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Proc. nº 958/2003
2ª Secção Rel.: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., a Relatora proferiu as Decisões Sumárias constantes de fls. 1072 e ss. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência das três Decisões Sumárias proferidas, concluindo o seguinte:
1 - O recorrente considera-se gravemente prejudicado pela aludida douta decisão reclamada que considera absolutamente surpreendente, quer pela vaga e deficiente explicitação da sua fundamentação, quer pela sua incoerência quando simultaneamente se ancora em questões formais e materiais para decidir a não admissão dos recursos interpostos desvalorizando umas e valorizando outras arbitrariamente, quer pela postura omissiva da Exma. Juíza Conselheira Relatora, identificadas as diversas normas em causa nos requerimentos de recurso, na colocação das questões suscitadas pelo recorrente nos respectivos contextos sistemáticos por forma a conhecer das mesmas;
2 - Circunstâncias a que acresce ainda o facto de todas as questões suscitadas pelo recorrente contenderem directamente com as propaladas garantias de defesa dos arguidos e uma delas constituir mesmo pressuposto processual negativo - prescrição do procedimento criminal - que sendo do conhecimento oficioso do Tribunal em qualquer estado do processo até ao trânsito, não foi, ao invés do que deveria, objecto da douta decisão reclamada;
3 - As situações em apreço configuram manifestas inconstitucio-nalidades por violação directa de princípios materiais substantivos sedimentados na ordem jurídico constitucional portuguesa;
4 - Constatou agora o recorrente que por lapso manifesto como infra se demonstrará não indicou formalmente nos requerimentos inerentes aos três recursos a al. b) do nº 1 do art° 70º da LTC, o que decorreu de copy paste, na indicação das alíneas do nº 1, do artigo 70° da LTC - pressupostos de recurso ou na indicação das normas - lapso que requer a V. Exas se dignem relevar, porquanto tal lapso é evidente e simultaneamente as normas e princípios constitucionais em questão estão claramente identificadas nos respectivos requerimentos de recurso e as questões ali colocadas de formas concretas em contextos sistemáticos e matérias que, salvo o devido respeito, não impedem o Tribunal, antes o obrigam, a apreciar a conformidade à Constituição das normas sindicadas mesmo à luz de normas e princípios constitucionais diferentes daqueles cuja violação foi invocada (art° 79°-C da LTC) e dos eventualmente errados pressupostos de recurso invocados por lapso manifesto como aliás decorre dos contextos factuais e normativos em que as questões estão descritas e constam impressivamente dos autos;
5 - Especificamente quanto ao recurso de Recurso de fls. 880 e ss. a questão ali em apreço prende-se com o facto de o STJ ao invés do que já nestes autos ocorreu naquele mesmo Supremo Tribunal, - cfr . douto acórdão do STJ de 16.02.1999, constante de fls. ..., que sufragando pretensão do recorrente revogou o douto acórdão da Relação de Lisboa constante de fls. ... - ter vindo inesperadamente a entender que a estes autos não se aplica o Código de Processo Penal (CPP) de
1929, pelo qual estes sempre se regularam, mas sim o CPP em vigor;
6 - Tendo, assim, rejeitado o recurso do recorrente de fls. ..., nos termos dos Artºs. 411°, nº 3, 414°, nº 2 e 420°, nº 1 do CPP em vigor;
7 - Ora, como se disse e se comprova nos autos, tendo já o recorrente no âmbito destes mesmos autos recorrido e aliás obtido vencimento naquele Supremo Tribunal através de recurso interposto e admitido nos termos previstos no CPP de 1929, não podia contar com tal interpretação que mais do que absolutamente inesperada
é manifestamente ofensiva das suas garantias de defesa;
8 - Dúvidas inexistem que o recorrente foi absolutamente colhido de surpresa, porque inesperadamente se lhe aplicou o regime do novo CPP à revelia do estatuído no Art° 7º, nº 7 do DL 78/87, de 17 de Fevereiro que aprovou o actual CPP;
9 - Dúvidas inexistem que houve assim uma quebra da harmonia das regras processuais que vinham regulando o andamento do processo; quebra essa prejudicial aos direitos de defesa do recorrente que viu rejeitado o seu recurso em violação de direitos constitucionalmente consagrados e basilares da nossa ordem jurídico-constitucional;
10 - Com efeito, como decorre do douto acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso porque, no seu douto critério, entendeu ser de aplicar ao caso dos autos o regime do Código de Processo Penal publicado em 17 de Fevereiro de 1987, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988 (Lei nº 17/87, de 1 de Junho), isto, apesar do processo crime a que diz respeito os presentes autos ter tido início, em 2 de Dezembro de 1985, ou seja, no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 e ter sido, desde sempre, pelo mesmo regulado, até à prolação do douto acórdão agora sob recurso.
11 - Ora, a decisão a quo frustra, irremediavelmente, as propaladas garantias de defesa do arguido ( melhor dizendo Réu, já que nesta qualidade foi julgado nas primeira e segunda instâncias, em conformidade, aliás, com o Código de Processo Penal de 1929), porque inesperadamente se lhe aplica o regime do novo Código de Processo Penal à revelia do estatuído no art° 7°, nº 1 do DL 78 I 87, de 17 de Fevereiro que aprovou o actual Código de Processo Penal;
12 - Frise-se, aliás, que nos termos do referido art° 7°, o Código de Processo Penal de 1987, actualmente em vigor, só se aplica aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 1988, cfr. também a Lei 17/87, de 1 de Junho. De notar, simultaneamente, que é pacífico o entendimento de que para os efeitos previstos do nº 1. do Artº 7° do DL nº 78/87 de 17 de Fevereiro, o processo considera-se instaurado no momento em que a participação inicial é apresentada, facto que no âmbito do presente processo ocorreu em 2 de Dezembro de 1985.
13 - Por outro lado, e como preceitua o Art° 5°, nº 2 do actual Código de Processo Penal a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar, nomeadamente, uma limitação do direito de defesa do arguido ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo;
14 - No caso sub judice o douto acórdão recorrido ofende, como se disse no requerimento de recurso, o estatuído no art° 32°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa por ter desaplicado o art° 7°, nº 1 do DL nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que manda aplicar aos processos pendentes, à sua entrada em vigor, o regime do Código de Processo Penal de 1929;
15 - A desaplicação pelo Tribunal recorrido do citado artº 7°, nº 1 e outrossim do artº 5°, nº 2 do actual Código de Processo Penal viola também o art° 13° da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade do processo penal que tem assento constitucional, designadamente no artº 29° da Lei Fundamental, norma que também é violada ao serem desaplicados o artº 7°, nº 1 do DL 78 I 87, de 17 Fev e o art° 5°, no 2 do actual Código de Processo Penal;
16 - A decisão sob o recurso ofende, aliás, a jurisprudência do Tribunal Constitucional constante do douto Acórdão no 451/93, de 15 de Julho, processo nº
180/90, publicado no Diário da República, II Série, no 97, de 27 de Abril de
1994, que aderiu à argumentação expendida no igualmente douto Acórdão nº 250/92, publicado no BMJ, no 419, pág 114, os quais aqui se indicam nos termos e para os efeitos previstos no art° 75°-A, no 4 da Lei do Tribunal Constitucional;
17 - Com efeito, e considerando o estatuído no artº 70°, nº 1, als. i) da Lei do Tribunal Constitucional aquele Supremo Tribunal não aplicou, portanto, uma norma constante de acto legislativo, em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão nos acórdãos do Tribunal Constitucional acabados de citar e na nossa lei fundamental;
18 - No caso sub judice ao aplicar-se-lhe inesperadamente a lei processual penal nova, em vez do Código de Processo Penal de 1929, coarcta-se ao Réu a possibilidade de ver o seu recurso - oportunamente interposto e admitido ao abrigo do Código de Processo Penal de 1929 - ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça o que ofende insofismavelmente as suas garantias de defesa nas quais se inclui o direito de se ver apreciado o seu recurso, ofendendo-se, por isso, o Artº 32°, n° 1 e 20°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, por desaplicação do art° 7º, nº 1 do DL 78/87 de 17 Fevereiro. In casu foi aplicado ao Réu um normativo que à luz do art° 29° da Constituição da República Portuguesa é-lhe manifestamente mais desfavorável - o prazo para preparação, elaboração e apresentação da defesa é inferior - norma que também é ferida pela douta decisão recorrida. o mesmo acontecendo com o estatuído no da Convenção Europeia dos Direitos do Homem recebida no nosso ordenamento jurídico interno pelo artº 8º, nº 1 da Lei Fundamental que, por seu turno, deve ser interpretada e integrada de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem - Art° 16° da Constituição da República Portuguesa - e que é o corolário dos princípios decorrentes dos arts 1° e 2° da Lei básica.
19 - Destarte as regras dos Artºs. 411º, nº 3, 414º, nº 2 e 420º, nº 1 do Código Processo Penal em vigor são inconstitucionais quando aplicadas aos processos iniciados no âmbito do Código de Processo Penal de 1929, por força do afastamento - desaplicação - do disposto no nº 1 do Artº 7º do DL 78/87, de 17 de Fevereiro, já que precipitam a violação dos art°s 32°, nº 1, 29º, nº 8 (ex vi Art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e 1° da Constituição da República Portuguesa, porquanto retiram ao Réu, ora recorrente, as mais elementares garantias de defesa ao ver inesperadamente rejeitado um recurso que foi interposto e admitido em conformidade com o Código de Processo Penal de
1929, que desde o início, sempre regeu e deve reger os trâmites processuais do seu caso.
20 - Ora, com sincero respeito, a questão em apreço e a aplicação das identificadas normas aos presentes autos de querela consubstancia outrossim violação directa de comandos e princípios constitucionais materiais substantivos consagrados nas citadas normas da Constituição e das referidas convenções internacionais que esse douto Tribunal Constitucional não pode ignorar.
22 - E, identificadas as normas em causa todas as supra citadas, a questão suscitada pelo recorrente suscitada no seu contexto sistemático, não está o Tribunal Constitucional impedido de apreciar a conformidade à Constituição da norma sindicada mesmo à luz de normas e princípios diferentes dos invocados pelo recorrentes, o que aqui se requer.
23 - Ora, o que está materialmente em causa, quer arestos invocados, quer nos presentes autos é o princípio constitucional - material e substantivo – da aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido que assim foi directamente violado.
24 - Acresce que, como se referiu no requerimento inerente ao recurso de fls.
880 e ss., o recorrente não contando de forma alguma com a interpretação sustentada no acórdão a quo, não suscitou anteriormente ao momento da interposição do recurso a inconstitucionalidade das normas que aquele veio a aplicar.
25 - Contudo, ao fazê-lo no primeiro momento que lhe foi possível, como o fez, terá de entender-se, como decorre claramente do teor dos art°s 12° a 14° do requerimento de interposição de recurso de fls. 880 e ss. que aqui, com a devida vénia de V. Exas. se dão por integralmente reproduzidos, que a inconstitucionalidade das referidas norma foi também suscitada durante o processo - nos termos previstos na al. b) do nº 1, do artigo 70º da LTC - e só por lapso manifesto como se depreende de forma evidente do teor dos citados artigos da referida peça processual não se fez ali alusão formal expressa à identificada alínea b) do artigo 70º da LTC que materialmente se invocou;
26 - Em consequência requer-se a V. Exas. se dignem relevar tal lapso aliás evidente, como decorre do exposto, e admitir o recurso ao abrigo da al. b) do nº
1., do artigo 70º da LTC também materialmente indicada pelo recorrente no requerimento de recurso constante de fls. 880° e ss. nos seus art°s 12° a 14º que aqui de novo se dão por integralmente reproduzidos;
27 - Simultaneamente entende o recorrente que ao invés da interpretação vertida na douta decisão reclamada do acórdão a quo viola as normas citadas das referidas convenções internacionais afigurando-se preenchido o pressuposto processual do recurso previsto na al. i) do nº 1, do artigo 70º da LTC;
28 - Impetra-se pois a V. Exas. se dignem admitir o recurso no sentido de, como materialmente se requereu, serem as normas dos artigos 411°, nº 3, 414°, nº 2 e
420°, nº 1 do CPP em vigor declarados inconstitucionais quando aplicadas aos processos iniciados no âmbito do CPP de 1929, por força do afastamento
desaplicação - do disposto no nº 1 do artº 7° do DL 78/87, de 17 de Fevereiro em consequência da aplicação do nº 1 do artigo 6° da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto;
29 - Acresce, ainda, relativamente ao recurso de fls. 880 e ss., que como resulta expressamente do acórdão a quo e da decisão reclamada a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu, nos termos previstos no Art° 664° do CPP de 1929 (cfr. fls 1 verso do douto acordão a quo), parecer no sentido do improvimento do recurso, já depois do Ministério Público e da assistente, no Tribunal da Relação de Lisboa, terem pugnado no mesmo sentido nas suas contra-alegações. Ora, não foi, assim, respeitado o princípio do contraditório e da igualdade de armas já que o Réu, ora recorrente, não foi notificado desse parecer para sobre o mesmo se pronunciar/defender, pelo que, também por isto, foi violado o Artº
32° da Lei fundamental. Com efeito, o referido Artº 664º do CPP de 1929 é inconstitucional quando não se prevê a notificação do Réu para se pronunciar sobre o douto parecer em causa, o que, aliás, hoje em dia acontece no Código de Processo Penal de 1987 - cfr. Artº
417°, nº 2.
30 - Assim sendo, a inconstitucionalidade do Art° 664º do CPP de 1929, face ao estatuído no Artº 32º, nº 1 da C.R.P., constitui matéria de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional em conformidade com o Art° 70°, nº 1, al. g), tal como decorre da jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional;
31 - A norma do artº 664° do Código de Processo Penal de 1929 foi já objecto de decisão de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional no Acórdão de 6 de Maio de 1987, publicado no BMJ 367-211, que aqui se indica nos termos e para os efeitos do disposto no Art° 75°-A, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional;
32 - No que diz respeito a esta questão e sendo óbvio que estamos inequivocamente em face da mesma norma - artigo 664° do CPP de 1929 - já pacificamente julgada inconstitucional, por diversas vezes, a decisão reclamada ancora-se agora na valorização do plano material inerente ao conteúdo do parecer do Ministério Público cujo teor o recorrente desconhecia e no facto de alegadamente a qualquer resposta que o recorrente apresentasse àquele parecer não teria, segundo a decisão reclamada, a virtualidade de abalar a fundamentação da decisão;
33 - Ora, tal entendimento é inaceitável, desde logo porque a norma em causa foi já declarada inconstitucional por esse douto Tribunal aliás pacificamente, por outro lado, e com todo o respeito, não pode a Exma. Juiz Conselheira Relatora presumir, como presume, a virtualidade ou não do recorrente, caso lhe tivesse sido possível responder a tal parecer, abalar a fundamentação da decisão recorrida;
34 - Com efeito, mesmo admitindo que como se escreve na decisão reclamada a norma cuja inconstitucionalidade foi pelo recorrente suscitada - art° 664° do CPP de 1929 - está aqui em causa em diferente vertente da julgada no acórdão indicado, salvo o devido respeito, não deixa por isso de se encontrar preenchido o pressuposto legal de recurso, uma vez que trata-se inequivocamente da mesma norma e não de outra;
35 - Sendo certo que em qualquer dos casos o que está materialmente em causa é a violação do princípio constitucional da igualdade de armas que in casu foi também violado;
36 - Não sendo legítimo à Exma. Juiz Conselheira Relatora divagar sobre a virtualidade de peças processuais - resposta ao parecer do Ministério Público - que ao arguido não foi concedido o direito de elaborar e apresentar em sua defesa e também sobre a influência que tal parecer teve ou não na elaboração do acórdão a quo;
37 - A situação em causa configura inconstitucionalidade aliás conforme decorre de jurisprudência pacífica desse douto Tribunal Constitucional;
38 - Assim e como se disse a inconstitucionalidade do artigo 664° do CPP de
1929, face ao estatuído no artigo 32º da CRP, constitui matéria de que cabe recurso para esse douto Tribunal em conformidade com o artigo 700, nº 1, al. g) tal como decorre da jurisprudência pacífica desse douto Tribunal;
39 - Devendo em consequência também nesta parte ser admitido o recurso oportunamente interposto a fls. 979 e ss. o que aqui se requer;
40 - Finalmente e, com sincero respeito, diga-se ainda que as questões em apreço consubstanciam outrossim violação directa de comandos e princípios constitucionais materiais substantivos que esse douto Tribunal Constitucional não pode ignorar;
41 - E, identificadas as normas em causa, as questões suscitadas pelo recorrente a fls. 880 e ss. colocadas no seu contexto sistemático, não está o Tribunal Constitucional impedido, antes pelo contrário, de apreciar a conformidade à Constituição das normas sindicadas mesmo à luz de normas e princípios diferentes dos invocados pelo recorrentes, o que aqui também se requer.
42 - Especificamente quanto ao recurso de Recurso de fls. 979 e ss. decorre da douta decisão aqui reclamada, o Supremo Tribunal de Justiça através de douto acórdão datado de 6 de Junho de 2002, constante de fls. 892 e segs., indeferiu a reclamação de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 2001, porque, no seu douto critério, entendeu, em primeiro lugar, aplicar literal e restritivamente ao caso dos autos o disposto no art° 666° do Código de Processo Civil (CPC), isto apesar da natureza criminal dos presentes autos de querela cuja tramitação é regulada pelo Código de Processo Penal (CPP) de 1929 que, no seu art° 99° (e no art° 119°, nº 1. al. a) do actual CPP), prevê expressamente que as nulidades, nomeadamente a relativa ao modo de determinar a composição do tribunal penal, o que segundo parte da doutrina constitui nulidade insanável e segundo alguns autores configura inexistência da decisão proferida, podem e devem, como ali expressamente se prescreve, ser conhecidas até ao trânsito da sentença;
43 - Sustenta o Supremo Tribunal de Justiça a tese de que em virtude da prolação do seu douto acórdão de 18 de Abril de 2002, constante de fls. ..., « ...estar esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria do processo. É o que resulta do disposto no artº 666°, nº 1 do Cód. Proc. Civil, aplicável “ex vi” do art°
1º, § único do C.P.P. de 1929. ...»;
44 - Ora, esta interpretação que o recorrente, de boa fé, julgou dever-se a manifesto lapso daquele Supremo Tribunal frustra as garantias de defesa do arguido, porque inesperadamente lhe retirou o direito de ver apreciada nulidade insanável que oportunamente suscitou, isto é, antes do trânsito da decisão final, questão que, aliás, pode e deve ser conhecida ex officio e que em rigor jurídico o recorrente suscitou antes da prolação da decisão do STJ a quo - através da telecópia de 16 de Abril de 2002 que, por insondáveis razões, não foi pela secretaria daquele Supremo Tribunal incorporada nos autos antes da prolação do acórdão a quo, omissão do identificado Tribunal pela qual o arguido não pode ser prejudicado;
45 - Não obstante, aquele Supremo Tribunal acaba, em segundo lugar e na sequência dos pedidos de aclaração e reforma oportunamente formulados pelo arguido, por a fls. ... sustentar a tese de que o facto invocado pelo recorrente
«...intervenção, como relator do acórdão recorrido (com a data de 23-10-2001), do Desembargador C., que já o havia sido no acórdão proferido em 26-5-1998, que este Supremo Tribunal revogou por acórdão de 10-2-1999 – não constitui, a todas as luzes, qualquer nulidade - e muito menos insanável - ou motivo de inexistência do acórdão recorrido; A este propósito, escreveu-se e decidiu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de
10-2-1999: “Face ao exposto, consideramos prematura a prolação do douto acórdão recorrido, por violação do caso julgado formado relativamente à suspensão decretada pelo referido acórdão de 16 de Junho de 1992 (fls. 372 e segs.). Termos em que, dando provimento ao presente recurso, acorda-se em revogar o douto acórdão recorrido e em determinar que os presentes autos continuem suspensos no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, até transito em julgado da decisão proferida na acção de investigação de paternidade nº 60/87 do 2° Juízo –
2ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha.». Portanto, face ao decidido por este Supremo Tribunal, a instância penal continuou suspensa, pelo que, tendo terminado o motivo de tal suspensão, é óbvio que aquela instância foi reaberta com os mesmos juízes que nela intervieram, não havendo qualquer lei que diga o contrário.» (sic).
46 - Ora, salvo o devido respeito, tal teoria é juridicamente inaceitável, pois, como sabiamente diz o povo, seria “deixar entrar pela janela aquilo que não se deixa entrar pela porta”, desde logo na medida em que tendo o acórdão proferido pela Veneranda Relação, em 26-05-1998, do qual foi Relator o Desembargador C., sido revogado pelo douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em
10-02-1999, aquando da prolação, pela Veneranda Relação de Lisboa, do acórdão datado de 23-10-2001, de que igualmente foi Relator o identificado Desembargador, procedeu o Tribunal da Relação de Lisboa, obviamente, a um novo julgamento do mesmo processo, o que a lei, e os princípios de direito, não permite;
47 - Por outro lado, o Tribunal a quo ao sustentar a tese de que «...face ao decidido por este Supremo Tribunal (quando através do douto acórdão de
10-02-1999 revogou o acórdão da Relação de 26-05-1998 e determinou que os presentes autos continuassem suspensos no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) a instância penal continuou suspensa, pelo que, tendo terminado o motivo de tal suspensão, é óbvio que aquela instância foi reaberta com os mesmos juízes que nela intervieram, não havendo qualquer lei que diga o contrário.»
(parênteses nosso ), valoriza e confunde a questão meramente formal da suspensão da instância em detrimento da questão material substantiva, que realmente a lei proíbe, que é a repetição do julgamento do mesmo processo criminal pelos mesmos juízes que integraram o tribunal ou algum deles;
48 - Efectivamente, não há lei nenhuma que proíba que a instância penal suspensa para julgamento de questão prejudicial por tribunal não penal seja, terminado o motivo de tal suspensão ou esgotado o prazo máximo de um ano - art°s 7°, nº 4 do CPP e 119°, nº 1, al. a) do CP -, reaberta com os mesmos juízes que nela intervieram;
49 - O que a lei proíbe é que esses mesmos juízes ou algum deles, caso no mesmo processo tenham feito parte do tribunal penal colectivo que anteriormente tenha efectuado o julgamento do procedimento criminal, voltem a participar em novo julgamento do mesmo processo, o que constitui questão bem diversa;
50 - Saliente-se ainda que ao invés do que consta do acórdão a quo a instância não foi reaberta com os mesmos juízes que nela intervieram, porquanto no acórdão da Relação de 26 de Maio de 1998, constante de fls. ... integraram o colectivo penal os Exmos. Srs. Desembargadores C. (Relator), D. e E., enquanto no acórdão de 23 de Outubro de 2001, constante de fls. ..., integraram o colectivo penal os Exmos. Srs. Desembargadores C., F. e G., não é, portanto, verdadeira a afirmação vertida no douto acórdão a quo !
51 - Não obstante, ainda que tal afirmação fosse verdadeira, o que como consta de fls. ... e fls. .... - cfr. cópias dactilografadas - não acontece, a questão coloca-se de igual forma, uma vez que actualmente é pacífico o entendimento de que quando Tribunal superior revoga uma decisão e ordena o reenvio de um processo para novo julgamento, não pode integrar o Tribunal colectivo o juiz que fez parte do Tribunal que proferiu a decisão de que foi interposto recurso - cfr. AC. do STJ de 21.01.1998, in Col. Jur. STJ, Vol. I, Pág. 172 e segs. e resulta de inúmeros acórdãos do Tribunal Constitucional que infra se identificam;
52 - Aliás, saliente-se que, ainda no âmbito da vigência plena do CPP de 1929, foi julgado superiormente que «...implica a nulidade enquadrável no ano 98°, nº
1 e / ou 7 do CPP, do julgamento do processo de querela no qual interveio, como membro do Tribunal Colectivo, o juiz da Comarca que no mesmo processo havia presidido a diligência de instrução preparatória.» (Ac. Relação de Coimbra de
19-10-1977, in BMJ, 273, pág. 326);
53 - A decisão sob recurso contraria igualmente a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) constante do Acórdão no 656/97, in D.R. II Série, nº 81, de
06.04.1998, na qual se alerta para o facto do magistrado ficar com uma convicção de tal modo arreigada ao processo que objectivamente - e sem prejuízo da independência interior que ele for capaz de preservar - fica inexoravelmente comprometida a sua independência e imparcialidade na fase de julgamento, mesmo quando apenas interveio na fase de inquérito, e ainda dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 935/96, 284/97, 481/97, 105/98, 186/98, (656/97) e 706/97, citados no Guia da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Vol. I., Coimbra Editora, pág. 725, os quais se indicaram nos termos e para os efeitos previstos no artº 75° - A, nº 4 da L TC;
54 - Com efeito, e considerando o estatuído no artº 70, nº 1, als. i) e g) da L TC o Tribunal a quo simultaneamente aplicou e não aplicou, portanto, normas constantes de actos legislativos, em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão no citado acórdão do TC;
55 - In casu a decisão recorrida ofendeu as normas infra indicadas da Constituição da República Portuguesa por ter aplicado restritiva e literalmente os arts. 666° do CPC e o art. 1° § único do CPP de 1929 e, consequentemente, ao não aplicar os artºs 98° nºs 1 e I ou 7 e 99° do CPP de 1929;
56 - A desaplicação pelo Tribunal a quo dos referidos artºs 98°, nº 1 e / ou 7 e
99° do CPP - onde inexistia de forma expressa a proibição hoje expressamente consagrada no artº 119°, al. a) do CPP de 1987- e a aplicação restritiva e literal dos artºs 666° do CPC e 1°, § único do CPP de 1929 viola designadamente os artº 13°, 20°, nºs 4 e 5 e 202°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade do processo penal que tem assento constitucional, designadamente no artº 29° da Lei Fundamental, norma que também, assim, é violada;
57 - O recorrente invocou expressamente, fundamentando a indeferida reclamação de nulidade de fls. ..., para além dos citados artºs 98°, nº 1 e / ou 7 e 99° do CPP de 1929, os artºs 1°, 2°, 8°, 16°, 32º, n° 1 e 204° da Constituição da República Portuguesa (CRP), artº 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
aplicável por força do artº 8° da CRP - disposição que consagra o direito a um processo equitativo e, por isso, com garantias de imparcialidade, normas que já então considerou violadas – inconstitucionais – durante o processo;
58 - Ora, salvo o devido respeito, a situação descrita constitui violação directa de princípio constitucional material substantivo e simultaneamente preenche materialmente o requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 70 da LTC que assim e como decorre do artigo 16° do requerimento de recurso ora em apreço só por lapso manifesto não indicou formal e expressamente;
59 - É certo, mas só aparentemente, que como se escreve na decisão reclamada, que nenhum dos acórdãos do Tribunal Constitucional invocados pelo recorrente apreciou a conformidade à Constituição das normas impugnadas. (...) todos os arestos indicados procederam à apreciação da conformidade à Constituição do artigo 40° do Código de Processo Penal;
60 - Todavia, não pode esse douto Tribunal esquecer que no CPP de 1929 inexistia semelhante disposição legal e tendo o Supremo Tribunal aplicado aos presentes autos o actual CPP é óbvio que só por lapso manifesto não se indicou também expressamente o artigo 40° do actual CPP, pois nos acórdãos invocados é essa a norma em questão que assim foi indicada como resulta do contexto em que a questão está colocada;
61 - É chocante, com sincero respeito, a forma como a questão descrita é julgada na decisão reclamada valorizando-se o plano formal e ignorando-se o plano material em causa quando colocada a questão suscitada pelo recorrente no respectivo contexto sistemático, não está o Tribunal impedido, antes pelo contrário, de apreciar a conformidade à Constituição das normas sindicadas mesmo se for caso disso à luz de normas e princípios diferentes daqueles cuja violação foi invocada pelo recorrente, considerando aliás que no CPP de 1929 inexistia norma semelhante à do artigo 40° do actual CPP;
62 - Não obstante o exposto, sublinha-se novamente que no requerimento de interposição de recurso de fls. 979 e ss. o recorrente salienta expressamente, no seu artº 16° que também anteriormente - na reclamação de nulidade constante de fls. ... que aqui se dão por integralmente reproduzi das e aí se comprova - invocara a inconstitucionalidade das normas supra citadas;
63 - Assim, é óbvio que o recurso tem também fundamento nas referidas inconstitucionalidades suscitadas no decurso processual dos autos e assim também na referida al. b) do nº 1 do artº 70° da LTC;
64 - Situação material que foi ignorada na decisão reclamada e que o Tribunal não pode ignorar;
65- Sendo óbvio que só por lapso o recorrente não indicou expressa e formalmente a referida alínea no requerimento de recurso;
66- Deve portanto ser o recurso admitido em consequência também da aplicação das referidas normas cuja inconstitucionalidade foi previamente suscitada, durante o processo, na reclamação de fls. ... o que se refere expressamente no referido artº 16° do requerimento de recurso;
67 - Em consequência do exposto deve o recurso de fls. 979 e ss. ser nesta parte admitido;
68 - Acresce ainda relativamente ao referido recurso que como resulta expressamente da douta decisão reclamada e acórdão a quo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu, nos termos previstos no Artº 664° do CPP de 1929 (cfr. fls. ... ) pareceres
«...pronunciando-se pelo indeferimento da pretensão do recorrente.», isto é, no sentido de agravar a posição do réu, não tendo sido dada ao aqui réu a possibilidade de responder e nem sequer foi dado ao arguido conhecimento de tal parecer;
69 - Ora, não foi, assim, respeitado o princípio do contraditório e da igualdade de armas já que o arguido, ora recorrente, não foi notificado desses pareceres para sobre os mesmos se pronunciar 1 defender, pelo que, também por isto foi violado o Artº 32° da Lei fundamental;
70 - Com efeito, o referido Artº 664° do CPP de 1929 é inconstitucional quando não se prevê a notificação do réu para se pronunciar sobre o douto parecer em causa, o que, aliás, hoje em dia acontece no C6digo de Processo Penal de 1987 - cfr. Artº 417°, nº 2;
71 - Assim sendo, a inconstitucionalidade do artº 664° do CPP de 1929, face ao estatuído no artº 32°, n° 1 da CRP, constitui matéria de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional em conformidade com o artº 70°, nº 1, al. g), tal como decorre da jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional;
72 - A norma do artº 664° do CPP de 1929 foi já objecto de decisão de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional no Acórdão de 6 de Maio de
1987, publicado no BMJ 367 - 211, que aqui se indica nos termos e para os efeitos do disposto no artº 75°-A, nº 3da L TC;
73 - No que diz respeito a esta questão e sendo óbvio que estamos inequivocamente em face da mesma norma - artigo 664° do CPP de 1929 - já pacificamente julgada inconstitucional, por diversas vezes, a decisão reclamada ancora-se agora na valorização do plano material inerente ao conteúdo do parecer do Ministério Público cujo teor o recorrente desconhecia e no facto de alegadamente a qualquer resposta que o recorrente apresentasse àquele parecer não teria, segundo a decisão reclamada, a virtualidade de abalar a fundamentação da decisão;
74 - Ora, tal entendimento é inaceitável, desde logo porque a norma em causa foi já declarada inconstitucional por esse douto Tribunal, por outro lado, e com todo o respeito, não pode a Exma. Juiz Conselheira Relatora presumir, como presume, a virtualidade ou não do recorrente, caso lhe tivesse sido possível responder a tal parecer, abalar a fundamentação da decisão recorrida;
75 - Assim e como se disse a inconstitucionalidade do artigo 664° do CPP de
1929, face ao estatuído no artigo 32.º da CRP, constitui matéria de que cabe recurso para esse douto Tribunal em conformidade com o artigo 70°, nº 1, al. g) tal como decorre da jurisprudência pacífica desse douto Tribunal, devendo em consequência também nesta parte ser admitido o recurso oportunamente interposto a fls. 979 e ss. o que aqui se requer .
76 - Especificamente quanto ao RECURSO DE FLS. 1063 e ss., decorre da douta decisão reclamada, o Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão a quo – de 2 de Outubro de 2003 (fls. 1038) - ali transcrito indeferiu a invocada excepção - prescrição -, porque, no seu douto critério, entendeu ao invés do propugnado pelo recorrente não desaplicar o artº 7°, nº 1, do DL 78/87, materialmente inconstitucional na nossa perspectiva, por violação do artº 29°, nº 4 da CRP, na parte em que impede a aplicação da lei nova mais favorável - inconstitucionalidade que oportunamente se alegou durante o processo - no requerimento em que deduziu a prescrição - a fls. ... conforme se refere expressamente no artº 22° do requerimento de recurso aqui em causa e que aqui se dá por integralmente reproduzido, aplicando-o, e não aplicando os artºs. 119°, nº 1 al. a) do CP de 1982, conjugado com o artº 7°, nº 4, do CPP de 1987, ao abrigo do artº 2°, nº 4, do CP e do artº 29° da CRP, em conjugação com o disposto nos artºs 118°, nº 1, al. b) e 120°, nº 3 do CP, indeferindo, assim, a alegada excepção;
77 - Na douta decisão aquele Supremo Tribunal recorrido sustenta, pois, a tese de que: “( ...) neste momento ( ...) o trânsito em julgado dos vários acórdãos da Relação de Lisboa proferidos a partir de 16-6-1992 até 9-5-2000 e do acórdão do Supremo Tribunal de 10-2-1999, torna inatacável a suspensão do presente processo por prazos sucessivamente renovados por aqueles arestos da Relação de Lisboa, com a concordância e a reafirmação deste Supremo Tribunal no referido acórdão de 10-2-1999. A constatação desta realidade prejudica todos os argumentos que o recorrente invocou para que se declare a prescrição do procedimento criminal”;
78 - Ora, salvo o devido respeito, tal tese é juridicamente inaceitável à face da Constituição da República Portuguesa, desde logo, porquanto o recorrente alegou expressamente que a referida suspensão do processo face ao disposto no artº 3, nº 3 do C.P.P. de 1929, foi processualmente regular. (Sendo, portanto, incorrecto afirmar que o recorrente pretendia agora impugnar os doutos acórdãos de fls. ... da Veneranda Relação de Lisboa e desse Supremo Tribunal transitados em julgado);
79 - E, simultaneamente, não advogou também o recorrente a simples aplicação directa do referido artº 7°, nº 4 do C.P.P. de 1987 - como resulta da decisão a quo - o recorrente alegou sim e alega que o artº 119º, nº 1, al. a) do C.P. de
1982 (actual artº 120°, nº 1, al. a)). ganhou, em virtude da entrada em vigor do artº 7º, nº 4 do CPP de 1987, um conteúdo diverso no que diz respeito ao prazo máximo da suspensão do prazo prescricional e constitui, claramente, uma norma processual material, segundo a qual, a partir de 1 de Janeiro, a suspensão da prescrição do procedimento criminal em virtude da suspensão do processo, não pode em caso algum, ultrapassar o prazo de 1 (um) ano !!!
80 - Donde o que está em causa não é, pois, a mera aplicação directa do referido artº 7°, nº 4 do C.P.P. de 1987, questão que, assim, a decisão a quo confunde, mas sim a contagem da prescrição - relativamente aos dois crimes – de acordo com o disposto no Código Penal, após 1 de Janeiro de 1988, na Constituição da República e com os ensinamentos da douta jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional;
81 - Com efeito, na vigência do CP de 1982 e do CPP de 1929, a suspensão do procedimento criminal por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal, como nestes autos sucedeu, podia ser prorrogada “por tempo razoável” (Artº 3°, § 3°, do CPP de 1929), sem observar limites temporais estritos, pelo que a suspensão da prescrição do procedimento criminal prevista no Artº 119°, nº 1, al. a) do CP de 1982, dali decorrente não se encontrava sujeita a qualquer termo peremptório;
82 - A partir de 1 de Janeiro de 1988, com a entrada em vigor do CPP de 1987, a suspensão do processo em virtude da devolução de questão prejudicial para juízo não penal passou a ter o limite máximo de um ano - artº 7, nº 4, do CPP de 1987
- pelo que a suspensão da prescrição do procedimento criminal dali decorrente ficou, também ela, subordinada a esse limite temporal;
83 - A entrada em vigor do Artº 7, nº 4 do actual CPP, veio alterar também, em 1 de Janeiro de 1988, o regime da prescrição do procedimento criminal;
84 - A norma constante do Artº 199°, nº 1, al. a), do CP de 1982, aqui aplicável, (actual artº 120°, nº 1, al. a), ao dispor que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo que o procedimento criminal não possa continuar por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal, incorporou, como prazo máximo da suspensão do prazo prescricional, o prazo máximo de um ano que limita a suspensão do processo;
85 - A suspensão da prescrição do procedimento criminal em virtude da devolução de questão prejudicial para Tribunal não penal não pode exceder, a partir de Janeiro de 1988, o prazo máximo de um ano e como decidiu esse Supremo Tribunal,
«A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.» (Ac. do STJ, de 86/11/05, in BMJ nº 361 pág.
229);
86 - O artº 119°, nº 1, al. a) do CP de 1982 (actual artº 120°, nº 1, al. a), ganhou, em virtude da entrada em vigor do artº 7°, nº 4 do CPP, um conteúdo diverso no que diz respeito ao prazo máximo da suspensão do prazo prescricional;
87 - E, constitui, claramente, uma norma processual material, segundo a qual, a partir de 1 de Janeiro de 1988, a suspensão da prescrição do procedimento criminal em virtude da suspensão do processo não pode, em caso algum, ultrapassar o prazo de um ano;
88 - Aliás, este entendimento foi sufragado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça (STJ) nº 1/98, de 9-7-1998 (in DR I-A, de 29-7-1998) embora nesse aresto estivesse em causa a interrupção da prescrição, decidiu-se ali que: «a prescrição do procedimento penal é, sem dúvida, uma causa de extinção dessa responsabilidade, como se vê do plano sistemático do Código Penal, incluída como está, no título V do livro 1º, justamente epigrafado de “Extinção da responsabilidade criminal”. E a interrupção da prescrição participa evidentemente da disciplina geral do instituto. Por conseguinte, qualquer alteração legislativa dessa disciplina ou desse regime releva para a problemática da aplicação da lei criminal no tempo»;
89 - A inaplicabilidade da norma processual formal (Artº 7, nº 4, do CPP de
1987), por opção legislativa, não prejudica, num plano lógico-normativo, a aplicação da norma processual material (Artº 119°, nº 1, al. a), do CP de 1982), trata-se de duas normas autónomas, pertinentes a institutos diversos e de diferente natureza;
90 - Mas ainda que assim se não entenda, a aplicação imediata da nova norma prescricional é imposta pelo art. 29º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa que a decisão a quo, assim, viola;
91 - Os princípios do tratamento mais favorável do agente e da retroactividade da lei penal mais favorável, previstos nos artºs 29°, nº 4, da CRP e consagrados no 2º, nº 4 do CP, impedem o legislador ordinário de proibir a aplicação imediata, com eficácia retroactiva imprópria, de uma norma processual mais favorável ao arguido. Neste sentido decidiu o douto o Acórdão do TC nº 250/92, de 1-7 (DR II, de 27-10-1992), que julgou inconstitucional a norma constante do Artº 7º, nº 1, do DL 78/87, na parte em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CPP de 1987, o corpo e o nº 2 do § 1° do artº 667º do CPP de 1929 (jurisprudência reafirmada, posteriormente, no AC do TC nº 451/93, de 15-7);
92 - Aplicar a lei antiga (CPP de 1929), admitindo a suspensão indefinida do prazo prescricional daí decorrente, com base no artº 7°, nº 1, do DL 78/87, num momento em que vigora um regime mais favorável para o arguido, significaria que aquela norma, permitindo tal solução, se encontra ferida de inconstitucionalidade material, por violação do Artº 29°, nº4, da CRP, na parte em que impõe a aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo favorável - tudo como já oportunamente se alegou a fls. ...;
93 - Deveria, pois, esse Supremo Tribunal ter desaplicado o artº 7°, nº 1, do DL
78/87, materialmente inconstitucional, por violação do art° 29°, nº4, da CRP, na parte em que impede a aplicação da lei nova mais favorável, e aplicar os artºs,
119°, nº1. al. a) do CP de 1982, conjugado com o artº 7, nº4, do CPP de 1987, ao abrigo do Artº 2°, nº 4, do CP e do art° 29°, no4 da CRP, em conjugação com o disposto nos Art°s. 118°, nº1, al. b) e 1200, nº3 do CP, declarando extinto o procedimento criminal;
94 - Assim sendo e considerando o estatuído no artº 70, nº1, als. i) e g) da LTC o Tribunal a quo simultaneamente aplicou e não aplicou, portanto, as citadas normas constantes dos identificados actos legislativos, em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão nos identificados doutos acórdãos do Tribunal Constitucional;
95 - In casu a decisão recorrida ofendeu as normas infra indicadas da Constituição da República Portuguesa;
96 - Saliente-se, finalmente, que, como se disse, no requerimento em que deduziu a prescrição constante de fls. ..., o recorrente invocou expressamente que entendimento diverso do ali expendido consubstanciaria violação das disposições da Lei Fundamental supra citadas, arguindo ali as inconstitucionalidades anteriormente referidas o que preenche o pressuposto processual referido na al. b) do nº1 do artº 70.º da LTC;
97 - A aplicação imediata da nova norma prescricional é ainda imposta pelo Artº
29°, nº 4, da CRP;
98 - Como ensina o nosso Mestre, José de Sousa e Brito : «...A Constituição não contém normas penais completas, isto é, normas que para acções ou omissões nelas previstas estatuem penas, medidas de segurança ou outras medidas jurídico-penais. Mas contém disposições de direito penal, que determinam em parte o conteúdo de normas penais. São disposições desta espécie as que (...) delimitam o sentido, o âmbito de aplicação no tempo ou adaptam outras normas penais não constitucionais (artº 29°, nº1 a 4 )...», cf. Textos de Direito Penal, Tomo II, p. 7, AAFDL;
99 - Com efeito, o princípio do tratamento mais favorável do agente, previsto no Art° 29°, nº 4, da CRP, impede o legislador ordinário de proibir a aplicação imediata, com eficácia retroactiva imprópria, de uma norma processual mais favorável ao arguido;
100 - Neste sentido, cfr. o já citado douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 250/92, de 1-7 (DR II, de 27-10-1992), que julgou inconstitucional a norma constante do Art° 7°, nº 1, do DL 78/ 87, na parte em que manda aplicar aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CPP de 1987, o corpo e o nº 2 do § 1° do artº 667° do CPP de 1929 (jurisprudência reafirmada, posteriormente, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 451/93, de 15-7);
101 - Em rigor, aplicar a lei antiga (CPP de 1929), admitindo a suspensão indefinida do prazo prescricional daí decorrente, com base no artº 70, nº1, do DL 78/87, num momento em que vigora um regime mais favorável para o arguido, significaria que aquela norma, permitindo tal solução, se encontra ferida de inconstitucionalidade material, por violação do Artº 29°, nº4, da CRP, na parte em que impõe a aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo favorável;
102 - Como ensina o Professor Faria da Costa « ...quaisquer que sejam as interrupções da prescrição, ressalvados os prazos de suspensão, se tiver decorrido o prazo normal mais metade, eis que o procedimento criminal está prescrito. Se uma tal regra pode ser valorada como uma forma de incentivar a justiça penal a prosseguir os seus objectivos e, desse modo, a não se deixar arrastar pela inércia, mãe de tantas injustiças, é também verdade que, a partir da esfera do delinquente, o carácter peremptório da norma só pode ser entendido como manifestação de um modo garantístico de ponderar o direito e o processo penais. Em síntese: a exacta determinação, para mais com o inultrapassável limite que a analisada regra da metade ainda torna mais patente, de um tempo certo para a prescrição de específicos crimes, é também ilustração inequívoca de que a paz jurídica individual constitui, em si, um valor que o Estado não deixa de proteger», ob. cit. p. 1161 (sublinhado nosso);
103 - Ora, com sincero respeito, a questão em apreço consubstancia outrossim violação directa de comandos e princípios constitucionais materiais substantivos que esse douto Tribunal Constitucional não pode ignorar;
104 - E, identificada a norma, a questão suscitada pelo recorrente suscitada no seu contexto sistemático, não está o Tribunal Constitucional impedido de apreciar a conformidade à Constituição da norma sindicada mesmo à luz de normas e princípios diferentes dos invocados pelo recorrentes, o que aqui se requer;
105 - Todavia, não obstante o exposto, sublinha o recorrente que suscitara a inconstitucionalidade das referidas normas, durante o processo, no requerimento em que deduziu a prescrição constante de fls. ... e como aliás refere expressamente no artº 22° do requerimento de recurso aqui em apreço e que aqui dá por integralmente reproduzido;
106 – Assim é óbvio que o recurso tem também fundamento em inconstitucionalidade das referidas normas suscitada durante o processo e assim outrossim na al. b) do nº 1 do artº 70° da L TC;
107 - Situação material que foi ignorada na decisão reclamada e que o Tribunal não pode ignorar;
108 - Sendo óbvio, como referiu no artº 6° supra, que só por lapso manifesto, decorrente de copy paste, o recorrente não indicou expressa e formalmente no requerimento de recurso a referida al. b) do nº 1 do artº 70° da LTC, quando, repete-se, ali se faz expressa referência à circunstância de já anteriormente ter suscitado a inconstitucionalidade de tais normas;
109 - Deve, portanto, o recurso de fls. 1063 e ss., em consequência anterior arguição de inconstitucionalidade das referidas normas, ser admitido também ao abrigo da al. b) do nº 1 do 70° da LTC;
110 - Sem prejuízo de se entender que as matérias em causa nos três recursos em apreço constitui violação directa de princípios constitucionais substantivos o que sempre permite a esse douto Tribunal Constitucional conhecer das mesmas. Por assim ser, impetra-se a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, se dignem dar provimento à presente reclamação, anulando-se a douta decisão sumária reclamada e declarando-se a admissibilidade dos recursos de fls. 880 e ss.; 979 e ss. e 1063 e ss. com as legais consequências.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência das reclamações.
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar.
2. O reclamante afirma ter cometido um lapso na indicação das alíneas do nº 1 do artigo 70º, uma vez que alegadamente pretendeu indicar a alínea b). Ora, nenhum elemento indica que tenha sido cometido qualquer lapso. O reclamante indicou sempre as alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, nada sugerindo que também era pretendida a interposição do recurso da alínea b) do referido preceito. Na verdade, o então recorrente indicou as alíneas i) e g) do nº 1 do referido artigo 70º, dando cumprimento às exigências formais relativas ao requerimento de interposição de tais recursos. Foi essa a estratégia processual do recorrente. De modo algum poderia a relatora ter alterado a estratégia processual do recorrente. O “lapso”, a ter existido, foi a definição dessa mesma estratégia. De qualquer modo, não logra o recorrente demonstrar, com objectividade, em face dos elementos dos autos, que houve lapso De todo o modo, não pode agora o recorrente, no momento em que reclama das Decisões Sumárias, proceder à convolação dos recursos interpostos ou mesmo à reformulação dos respectivos requerimentos. Tal não lhe é autorizado pela tramitação do recurso de constitucionalidade, constante da Lei do Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional não poderá convolar, consequentemente, como o reclamante pretende, o recurso interposto para o da alínea b) do nº 1 do artigo
70º, da Lei do Tribunal Constitucional.
Reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 880 e ss.
3. O recorrente desenvolve várias considerações sobre a alegada inconstitucionalidade da aplicação nos autos do Código de Processo Penal de
1987. Porém, como o recurso não admitido não foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, torna-se inútil a tentativa de definição de uma questão de constitucionalidade normativa a apreciar ao abrigo de um recurso que, desde logo, não foi interposto e do qual não se verificam os respectivos pressupostos processuais. O reclamante esboça, nos artigos 21º e 22º da reclamação, uma demonstração da verificação dos pressupostos processuais dos recursos das alíneas g) e i) do mencionado artigo 70º. No entanto, mais uma vez evidencia um deficiente entendimento de tais preceitos, nada acrescentando de novo no plano argumentativo ao que já havia exposto no requerimento de fls. 880 e ss.. Nessa medida, remete-se para o que se deixou dito sobre tais recursos na Decisão Sumária reclamada. O reclamante, no artigo 28º, afirma que a Decisão Sumária ignorou a invocação do Acórdão nº 250/92. Contudo, tal Acórdão, invocado no requerimento de fls. 880 e ss. no contexto do recurso interposto ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, foi devidamente ponderado na fundamentação da decisão de não admissão de tal recurso. A Decisão Sumária reclamada não ignorou, pois, qualquer argumento do reclamante. O reclamante tece, posteriormente, considerações sobre a falta de oportunidade processual para a invocação da questão de constitucionalidade. Mais uma vez se refere que o recurso não foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que tais considerações não têm qualquer utilidade na presente reclamação. No artigo 36º da reclamação, o reclamante invoca de novo a alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Uma vez que não apresenta qualquer argumento novo, remete-se mais uma vez para o que se deixou dito na Decisão Sumária reclamada. Improcede, portanto, a reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso interposto a fls. 880 e ss.
Reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 979 e ss.
5. O recorrente, reiterando o que havia sustentado no requerimento de fls. 979 e ss. e que obteve resposta suficiente na Decisão Sumária reclamada (pelo que agora se remete para essa Decisão), procura, mais uma vez, delinear uma questão de constitucionalidade (e, mais uma vez, de modo deficiente) submetê-la à apreciação do Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional. Repete-se que os recursos interpostos não o foram ao abrigo de tal alínea, pelo que as considerações desenvolvidas são absolutamente inúteis na presente reclamação. No que se refere à pretendida demonstração de verificação dos pressupostos dos recursos das alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que nada de novo é dito pelo reclamante, verificando-se apenas a repetição do que foi sustentado no requerimento de fls. 979 e ss., remete-se para a Decisão Sumária reclamada. Por outro lado, ao contrário do que o reclamante afirma, a Decisão Sumária apreciou as questões relativas aos pressupostos dos recursos interpostos, como devia apreciar, procurando averiguar, como era necessário, que a norma anteriormente apreciada era a mesma aplicada nos autos e impugnada pelo então recorrente. E, nesse ponto, concluiu negativamente com o fundamento de que os arestos referidos se pronunciaram sobre o artigo 40º do Código de Processo Penal e não sobre qualquer das normas invocadas. Sublinhe-se, também, que no artigo 16º do requerimento de fls. 979 e ss. o recorrente somente afirma que invocou vários preceitos infraconstitucionais e vários preceitos constitucionais. Não é dito em tal artigo do mencionado requerimento que foi suscitada nos autos uma qualquer questão de constitucionalidade normativa a apreciar ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (desde logo, cabe notar que tal afirmação constante do aludido artigo 16º é formulada na sequência da invocação duma alegada desaplicação de normas). Por último, ao contrário do que o reclamante afirma, a dimensão normativa do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929 julgada inconstitucional no Acórdão invocado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade é substancialmente diferente da aplicada nos autos, como foi demonstrado na Decisão Sumária reclamada, demonstração que não é minimamente abalada pelo que o reclamante assevera, nomeadamente nos artigos 78º, 79º, 80º e
81º, já que, como se referiu na Decisão Sumária, nos presentes autos está em causa a pronúncia do Ministério Público sobre a arguição de nulidade, que é em si mesmo a expressão do princípio do contraditório (contraditório, obviamente, exercido pelo Ministério Público) ao passo que a dimensão normativa julgada inconstitucional se refere ao parecer emitido, no âmbito de um recurso, pelo Ministério Público no tribunal ad quem, para além do normal exercício do contraditório nas contra-alegações de recurso. Por outro lado, não “divagou” o Tribunal Constitucional através do juízo emitido pela relatora, como afirma o reclamante, ao pronunciar-se sobre a utilidade da apreciação da questão suscitada, uma vez que, como se decidiu na Decisão Sumária reclamada, a decisão então recorrida assentou em fundamentos diversos dos contidos no parecer do Ministério Público. Ora este juízo de utilidade, que é, aliás, um obiter dictum, consubstancia, em geral, um poder atribuído aos tribunais na análise da relevância processual dos casos que lhe são apresentados [artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil].
A reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 979 e ss. é, portanto, improcedente.
Reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 1063 e ss.
7. O recorrente, nos artigos 84º a 104º da reclamação procura demonstrar a verificação dos pressupostos processuais dos recursos das alíneas i) e g) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Contudo, nada de novo acrescenta ao que anteriormente havia afirmado (no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade de fls. 1063 e ss.) e que foi devidamente ponderado e respondido na Decisão Sumária sob reclamação. O reclamante conclui, no artigo 104º da reclamação, que “a decisão recorrida ofendeu as normas infra indicadas da Constituição”. Tal afirmação afigura-se evidentemente impertinente no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade normativa, uma vez que tal recurso apenas tem por objecto normas ou dimensões normativas e não decisões judiciais. Por fim, nos artigos 105º a 120º da reclamação, o reclamante procura demonstrar a verificação dos pressupostos processuais do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Porém, como tal recurso não foi interposto, como se deixou dito e demonstrado, não têm qualquer cabimento na presente reclamação as considerações desenvolvidas pelo reclamante. A reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 1063 e ss. é, portanto, também improcedente.
7. Finalmente, o reclamante vem, a fls. 1098 e ss., requerer a declaração de extinção do procedimento criminal por prescrição. Ora, a questão de prescrição de procedimento criminal já foi objecto de apreciação nos autos. Por outro lado, a competência do Tribunal Constitucional nos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa circunscreve-se à apreciação da conformidade à Constituição de normas ou dimensões normativas. A questão da prescrição encontra-se claramente fora do âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal. Nessa medida, o requerimento de fls. 1098 e ss. será indeferido.
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Indeferir a reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 880 e ss.; b) Indeferir a reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 979 e ss.; c) Indeferir a reclamação da Decisão Sumária relativa ao recurso de fls. 1063 e ss.; d) Confirmar, consequentemente, as três Decisões Sumárias reclamadas; e) Indeferir o requerimento de fls. 1098 e ss.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça das três reclamações em 15 UCs. cada.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos