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Processo n.º 141/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         1.1. A., B., C., D., E., F. e G. requereram, no Supremo 
 Tribunal Administrativo (STA), contra a Comissão de Inscrição da Câmara dos 
 Técnicos Oficiais de Contas, ao abrigo do artigo 161.º do Código de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, a extensão dos efeitos do acórdão do Pleno da 
 Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 5 de Julho de 2005, proc. n.º 
 
 164/04, que confirmou o acórdão da 1.ª Subsecção, de 3 de Novembro de 2004, que 
 anulara o acto da requerida que recusara a inscrição de um interessado na então 
 designada Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), criada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro (designação alterada para Câmara dos 
 Técnicos Oficiais de Contas (CTOC) pelo Decreto‑Lei n.º 452/99, de 5 de 
 Novembro).
 
                         Nessas decisões entendeu‑se que, para efeitos de 
 inscrição na ATOC que a Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, possibilitara aos 
 
 “profissionais de contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da 
 publicação do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante 
 três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, 
 responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial 
 de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem 
 possuir contabilidade organizada”, era possível provar por qualquer meio 
 probatório admissível em procedimento administrativo esse requisito de 
 responsabilidade directa por contabilidade organizada, sendo ilegal a limitação 
 da possibilidade de prova a cópias de declarações modelo 22 de IRC ou anexo C ao 
 modelo 2 de IRS, como a Comissão de Inscrição estabelecera num “Regulamento”, de 
 
 3 de Junho de 1998, que aprovara para execução daquela Lei.
 
                         Aduziram os requerentes que se encontram na mesma 
 situação daqueles casos, já superiores a cinco, em que foram proferidas decisões 
 judiciais, transitadas em julgado, em processos em que foi parte a ora 
 requerida, que julgaram inválidos os actos de recusa de inscrição por 
 considerarem ilegais as normas restritivas de meios probatórios constantes do 
 referido Regulamento: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/2005, de 6 de 
 Julho de 2005, e acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do 
 STA, de 5 de Julho de 2005, proc. n.º 164/04, de 6 de Outubro de 2005, proc. n.º 
 
 342/04, de 10 de Novembro de 2005, proc. n.º 343/04, de 19 de Janeiro de 2006, 
 proc. n.º 424/04, de 7 de Fevereiro de 2006, proc. n.º 419/04, e de 2 de Março 
 de 2006, proc. n.º 423/04.
 
                         A pretensão formulada obteve acolhimento no acórdão da 
 
 1.ª Secção do STA, de 19 de Abril de 2007, que determinou que “na esfera 
 jurídica dos requerentes se produzam os mesmos efeitos que o mencionado acórdão 
 do Pleno da 1.ª Secção, de 5 de Julho de 2005, proferido no proc. n.º 164/04, 
 projectou na esfera jurídica dos respectivos beneficiários”.
 
                         Contra este acórdão interpôs a recorrente recurso para o 
 Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, terminando a respectiva 
 alegação com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
             “1. O acórdão recorrido incorreu em deficiente aplicação do direito 
 aos factos;
 
             2. Desde logo, deveria ter procedido à desaplicação in casu da norma 
 contida no artigo 161.º do CPTA, porquanto a mesma não está conforme à 
 Constituição da República Portuguesa;
 
             3. Com efeito, são violados os princípios do Estado de Direito, na 
 sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança, e 
 o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente, nos artigos 2.º e 13.º da 
 Constituição;
 
             4. A opção tomada pelo legislador viola, intoleravelmente, a 
 confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações 
 administrativas e nos seus efeitos;
 
             5. Além disso, traduz um benefício concedido em favor dos que, 
 perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente 
 dentro do prazo legal para tanto fixado, tratando‑se, pois, de forma desigual 
 face àqueles particulares que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que 
 mobilizar os meios processuais adequados, para que não se firmasse na sua esfera 
 jurídica um acto que lhes era desfavorável, assim se violando o princípio 
 constitucional da igualdade;
 
             6. Ao contrário do que considerou o tribunal a quo, o artigo 161.º 
 mais não é, em termos materiais, do que a atribuição a quem já não o tinha, do 
 direito de impugnar um acto administrativo desfavorável, indo até mais além do 
 que isso, pois esse particular, que vê, assim, «ressuscitado» o seu direito de 
 acção, poderá, por essa via, ver automaticamente produzidos na sua esfera 
 jurídica os mesmos efeitos que veria caso tivesse impugnado atempadamente o 
 acto desfavorável e tivesse obtido vencimento;
 
             7. A argumentação oferecida pelo acórdão recorrido para sustentar a 
 constitucionalidade da norma perspectiva, assim, a questão de um prisma 
 estritamente formal, não atendendo à materialidade das razões que apontam, ao 
 contrário, para a inconstitucionalidade da norma;
 
             8. Por outro lado, e independentemente da posição tomada quanto à 
 conformidade do artigo 161.º do CPTA, andou mal o acórdão recorrido ao 
 considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva previsão da 
 norma;
 
             9. O artigo 161.º está pensado para se aplicar nos casos em que 
 foram praticados actos administrativos com vários destinatários, e não, como é 
 o caso, actos administrativos distintos;
 
             10. Ao não dar razão à aqui recorrente, procedeu o acórdão recorrido 
 a uma errada interpretação e aplicação do artigo 161.º [do CPTA].”
 
  
 
                         Por acórdão de 13 de Novembro de 2007, o Pleno da 1.ª 
 Secção do STA negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação 
 jurídica:
 
  
 
             “2.2. Matéria de direito.
 
             A recorrente insurge‑se contra o acórdão da Subsecção por entender 
 que o artigo 161.º do CPTA é inconstitucional e, se assim não for entendido, por 
 não se verificarem os requisitos aí previstos para se declarar a extensão de 
 efeitos de uma decisão judicial, ou seja, por não estar em causa uma sentença 
 anulatória de um acto plural.
 
             Vejamos cada uma das questões.
 
             2.2.1. Inconstitucionalidade do artigo 161.º do CPTA.
 A recorrente retoma, no recurso, os argumentos que esgrimira na acção e que o 
 acórdão não acolheu. O acórdão recorrido, em suma, entendeu que o artigo 161.º 
 do CPTA não violava os princípios da segurança inerente ao Estado de Direito 
 
 (artigo 2.º) e da igualdade (artigo 13.º, ambos da Constituição). A recorrente 
 insiste na tese oposta, vendo no referido artigo uma intolerável violação da 
 confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações 
 jurídicas (violação da protecção da segurança jurídica) e ainda a violação da 
 igualdade, na medida em que o preceito em causa traduz um «favor dos que, 
 perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente 
 dentro do prazo legal… tratando‑os de forma desigual face àqueles que, dentro do 
 prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados».
 
             i) Princípio da segurança jurídica.
 O artigo 161.º do CPTA, sob a epígrafe «extensão dos efeitos da sentença», 
 permite que os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado 
 um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica 
 favorável possam ser estendidos a outras pessoas que «se encontrem na mesma 
 situação jurídica» [A redacção do preceito é a seguinte: «Os efeitos de uma 
 sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo 
 desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias 
 pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação 
 jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial desde que, quanto a estas, 
 não exista sentença transitada em julgado».]
 
             É verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável – e 
 que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem jurídica – pode vir a ser 
 inutilizada, por aplicação do artigo 161.º do CPTA. Mas essa destruição dos 
 efeitos, não obstante o «caso decidido», não significa uma intolerável quebra da 
 confiança na estabilidade das relações jurídicas inerente a um Estado de 
 Direito.
 
             O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 17/84, que o cidadão deve «poder prever as 
 intervenções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele e preparar‑se 
 para se adequar a elas. (…) Deve poder confiar em que a sua actuação seja 
 reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as consequências 
 juridicamente relevantes». Ora, a introdução na ordem jurídica do artigo 161.º 
 do CPTA não é uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas 
 situações) do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre 
 admitiram – como veremos – hipóteses em que o caso decidido não gozava de total 
 protecção.
 
             Como é sabido, nem sequer os actos favoráveis, constitutivos de 
 direitos, não impugnados têm essa protecção, pois podem ser revogados com 
 fundamento em ilegalidade no prazo de um ano – cf. artigo 141.º, n.º 1, do CPA. 
 Por outro lado, a ilegalidade dos actos inimpugnáveis (consolidados), como hoje 
 decorre do artigo 38.º, n.º 1, do CPTA pode ser posta em causa e, portanto, 
 reconhecida. O artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 48 051, ainda em vigor, também 
 permite a discussão da ilicitude de actos administrativos consolidados, 
 mostrando que um acto ilegal não impugnado pode levar à condenação da 
 Administração pelos danos causados a terceiros com a prática desse acto.
 
             Freitas do Amaral (Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, pág. 
 
 227) defendia – desde há muito – a eficácia erga omnes de algum tipo de 
 sentenças anulatórias, tudo dependendo do seu fundamento: «terão eficácia erga 
 omnes se forem baseadas em fundamentos objectivos, e eficácia inter partes se 
 baseadas em fundamentos subjectivos». Marcello Caetano (Manual de Direito 
 Administrativo, II, págs. 1371‑1373) defendia que a anulação de um acto 
 divisível por fundamentos objectivos, isto é, por razões independentes das 
 condições pessoais seja de quem for, tinha eficácia erga omnes. Rui Machete 
 
 (Dicionário [Jurídico da Administração Pública, II, 1969], p. 291) também 
 refere, como se dá conta no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Junho de 
 
 2004, proferido no processo n.º 45 497/B, «que na delimitação do caso julgado 
 anulatório de acto administrativo encontra‑se a ideia de que, sob pena de 
 contradição insanável, o mesmo acto não pode ser, perante a mesma ordem 
 jurídica, simultaneamente nulo para uns e válido para outros» [No seguimento da 
 posição que defendeu in «O Contencioso administrativo: o caso julgado nos 
 recursos directos de anulação», Coimbra, 1973, pág. 132 e seguintes]. Ou seja, 
 adverte o autor, casos haverá em que a estabilização dos efeitos de um acto 
 consolidado seria uma pura contradição (o acto era e não era válido ao mesmo 
 tempo).
 
                   Na jurisprudência deste Supremo Tribunal sempre se reconheceu 
 haver efeitos «extra-processuais» das sentenças anulatórias, como se pode ver, 
 por exemplo, no acórdão deste Tribunal, de 26 de Setembro de 2001, recurso n.º 
 
 35 484, citado no acórdão de 15 de Dezembro de 2006, proferido no processo n.º 
 
 195/05: «os efeitos extra-processuais desse caso julgado obstam a que, em 
 processos judiciais que tenham por objecto actos atinentes à mesma relação 
 material controvertida, venham a ser proferidas decisões incompatíveis com o 
 decidido», já que «valem aqui as razões de impedir que o tribunal seja colocado 
 em situação de ter de contradizer ou reproduzir decisão anterior que justificam 
 o caso julgado (n.º 2 do artigo 497.º do CPC)».
 
             O artigo 161.º do CPTA insere‑se, assim, num entendimento mais geral 
 que permitia, em determinados casos, negar protecção ao «caso decidido», 
 aceitando que actos não impugnados, e já inimpugnáveis, possam vir a ser 
 destruídos. A existência de um entendimento claro (na lei, na doutrina e na 
 jurisprudência) permitindo a inutilização da estabilidade assente no «acto 
 inimpugnável» – anulado por razões objectivas – mostra que o artigo 161.º do 
 CPTA não introduziu na ordem jurídica qualquer perturbação (intolerável) da 
 confiança na Ordem Jurídica.
 
             Não tem, pois, razão de ser a crítica ao preceito em causa, pois o 
 mesmo não veio introduzir qualquer perturbação inaceitável na estabilidade dos 
 actos administrativos inimpugnáveis.
 
             ii) Princípio da igualdade.
 
             O acórdão recorrido considerou que o preceito em causa não violava o 
 princípio da igualdade: «Não se vê, assim, (diz o acórdão) em que medida é que o 
 princípio constitucional da igualdade postule que, numa situação como a definida 
 no questionado artigo 161.º do CPTA, aos aludidos particulares, que não tenham 
 acedido à via judicial, esteja vedada a já referida extensão dos efeitos, tanto 
 mais que, aqui, ou seja, no âmbito de aplicação do artigo 161.º do CPTA, não se 
 trata, como já se salientou, de permitir a impugnação contenciosa do acto de 
 recusa de inscrição, não sendo, por isso, particularmente pertinente, a este 
 nível, trazer à lide o regime da aceitação do acto, prevista no artigo 56.º do 
 CPTA, não comportando, no caso em apreço, o citado artigo 161.º qualquer 
 pretensão anulatória do acto de recusa. Ou seja, o referido princípio 
 constitucional não constitui impedimento a que o órgão legiferante tivesse 
 editado a norma em causa, nos termos e com o seu preciso conteúdo, não se 
 detectando, aqui, um qualquer arbítrio legislativo, traduzido na hipotética 
 clara falta de apoio constitucional para a diferenciação ou não diferenciação 
 efectuada pela citada medida legislativa. Em suma, o legislador não deu 
 tratamento jurídico diferente a situações semelhantes, na exacta medida em que 
 tudo se situa ao nível dos efeitos do julgado anulatório ou daquele que tenha 
 reconhecido uma situação jurídica favorável, não tendo, por isso, sido 
 desrespeitado o comando contido no artigo 13.º da CRP.»
 
             A nosso ver, é de manter o acórdão. A argumentação da recorrente 
 relativamente à violação do princípio da igualdade é de resto «perversa», pois 
 a razão de ser da extensão de efeitos do caso julgado regulada no artigo 161.º 
 do CPTA é precisamente a de dar tratamento substancialmente igual a quem se 
 encontra na mesma «situação jurídica». Não se entende, também, o argumento da 
 recorrente quando acusa o acórdão de ter encarado a questão num prisma 
 
 «estritamente formal» (conclusão 7.ª). O artigo 161.º, n.º 1, do CPTA exige como 
 requisito da extensão dos efeitos do julgado que estejamos perante a «mesma 
 situação jurídica», pretendendo, desse modo, que situações jurídicas 
 materialmente semelhantes venham a ser reguladas, na prática, do mesmo modo. Não 
 
 é uma visão «estritamente formal», sendo, pelo contrário, uma visão que 
 privilegia a igualdade.
 
             O princípio da igualdade, nos termos do artigo 13.º da Constituição, 
 proíbe discriminações decorrentes dos índices (sexo, raça, etc.) aí definidos, 
 onde não se encontra a «não interposição do recurso contencioso». Fora dos casos 
 expressamente proibidos de discriminação, só existe violação do princípio da 
 igualdade quando estivermos perante discriminações arbitrárias ou manifestamente 
 injustificadas [Cf. Jorge Miranda, Direito Constitucional, tomo IV, pág. 248, e 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional aí citada e, em especial, o Acórdão 
 n.º 231/94, de 9 de Março, Diário da República, I Série‑A, n.º 98, de 28 de 
 Abril de 1994, pág. 2056 e 2057: «(…) a essência da aplicação do princípio da 
 igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos 
 e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que 
 significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem 
 de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de 
 ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso 
 de entender que tal se justifica». Trata‑se, hoje, de um entendimento pacífico e 
 consolidado – cf., por todos, Acórdãos n.º 44/84, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 3.º vol., págs. 133 e segs., n.º 309/[8]5, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, [6.º] vol., págs. [547] e segs., n.º 191/88, Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 12.º vol., págs. 239 e segs., n.º 303/90, Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 17.º vol., págs. 65 e segs., n.º 468/96, Diário da 
 República, II Série, de 13 de Maio de 1996, e, mais recentemente, n.º 1186/96, 
 Diário da República, II Série, de 12 de Fevereiro de 1997, e n.º 1188/96, Diário 
 da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 1997.] Não é arbitrário, nem 
 manifestamente injustificado atribuir efeitos extra‑processuais a uma sentença 
 anulatória com fundamento na identidade das situações jurídicas em causa. O 
 princípio da igualdade, interpretado em termos materiais, não é violado, antes 
 pelo contrário, é densificado em todos os casos em que a ordem jurídica dê 
 tratamento materialmente igual àqueles que, como se diz no artigo 161.º do CPTA, 
 se encontram «na mesma situação jurídica».
 
             É assim, a nosso ver, manifesto que não se verifica a violação do 
 princípio da igualdade.
 
             2.2.2. Requisitos de aplicação do artigo 161.º, n.º 1, do CPTA.
 No recurso, a recorrente insurge‑se contra o acórdão na parte em que se entende 
 que o artigo 161.º, n.º 1, do CPTA é aplicável a situações como a dos presentes 
 autos. A requerida já sustentara a mesma tese na Subsecção, pretendendo que o 
 preceito em causa tem como um dos seus pressupostos de aplicação a existência 
 de um acto administrativo plural.
 A sua tese foi refutada por não se ver qualquer elemento interpretativo 
 permitindo a interpretação restritiva do preceito. «Aliás – argumenta o acórdão 
 
 – a própria alusão que é feita no mencionado n.º 2 aos processos ‘no domínio do 
 funcionalismo público e no âmbito dos concursos’ é manifestamente 
 exemplificativa, só assim se justificando o uso do termo ‘nomeadamente’, que 
 antecede tal alusão, o que não pode deixar de significar que se possa 
 equacionar extensão dos efeitos de sentença, ainda que fora de tal tipo de 
 processos». 
 A recorrente limita‑se a discordar, reassumindo a tese de que é pressuposto 
 deste preceito e, portanto, da extensão de efeitos da sentença que se trate de 
 actos administrativos plurais, invocando a seu favor Colaço Antunes, Cadernos de 
 Justiça Administrativa, n.º 43, pág. 18. Este autor, efectivamente, entende que 
 
 «…na situação em apreço hão‑de tratar‑se de actos com destinatário plural ou 
 indeterminado, pois, de outra forma, estar‑se‑ia a alargar os referidos efeitos 
 não só subjectivamente – o que foi pensado pelo legislador – mas também 
 objectivamente, o que permitiria a anulação de outros actos que não o que 
 constitui objecto da acção impugnatória».
 
             A nosso ver, é de sufragar inteiramente a tese do acórdão.
 
             Desde logo, pelo argumento literal denunciando que as situações aí 
 referidas são meramente exemplificativas. Tal significa que o pressuposto de 
 aplicação do artigo é o facto de os interessados se encontrarem na «mesma 
 situação jurídica». A pluralidade de destinatários num acto plural é, sem 
 dúvida, um caso onde os interessados podem estar em situação jurídica idêntica 
 
 (desde que a anulação se não funde em motivos subjectivos), mas não se 
 vislumbram razões para ser a única hipótese legalmente prevista no artigo 161.º, 
 n.º 1, do CPTA. Na verdade, o que determinou a opção do legislador foi a 
 possibilidade da extensão dos benefícios decorrentes da reposição da legalidade 
 a todos os prejudicados com a prática de um acto ilegal. Não se compreenderia, 
 assim, sem uma indicação clara nesse sentido (como argumentou e bem o acórdão) 
 que ficassem fora do âmbito da extensão situações materialmente idênticas, só 
 porque não estávamos perante um acto plural… Como um acto plural se pode 
 decompor em tantos actos singulares quantos os seus destinatários, a 
 aplicabilidade do artigo 161.º, n.º 1, do CPTA dependeria, afinal, da opção do 
 autor do acto em emitir um ou vários actos iguais.
 
             Depois, o artigo permite também a extensão de efeitos de uma 
 sentença que «reconheça uma situação jurídica favorável», onde pode não existir 
 qualquer acto administrativo, o que inviabiliza a tese restritiva defendida 
 pela recorrente.
 
             Finalmente, um dos pressupostos da extensão de efeitos do julgado é 
 a existência de três sentenças proferidas em processos seleccionados segundo o 
 disposto no artigo 48.º do CPTA – cf. artigo 161.º, n.º 2, do CPTA. Ora, nos 
 termos do artigo 48.º do CPTA, podem ser seleccionados casos que «digam respeito 
 
 à mesma relação jurídica material, ou ainda que respeitantes a diferentes 
 relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididas 
 com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto». Podem, 
 como decorre do preceito, agrupar‑se processos que não tenham por objecto o 
 mesmo acto plural. Se a sentença proferida nos termos do artigo 48.º do CPTA, em 
 processos seleccionados, pode ver os seus efeitos estendidos, não teria grande 
 sentido proibir a extensão dos efeitos dessa decisão a casos idênticos aos que 
 constavam dos processos seleccionados (onde poderiam estar, como vimos, 
 processos que não tenham como objecto o mesmo acto plural).
 
             A melhor solução é, assim, a acolhida no acórdão.”
 
  
 
                         Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso deste 
 acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver 
 apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios do Estado de 
 Direito, na sua vertente de protecção da segurança jurídica e de protecção da 
 confiança, e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da CRP, da norma 
 do artigo 161.º do CPTA, na interpretação dada pelo tribunal recorrido. 
 Convidada a identificar, com precisão, qual a interpretação do artigo 161.º do 
 CPTA que teria sido aplicada no acórdão recorrido, a recorrente veio referir 
 que “o Supremo Tribunal Administrativo aplicou uma interpretação 
 inconstitucional do normativo citado ao acordar que o mesmo não viola o 
 princípio da segurança e da protecção jurídica inerente ao Estado de Direito, 
 admitindo a possibilidade de a validade e a eficácia de um acto administrativo 
 que não foi impugnado, nem administrativa nem jurisdicionalmente, em tempo 
 oportuno, possa, ainda assim, vir a ser posto em causa por efeito da 
 extensibilidade dos efeitos das sentenças, previsto no artigo 161.º do CPTA, 
 considerando o Supremo Tribunal Administrativo que esta interpretação não veio 
 introduzir qualquer perturbação inaceitável na estabilidade dos actos 
 administrativos inimpugnáveis; e o princípio da igualdade, por, no entender do 
 acórdão recorrido, ser possível que alguém, que não utilizou os meios 
 processuais legais ao seu dispor, possa aproveitar uma sentença favorável a um 
 terceiro que utilizou, muitas vezes à exaustão, essas vias processuais, entende 
 o Supremo Tribunal Administrativo que ambos os particulares se encontrariam na 
 mesma situação jurídica exigida pelo artigo 161.º do CPTA”.
 
                         A recorrente apresentou alegações, concluindo que a 
 norma questionada é desconforme à Constituição, por violação dos princípios da 
 segurança jurídica e da igualdade, aduzindo, nesse sentido, em suma, o seguinte:
 
                         – “no que toca aos actos da Administração, o princípio 
 da segurança jurídica «aponta para a ideia de caso decidido dos actos 
 administrativos»”;
 
                         – “isto é, os actos administrativos que não padeçam de 
 invalidades mais graves (às quais a sanção correspondente seja a nulidade ou a 
 inexistência), não sendo impugnados judicialmente dentro de um prazo razoável, 
 adquirem estabilidade na ordem jurídica, ganhando força de caso decidido”;
 
                         – “aliás, é justamente o princípio da segurança jurídica 
 que está presente no artigo 56.º do CPTA, que estabelece que a «aceitação do 
 acto» impede o particular de impugnar esse acto, consagrando o princípio da 
 inimpugnabilidade do acto consentido”;
 
                         – “ora, a norma em crise vem precisamente pôr em causa o 
 princípio da segurança jurídica e da certeza do direito, abalando a 
 estabilidade de que os actos administrativos, ainda que anuláveis, gozam na 
 ordem jurídica portuguesa, pois permite, com alguma irracionalidade, que os 
 particulares que não impugnaram judicialmente um acto administrativo que lhes 
 fora desfavorável, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, possam vir 
 depois a beneficiar dos efeitos de uma sentença emitida noutro processo 
 judicial, a favor de um particular que não se conformou com o sentido do acto 
 que lhe dizia respeito e mobilizou os instrumentos que a ordem jurídica põe ao 
 seu serviço para reagir contra esse acto”;
 
                         – “além da violação do princípio da segurança e da 
 estabilidade jurídica, a norma em análise é, assim, e noutra perspectiva, também 
 violadora do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição”;
 
                         – “pois do que se trata, ao fim e ao cabo, é de 
 beneficiar os cidadãos que, por qualquer razão, se quedaram passivos face a um 
 acto administrativo desfavorável, face àqueles que, perante um acto de sentido 
 semelhante, não se conformaram com o mesmo e mobilizaram os meios processuais 
 que tinham ao seu dispor, com o que tiveram naturalmente custos e incómodos”.
 
                         Os recorridos não contra‑alegaram.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Sob a epígrafe Extensão dos efeitos da sentença, 
 dispõe o artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos 
 
 (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela 
 Lei n.º 4‑A/2003, de 19 de Fevereiro:
 
  
 
             “1 – Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha 
 anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação 
 jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se 
 encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via 
 judicial, desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado.
 
             2 – O disposto no número anterior vale apenas para situações em que 
 existam vários casos perfeitamente idênticos, nomeadamente no domínio do 
 funcionalismo público e no âmbito de concursos, e só quando, no mesmo sentido, 
 tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo 
 situações de processos em massa, nesse sentido tenham sido decididos em três 
 casos os processos seleccionados segundo o disposto no artigo 48.º [Redacção da 
 Lei n.º 4‑A/2003; na redacção originária constava: “…e só quando, no mesmo 
 sentido, tenham sido proferidas três sentenças transitadas em julgado ou, 
 existindo uma situação de processos em massa, nesse sentido tenha sido decidido 
 o processo seleccionado segundo o disposto no artigo 48.º”]
 
 3 – Para o efeito do disposto no n.º 1, o interessado deve apresentar, no prazo 
 de um ano, contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no 
 processo em que a sentença foi proferida, um requerimento dirigido à entidade 
 administrativa que, nesse processo, tenha sido demandada.
 
 4 – Indeferida a pretensão ou decorridos três meses sem decisão da 
 Administração, o interessado pode requerer, no prazo de dois meses, ao tribunal 
 que tenha proferido a sentença, a extensão dos respectivos efeitos e a sua 
 execução em seu favor, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, os trâmites 
 previstos no presente título para a execução das sentenças de anulação de actos 
 administrativos.
 
 5 – A extensão dos efeitos da sentença, no caso de existirem 
 contra‑interessados que não tenham tomado parte no processo em que ela foi 
 proferida, só pode ser requerida se o interessado tiver lançado mão, no momento 
 próprio, da via judicial adequada, encontrando‑se pendente o correspondente 
 processo.
 
 6 – Quando, na pendência de processo impugnatório, o acto impugnado seja anulado 
 por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos 
 n.ºs 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.”
 
  
 
                         Apesar de a recorrente aludir globalmente ao artigo 
 
 161.º do CPTA, o certo é que, atentos os contornos do caso concreto em litígio, 
 a arguição de inconstitucionalidade respeita essencialmente ao seu n.º 1, 
 enquanto prevê – nas condições e termos dos n.ºs 2 a 5 – a extensão dos efeitos 
 de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo 
 desfavorável a uma ou várias pessoas a outras que se encontrem na mesma 
 situação jurídica, mas que não recorreram à via judicial, sendo inaplicável ao 
 caso o disposto no n.º 6, uma vez que não estava pendente qualquer processo 
 impugnatório instaurado pelos requerentes quando foi proferido o acórdão cujos 
 efeitos pretendem lhes sejam extensíveis.
 
  
 
                         2.2. Como assinalam Diogo Freitas do Amaral e Mário 
 Aroso de Almeida (Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3.ª 
 edição, Coimbra, 2004, pp. 108‑114), “o facto de, em muitos domínios da actuação 
 administrativa, haver lugar à produção de actos administrativos em massa, que 
 envolvem a aplicação, por vezes automática ou quase automática, do mesmo 
 dispositivo normativo a um amplo conjunto de pessoas, faz com que, quando nesses 
 domínios a Administração incorre em ilegalidade, se multiplicam os litígios, 
 dando origem a um fenómeno de processos idênticos em grande número que tendem a 
 assoberbar os tribunais administrativos”. Para enfrentar esse fenómeno, na 
 reforma do contencioso administrativo de 2002, foram introduzidas várias 
 soluções inovatórias com o objectivo de agilizar o contencioso administrativo. A 
 primeira traduziu‑se na possibilidade de o juiz ou relator decidir por decisão 
 sumária (que pode consistir na simples remissão para decisão anterior) questões 
 já apreciadas pelo tribunal, de modo uniforme e reiterado (artigo 94.º, n.º 3). 
 Depois, quanto aos “processos em massa”, o artigo 48.º prevê que “quando sejam 
 intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias 
 da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica 
 material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas 
 coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na 
 aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do 
 tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um 
 ou alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo, e se 
 suspenda a tramitação dos demais” (n.º 1), intervindo no julgamento do processo 
 seleccionado todos os juízes do tribunal ou da secção (n.º 4), e que, uma vez 
 decidido com trânsito em julgado o processo seleccionado, as partes nos 
 processos suspensos podem, designadamente, requerer ao tribunal a extensão ao 
 seu caso dos efeitos da sentença proferida (n.º 5, alínea b)), seguindo‑se a 
 tramitação do processo de execução das sentenças anulatórias (n.º 6). Uma 
 terceira solução, assumidamente inspirada no regime do artigo 110.º da 
 espanhola Ley de la Jurisdicción Contencioso‑Administrativa (Lei n.º 29/1998, de 
 
 13 de Julho), consistiu no inovatório regime consagrado no transcrito artigo 
 
 161.º, regime que, como tem sido salientado pela doutrina (Mário Aroso de 
 Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos 
 Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 918‑925; e Rodrigo 
 Esteves de Oliveira, “Processo executivo: algumas questões”, em A Reforma da 
 Justiça Administrativa, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.º 
 
 86, Coimbra, 2005, pp. 239‑267, em especial pp. 260‑263), apesar da sua inserção 
 sistemática no título do CPTA dedicado ao processo executivo, tem natureza 
 essencialmente substantiva, dizendo respeito, em primeira linha, “a relações 
 que, no plano extrajudicial, se desenvolvem entre Administração e particulares, 
 quando estes pretendam que ela proceda, em seu favor, à extensão dos efeitos de 
 sentenças proferidas em benefício de outrem”, só assumindo alcance processual os 
 n.ºs 4 e 6.
 
                         Esta nova possibilidade vale mesmo que a situação em 
 causa tenha sido objecto de acto administrativo (como resulta da primeira parte 
 do n.º 1, que refere a anulação de acto administrativo desfavorável), 
 permitindo‑se “que um interessado que foi objecto de um acto administrativo e 
 não intentou contra ele um processo impugnatório ou, em todo o caso, ainda não 
 obteve decisão nesse processo, peça a anulação desse acto com fundamento nas 
 anulações que, em relação a outros actos precisamente iguais, foram proferidas 
 num conjunto de processos impugnatórios já transitados em julgado. Nisto se 
 concretiza, na verdade, a extensão dos efeitos nesse caso: trata‑se, 
 efectivamente, de estender o efeito constitutivo (anulatório) que foi 
 judicialmente decretado, em relação aos actos impugnados nesses processos, pelas 
 sentenças proferidas nos processos impugnatórios que foram precedentemente 
 decididos com trânsito em julgado, ao caso do interessado na extensão de efeitos 
 e, portanto, ao acto que o afecta e que não foi impugnado naqueles processos” 
 
 (Comentário citado, p. 921).
 
                         Daqui resulta que, de acordo com esse entendimento, a 
 aplicabilidade do instituto não está circunscrita aos actos administrativos 
 plurais, como sustenta a recorrente, abonando‑se na opinião de Luís Filipe 
 Colaço Antunes (“O artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos: uma complexa simplificação”, in Cadernos de Justiça 
 Administrativa, n.º 43, págs. 16‑24). Criticando esta opinião, aduzem os 
 referidos comentadores (nota 899, a pp. 921‑922), que “o preceito em causa não 
 visa assegurar a eficácia erga omnes da sentença anulatória, que, no plano 
 substantivo, se impõe, pela própria natureza do efeito constitutivo da sentença, 
 em relação a todos os que pelo acto sejam afectados. O preceito não visa, 
 portanto, aplicar‑se às situações de actos administrativos com destinatário 
 plural ou indeterminado, mas a quaisquer actos administrativos que tenham 
 colocado o interessado em situação jurídica idêntica à dos destinatários de 
 outros actos que já foram contenciosamente anulados. Não se afigura, por outro 
 lado, compreensível a objecção deduzida pelo Autor de que a aplicação nos termos 
 aqui propostos do mecanismo do artigo 161.º a quaisquer actos administrativos 
 
 (que não apenas os actos plurais ou gerais) implicaria a anulação de actos que 
 não constituíram objecto de acção anulatória. Na verdade, é no pedido de 
 extensão de efeitos que o interessado vai agir contra o acto que o lesou e é a 
 decisão de extensão de efeitos que vai anular o acto em causa, com base no 
 prévio reconhecimento da identidade das situações em presença e do 
 preenchimento dos demais pressupostos da extensão de efeitos. A anulação 
 decorre, portanto, não de um alargamento do objecto do processo impugnatório 
 originário, mas do processo de extensão de efeitos que é intentado pelo 
 interessado, com sujeição ao contraditório da Administração (sem que se coloque 
 a questão do contraditório dos contra‑interessados, visto que, como se refere no 
 texto, a existência de contra‑interessados que não tenham intervindo no 
 processo em que foi proferida a sentença anulatória constitui, nos termos do n.º 
 
 5, um requisito negativo da extensão de efeitos)”.
 
                         De qualquer forma, não competindo ao Tribunal 
 Constitucional, nesta sede, tomar partido sobre a interpretação tida por mais 
 correcta da norma em causa, há que considerar, como um dado da questão de 
 inconstitucionalidade que cumpre apreciar, que o entendimento sufragado pelo 
 acórdão recorrido foi o de que o instituto em causa não se circunscreve aos 
 
 “actos plurais”, sendo aplicável face a actos administrativos individuais, desde 
 que, porém, se verifiquem os demais requisitos elencados no preceito.
 
                         O primeiro requisito é o do trânsito em julgado da 
 sentença que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido 
 uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas. O segundo é que, se o 
 requerente da extensão de efeitos tiver recorrido à via judicial, no respectivo 
 processo ainda não exista sentença transitada em julgado. Depois, é necessário 
 que, na decisão judicial cuja extensão de efeitos se pretende, o tribunal 
 tenha julgado procedente uma pretensão perfeitamente idêntica àquela que 
 o interessado accionou ou teria podido accionar contra a mesma entidade 
 administrativa (isto é: que se trate “de um litígio contra a mesma entidade 
 administrativa e que surja na sequência da mesma questão de direito, cuja 
 resolução convoque a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras 
 jurídicas ou, se se preferir, de um caso idêntico, quanto ao pedido (igual 
 providência pretendida) e à causa de pedir (procede de idêntico facto 
 jurídico), àquele sobre que recaiu a sentença” – Rodrigo Esteves de Oliveira, 
 estudo citado, p. 261). Em seguida, exige‑se que, no mesmo sentido, tenham sido 
 proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou três sentenças proferidas 
 em processos seleccionados nos termos do artigo 48.º do CPTA (processos em 
 massa). Finalmente, excluem‑se da aplicabilidade do instituto as situações em 
 que existam contra‑interessados que não tomaram parte no processo em que foi 
 proferida a sentença cujos efeitos se pretendem estender ao caso dos 
 requerentes, excepto se estes tiverem lançado mão, no momento próprio, da via 
 judicial adequada, encontrando‑se pendente o correspondente processo. Apenas se 
 acrescente que tem sido doutrinalmente entendido que a extensão dos efeitos da 
 sentença, sendo admissível apesar do decurso do prazo de impugnação do acto 
 administrativo desfavorável (isto é: apesar da caducidade do correspondente 
 direito de acção), já não é possível se dela resultar afectação das situações de 
 prescrição substantiva (neste sentido: José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça 
 Administrativa (Lições), 9.ª edição, Coimbra, 2007, p. 391 e nota 897), pois o 
 artigo 161.º “não constitui causa de desaplicação dos prazos de prescrição que 
 eventualmente haja para o exercício dos direitos substantivos que se pretendem 
 fazer valer” (Rodrigo Esteves de Oliveira, estudo citado, p. 263).
 
                         É dentro destes rigorosos requisitos que o legislador 
 admite que seja reconhecida a pretensão dos requerentes a um tratamento 
 idêntico ao concedido, em “casos perfeitamente idênticos”, por jurisprudência 
 reiterada, mesmo que aqueles não tenham lançado mão, oportunamente, dos meios 
 processuais de impugnação do acto que lhes foi desfavorável, e que, por isso, se 
 teria convertido em “caso decidido” ou “caso resolvido”.
 
  
 
                         2.3. Este “desrespeito do caso decidido”, com 
 
 “afastamento das consequências típicas associadas ao decurso do prazos de 
 caducidade (do direito de acção)”, violará, como pretende a recorrente, os 
 princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade?
 
                         Como a jurisprudência deste Tribunal (na esteira, aliás, 
 de entendimento já defendido pela Comissão Constitucional) tem reiteradamente 
 afirmado (cf., por último, as sínteses constantes dos n.ºs 11 e 12 do Acórdão 
 n.º 86/2004 e do n.º 2.3. do Acórdão n.º 310/2005, e Isabel Alexandre, “O Caso 
 Julgado na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, em Estudos em Homenagem 
 ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 11‑77), nem 
 sequer o caso julgado (judicial) beneficia de protecção constitucional 
 absoluta, apesar da possibilidade de convocação, em seu apoio, não apenas do 
 princípio da segurança jurídica inerente ao princípio do Estado de direito 
 
 (artigo 2.º), mas também da especial força vinculativa das decisões dos 
 tribunais (artigo 205.º, n.º 2) e do princípio da separação de poderes (artigos 
 
 2.º e 111.º, n.º 1, todos da CRP). Da desenvolvida análise da jurisprudência do 
 Tribunal feita no citado estudo conclui a respectiva autora que o caso julgado 
 
 (material ou formal) não é concebido como um valor absoluto, embora, 
 considerando‑se naturalmente imanente à função jurisdicional a definitividade da 
 decisão proferida a final num processo, a modificabilidade ou revogabilidade 
 dessa decisão só deva ser permitida em casos excepcionais, cabendo, porém, uma 
 
 “vasta margem de liberdade do legislador na escolha das decisões que, dentro do 
 processo, são aptas a constituírem caso julgado, na determinação dos limites do 
 caso julgado e, bem assim, no estabelecimento dos requisitos do trânsito em 
 julgado de uma decisão”; por outro lado, da analisada jurisprudência extrai‑se 
 ainda que “o caso julgado deve poder ser impugnado em certos casos”, sendo 
 configurável a revisão de sentenças (mesmo fora do campo criminal – em que o 
 direito à revisão das sentenças condenatórias injustas está expressamente 
 consagrado no artigo 29.º, n.º 6, da CRP) como uma decorrência do direito de 
 acção, não podendo o legislador abolir, pura e simplesmente, os recursos 
 extraordinários (caracterizados por terem por objecto decisões transitadas em 
 julgado) em processo civil (estudo citado, pp. 61‑62). Como, a este propósito, 
 se referiu no n.º 2.4. do Acórdão n.º 310/2005, “o caso julgado, configurando‑se 
 como um valor constitucionalmente relevante, deverá dispor de algum grau de 
 protecção (de intangibilidade), em termos de a sua ultrapassagem só ser 
 aceitável dentro de um lógica de balanceamento ou ponderação com outros 
 interesses dotados, também eles, de tutela constitucional. E, seguindo este 
 entendimento, se é certo que a existência de um meio processual de ultrapassagem 
 do caso julgado, v. g. com as características que o nosso ordenamento adjectivo 
 confere ao recurso de revisão (e ao recurso de oposição de terceiro), cumpre 
 igualmente um objectivo dotado de relevância constitucional (que decorre do 
 artigo 20.º da CRP), não é menos certo que, descontada a supressão pura e 
 simples da existência desse (de um qualquer) meio de ultrapassagem do caso 
 julgado – supressão esta constitucionalmente ilegítima – ao legislador 
 ordinário sempre assistirá um apreciável grau de liberdade na configuração 
 concreta desse meio processual”.
 
                         Ora, o denominado “caso decidido” (administrativo) 
 seguramente não merece protecção constitucional mais intensa que o “caso 
 julgado” (judicial). A propósito da norma do artigo 282.º, n.º 3, da CRP, que 
 ressalva os “casos julgados” dos típicos efeitos ex tunc da declaração de 
 inconstitucionalidade, tem sido discutida a extensão dessa ressalva aos “casos 
 decididos” (e a outras situações juridicamente consolidadas), sendo prevalecente 
 a ideia de que, embora similares razões de segurança jurídica possam justificar 
 essa extensão (que o Tribunal Constitucional tem cautelarmente feito, em 
 diversas situações, através do uso da faculdade de limitação de efeitos que o 
 n.º 4 desse artigo 282.º lhe confere), ela não é imperiosa nem assenta 
 directamente numa equiparação, constitucionalmente imposta, entre caso julgado e 
 caso decidido (cf., por último, uma referência desenvolvida ao “estado da 
 questão”, dos pontos de vista doutrinal e jurisprudencial, em Jorge Miranda e 
 Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra, 2007, pp. 
 
 842‑845, nota VIII ao artigo 282.º). Por isso, seguramente que não pode ser 
 atribuído um valor absoluto à “intangibilidade” do “caso decidido”, sendo 
 admissíveis quebras à tendencial estabilidade das relações jurídicas definidas 
 por actos administrativos “consolidados”, desde que outros valores 
 constitucionais relevantes tal justifiquem.
 
                         Acresce que, contrariamente ao que a recorrente parece 
 supor, da não impugnação de um acto administrativo desfavorável, que padeça de 
 vício gerador de anulabilidade, no prazo de que legalmente dispunha um 
 determinado interessado, nem se segue imediatamente a formação de “caso 
 decidido”, nem, muito menos, mesmo quando esta consolidação venha a ocorrer, 
 dela decorre a sanação do vício ou a convalidação do acto.
 
                         Antes de prosseguirmos com a demonstração destas 
 afirmações, importa, desde já, desfazer o equívoco, em que a recorrente parecer 
 incorrer, consistente no tratamento da falta de impugnação tempestiva de acto 
 inválido desfavorável como se representasse a “aceitação do acto”, expressa ou 
 tácita (derivando esta da “prática, espontânea e sem reserva, de facto 
 incompatível com a vontade de impugnar”), que priva o interessado da faculdade 
 de impugnar o acto. Esta “aceitação do acto” tem sido tradicionalmente tratada, 
 designadamente pelo legislador (cf. artigos 827.º do Código Administrativo, 
 
 47.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, 53.º, n.º 4, e 160.º, 
 n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e 56.º do CPTA), a propósito da 
 legitimidade contenciosa e procedimental, o que conduziu a que fosse concebida 
 como um requisito negativo desse pressuposto processual (cf. Rui Chancerelle de 
 Machete, “Sanação (do acto administrativo inválido)”, em Dicionário Jurídico da 
 Administração Pública, vol. VII, 1996, pp. 327‑343, em especial n.º 10, a pp. 
 
 339‑341), tendo mais recentemente J. C. Vieira de Andrade (“A aceitação do acto 
 administrativo”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo do 75.º 
 Tomo do Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 2003, pp. 907‑934) defendido a 
 sua concepção como um “pressuposto processual autónomo” (p. 926), concebido como 
 
 “um mero acto jurídico do particular, que revele a sua conformação voluntária 
 com o conteúdo da decisão de autoridade, (…) e que produz, por determinação 
 legal, a perda da faculdade de impugnação desse acto” (p. 919). 
 Independentemente da concepção que se perfilhe, duas constatações merecem a 
 concordância dos dois autores citados: por um lado, são figuras diferentes o 
 decurso do prazo de impugnação e a aceitação do acto [segundo J. C. Vieira de 
 Andrade, local citado, p. 915, “nunca o decurso do tempo poderia ser entendido 
 como uma manifestação de vontade (que a aceitação sempre pressupõe), nem o facto 
 do não exercício do direito nesse tempo poderia significar uma conformação com 
 os efeitos do acto – para além de não constituir uma aceitação expressa nem, em 
 rigor, configurar a prática de um facto, o não exercício pode ter sido 
 determinado pelas mais diversas razões”; para Rui Chancerelle de Machete, local 
 citado, pp. 337‑338, a aceitação do acto, a renúncia ao recurso contencioso e o 
 decurso do prazo para recorrer, apesar de ser frequente na doutrina e na 
 jurisprudência uma certa indistinção terminológica e também conceptual, “são, 
 porém, figuras estruturalmente diferentes que importa não confundir”, tendo “a 
 preclusão do direito de impugnação por decurso do prazo processual previsto 
 para o exercitar” como causa “um facto e não um acto jurídico (…) das partes”]; 
 por outro lado, a aceitação do acto – tal como a seguir veremos acontecer quanto 
 ao decurso do prazo de impugnação – não tem qualquer efeito de sanação do vício 
 de que o acto padeça: “a aceitação da disciplina desfavorável de acto 
 administrativo traduz‑se em [o particular] abdicar do seu interesse à disciplina 
 favorável, isto é, em renunciar ao interesse legítimo”, mas “não pode 
 entender‑se como adesão ou reconhecimento da legalidade do acto, pelo carácter 
 indisponível de interesse público prosseguido pela Administração” (Rui 
 Chancerelle de Machete, local citado, p. 341).
 
                         Encerrado este parêntesis, destinado a afastar a 
 confusão entre aceitação do acto e decurso do prazo de impugnação do acto, e 
 retomando a demonstração encetada, sublinhe‑se que a não impugnação de 
 determinado acto administrativo anulável, no prazo legalmente concedido a 
 determinado interessado, apenas produz a relativa estabilização do acto quanto a 
 esse interessado, sendo bem possível que tal estabilização só venha a ocorrer 
 posteriormente quanto a outros interessados, bastando para tal que o início dos 
 respectivos prazos de impugnação se tenha iniciado mais tarde (por ter ocorrido 
 posteriormente o facto – notificação, publicação, conhecimento do acto ou da 
 sua execução – que marca o início da respectiva contagem) ou que esses prazos 
 tenham duração superior (como geralmente ocorre com o prazo de impugnação de que 
 dispõe o Ministério Público, que é de um ano, em contraste com o prazo de três 
 meses dos restantes interessados, prazo este que, aliás, pode ser excedido, até 
 ao limite de um ano, se se demonstrar que, no caso concreto, a tempestiva 
 apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente por: 
 
 (i) a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; (ii) o 
 atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro 
 normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam 
 quanto à identificação do acto impugnável ou à sua qualificação como acto 
 administrativo ou como norma; ou (iii) se ter verificado uma situação de justo 
 impedimento – artigo 58.º do CPTA).
 
                         Da expiração do prazo de impugnação de acto anulável por 
 parte do particular seu destinatário também não se segue a sua imediata 
 
 “consolidação” por outra razão: é que a própria Administração mantém o poder de 
 revogação do acto inválido, com fundamento na sua invalidade, dentro do prazo do 
 recurso que terminar em último lugar (artigo 141.º do Código do Procedimento 
 Administrativo).
 
                         Mas mesmo que venham a expirar todos os prazos, quer de 
 impugnação, quer de revogação (e/ou anulação), do acto administrativo inválido, 
 e quando, assim, finalmente, se puder falar com rigor em “caso decidido” ou 
 
 “caso resolvido”, daí não se segue a convalidação do acto ou sanação do vício, 
 não sendo lícito afirmar que, por esses factos, o acto ilegal se transformou num 
 acto legal, o que é bem demonstrado pela possibilidade de a ilegalidade (e 
 inerente ilicitude) do acto “consolidado” ser apreciada incidentalmente em acção 
 de responsabilidade. Como refere Margarida Cortez (A Responsabilidade Civil da 
 Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa 
 do Lesado, Coimbra, 2000, pp. 82‑85), a inimpugnabilidade, sendo “uma 
 qualificação dos actos administrativos que já não se encontram ao alcance do 
 poder de reacção directa dos particulares”, “não é uma qualificação intrínseca 
 dos actos administrativos e (…), portanto, não tem quaisquer conexões com a 
 validade”, e, por isso, “não determina a convalidação do acto inválido, pois é 
 apenas uma modalidade de conservação e não de convalescença dos actos 
 administrativos inválidos em geral”: “o acto permanece tal qual era antes de 
 expirado o prazo de recurso, conservando os vícios com que nasceu”. E prossegue 
 esta autora: “Contrariamente à sentença que, uma vez transitada em julgado, 
 adquire força de «verdade legal», não podendo mais ser posta em causa, ainda que 
 indirectamente, o acto administrativo pode ver a sua legalidade contestada por 
 via de incidente ou por via de excepção. Daí a possibilidade de apreciar a 
 
 (i)legalidade de um acto administrativo, que entretanto se tornou inopugnável, 
 numa acção sobre responsabilidade, tendo em vista o apuramento da ilicitude. 
 
 (…) Quer isto dizer que o esgotamento do prazo de recurso não produz efeitos 
 substanciais: não incide sobre a situação jurídica substantiva, eventualmente 
 subjacente, não impedindo, portanto, a sua tutela por outras vias. Daí que não 
 se possa atribuir ao acto administrativo uma autoridade material análogo à do 
 caso julgado material da sentença, especialmente no que se refere à sua 
 incontestabilidade por via judicial” (obra citada, pp. 84‑85).
 
                         O não reconhecimento ao decurso do prazo de impugnação 
 de acto administrativo anulável de efeito sanatório do vício de que padecesse 
 e, consequentemente, a aceitação da persistência da ilicitude derivada da 
 ilegalidade do acto acabou por ser jurisprudencialmente reconhecida, 
 designadamente no acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo, de 27 de Fevereiro de 1996, proc. n.º 23 058 (publicado, como 
 anotação de Margarida Cortez, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 1, 
 Janeiro/Fevereiro de 1997, pp. 8‑18), que abandonou a concepção tradicional da 
 segunda parte do artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 
 
 1967, como o estabelecimento de um regime de caducidade do direito de 
 ressarcimento ou de uma excepção peremptória fundada no caso decidido ou caso 
 resolvido por falta de oportuna impugnação contenciosa, para ver nessa previsão 
 legal apenas o estabelecimento de um regime de exclusão ou diminuição da 
 indemnização quando a negligência processual do lesado, por omissão ou 
 deficiência na impugnação contenciosa do acto administrativo ilegal ou na 
 utilização dos meios processuais acessórios, tenha contribuído para a produção 
 ou agravamento dos danos. 
 
                         Foi este entendimento que veio a ser legislativamente 
 consagrado, de forma inequívoca, primeiro no artigo 38.º, n.º 1, do CPTA, que 
 permite que o tribunal, designadamente no domínio da responsabilidade civil da 
 Administração por actos administrativos ilegais, possa “conhecer, a título 
 incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser 
 impugnado”, e, por último, no novo Regime da Responsabilidade Civil 
 Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 
 
 67/2007, de 31 de Dezembro, cujo artigo 4.º dispõe que “quando o comportamento 
 culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos 
 causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à 
 eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na 
 gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham 
 resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo 
 excluída”.
 
                         Por último, refira‑se que, para além de – como acabou de 
 se demonstrar – o decurso do prazo de impugnação de acto inválido não ter efeito 
 sanatório do vício que o afecta, não convertendo, assim, um acto ilegal em acto 
 legal, a “estabilidade” do “caso decidido”, agora numa perspectiva substantiva, 
 já havia sido relativizada pela disposição do artigo 9.º, n.º 2, do Código do 
 Procedimento Administrativo, que, a contrario, permite a renovação de 
 pretensões, mesmo sem invocação de novos fundamentos, decorridos dois anos sobre 
 a apresentação de requerimento entretanto objecto de acto administrativo 
 desfavorável. Como refere Mário Aroso de Almeida (“Considerações em torno do 
 conceito de acto administrativo impugnável”, em Estudos em Homenagem ao 
 Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Coimbra, 
 
 2006, p. 276): “Por força do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CPA, ainda que o 
 interessado não reaja e deixe consolidar na ordem jurídica um acto de conteúdo 
 negativo, ele não fica impedido, no plano substantivo, de deduzir de novo a 
 mesma pretensão, constituindo de novo a autoridade competente no dever de 
 decidir, desde que aguarde o decurso do prazo de dois anos. Embora não lhe 
 retire a força de caso decidido formal (…), esta solução tem o alcance de 
 retirar ao acto negativo a força de caso decidido material, impedindo que a 
 solução por ele determinada se possa vir a consolidar em termos definitivos na 
 ordem jurídica”.
 
                         Demonstrada a relatividade que o ordenamento jurídico 
 vigente confere à “estabilidade” das situações jurídicas definidas por acto 
 administrativo não oportunamente impugnado pelo interessado, é neste domínio 
 mais patente – em comparação com as situações cobertas por caso julgado judicial 
 
 – a admissibilidade constitucional, sem quebra intolerável do princípio da 
 protecção da segurança jurídica, de soluções legais que admitam o desrespeito de 
 
 “casos decididos”, desde que tal seja reclamado por outros valores, também eles, 
 constitucionalmente tutelados. Ainda recentemente, no Acórdão n.º 164/2008 
 
 (cuja doutrina foi reiterada no Acórdão n.º 265/2008), o Tribunal 
 Constitucional, ao julgar não inconstitucional a norma constante do artigo 
 
 371.º‑A do Código de Processo Penal, na redacção aditada pela Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir a reabertura de 
 audiência para aplicação de nova lei penal que aumenta o limite máximo das penas 
 concretas a considerar, para efeitos de suspensão de execução de pena privativa 
 da liberdade, reconheceu que a intangibilidade do caso julgado (no caso, 
 penal), apesar da sua relevância no âmbito da protecção constitucional da 
 segurança jurídica, não assumia valor absoluto, não prevalecendo sobre os 
 valores constitucionais (tidos por superiores) da aplicação retroactiva do 
 regime penal de conteúdo mais favorável ao arguido.
 
                         Com efeito, como recentemente se recordou no Acórdão n.º 
 
 335/2008 desta 2.ª Secção, com desenvolvidas referências doutrinais e 
 jurisprudenciais, o princípio da protecção da confiança, que proscreve a 
 afectação intolerável, inadmissível e arbitrária de direitos e expectativas 
 legítimas – em regra visto na perspectiva da defesa dos direitos dos cidadãos, 
 mas que nada impede seja também encarado do ponto de vista da Administração (ou 
 de associações profissionais para que foram transmitidos poderes de autoridade 
 na definição do acesso a determinadas profissões, como no presente caso ocorre) 
 
 – assenta numa “ideia geral de inadmissibilidade [que] poderá ser aferida, 
 nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) a afectação de expectativas, em 
 sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem 
 jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes 
 não possam contar; e, ainda, b) quando não for ditada pela necessidade de 
 salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam 
 considerar‑se prevalecentes (deve recorrer‑se, aqui, ao princípio da 
 proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, 
 liberdades e garantias, no n.º 2 do art. 18.º da Constituição, desde a 1.ª 
 Revisão). Pelo primeiro critério, a afectação das expectativas será 
 extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa 
 onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque 
 injustificada ou arbitrária”.
 
                         Ora, como se viu, “a determinação em concreto das 
 situações consolidadas não é uma questão resolvida pelo texto constitucional” 
 
 (Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra e tomo citados, pp. 844‑845), cabendo neste 
 domínio uma ampla margem de conformação ao legislador ordinário, designadamente 
 quanto à definição das condições de constituição de “caso decidido”, aos seus 
 efeitos e aos requisitos da sua modificabilidade. Por outro lado, a 
 possibilidade de, apesar do decurso do prazo de impugnação do acto desfavorável 
 de que o interessado dispôs (gerando a inimpugnabilidade, que não a 
 convalidação, do acto), vir a ser‑lhe reconhecido – pelo mecanismo da extensão 
 dos efeitos das sentenças proferidas em situações perfeitamente iguais, de 
 acordo com jurisprudência consistentemente reiterada, e sem possibilidade de 
 afectação de direitos de contra‑interessados – o direito por aquele acto negado, 
 
 é ditada por preocupações, constitucionalmente relevantes, de justiça material e 
 de tratamento igual de situações substancialmente iguais.
 
                         Esta última consideração serve também para dar por não 
 verificada a alegada violação do princípio da igualdade. Como no recente Acórdão 
 
 (do Plenário) n.º 313/2008 se recordou, citando o Acórdão n.º 522/2006:
 
  
 
             “2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste 
 Tribunal a caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º 
 da CRP, como proibição do arbítrio (cf. o Acórdão n.º 232/2003, publicado no 
 Diário da República, I Série‑A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514/3531). Com tal 
 sentido, nas palavras do Tribunal Constitucional, «[o] princípio [da igualdade] 
 não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se 
 possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, ‘razoável, racional 
 e objectivamente fundadas’, sob pena de, assim não sucedendo, ‘estar o 
 legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções 
 objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes’ […]. 
 Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e 
 afaste a discriminação infundada […]» (Acórdão n.º 319/2000, publicado no Diário 
 da República, II Série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16 785/16 786).
 
             Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado 
 por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter 
 arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de «[...] não 
 ser possível encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das 
 coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível […]». Daí que 
 
 «[n]ão exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se 
 todos os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados 
 insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma 
 fundamentação justificativa da diferenciação […]. A máxima de igualdade implica, 
 assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais» 
 
 (Robert Alexy, ob. cit., p. 371).”
 
  
 
                         O regime legal questionado, implicando, “no contexto dos 
 processos em massa, uma redefinição do «caso decidido», que aqui se entendeu 
 dever vergar ao maior peso do direito a igual tratamento” (Rodrigo Esteves de 
 Oliveira, estudo citado, p. 263), não surge como arbitrário, nem desrazoável ou 
 injustificado, antes busca, dentro de apertados requisitos, alcançar um 
 tratamento substancialmente idêntico para situações substancialmente idênticas, 
 com sacrifício – que o legislador considerou justificado, em juízo que não 
 assume irrazoabilidade tal que leve o Tribunal Constitucional a fulminá‑lo como 
 inconstitucional – da relativa estabilidade de que, em regra, beneficiam os 
 actos administrativos cujo prazo de impugnação já decorreu.
 
                         Termos em que se consideram improcedentes os vícios de 
 inconstitucionalidade assacados pela recorrente à norma questionada.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do 
 artigo 161.º, n.ºs 1 a 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 
 aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 
 
 4‑A/2003, de 19 de Fevereiro; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão 
 recorrido, na parte impugnada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 
                         Lisboa, 2 de Julho de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos