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Processo n.º 660/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., foi proferida Decisão Sumária com o seguinte teor:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e B., foi deduzida reclamação da decisão de não admissão de um recurso de uma decisão que havia indeferido a arguição de nulidade de um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
É o seguinte o teor da reclamação deduzida:
Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
A., Arguido melhor identificado com os sinais dos autos em referência, vendo ser-lhe inadmitido um recurso respeitante a decisão primária proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para este Tribunal Superior, vem nos termos do disposto no Art. 405°, n.º 1, CPP, oferecer a sua reclamação, O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: O recurso interposto diz respeito a uma decisão, colenda aliás, do Tribunal a quo que indefere, in limine, a arguição de nulidade do Acórdão que confirmou a sua condenação sem apreciar a matéria de facto alegada e recorrida, cuja transcrição se havia requerido e não acompanhou tal recurso, nem sequer na forma de simples gravação áudio, sustentado na sua extemporaneidade sem atender à data de conhecimento desse facto relevante por parte do Arguente, ora Reclamante.
É, na opinião, modesta, do Reclamante, a data de conhecimento do facto que dá origem à nulidade processual, que é atendível para a arguição de nulidade. De resto, é esta também parte da matéria de base de recurso interposto para o Tribunal Constitucional, devolvido por este à Relação para posição prévia e adequada, na presente matéria.
É, pois, uma questão nova, originada no tribunal de segunda instância, que, geradora de controvérsia jurídica e inconformismo, se tem que submeter a sindicância superior. Assim sendo, não carece de sustentação, em face do dispositivo invocado no recurso sub judice, a nível e imprevista decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que colide com o direito constitucional emergente do Art.
32° da Lei Fundamental, como a ora reclamada, de resto. Pelo que se pode CONCLUIR: a) A arguição de nulidade do Acórdão do Tribunal de Recurso por patente e inequívoca falta de apreciação da prova testemunhal, em qualquer dos seus suportes, é temporã desde que respeite o prazo contado do seu conhecimento, pelo Arguente; b) O Arguido, ora Reclamante, não foi notificado do Venerando Acórdão confirmante da sentença condenatória, logo não podia conhecer tal matéria para sobre ela decidir se devia recorrer, se queria recorrer, se tinha motivação bastante, decisão que lhe compete exclusivamente, com o mesmo defensor ou não; c) Sendo que essa notificação é exigida pelo Art. 113°, n.º 9, do Código de Processo Penal, e a sua falta até está já sujeita já à apreciação do Tribunal Constitucional, que devolveu o processo para decisão prévia sobre a matéria aqui em apreço, como é patente; d) E, logo que dela tomou conhecimento, o arguido, ora reclamante, tomou posição, sendo é esta a data imperativa para o recurso; e) A decisão que julga uma tal arguição extemporânea é uma decisão em primeiro grau, passível de recurso, de acordo com a lei adjectiva penal, em submissão aos imperativos constitucionais do direito de defesa e recurso; f) Uma tal decisão viola os dispositivos dos Arts 399° e 432°, alínea a), ambos do Código de Processo Penal; g) E, maxime, o Art. 32°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se invoca expressamente, para todos os legais efeitos. Termos em que se requer que, em decisão superior, se admita o recurso interposto e aqui em reclamação, sob pena de violação do já supra invocado Art. 32°, n.º 1, da Constituição da República portuguesa
Por decisão de 14 de Maio de 2004 do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, entendeu-se o seguinte:
I. O arguido A. recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que indeferiu por extemporaneidade a arguição da nulidade imputada ao acórdão condenatório contra ele proferido. Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator esse recurso não foi admitido, nos termos do art.º 400º n.° 1 alínea e) do CPP. Desse despacho reclama o recorrente, sustentando que o recurso é admissível uma vez que o acórdão em crise decidiu uma questão nova em primeiro grau, pelo que o despacho que não admitiu o recurso violou os art.ºs 399º e 432°, alínea a) do CPP e 32° da CRP.
II. Cumpre apreciar e decidir. Na hipótese em análise, está em causa um acórdão do Tribunal da Relação que, por extemporaneidade, indeferiu a arguição de nulidade deduzida pelo ora reclamante. Tal arguição reporta-se ao acórdão proferido pela Relação que, na procedência parcial do recurso interposto pelo arguido, alterou a decisão da 1ª instância e o condenou pela prática de um crime de injúrias p. e p. pelo art.º 181º, n.º 1 do CP, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 euros, mantendo aquela decisão no respeitante à sua absolvição de outro crime de injúrias e dos restantes crimes de difamação de que vinha acusado e no pagamento à demandante, a título de indemnização cível, da quantia de 200.000$00. A nulidade do acórdão foi arguida perante a Relação como resulta do art.º 379º, n.° 2, do CPP, atento o disposto no art.º 668°, n.° 3 do CPC, aplicável ex vi do art.º 4° daquele diploma e bem (independentemente de o ter sido tempestivamente ou não) porque, do acórdão da Relação não podia haver recurso, nos termos do art.º 400º, n.° 1, alínea e) do CPP. E, respeitando a invocação da nulidade a um acórdão irrecorrível, não passa a ser recorrível a decisão que a indeferiu, porque se trata de um processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos. Donde, o despacho reclamado não ter violado os art.ºs 399º e art.º 432°, alínea a) do CPP, uma vez que a arguição de nulidade respeita a acórdão proferido sobre recurso vindo da 1ª instância e o regime dessa arguição regula-se, de forma especial, pelos preceitos dos art.ºs 379º, n.° 2 do CPP e 668°, n.° 3 do CPC, como atrás vimos. Por último, no respeitante ao direito ao recurso consagrado no art.º 32° da Constituição, cabe dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva a que alude o art.º 20°, n.° 1 da CRP se concretiza através da instância única, só se impondo o direito ao recurso em processo criminal, nos termos do n.° 1 do art.º
32° da CRP. Mas mesmo aqui, só através do duplo grau de jurisdição, já assegurado.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Consequentemente foi indeferida a reclamação.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
A., Reclamante melhor identificado com os sinais dos autos em referência, tendo sido notificado do indeferimento da sua reclamação quanto à inadmissão do recurso interposto de decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, ali proferida em primeira instância, não podendo concordar e muito menos conformar-se com a mesma, dela vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1) Não pode proceder, salvo melhor e mais douto entendimento, a interpretação dada à alínea a) do artº 432º do Código de Processo Penal, de que está garantido o direito constitucional ao recurso por a decisão de indeferimento de uma arguição de nulidade de um Acórdão irrecorrível ser também ela, por essa razão, irrecorrível.
2) Tal decisão, no modesto entendimento do ora Recorrente, viola o princípio constitucional do direito ao recurso previsto no n.º 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, porquanto a referida decisão jamais poderia ter lugar em instância inferior, logo carecendo de ser alvo de recurso adequado, questão que foi aliás suscitada, ad cautelam, na alínea g) das conclusões da sobredita reclamação, corolário das demais.
3) Assim, vai o presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artº 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção, requerendo a sua admissão para os subsequentes termos processuais.
Cumpre apreciar.
3. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995). Ora, nos presentes autos o recorrente só impugnou na perspectiva da constitucionalidade a norma do artigo 432º, alínea a), do Código de Processo Penal, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Anteriormente, o recorrente apenas imputou o vício de inconstitucionalidade à decisão recorrida [cf. alíneas f) e g) das conclusões da reclamação transcrita supra). Não se verifica, portanto, de modo manifesto o pressuposto processual do recurso interposto consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa. Nessa medida, não se tomará conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
5. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte:
a) O requerimento de interposição do recurso constitucional contém todos os elementos obrigatórios para ser recebido, mormente a indicação da norma cuja interpretação se argui de inconstitucional, o preceito fundamental violado e as razões, sucintas, que sustentam o recurso; b) Ainda que tais elementos estivessem em falta sempre deveria o recorrente ser convidado a, em dez dias, fazer essa indicação, em cumprimento do disposto no nº
5 do ano 65°-A da lei do Tribunal Constitucional; c) A economia processual obriga a que a fundamentação apresentada no requerimento de interposição do recurso seja sucinta, resumida, ainda que minimamente perceptível das razões que o sustentam; d) Da sucinta fundamentação plasmada no texto do requerimento de interposição do recurso sub judice entende-se perfeitamente que o recorrente sustenta que uma decisão da Relação, tomada pela primeira vez sobre questão impossível de ser suscitada, por qualquer forma, na instância inferior, carece sempre do direito a recurso, ainda que num só grau; e) Sendo claro, também, desse texto e dos documentos que instruem o recurso, que ele se referia a uma reclamação sobre a inadmissão de um recurso de uma decisão tomada em primeira instância pela Relação, jamais possível no Tribunal ad quem; f) Tendo ad cautelam a violação constitucional da interpretação dada à norma adjectiva penal sido invocada previamente na alínea g) das conclusões da reclamação de inadmissão do recurso; g) Tendo mesmo, cautelarmente, sido invocada a inconstitucionalidade de diversa interpretação no próprio requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (alínea i); h) Padece a decisão sumária reclamada de erro notório de apreciação dos factos, necessitando de revogação e substituição por outra que admita o recurso OU, alternativamente - sem conceder - ordene o cumprimento do imperativo constante no sobredito nº 5 do ano 75°-A da lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
1. A presente reclamação é manifestamente improcedente, confundindo, aliás, o reclamante os planos dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade e dos requisitos formais do requerimento de interposição - só estes sendo obviamente susceptíveis de sanação, mediante convite ao aperfeiçoamento.
2. Ora, não tendo o recorrente suscitado, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, a questão de inconstitucionalidade que integra o objecto do recurso, é evidente que do mesmo não é possível tomar conhecimento.
Cumpre apreciar.
3. A Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do presente recurso funda-se na não verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto, nomeadamente na não suscitação durante o processo (antes, portanto, da prolação da decisão recorrida) da questão de constitucionalidade normativa que o reclamante pretende ver apreciada. Na presente reclamação, o reclamante afirma que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade contém determinados elementos, legalmente exigíveis. Ora, o fundamento da decisão de não conhecimento do objecto do recurso não foi a omissão de determinados elementos no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Com efeito, o não conhecimento do objecto do recurso assenta na não verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto
(falta insusceptível de ser colmatada por via de resposta a um despacho a proferir ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional). Nessa medida, a fundamentação da presente reclamação não afecta os fundamentos da Decisão Sumária reclamada. Assim, a reclamação é manifestamente improcedente.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 12 de Outubro de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos