Imprimir acórdão
Processo n.º 798/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, reclama para este Tribunal, do despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70 n.º 1 alínea b) da LTC, do despacho proferido pelo mesmo Vice-Presidente do STJ que indeferiu a reclamação deduzida contra a decisão de não admissão de recurso para o STJ de acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
O Exmo Magistrado do Ministério Público neste Tribunal pronuncia-se no sentido do indeferimento da reclamação por não terem sido aplicadas no despacho recorrido para o Tribunal Constitucional as normas que o reclamante pretendia ver apreciadas por este Tribunal - artigos 50º n.º 1 e 51º n.º 3 do Código Penal.
2 - Dos autos resulta:
- Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi o ora reclamante condenado como autor de um crime continuado de abuso de confiança fiscal p.p. pelos artigos 24º n.ºs 1 e 2 e 26º do RJIFNA na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por quatro anos, suspensão essa condicionada ao pagamento ao Estado da quantia de 70.518,88 euros, naquele prazo, devendo, no entanto pagar metade da referida quantia no prazo de dois anos.
- Deste acórdão recorreu o arguido para o STJ; o recurso não foi admitido por força do disposto no artigo 400º n.º 1 alíneas e) e f) do CPP.
- O arguido reclamou então para o Presidente do STJ, reclamação essa que mereceu do Vice-Presidente do mesmo Tribunal despacho de indeferimento e confirmação do despacho reclamado.
- O ora reclamante recorreu do despacho de indeferimento para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC.
- Na peça em que o reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional consta um trecho epigrafado de 'Motivação do Recurso' que termina com as seguintes conclusões que se transcrevem 'ipsis verbis':
'1 - O Tribunal recorrido violou, claramente, o espírito do instituto de suspensão da execução da pena de prisão prevista no artº 50º n.º 1 do Código Penal, nomeadamente não atendeu, nem indagou as condições (económicas) de vida do agente.
2 - Tendo ficado provado que o recorrente é pessoa modesta, aufere
5,00/hora como carpinteiro e a esposa 324,00/mês, como operária e tendo de se sustentar (sobreviver) com este dinheiro, como é que, em 2 anos conseguirá aforrar mais de 7.000 contos para pagar os montantes (reparação integral) em dívida ao Estado (em 4 anos mais de 14.000 contos...)?
3 - O Acórdão recorrido, a manter-se, é no fundo 'mandar o arguido para a prisão para cumprir a pena' pois este, sabe-o perfeitamente, não tem património, crédito ou rendimentos para cumprir a condição que lhe foi imposta para lhe ser suspensa a execução desta pena, é caso para dizer e perdoe-nos a expressão: O arguido que é um pequeno carapau foi condenado em 'talhada de tubarão';
4 - O tribunal recorrido ao não ordenar a indagação, como devia, se o recorrente tem condições para satisfazer a obrigação de pagar o que impôs (e nem resultou provado que o recorrente tenha património bastante ou outra fonte de rendimento para garantir esse pagamento), mas, neste caso, era necessário que o Tribunal o diga expressamente depois de o ter indagado
5 - Resultou provado que o ora recorrente não tenha condições económicas para satisfazer a obrigação que lhe é imposta como condição para lhe ser suspensa a pena e, mesmo assim, condená-lo na pena de prisão efectiva, então, o mesmo foi prejudicado e privado dos seus direitos fundamentais em razão da sua actual situação económica, o que torna, ao abrigo do n.º 2 do artigo 13º da C. R. Portuguesa, inconstitucional tal decisão.
6 - Pretende, pois, o recorrente que o Tribunal aprecie a legalidade e constitucionalidade 'in casu' das normas dos artigos 50º n.º 1, 51º n.º 3 do Código Penal e artº 13º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
7 - Pois, violados entre outros, entende que o foram pelo tribunal recorrido, os artigos 50º n.º 1, 51º n.º 3 do Código Penal e artigo 13º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
8 - Assim, deve ser revogado o douto Acórdão e despachos recorridos e as decisões neles decretadas sendo substituídos por outros que declarem a ilegalidade e inconstitucionalidade, no presente caso concreto, por violação das normas legais e constitucionais referidas na conclusão anterior, negativa de apreciação de ilegalidades suscitadas durante o processo e, bem assim, por serem decisões de rejeição, ou contemple as presentes conclusões'
- Este requerimento mereceu o seguinte despacho
'Face ao disposto no n.º 2 do artº 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artº 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer'.
Refira-se que o recurso de inconstitucionalidade no nosso sistema jurídico só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais, como resulta do n.º 1 do artº 280º da CRP.
Donde, não se admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que se invoca a violação do artº 13º n.º 2 da CRP, por se reportar ao despacho que não admitiu o recurso para este Supremo Tribunal, e não a qualquer norma em que o mesmo despacho se baseou.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 1 UC.
Por outro lado, o disposto no artº 75º-A n.º 2 da LTC, exige que no requerimento de interposição de recurso seja indicada a peça processual onde a questão da inconstitucionalidade foi suscitada e a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado.
Assim, nos termos do artº 75º-A n.º 5 convida-se o recorrente a indicar no prazo de 10 dias, a peça processual onde foi suscitada a questão da inconstitucionalidade dos artºs 50º n.º 1 e 51º n.º 3 do Código Penal e qual a norma ou princípio constitucional que se considera violado.
Notifique.'
- Em resposta ao convite formulado, o recorrente veio indicar como peças processuais onde havia suscitado a inconstitucionalidade das citadas normas do Código Penal, a motivação do recurso interposto da decisão de 1ª instância, a motivação do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra para o STJ que não foi admitido, a reclamação para o Presidente do STJ de despacho de não admissão do recurso para o STJ e o que chama de
'motivação' do recurso interposto para o Tribunal Constitucional; como normas ou princípios constitucionais violados, indicou o recorrente o artigo 13º n.º 2 da CRP.
- Foi então proferido pelo Vice Presidente do STJ o seguinte despacho:
'Nos termos do artº 75º-A n.º 5, convidou-se o recorrente a indicar a peça processual onde tinha suscitado a questão da inconstitucionalidade dos artºs 50º n.º 1 e 51º n.º 3 do Código Penal e qual a norma ou princípio constitucional violado.
Na resposta a esse convite, veio o recorrente indicar as motivações de recurso de fls. 307º e segs. e de fls. 380 e segs., a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ainda a motivação de recurso para o Tribunal Constitucional.
Verifica-se que tal só aconteceu na motivação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça atacando aí a decisão e não as normas jurídicas
(conclusão n.º 15) e no recurso para o Tribunal Constitucional, portanto neste caso extemporânea.
A questão da inconstitucionalidade das normas dos artºs 50º n.º 1 e
51º n.º 3 do Código Penal, que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, respeita ao mérito do recurso o que só legitimaria a intervenção daquele Tribunal se o STJ dele tivesse tomado conhecimento.
No que concerne ao despacho de que se pretende recorrer para o TC, não apreciou o mesmo qualquer questão de inconstitucionalidade, por não suscitada na reclamação que deu origem àquele despacho.
Daí não ser de admitir também nesta parte o recurso, tendo em conta que o TC nele não poderia apreciar a constitucionalidade das normas para que ora vem solicitado.
Por todo o exposto, indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 2 UC.
Notifique.'
Reclamou o recorrente deste despacho para o Tribunal Constitucional, em peça onde formula as seguintes conclusões que se transcrevem
'ipsis verbis':
'1 - O despacho recorrido violou, claramente, o espírito do instituto da suspensão da execução da pena de prisão prevista no artº 50º n.º 1 do Código Penal nomeadamente não atendeu às condições (económicas) de visa do agente.
2 - Tendo ficado provado que o recorrente é pessoa modesta, aufere
5,00 euros/hora como carpinteiro e a esposa 324,oo euros/mês, como operária e tendo de sustentar (sobreviver) com este dinheiro como é que, em 2 anos, conseguirá aforrar mais de 7.000 contos para pagar os montantes (reparação integral) em dívida ao Estado (em 4 anos mais de 14.000 contos) ?
3 - O despacho recorrido, a manter-se, é no fundo cercear a possibilidade de defesa do arguido e mandar o mesmo para a prisão para cumprir a pena pois este, sabe-o perfeitamente, não tem património, crédito ou rendimento para cumprir a condição que lhe foi imposta para lhe ser suspensa a execução desta pena, é caso para dizer e perdoe-nos a expressão: O arguido é um pequeno
'carapau' foi condenado em 'talhada de tubarão'.
4 - Resulta dos autos que o ora recorrente não tem condições económicas para satisfazer a obrigação que lhe é imposta como condição para lhe ser suspensa a pena e mesmo assim condená-lo na pena de prisão efectiva, então, o mesmo foi prejudicado e privado dos seus direitos fundamentais em razão da sua actual situação económica, o que torna, ao abrigo do n.º 2 do artº 13º da C.R.Portuguesa inconstitucional tal decisão.
5 - Pretende, pois, o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a legalidade e constitucionalidade 'in casu' das normas constantes dos artigos 50º e 51º do Código Penal e artº 13º n.º 2 da Constituição da república Portuguesa.
6 - Pois, violados entre outros, entende que o foram pelo Tribunal recorrido, os artigos 50º n.º 1, 51º n.º 3 do Código Penal e artigo 13º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
7 - Assim, deve ser revogado o douto despacho recorrido e a decisão nele decretada, sendo substituído por outro que declare a ilegalidade e constitucionalidade, no presente caso concreto, por violação das normas legais e constitucionais referidas na conclusão anterior, negativa de apreciação de ilegalidades suscitadas durante o processo e, bem assim, por ser decisão de rejeição, ou contemple as presente conclusões.'
3 - Das conclusões que o reclamante entendeu formular na sua reclamação não se retira um único argumento que infirme o despacho agora em causa e os fundamentos em que ele assentou.
Verifica-se, com efeito, que o despacho de não admissão de recurso tem como fundamento o não preenchimento de um pressuposto essencial do recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC: a aplicação, na decisão judicial recorrida, da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Tal decisão foi, no caso, a que consta do despacho do Vice-Presidente do STJ que indeferiu a reclamação da não admissão de recurso interposto pelo ora reclamante do acórdão da Relação de Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça.
E nesse despacho foi o preceituado no artigo 400º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal o fundamento de direito do julgado.
Daqui decorre que, sendo objecto do recurso de constitucionalidade o mesmo despacho, se tenha que considerar de todo inviável, por força do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, a pretensão, formulada no requerimento de interposição do recurso, de apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 50º n.º 1 e 51º n.º 3 do Código Penal - delas não foi feita qualquer aplicação, expressa ou implícita, na decisão recorrida.
Não se tornam necessárias outras considerações sobre a reclamação para se concluir pela sua improcedência - por falta do aludido pressuposto processual o recurso interposto para o Tribuna Constitucional não pode ser admitido, como bem se decidiu no despacho reclamado.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 6 de Outubro de 2004
Artur Maurício Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos