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Processo n.º 534/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo, em que figura como recorrente o Ministério Público e como recorrido A., o Tribunal Central Administrativo, por acórdão de
25 de Março de 2004 considerou o seguinte:
No que concerne à extemporaneidade resulta da matéria fáctica provada que efectivamente a suspensão de eficácia foi instaurada após ter dado entrada no Tribunal o recurso contencioso do acto suspendendo, embora ambos os processos tenham sido intentados dentro do prazo de interposição do recurso de actos anuláveis (cfr. als. d) e f) dos factos provados). E se é certo que a jurisprudência do STA (cfr. Acs. de 12/1/89- Rec. nº 26476, de 12/6/97- Rec. n°
42320 e de 4/11/98 - Rec. n° 44226-A), em face do que dispõe o n° 1 do art. 77°. da LPT A, tem considerado extemporâneo o pedido de suspensão de eficácia do acto se apresentado depois de interposto recurso contencioso desse mesmo acto, afigura-se-nos que após a revisão constitucional de 1997, e a nova redacção dada ao n° 4 do art. 268°. da CRP, 'por exigência do direito à tutela judicial efectiva deve ser garantido ao interessado a possibilidade de solicitar medidas cautelares em qualquer estádio do processo' (cfr. Maria Fernanda Maçãs, 'Tutela judicial efectiva e suspensão de eficácia: balanço e perspectivas', in C.J.A. n°
16, pág. 54). Aliás, este princípio e o do favorecimento do processo ou 'pro actione', aconselham uma interpretação das regras relativas à suspensão de eficácia de forma a ultrapassar os tradicionais obstáculos à realização da justiça material administrativa. Acresce que, correspondendo a solução adoptada
à actualmente consagrada na lei (cfr. art. 113°., n° 1, do C.P.T.A), também por razões de economia processual se justifica tal solução, visto a rejeição do pedido não parecer obstar à instauração de nova suspensão de eficácia a que seriam aplicáveis as regras agora vigentes. Finalmente, quanto à questão da inutilidade superveniente da lide, invocada pelo requerente, afigura-se-nos que também não se verifica. Vejamos porquê. Conforme resulta do teor da informação que mereceu a concordância do despacho suspendendo, não foi este acto que determinou que o requerente repusesse 2/3 da remuneração de reserva que auferira no período em que exercera funções no INAC. Efectivamente, tal despacho, para além de determinar a não redução da remuneração de reserva do capitão B., limitou-se a perfilhar uma interpretação do n° 5 do art. 121°. do EMFAR de acordo com a qual a remuneração de reserva do requerente deveria ser reduzida em 2/3. Embora os elementos constantes dos autos ainda não permitam concluir com a necessária segurança se o despacho suspendendo decidiu a situação concreta do requerente quanto à remuneração de reserva que ele deveria auferir ou se se limitou a definir uma orientação genérica para os serviços, o que é certo é que não foi esse despacho que ordenou que o requerente repusesse a quantia em causa. E, sendo assim, não existe qualquer incompatibilidade entre este acto e o despacho do Chefe do Estado Maior da Força Aérea de 23/12/2003 que determinou a redução de 2/3 na remuneração de reserva auferida pelo requerente e 'a reposição das quantias indevidamente abonadas no ano anterior à data em que procede à reclamação das mesmas' (cfr. al. e) dos factos provados). Deste modo, o acto suspendendo não foi revogado pelo aludido despacho de
23/12/2003. Portanto, improcedem todas as suscitadas questões prévias, havendo que conhecer do mérito
2.2.2. A concessão da suspensão de eficácia de um acto administrativo depende da verificação cumulativa dos três requisitos contidos nas alíneas do n° 1 do art.
76°. da LPTA, pelo que a não ocorrência de qualquer um deles impõe o insucesso do pedido, tornando desnecessária qualquer indagação sobre a verificação dos restantes. No que respeita ao requisito vertido na al. a) do n° 1 do art. 76°., tem-se entendido que são considerados prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, aqueles cuja extensão não possa ser avaliada pecuniariamente, ou que, pela menos, sejam de difícil avaliação económica (cfr. , entre outros, os Acs. do STA de 8/6/78 in BMJ 302°-299, de 16/11/83 in A.D. 270°.-691, de 18/11/86 in A.D.
312°.-1526 e de 12/8/87 in A.D. 314°.-185). Quando o acto suspendendo exige o pagamento de uma quantia pecuniária, o requerente da suspensão não necessita de demonstrar a verificação da aludida condição desde que preste caução por qualquer das formas previstas no C.P.C.I.
(cfr. n° 2 do citado art. 76°). No caso em apreço, o requerente alega que o despacho suspendendo, ao determinar a reposição da quantia correspondente à remuneração de reserva que indevidamente lhe foi abonada, o obriga a vender apressadamente património, impossibilitando-o de obter o justo preço por essa venda. Sendo este o único prejuízo irreparável ou de difícil reparação que é invocado pelo requerente, cremos que ele não se pode considerar uma consequência adequada do acto suspendendo. Efectivamente, como referimos (cfr. n° 2.2.1), tal despacho não determinou que o requerente repusesse qualquer quantia, sendo certo também que a reposição do montante mencionado no ofício aludido na al. d) dos factos provados não decorre necessariamente da sua execução. Perante os elementos que já constam dos autos, parece que a ordem de reposição da quantia referida pelo requerente teria resultado de um acto praticado pela Força Aérea (eventualmente, e se outro não tiver existido, o contido no mencionado ofício) que veio a ser revogado pelo despacho de 23/12/2003 do Chefe desse ramo das Forças Armadas. Aliás, o facto de este despacho ter determinado somente 'a reposição das quantias indevidamente abonadas no ano anterior à data em que procede a reclamação do requerente' demonstra que do acto suspendendo praticado por um superior hierárquico do autor daquele despacho - não resultava a ordem de reposição de todas as quantias indevidamente abonadas ao requerente, dado que certamente não era intenção do inferior hierárquico revogar o acto do seu superior. Portanto, porque o requerente não provou, como lhe competia, a verificação do requisito vertido na al. a) do n° 1 do art. 76°, da LPTA, não pode proceder a peticionada suspensão de eficácia.
2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 77º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na dimensão julgada inconstitucional. Junto do Tribunal Constitucional o recorrente alegou concluindo o seguinte:
1° - Carece de utilidade a apreciação da questão da constitucionalidade da norma que dispõe restritivamente quanto ao prazo de interposição de certa providência judicial quando a decisão recorrida - que recusou aplicar tal norma ao apreciar o mérito da causa - a considerou improcedente, por razões perfeitamente autónomas relativamente à dita questão prévia do prazo da providência.
2° - Na verdade, qualquer que fosse a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional acerca da norma que integra o objecto do recurso, sempre subsistiria incólume o acórdão recorrido, com base na improcedência do pedido de suspensão de eficácia por inverificação dos pressupostos do artigo 76° da LPTA.
3° - Termos em que - face à instrumentalidade do recurso para o Tribunal Constitucional - não cumprirá conhecer do mérito da questão colocada quanto à norma constante do artigo 77°, n° 1, da LPTA.
Cumpre apreciar.
3. O Tribunal Central Administrativo, no acórdão recorrido, considerou inconstitucional a norma restritiva relativa ao prazo de dedução do pedido de suspensão de eficácia, considerando consequentemente tempestiva a interposição, in casu, de tal providência. Apreciando os pressupostos da providência requerida, o Tribunal Central Administrativo concluiu pela não verificação de tais pressupostos, decidindo no sentido da improcedência do pedido de suspensão da eficácia por não se verificar o disposto no artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Ora, caso o Tribunal Constitucional viesse a confirmar o juízo de inconstitucionalidade formulado, o acórdão recorrido seria mantido, até porque não foi impugnado pelo requerente da providência cautelar. Caso o Tribunal Constitucional viesse a formular um juízo de não inconstitucionalidade, a providência requerida seria igualmente julgada improcedente com fundamento na extemporaneidade da respectiva dedução. Desse modo, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão recorrida, sendo desse modo inútil. Assim, não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Lisboa, 28 de Setembro de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos