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Processo n.º 624/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. (ora reclamante) foi condenado, por acórdão da Relação de Coimbra, numa pena única de dois anos e seis meses de prisão. Inconformado, pretendeu recorrer para aquele Supremo Tribunal, recurso que, por despacho do Desembargador Relator, não foi admitido, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Ainda inconformado, reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a reclamação sido indeferida, por despacho de 26 de Janeiro de 2004, uma vez que o recurso não é admissível, “nos termos do artigo 400º, n.º 1 alínea e) do CPP.”
2. Desta decisão pretendeu o ora reclamante recorrer para o Tribunal Constitucional, através de requerimento do seguinte teor:
“[...], tendo sido notificado do douto Acórdão proferido no processo acima referenciado, vem face ao mesmo recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da Lei 28/82 de 15 de Novembro, alterada pela Lei 143/85 de 26 de Novembro e pela Lei 85/89 de 7 de Setembro, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 - O presente recurso é interposto nos termos do nº 1 alínea b ), nº 3 do [do] artº. 70° da mencionada Lei.
2 - Da decisão que ora se recorre não cabe recurso ordinário.
3 - A norma que no entender do recorrente foi violada com interpretação dada à alínea e) do n° 1 do 400° do Código de Processo Penal é o n° 1 do art°. 32° da Constituição da República Portuguesa.
4 - A violação constitucional referida surge na resposta que o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dá à reclamação apresentada pelo ora recorrente, à não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.[...]”
3. Tal recurso não foi admitido, por despacho de 11 de Março de 2004, cujo teor
é o seguinte:
“Face ao disposto no n.º 2 do art.º 72° da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' . E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem se diga que o recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes do despacho que ora impugna. Com efeito, a interpretação encontrada neste despacho, no que concerne à norma do art.º 400º
, n.º 1 alínea e) do CPP, coincide com a do despacho que não admitiu o recurso para este Supremo Tribunal. Por todo o exposto indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. [...]”
4. Inconformado com esta decisão, apresentou o recorrente a presente reclamação, através do seguinte requerimento:
“[...], recorrido no processo epigrafado e já devidamente identificado nos autos, tendo sido notificado do douto despacho de fls. 49, do Supremo Tribunal de Justiça, que indefere a admissão do recurso, vem, nos termos do artº. 77° da mencionada lei, reclamar nos termos com os fundamentos seguintes:
1 - No douto despacho em apreço Sua Excelência o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça refere que, nos termos do n.º 2 do artº. 72º a parte não colocou perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a questão da eventual inconstitucionalidade.
2 - Ora, salvo o devido respeito e com toda a consideração, o que o recorrente alega no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é que a inconstitucionalidade alegada está na própria decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A interpretação que o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dá à alínea e) do n° 1 do artº. 400º do Código de Processo Penal é que é na modesta opinião do reclamante e com toda a consideração, inconstitucional.
4 – Deste modo, sendo a alegada inconstitucionalidade constante da decisão proferida pela entidade de que não se pode recorrer terá sempre que se interpretar o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional de molde a admitir o presente recurso.
5 - A presente reclamação não serve para discutir o fundo do problema isto é se o douto despacho de Sua Excelência o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem ou não matéria inconstitucional.
6 O que se pretende é saber se no caso de uma decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça conter matéria que se entender ser inconstitucional, inconstitucionalidade que resulta do próprio despacho, há ou não lugar a recurso para o Tribunal Constitucional.
7 - Efectivamente, é no despacho do Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que se diz, pela primeira vez no processo, que a alínea e) do n° 1 do artº. 400º do Código de Processo Penal deve ser interpretada não como
“a pena aplicável” mas sim a pena aplicada.”
5. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
5. O reclamante indicou a alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso. O recurso previsto nessa alínea visa, como resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. É, por isso, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada (cfr., entre muitos nesse sentido, o Acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996) que, não estando em causa uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Acresce que tal recurso pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica
- ou de uma sua dimensão normativa.
Ora, como vai sumariamente ver-se, não só o recorrente imputa a alegada inconstitucionalidade à própria decisão recorrida, mas também é manifesto que nunca suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa em termos de permitir que dela se viesse a conhecer no recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor, podendo e devendo fazê-lo.
De facto, se atentarmos no teor da reclamação já integralmente transcrita, verificamos que o reclamante imputa a violação da Constituição à própria decisão recorrida. Para o demonstrar bastará recordar aqui, apenas, as afirmações então feitas de que “ a inconstitucionalidade está na própria decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça” e de que “o que se pretende é saber se no caso de uma decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça conter matéria que se entender ser inconstitucional, inconstitucionalidade que resulta do próprio despacho, há ou não lugar a recurso para o Tribunal Constitucional”.
Mas ainda que assim se não entendesse, é o próprio reclamante que o reconhece, foi no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal que levantou a inconstitucionalidade “constante da decisão proferida pela entidade de que não se pode recorrer” (leia-se, do despacho do Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça). Ora, a ser suscitada uma questão de constitucionalidade normativa - única de que este Tribunal poderia conhecer -, reportada ao artigo 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, poderia e deveria a mesma ter sido suscitada, durante o processo e de forma processualmente adequada, o que não aconteceu. Tal assim é, não só por ser previsível que o teor da decisão recorrida correspondesse ao efectivamente decidido, mas também porque existe já jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria, (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 65/2004), sempre, aliás, no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma. Este facto conduziria, igualmente, a que se considerasse a questão como manifestamente infundada, também por esse motivo não devendo o recurso ser admitido.
Assim sendo, não estando presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, o Tribunal Constitucional dele não pode conhecer, pelo que o mesmo sempre seria de não admitir, como o não foi.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida