.».
5 – Deste modo o recurso interposto pelo recorrente para o plenário do Tribunal Constitucional não pode ser admitido. Consequentemente decido não admitir esse recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 10 UC.».
B – Fundamentação
4 – A reclamação não merece acolhimento pelos fundamentos expostos no despacho reclamado e que aqui se renovam.
Por outro lado, também não padece o despacho reclamado da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é imputada pelo reclamante porquanto a decisão reclamada conheceu da questão – aliás, única – que lhe foi posta, consubstanciada na admissão de recurso para o Plenário, ao abrigo do disposto nos art.ºs 224º, n.º 3 da Constituição e 79º-D da LTC.
Suscita o reclamante a questão de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do art.º 79º-D da LTC na interpretação que diz ter sido aplicada na decisão reclamada segundo a qual «basta a recusa em tomar conhecimento do recurso em que a norma sindicada foi efectivamente aplicada – ainda que tal decisão de recusa se encontre ferida de nulidade (itálico acrescentado), como é o caso dos autos – para sustentar a inexistência do direito de recurso para o pleno, com o fundamento na inexistência de “sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma”».
Verifica-se, todavia, que o preceito em causa não foi aplicado na dimensão normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada. Na verdade, no que tange à determinação do critério normativo plasmado no n.º 1 do art.º 79º-D da LTC, aliás bem apreendido pelo reclamante como resulta da primeira parte do seu articulado de reclamação, o que se afirma no despacho reclamado é tão só que “para que seja admissível recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional torna-se (é), pois, necessário, como resulta deste preceito, que a decisão recorrida tenha julgado a questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) relativa a determinada norma
(infraconstitucional) de forma divergente da anteriormente julgada quanto à mesma norma por outra decisão proferida por qualquer das secções do Tribunal Constitucional” e que “não cabe assim ao Plenário do Tribunal Constitucional
(...) sindicar a correcção do juízo feito pelos acórdãos da Secção no sentido de que a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendia
(pretende) ver apreciada era diversa da que constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida e de que o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade do art.º 456º do CPC na acepção de ser dispensável a audição do interessado”.
Assim sendo, não tendo a norma do n.º 1 do art.º 79º-D da LTC sido aplicada na acepção normativa cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende sindicar constituído a ratio decidendi da decisão reclamada soçobra tal requisito do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade exigido pelos art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Finalmente importa notar que a garantia constitucional do acesso aos tribunais, na sua dimensão de garantia a uma tutela efectiva e eficaz em prazo razoável e mediante processo equitativo”, tem, pelo menos, após a revisão constitucional de 1997, o mesmo conteúdo normativo que lhe é emprestado pelos artigos 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ou pelo art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), não fazendo sentido apelar a tais preceitos, ao contrário do defendido pelo reclamante, para integrar os preceitos constitucionais que prevêem e regulam tal direito fundamental (art.º 20º, n.ºs 1, 4 e 5, da CRP), de acordo com o n.º 2 do art.º
16º da Lei Fundamental.
Ora o art.º 224º, n.º 3, da CRP, que prevê o recurso para o Plenário das decisões contraditórias das secções no domínio de aplicação da mesma norma e defere para o legislador ordinário apenas a regulação de tal recurso – tarefa esta de que este se desonerou pelo modo constante do art.º 79º-D da LTC - insere-se, ainda, no âmbito do recurso de constitucionalidade, na densificação do sentido constitucional daquela garantia.
C – Decisão
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 20 UC.
Lisboa, 16 de Novembro de 2004
Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Maria João Antunes Rui Manuel Moura Ramos Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Artur Maurício