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Processo n.º: 657/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 25 de Junho de 2004 o relator lavrou decisão sumária com o seguinte teor:
“1. Não se conformando com a sentença proferida em 15 de Julho de 2003 pela Juíza do 3º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de comarca de Cascais, que absolveu a arguida A. do crime de furto qualificado pelo qual vinha pronunciada, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa os assistentes B. e C., visando o reexame da matéria de facto e de direito.
Na resposta à motivação apresentada[ ] pelos assistentes, a arguida, inter alia, formulou as seguintes «conclusões»:
‘1.ª O recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 414º, n.º 2; 320º, n.º
1; 417º, n.º 3, alínea c) do CPP, pelo incumprimento do ónus a que aludem os ns.º 3 e 4 do artigo 412º do CPP, já que os recorrentes nas conclusões do seu recurso (i) não especificam as provas que impõem decisão diversa da recorrida
(ii) nem o fazem ali por referência aos suportes técnicos em que se gravou a prova em causa;
2.ª O recurso dos assistentes, na parte em que impugna a matéria de facto, deve improceder (i) quer por não ter sido dado cumprimento ao ónus previsto nos números 3 e 4 do artigo 412º do CPP (ii) quer por não haver erro notório na apreciação da prova [n.º 2, alínea c) do CPP] antes mera divergência de entendimento dos recorrentes quanto ao modo como o tribunal apreciou a prova, nos termos do artigo 127º do CPP (iii) quer porque não se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [alínea a) do n.º 2 do citado artigo
410º do CPP], pois foram ponderados na sentença todos os factos típicos que integravam o objecto do processo, tal como balizado pela pronúncia.
3.ª Os recorridos impugnam a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, mas não cumprem a tal propósito, o ónus a que se encontram adstritos por força dos ns.º 3 e 4 do artigo 412º do CPP, antes se limitam a contrapor aos factos que a sentença deu como provados ou como não provados, alguns até irrelevantes - pois que não integrando o objecto do processo -, mas sem que [se] perceba, ante o referido incumprimento daquelas normas legais, qual a razão pela qual, em função da prova produzida - ou da que houver que renovar - estes factos devem ser, afinal, admitidos.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Igualmente a Representante do Ministério Público junta do citado Juízo, na resposta à motivação, sustentou que os recorrentes não respeitaram ‘o estatuído nos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP’.
Em 18 de Março de 2004 decorreu no Tribunal da Relação de Lisboa audiência oral, na qual esteve presente o mandatário dos recorrentes, que alegou, não constando da respectiva acta que o mesmo, relativamente à questão assinalada do não cumprimento dos números 2 e 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, tivesse suscitado o que quer que fosse, designadamente a contraditoriedade com a Lei Fundamental por banda daqueles preceitos.
Por acórdão de 25 de Março de 2004 negou aquele Tribunal de 2ª instância provimento ao recurso.
Nesse aresto, em dados passos, ficou consignado:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Ressalta das conclusões da motivação formulada pelos recorrentes que estes impugnam a decisão do tribunal de 1ª. Instância não só ao nível da matéria de facto como da matéria de direito.
No caso em apreço, este Tribunal poderia conhecer de facto, em conformidade com o preceituado no artº. 428º., do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1ª. Instância, a qual, se mostra transcrita nos autos (cfr. as 8 pastas apensas).
Sucede, porém, que, em conformidade com o disposto na al. b), do artº.
431º., do CPP, e sem prejuízo do disposto no artº. 41º., do mesmo Código, a decisão sobre a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova, se esta tiver sido impugnada nos termos do artº. 412º., nº. 3.
Com efeito, estabelece este normativo que, quando impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas, sendo certo que nestes
últimos casos (das als. b) e c) referidas), tal especificação faz-se ‘por referência aos suportes técnicos’, em conformidade com o preceituado no nº. 4, do mesmo artº. 412º.
Discutido o acerto da factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida não deram os recorrentes cumprimento às exigências enunciadas, visto não terem especificado nas conclusões os factos concretos incorrectamente julgados, nem as provas que imp[õ]em decisão diversa da recorrida, o que deveriam ter feito por referência aos suportes técnicos respectivos.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Os recorrentes não impugnaram a matéria de facto nos termos do artº
412º, nºs 3 e 4, do CPP, como o demonstram as conclusões da motivação do recurso, pelo que o recurso deveria ser, em princípio, rejeitado, o que só não acontece por os recorrentes impugnarem igualmente matéria de direito.
E, assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, ex vi da al. b), do artº. 431º, do CPP (cfr., neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 30-10-02, in C.J., Ano XXVII, Tomo IV, pág. 140), a significar que esta Relação não deve nem pode sindicar a decisão de facto impugnada, o que equivale a dizer que os poderes de cognição se encontram circunscritos, no caso, à matéria de direito, sem prejuízo da ocorrência dos vícios do artº. 412º., nº. 2, do CPP.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificados do acórdão de que parte se encontra extractada, vieram os assistentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista a ser
‘apreciada a constitucionalidade dos normativos ínsitos nos números 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo, nomeada e concretamente, na parte em [que] recusou o conhecimento do recurso interposto sobre a matéria de facto, ‘visto não ter especificado nas conclusões os factos concretos incorrectamente julgados, nem as provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que deveriam ter feito por referência aos suportes técnicos respectivos’.
No requerimento de interposição de recurso, os assistentes sustentam que tal ‘inconstitucionalidade não pôde ser suscitada em momento anterior, porquanto deriva de uma interpretação particular e inovadora constante do próprio Acórdão recorrido, não tendo portanto sido possível aos Recorrentes prevenir tal questão’.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 6 de Maio de 2004 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como deflui do relato supra realizado, os ora recorrentes admitem expressamente que não suscitaram, antes da prolação do acórdão intentado impugnar, a questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda dos preceitos insertos nos números 3 e 4 do artº 412º do diploma adjectivo criminal. E dizem que o não fizeram, por isso que, só com o proferimento da decisão judicial agora pretendida censurar, ficaram cientes da interpretação
(‘particular e inovadora’) e aplicação dos ditos preceitos, pelo que, precedentemente, lhes não teria sido possível ‘prevenir tal questão’.
Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que não é perfeitamente entendível a menção a uma ‘particular e inovadora’ interpretação conferida aos aludidos preceitos pelo acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e isso porque aquilo que, a tal propósito, se surpreende no mesmo, mais não é que a aplicação, ao caso, daqueles normativos, atenta a sua literalidade.
Por outro lado, é por demais inexacta a asserção segundo a qual, antes de ser lavrado o referenciado acórdão, não teria sido possível aos impugnantes suscitar a questão de inconstitucionalidade que agora desejam vir a ser apreciada por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa.
Efectivamente, como de igual modo resulta do indicado relato, nas respostas à motivação do recurso deduzidas pelos assistentes (respostas essas levadas a efeito pela arguida e pela Representante do Ministério Público), foi, expressamente, suscitada a questão do não conhecimento do recurso atinente à matéria de facto, justamente pela razão segundo a qual aqueles assistentes não cumpriram os ónus decorrentes dos referidos números 3 e 4 do artº 412º.
Isso significa, inquestionavelmente, que os recorrentes dispuseram de plena oportunidade processual para questionar a aplicação dos mencionados preceitos antes de ser proferido o acórdão, quanto mais não seja no decurso da audiência realizada no Tribunal da Relação de Lisboa, à qual, como se disse já, esteve presente o mandatário (substabelecido) dos assistentes.
Haverá, consequentemente, que concluir, como se conclui, que, no caso sub specie, os assistentes não cumpriram, não obstante terem desfrutado de oportunidade processual para tanto, o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão desejada ser submetida a apreciação pelo Tribunal Constitucional, motivo pelo qual falece um dos requisitos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamaram os assistentes nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação dizem os ora impugnantes:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ I-INTRODUÇÃO
1. Os Assistentes e ora Reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito dos autos de recurso n.º 425/04, que correu os seus termos na 9ª Secção.
2. No dia 28.06.04 foi proferida decisão sumária de rejeição do recurso interposto pelos recorrentes, nos termos e para os efeitos constantes do [ ] art. 78°-A, nº 1 da L.T.C..
3. Essa decisão sumária entendeu, em suma, o seguinte:
‘...No caso sub specie, os assistentes não cumpriram, não obstante terem desfrutado de oportunidade processual para tanto, o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão desejada ser submetida a apreciação pelo Tribunal Constitucional, motivo pelo qual falece um dos requisitos do recurso a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, nesse contexto, decidindo não tomar conhecimento do objecto do recurso.’
4. Atenta a fundamentação da decisão sumária, por entenderem que a decisão proferida incorre em imprecisões e incorrecções que culminaram na rejeição ora em apreço, com as quais não se podem manifestamente conformar , deduzem os recorrentes a presente reclamação. II - DA RECLAMACÃO
5. A decisão sumária proferida nos presentes autos e ora em apreço, a fls. 2, 3 e 4 consagra o seguinte:
‘No dia 18 de Março de 2004, decorreu no Tribunal da Relação de Lisboa audiência oral, na qual esteve presente o mandatário dos recorrentes, que alegou, não constando da respectiva acta que o mesmo, relativamente à questão assinalada do não cumprimento dos números 2 e 3 do art. 412.º do Código de Processo Penal tivesse suscitado o que quer que fosse, designadamente a contraditoriedade com a Lei Fundamental por banda daqueles preceitos.’
(...)
«Como deflui do relato supra realizado, os ora recorrentes admitem expressamente que não suscitaram, antes da prolação do acórdão intentado impugnar, a questão da desconformidade com a Lei Fundamental por banda dos preceitos insertos nos números 3 e 4 do art. 412.º do diploma adjectivo criminal. E dizem que não o fizeram, por isso que, só com o proferimento da decisão judicial agora pretendida censurar, ficaram cientes da interpretação (‘particular e inovadora’) e aplicação dos ditos preceitos, pelo que, precedentemente, lhes não teria sido possível ‘prevenir tal questão’
‘Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que não é perfeitamente entendível a menção a uma ‘particular e inovadora’ inte1pretação conferida aos aludidos preceitos pelo acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e isso porque aquilo que, a tal propósito, se surpreende no mesmo, mais não é que a aplicação, ao caso, daqueles normativos, atenta a sua literalidade’
6. Salvo o devido respeito, a decisão sumária objecto da presente reclamação não atendeu a todos os fundamentos que levaram os Recorrentes a interpor o recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Antes demais, contrariamente ao se deixou consignado na decisão sumária objecto da presente reclamação, resulta da literalidade do art. 412.º, lido no seu conjunto, que o legislador diferencia o recurso interposto sobre matéria de direito e sobre matéria de facto.
8. Quanto ao recurso em matéria de direito, o legislador impõe que o recorrente indique, nas conclusões, sob pena de rejeição, os pontos descritos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 412,º;
9. Quanto ao recurso em matéria de facto, o legislador indica os pontos que o Recorrente especificamente deve indicar , mas não impõe que tal resulte das conclusões, contrariamente ao que discrimina quanto à matéria de direito.
10. Pelo que, do confronto, dos n.ºs 2 e 3 do art. 412.º, resulta com mediana clareza que as especificações necessárias ao recurso em matéria de facto devem constar obrigatoriamente da motivação, sob pena, inclusivamente, de as conclusões se apresentarem excessivamente extensas, perdendo o carácter de resumo das razões do pedido.
11. Por outro lado, existe jurisprudência fixada pelo próprio Tribunal Constitucional quanto à matéria em apreço, jurisprudência essa que é inclusivamente citada no Acórdão recorrido.
12. Pelo que, legitimamente, esperaram os Recorrentes que, caso o Tribunal recorrido entendesse que, nas conclusões, os Recorrentes, devessem individualizar os pontos indicados nas alíneas a), h) e c) do n.º 3 e n.º 4 do art. 412.º, os convidasse as suprir tais insuficiências, o que não aconteceu.
13. A consequência, é que chegados os autos a audiência nos termos do art. 423.º do CPP, uma vez que não foi feito tal convite, não suscitaram a inconstitucionalidade, ditando o requerimento para acta, porquanto legitimamente pensaram que tal obstáculo formal só poderia estar ultrapassado.
14. Ainda assim, o próprio Acórdão recorrido analisa a questão da inconstitucionalidade, nos termos que, se passa a transcrever:
‘Os recorrentes não impugnaram a matéria de facto nos termos do art. 412.º n.ºs
3 e 4 do CPP, como o demonstram as conclusões da motivação do recurso, pelo que o recurso deveria ser, em princípio, rejeitado, o que só não acontece por os recorrentes impugnarem igualmente matéria de direito. (...)
‘E não se diga que este entendimento viola a Lei Fundamental.
É certo que o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 320/02, de 09-07-02. in DR, I Série-A, de 07-10-02, decidiu declarar com força obrigatória geral. a inconstitucionalidade, por violação do art. 32.º, n º1 da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art. 412.º, n.° 2 do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta de indicação nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido. sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência. Este mesmo Tribunal no Ac. n.º 529/03, de 31.10.03, in DR, II Série, de
17-12-03, decidiu declarar inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do art. do art. 412.º. n. ° 3 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação. nas conclusões da motivação de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a). h) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência.
(...) E como decidiu o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 259/02, de 18-06-02. in DR, II Série. de 13-12-02. não são inconstitucionais, à luz do disposto nos artigos
18.º, 20.º n[.]º1 e 32.º, n.º 7, todos da Constituição, as normas do art. 421.
º, n. º s 3 e 4 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.° 3 e no n. º 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação
(sublinhado nosso).
15. Sabendo que os Assistentes cumpriram os requisitos previstos no art. 412.º, n.º 3 e 4 do CPP, na motivação de recurso, por força da jurisprudência citada do Tribunal Constitucional, deveriam ter sido convidados a suprir eventuais deficiências nas conclusões da motivação.
16. Aliás, a inconstitucionalidade é de tal forma patente e ostensiva no texto da decisão recorrida, por aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional que, nos termos da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 70°, n.º 1, al. g) e 72.º, nº 3, trata-se de casos de recurso obrigatório para o Ministério Público.
17. A interpretação de tais normativos acolhida pelo Tribunal a quo, cujo conhecimento foi negado pela decisão sumária objecto da presente reclamação, consubstancia uma clara violação do plasmado no n.º 7, do art. 32°, 18.º e 20.º todos da Constituição da República Portuguesa, como já consta de jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional, e, por essa via, a violação dos princípios da legalidade, de tutela dos direitos do ofendido, bem como dos princípios da confiança e dos direitos adquiridos.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos:
“1 - Ao contrário do que sustentam os recorrentes, não se verificam, no caso dos autos, os pressupostos de admissibilidade do recurso tipificado na alínea g) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82, já que há uma diferença essencial relativamente às situações sobre que versaram os acórdãos, anteriormente proferidos pelo Tribunal Constitucional, citados pelos reclamantes: estar em causa um recurso interposto pelo assistente, e não pelo arguido, o que inviabiliza a invocação, como parâmetro constitucional, da norma do artigo 32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
2 - Relativamente ao recurso tipificado na alínea b ), é evidente que os recorrentes dispuseram efectivamente de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo.
3 - Na verdade, constando da contra-motivação apresentada precisamente a
‘questão prévia’ do não conhecimento do recurso, no que toca à matéria de facto, podiam e deviam os recorrentes ter questionado tal interpretação normativa em alegação produzida no decurso da audiência, fazendo-o consignar em acta”.
Por seu turno, a arguida A. propugnou no sentido de dever ser mantida a decisão reclamada, pois que o “reclamante não preveniu tempestivamente a questão de inconstitucionalidade; nem alegou motivo válido que justificasse ter sido surpreendido com a aplicação de norma inconstitucional”, sendo que na “reclamação o seu autor insiste na questão de constitucionalidade que suscitou quando o que está em causa é o facto de a não haver prevenido, tendo tido a oportunidade de o fazer ao longo do processo” e que, como “se considerou na decisão sumária, o enunciado da norma legal cuja desconformidade com a Lei Fundamental questionam, é claro e não dá azo a dúvidas «atenta a sua literalidade»”.
Cumpre decidir.
2. A reclamação ora em apreço não logra abalar o que foi dito na decisão sub iudicio no sentido de que houve oportunidade processual para os ora reclamantes, antes de ser proferido o acórdão desejado impugnar perante o Tribunal Constitucional, terem suscitado a questão da desarmonia constitucional dos preceitos precipitados nos números 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal.
Contrariamente ao que vêm defender na reclamação, atenta a postura defendida pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, era perfeitamente figurável que o proferendo acórdão viesse a adoptar idêntico entendimento, ou, o que é o mesmo, haveria a plausibilidade de nesse aresto vir a ser acolhida a solução de não conhecimento do recurso referente à matéria de facto, dado que os então recorrentes não cumpriram os ónus dos citados números 3 e 4 do artº 412º.
Por isso, e para prevenir uma tal hipótese - que, reafirma-se, era plausível - deveriam os impugnantes, na audiência que teve lugar no Tribunal da Relação de Lisboa, suscitar a questão da inconstitucionalidade dos ditos preceitos.
Sublinhe-se, finalmente, que o recurso querido interpor para o Tribunal Constitucional não o foi com esteio na alínea g) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, pelo que as considerações, quanto a este ponto, efectuadas na reclamação, são inatendíveis. E isso sem se entrar na questão de saber se, in casu, estariam verificados os pressupostos de admissibilidade deste tipo de impugnação.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 29 de Setembro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Rui Manuel Moura Ramos