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Processo nº 189/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
         (Conselheiro Benjamim Rodrigues)
 
  
 
 
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal 
 de Loulé recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na actual redacção 
 
 (LTC), da sentença proferida naquele Tribunal que recusou a aplicação da norma 
 constante do “artigo 98.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das 
 Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo DL. n.º 442-B/88, de 30/11, com a 
 redacção introduzida pelo DL n.º 198/2001, de 03/07”, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade.
 
  
 Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:
 
 “A norma constante do n° 1 do artigo 98° do CIRC, enquanto vincula as empresas 
 ao pagamento especial por conta, aí previsto, aplicável no âmbito de um processo 
 de natureza contraordenacional — resultante da qualificação como 
 contraordenação, sendo sancionada com coima pela Administração Fiscal a omissão 
 de tais pagamentos, com fundamento nos artigos 114°, n° 2 e 5, alínea f) e 26°, 
 n° 4, do RGIT — não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.
 
 2°
 Na verdade, o estabelecimento de uma presunção de estabilidade dos lucros 
 auferidos em anteriores exercícios — susceptível de oportuna ilisão pelo 
 contribuinte, quer no momento em que apresenta a respectiva declaração de 
 rendimentos, quer pela via da imediata formulação de um pedido de limitação dos 
 pagamentos por conta, quando já se mostre excedido o imposto devido com base na 
 matéria colectável do exercício — e a exigência de um pagamento parcelar 
 
 “antecipado”, durante a formação do facto tributário e com uma função de 
 garantia da prestação devida a final, não violam o princípio constitucional da 
 tributação do rendimento real das empresas, expresso no n° 2, do artigo 104° da 
 Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 Notificado para se pronunciar sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido 
 o recorrente veio dizer que face à orientação definida pelo Plenário no acórdão 
 n.º 173/08, era de entender que, sendo este caso perfeitamente idêntico, deveria 
 entender-se que também aqui não ocorreu uma verdadeira recusa de aplicação da 
 mesma norma.
 
  
 Houve mudança de relator.
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 A decisão recorrida tem o seguinte teor:
 
 “A., Limitada, veio recorrer da decisão do Chefe de Finanças do Serviço de 
 Finanças de Faro que lhe aplicou uma coima no valor de €. 251,75 por não ter 
 efectuado o pagamento especial por conta do IRC de 03/2005. 
 
 …
 Salvaguardando o respeito devido pela opinião da Arguida, cremos que a 
 Administração Fiscal não se limitou a invocar normas legais para fundamentar a 
 sua decisão. Pelo contrário, além de referir que, em certa data, aquela não 
 efectuou o pagamento especial por conta de determinada quantia relativa a certo 
 período, também referiu que essa conduta constituía contra-ordenação prevista 
 por certa norma e punível por outras.
 Ora, o art. 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias reza assim:
 
 «1. A decisão que aplica a coima contém:
 
 (…)
 b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
 c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram 
 para a sua fixação;
 
 (…)
 
 2. A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da 
 decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 
 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena 
 de se proceder à sua cobrança coerciva.
 
 (…).»
 Sendo assim, não nos restam dúvidas de que a decisão recorrida está 
 adequadamente fundamentada.
 Dispõe o n.º 1 do art. 98.º do CIRC (Redacção do Decreto-lei n.º 198/2001- 3 de 
 Julho) que:
 
 «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º, os sujeitos 
 passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto 
 no artigo 53º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar 
 durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e 
 Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação 
 não coincidente com o ano civil, no 3º mês e no 10º mês do período de tributação 
 respectivo.»
 E do art. 33.º da LGT consta a seguinte comando:
 
 «As entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos 
 passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por 
 conta do imposto devido a final.»
 Por seu turno, o art. 114.º do RGIT diz-nos o seguinte:
 
 «1. A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período 
 superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da 
 prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável 
 entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o 
 limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de 
 negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será 
 aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa 
 ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 5. Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da 
 prestação tributária:
 
 (…)
 f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a 
 título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações 
 de pagamento especial por conta.
 
 (…).»
 E a seu tempo o n.º 5 do art. 27.º da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro 
 estatui o que segue:
 
 «O incumprimento do disposto no artigo 98.º do Código do IRC é punido, nos 
 termos da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, com coima variável entre 50% e o valor da prestação tributária em 
 falta, no caso de negligência, e com coima variável entre o valor e o triplo da 
 prestação tributária em falta, quando a infracção for cometida dolosamente.»
 Também é sabido que no n.º 4 do art. 26.º do RGIT estabeleceu-se esta norma:
 
 «Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites estabelecidos nos 
 números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos 
 diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre 
 que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente 
 constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.»
 Sendo as coisas assim e uma vez que a Arguida deixou de entregar nos cofres do 
 Estado o pagamento especial por conta a que a citada norma do art. 98.º, n.º 1 
 do CIRC refere, naturalmente que a conclusão a retirar dessa situação seria a 
 que a Administração Fiscal retirou, a saber, o cometimento negligente da 
 contra-ordenação prevista e punível pelos demais normativos atrás referidos.
 Acontece, porém, que o n.º 2 do art. 104.º da Constituição da República 
 Portuguesa reza assim:
 
 «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.»
 E ainda relevante se mostra o que, ao tempo, dispunha o n.º 2 do art. 98.º do 
 CIRC (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro e 
 que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, que lhe deu a 
 actual redacção):
 
 «O montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios 
 relativo ao exercício anterior, com o limite mínimo de (euro) 1250, e, quando 
 superior, será igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o 
 limite máximo de (euro) 40000.»
 Discorrendo sobre o citado comando constitucional, refere o Prof. Saldanha 
 Sanches (em Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, página 263 e seguinte), que:
 
 «A proclamação constitucional do direito subjectivo do contribuinte a ser 
 tributado de acordo com o seu lucro real é uma particularidade do ordenamento 
 jurídico-tributário português. O legislador constitucional optou pela 
 consagração expressa desse direito.
 
 (…)
 Pode mesmo fazer-se um contraste entre a liberdade de conformação que tem o 
 legislador ordinário quanto às escolha do objecto de tributação e a escolha do 
 nível das taxas com a obtenção da igualdade na distribuição dos encargos 
 tributários que a Constituição lhe impõe: uma vez legalmente decidida a 
 tributação das empresas o modo como é distribuída a carga tributária entre elas 
 tem que respeitar o princípio da igualdade.
 E isso conduz-nos às regras de determinação do valor ou da quantificação do 
 imposto: uma zona onde uma obrigação de resultado, a distribuição justa dos 
 encargos tributários, incide sobre o legislador ordinário.
 E essa especifica concretização do princípio da igualdade vai exigir uma 
 tributação segundo o rendimento líquido objectivo o que por sua vez se vai 
 decompor num conjunto de sub-princípios …».
 Daí que as dúvidas que sobre a questão assaltaram o Prof. Casalta Nabais (em 
 Direito Fiscal, 2.ª edição, 3.ª reimpressão da edição de 2003, página 263 e 
 seguinte), as quais abaixo se sintetizam:
 
 «Introduzido em 1998, o pagamento especial por conta foi objecto de profundas 
 alterações na LOE/2003. Nos termos daquele artigo na redacção dada por esta Lei, 
 este pagamento é igual à diferença entre o valor correspondente a l % dos 
 respectivos proveitos ou ganhos do ano anterior, com o limite mínimo de € 1.250 
 e máximo de € 200.000 e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano 
 anterior. O pagamento especial por conta, diferentemente do que acontece com os 
 pagamentos por conta normais (que segundo o art. 96.° dão lugar ao imediato 
 reembolso caso sejam superiores ao imposto devido), será deduzido, nos termos do 
 art. 87. °, ao montante apurado na declaração periódica de rendimentos do 
 próprio exercício a que respeita ou, se insuficiente, até exercício seguinte.
 O que torna o pagamento especial por conta num empréstimo forçado ou mesmo num 
 imposto (na medida em que não venha a ser deduzido nos quatro exercícios 
 seguintes) de discutível constitucionalidade.»
 Note-se que nessa mesma linha seguiram Leite de Campos, Silva Rodrigues e Lopes 
 de Sousa, em Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, 3.ª edição, página 163 
 
 (em anotação ao citado art. 33.º da LGT), como se pode ver deste passo dali 
 retirado:
 
 «As entregas em causa são qualificadas de pagamento por conta do imposto; sem se 
 indicar o seu regime jurídico, do qual tudo depende.
 As entregas pecuniárias antecipadas poderão ser entendidas em termos de 
 pagamentos fraccionados do imposto sujeitos às condições resultantes da 
 existência e do montante deste.
 Contra esta caracterização invocar-se-á, porventura, o princípio da capacidade 
 contributiva. Antes de verificado (completamente) o facto tributário não se sabe 
 sequer se há lugar a imposto. É certo que tais prestações assentam em 
 rendimentos passados que se presume manterem-se. Mas não se pode considerar como 
 facto tributário algo que não se prende com rendimentos, riqueza ou despesa 
 actuais.
 Tais prestações antecipadas poderão ser configuradas como meros financiamentos 
 ao Estado. Cria-se uma conta devedora do Estado que será compensada com o 
 imposto a pagar.
 Estaríamos, pois, nesta perspectiva perante empréstimos forçados, não se lhes 
 aplicando as normas dos impostos.
 Na tese aposta, dir-se-á que são prestações antecipadas do imposto devido a 
 final. Assim, aplicar-se-lhes-iam as normas dos impostos.»
 Mais definitivo se mostrou João de Avillez Ogando, no estudo citado pela Arguida 
 
 (…), o qual, inter alia, referiu:
 
 «No que em particular diz respeito à tributação das pessoas colectivas, a 
 Constituição da República Portuguesa adoptou, como critério aferidor da 
 capacidade contributiva das empresas, o seu lucro real, ao proclamar que “a 
 tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento 
 real”(19), o que demonstra claramente que a tributação das empresas deve 
 basear-se fundamentalmente na sua contabilidade, o que foi aliás adoptado pelo 
 legislador ordinário ao consagrar que “o lucro tributável (...) é constituído 
 pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações positivas 
 e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, 
 determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos 
 deste Código.”(20). 
 A determinação do lucro com base na contabilidade foi adoptada como critério de 
 aferição do rendimento real das empresas por ser a forma mais rigorosa de 
 determinar a imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados 
 das empresas, e por essa via, de apurar em atenção à sua capacidade 
 contributiva, a sua medida de oneração fiscal.
 
 (…)
 Até à reforma operada pelo Orçamento de Estado para 2003, não existia qualquer 
 dúvida de que como vimos, o pagamento especial por conta pago, com a 
 configuração que lhe era dada pela Lei n.° 30-G/ 2000 de 29 de Dezembro, 
 tinha-se transformado num verdadeiro e próprio imposto mínimo, dada a 
 impossibilidade de reembolso em caso de insuficiência de colecta, excepto em 
 situações de cessação de actividade. A verdade é que dada a sua baixa expressão 
 na contabilidade das empresas, o pagamento especial por conta encontrava-se 
 integrado no IRC, e era este que conferia legitimidade para a imposição do 
 pagamento especial por conta e não o contrário, sendo que quando constituía um 
 tributo não era contestado pela generalidade dos agentes económicos. 
 Ora, não temos hoje qualquer razão para sustentar entendimento diferente, pelo 
 que o actual regime do pagamento especial por conta continua a apresentá-lo como 
 um verdadeiro imposto sobre as vendas, e agora sobre os proveitos e ganhos. 
 Mais: com a actual configuração do pagamento especial por conta, quer no que diz 
 respeito à ampliação da sua base de incidência, quer no que diz respeito ao 
 aumento dos seus limites mínimo e máximo o método de cálculo do IRC passa a 
 definir-se como um conjunto de normas unicamente dirigidas à Administração 
 Tributária como segundo critério na cobrança de impostos sobre o rendimento das 
 pessoas colectivas. A utilidade das regras sobre tributação do lucro esgota-se 
 na questão de saber se a excepção se verifica, ou seja, se o pagamento especial 
 por conta foi insuficiente para cobrir uma outra colecta possível. Como segundo 
 critério na cobrança de impostos, o IRC passou apenas a ser uma forma de 
 legitimação da nova fórmula de tributação das empresas: a de um imposto 
 subsidiário sobre os proveitos e ganhos, pago em caso de insuficiência do lucro 
 tributável.
 
 (…)
 O pagamento especial por conta viola o princípio da tributação na medida da 
 capacidade contributiva, na sua função solidarista, ao não ter em linha de 
 conta—por ser calculado com a medida de uma taxa única sobre os proveitos — as 
 diferenças económicas entre empresas, designadamente de que diferentes sectores 
 de actividade apresentam diferentes rácios de rentabilidade, e, por conseguinte 
 uma diferente capacidade para pagar imposto. Além disso, apresenta o efeito 
 perverso a que atrás se faz referência, de permitir às empresas que apresentem 
 volumes anuais de proveitos e ganhos superiores a €. 20.000.000,00, de 
 apresentar inferiores rentabilidades dos proveitos e ganhos antes de impostos. É 
 do conhecimento geral, não apenas dos estudiosos das matérias económico 
 financeiras, que as vendas são um indicador que pode ser altamente falacioso 
 atenta a diversidade de actividades empresariais, uma vez que há negócios pouco 
 interessantes com elevadas rentabilidades de vendas mas com baixa rotação do 
 activo, podendo o inverso também ser verdadeiro. Quando ainda se acrescentam 
 outros proveitos e ganhos, sem distinção, ainda se agrava a sua iniquidade. 
 Viola ainda o princípio da capacidade contributiva na sua função garantística, 
 por duas vias: pois pagam em termos iguais os que podem e os que não podem 
 pagar, por não apresentarem rendimentos, sejam quais que não tenham forem os 
 seus proveitos — pois que sempre os terão ainda que não tenham lucro —, e ainda 
 por afastar arbitrariamente possibilidade de reembolso às empresas que sejam 
 susceptíveis de ser abrangidas pelo regime simplificado de tributação, o que é 
 incompreensível. 
 Finalmente e no âmbito do princípio da igualdade tributária, o pagamento 
 especial por conta viola outro seu corolário formal que é o princípio da 
 uniformidade na tributação, uma vez que a sua taxa é proporcional e não 
 progressiva, o que é indutor de maior desigualdade entre os contribuintes. 
 
             Como atrás se fez referência, caso se revele a insuficiência da 
 colecta apurada no ano a que se refere o pagamento especial por conta, o 
 contribuinte pode proceder à sua dedução até ao quarto exercício seguinte. Nesta 
 circunstância, o pagamento especial por conta perde a sua característica de 
 pagamento por conta passando a afirmar-se como uma entrega antecipada de imposto 
 de anos vindouros. Isto decorre aliás do disposto no artigo 33. ° da Lei Geral 
 Tributária, que reforça esta ideia ao referir que os pagamentos por conta do 
 imposto devido a final são “entregas pecuniárias antecipadas que sejam 
 efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”. 
 E isto viola o princípio da capacidade contributiva, pois esta não é levada em 
 consideração — como aliás não poderia em qualquer caso sê-lo por tratar-se do 
 pagamento por conta — e na medida em que a capacidade contributiva de anos 
 vindouros não existe, por ser indeterminada e indeterminável.»
 Diremos, por fim, que a violação do mencionado princípio constitucional da 
 capacidade contributiva resulta patente na seguinte circunstância (assinalada 
 pelo jornal Diário Económico, edição de 27-01-2006, a propósito da última 
 alteração introduzida no pagamento especial por conta (…) «Outra alteração 
 importante a esta matéria tem ver com o facto de, pela primeira vez desde a 
 criação do pagamento especial por conta em 1998, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 
 
 3 de Março, o Governo Português ter tomado uma posição em relação ao pagamento 
 especial por conta devido pelos sujeitos passivos que apenas aufiram rendimentos 
 isentos de IRC.
 
 (…) com esta alteração fica claro que o pagamento especial por conta, que até 
 agora era entendido como um adiantamento por conta do imposto devido a final, 
 também abrange os sujeitos passivos que tenham apenas rendimentos isentos de IRC 
 e que, de facto, podem não ter qualquer imposto devido a final.»
 Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o disposto no n.º 3 
 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, «ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, 
 que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos 
 termos da lei», impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima à Arguida 
 violou o nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter”.
 O Tribunal Constitucional, em acórdão proferido pelo Plenário, nos termos do 
 artigo 79.º - A, da LTC, tendo por objecto recurso sobre questão idêntica, 
 relativo a uma decisão que é cópia da aqui recorrida, pronunciou-se nos 
 seguintes termos:
 
 “Como fundamentação, a decisão recorrida, dispensando-se de qualquer arrazoado 
 argumentativo próprio, limitou-se a proceder a uma colagem, em termos algo 
 desconexos, de textos doutrinários em que se lançam dúvidas sobre a 
 constitucionalidade de certos pontos do regime do pagamento especial por conta, 
 previsto no artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, ou se sustenta, mesmo, que eles estão 
 feridos de inconstitucionalidade.
 No termo desse somatório de citações, a parte propriamente decisória da sentença 
 vem formulada do seguinte jeito:
 
 «Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o disposto no n.º 
 
 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, “ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, 
 que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação ou cobrança se não façam nos 
 termos da lei”, impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima à Arguida 
 violou o nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter.»
 Não se conformando com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para 
 o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, indicando como norma desaplicada o artigo 98.º, n.º 1, do Código do 
 IRC.
 Em face destes dados, constantes dos autos, levanta-se, com total pertinência, a 
 dúvida quanto ao preenchimento dos pressupostos deste tipo de recurso de 
 constitucionalidade.
 Dúvida que nasce, desde logo, pelo facto de a sentença imputar a 
 inconstitucionalidade directamente à decisão administrativa, como resulta, 
 expressis verbis, do trecho acima transcrito. Referenciando essa decisão, em si 
 mesma, como violadora da Constituição, a decisão judicial recorrida não parece 
 situar a questão de constitucionalidade no plano normativo, como se impunha para 
 estar assegurada a idoneidade do objecto do recurso. Não transparece dessa 
 decisão qualquer confronto entre uma norma de direito ordinário e uma regra ou 
 princípio constitucionais, em termos fundamentadores da desconformidade da 
 primeira em face dos segundos. Nessa medida, o recurso não terá por objecto uma 
 questão de constitucionalidade “normativa”, o que leva à preclusão do seu 
 conhecimento.
 Poder-se-á dizer, em contrário, que o juízo formulado pela sentença quanto à 
 decisão administrativa assenta necessariamente numa precedente valoração como 
 inconstitucional da base normativa em que esta se apoia. Nessa linha, 
 admitir-se-á que, ainda que formulada “em termos pouco precisos”, como reconhece 
 o Ministério Público, a decisão deve ser interpretada como contendo um juízo de 
 inconstitucionalidade da norma fiscal que criou para a arguida a obrigação de 
 proceder aos pagamentos especiais por conta, ou seja, do n.º 1 do artigo 98.º do 
 CIRC. 
 Mas é, no mínimo, muito duvidoso que, no âmbito do direito estrito, como é o que 
 regula os pressupostos de admissão dos recursos de constitucionalidade, caiba ao 
 Tribunal Constitucional proceder àquela tarefa reconstrutiva, nos termos 
 propugnados. Tarefa que, em casos como o sub judice, se revestiria de especial 
 complexidade e se rodearia de particular incerteza, pois não se pode olvidar que 
 a decisão administrativa impugnada tem carácter sancionatório, resultando de um 
 processo de natureza contra-ordenacional, pelo que só num segundo momento de um 
 percurso ascendente se poderia eventualmente identificar uma norma-fundamento de 
 direito fiscal material. E a falibilidade dessa análise retrospectiva fica bem a 
 descoberto em casos como o presente, em que o dever infringido e a norma que o 
 impõe – fundamentos últimos da aplicação da coima — não foram os considerados na 
 decisão recorrida.
 
  Para além deste primeiro obstáculo ao conhecimento do recurso, depara-se-nos um 
 segundo, verdadeiramente intransponível.
 Tem ele a ver com a exigência de que a norma que constitui objecto de recurso 
 tenha sido efectivamente desaplicada pelo tribunal a quo. Na verdade, o 
 pressuposto do recurso só ficará preenchido se, no termo daquele esforço 
 interpretativo, se puder afirmar, com segurança, que houve recusa de aplicação 
 de uma norma ou normas, com fundamento em inconstitucionalidade, e que a(s) 
 norma(s) em causa coincide(m) com a(s) apontada(s) pelo recorrente, no seu 
 recurso.
 O Ministério Público, no requerimento de interposição do recurso, especificou 
 como preceito legal desaplicado o artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRC. Todavia, 
 percorrendo a decisão recorrida, em momento algum nela se equaciona a 
 inconstitucionalidade da norma constante desse artigo. A disposição apenas é 
 referida na matéria de facto dada como provada e na parte inicial da 
 fundamentação de direito, em articulação com o artigo 99.º, n.º 1, para 
 sustentar que o pedido de limitação dos pagamentos por conta, ao abrigo deste 
 
 último preceito, não exoneraria a arguida de efectuar o primeiro pagamento, 
 contrariamente à sua pretensão.  
 Consciente, porventura, deste facto, o Ministério Público, como já fizera no 
 processo decidido pelo Acórdão n.º 241/2007 – processo em tudo idêntico ao 
 presente e que correu termos no mesmo tribunal −, vem, na resposta à questão 
 suscitada, levantar a hipótese de uma recusa implícita de aplicação do artigo 
 
 98.º, n.º 1. 
 E, na verdade, essa via hermenêutica não é estranha aos critérios decisórios 
 deste Tribunal, tendo sido considerada nalguns arestos (cfr., entre outros, os 
 Acórdãos n.º 605/99, n.º 399/89 e n.º 16/96). Mas sempre, diga-se, com um 
 elevado grau de exigência quanto à concludência dos dados de onde se poderá 
 inferir uma rejeição de aplicação. Importa, pois, averiguar se estão 
 preenchidas, neste caso, as condições que justificam essa conclusão.
 O artigo 98.º, n.º 1, do CIRC contém a norma instituidora dos pagamentos 
 especiais por conta, servindo, digamos assim, de “porta de entrada” a esse 
 instituto, no ordenamento fiscal português. Para além da previsão da obrigação, 
 limita-se a estabelecer o número das prestações tributárias e o calendário da 
 sua efectivação, silenciando, por inteiro, qualquer outro aspecto do regime. 
 Isto dito, resultando a decisão recorrida da impugnação de uma coima pelo não 
 cumprimento dessa obrigação, ressalta à evidência que o predito artigo 98.º, n.º 
 
 1, “tem a ver” com a matéria nela tratada e decidida, integrando-se, com 
 destaque, no campo normativo que emoldura a decisão sancionatória.
 Mas isso está muito longe de bastar para que, de imediato, se possa estabelecer 
 uma relação de mútua implicação entre a anulação da decisão condenatória em 
 coima e a recusa de aplicação do artigo 98.º, n.º 1. Para que assim seja, 
 imperioso se torna dar por assente que uma coisa não subsiste sem a outra, que a 
 decisão recorrida não poderia ter sido proferida com o sentido e alcance que lhe 
 foram conferidos sem, simultaneamente, se denegar validade constitucional àquele 
 preceito, com a consequente desaplicação. Será esse o caso dos autos?
 Para o valorarmos e decidirmos, há que articular as magras considerações 
 decisórias, acima transcritas, com os excertos doutrinários que pretendidamente 
 lhes servem de fundamento. O que deles sobressai é a contestação e crítica de 
 alguns pontos do regime dos pagamentos especiais por conta, mormente os que se 
 relacionam com a fixação da base de incidência — o volume de negócios e não os 
 lucros —, com uma taxa única não progressiva, e a extrema dificuldade de 
 reembolso, em caso de insuficiência das colectas a considerar para a dedução, 
 dado o apertado condicionalismo que o rodeia. São esses aspectos da disciplina 
 da figura que são confrontados com parâmetros constitucionais, designadamente 
 com o princípio da capacidade contributiva e o princípio da tributação das 
 empresas sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).
 
  E a selecção desses textos e dos pontos neles focados não foi arbitrária, tendo 
 em conta a configuração, em concreto, do caso em juízo e o interesse que moveu 
 ao recurso judicial. Na verdade, o que sobremodo inquietou o contribuinte foi a 
 possibilidade de ficar exposto a pagamentos por conta, no exercício de 2003, 
 cada um deles muito superior ao imposto liquidado a final, dada a disparidade de 
 resultados económicos e de montantes da colecta, entre esse ano e o anterior.
 Ora, nenhum desses aspectos particulares (ainda que não marginais, reconheça-se) 
 do regime dos pagamentos especiais por conta vem regulado no artigo 98.º, n.º 1. 
 Eles representam opções legislativas autonomamente tomadas no quadro de outros 
 preceitos: o artigo 98.º, n.º 2 e n.º 4, do CIRC, quanto à taxa e base de 
 incidência, o artigo 83.º, n.º 2, alínea f), quanto à dedução à colecta do 
 exercício a que respeita, ou, se insuficiente, até ao quarto exercício seguinte 
 
 (artigo 87.º, n.º 1, do CIRC), e ainda o artigo 87.º, n.º 3, do mesmo diploma, 
 quanto aos requisitos de reembolso da parte não deduzida. Estas soluções não vêm 
 necessariamente na decorrência da decisão “primária” de impor prestações 
 antecipadas “por conta”, nem corporizam um ponto de vista valorativo único que a 
 todas inspire. Tanto assim é que, sem mudar uma vírgula ao enunciado normativo 
 do artigo 98.º, n.º 1, tal como está formulado, e sem pôr minimamente em causa a 
 sua conformidade constitucional, o mesmo é dizer, a conformidade constitucional 
 da previsão de entregas antecipadas, em certas datas do período de formação do 
 facto tributário (mais não diz o preceito…), a disciplina das questões reguladas 
 naquelas normas poderia ser outra, sem oferecer o flanco a objecções de 
 constitucionalidade. Ou, visto na perspectiva da decisão: pode ser dado, como 
 foi, provimento ao recurso de contra-ordenação, sem que isso passe pela 
 desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 98.º, n.º 1. 
 Tanto basta para que se conclua que, não só não se detecta na decisão recorrida 
 qualquer elemento sinalizador de uma recusa implícita de aplicação deste artigo 
 
 – assim decidiu, de igual modo, o Acórdão n.º 241/2007 −, como, mais ainda, dela 
 transparecem dados que contrariam uma tal inferência. A pretexto de se tratar da 
 norma de previsão dos pagamentos especiais por conta, não pode, na verdade, o 
 recorrente transferir para o âmbito do artigo 98.º, n.º 1, questões de 
 constitucionalidade que essa norma, em si, não suscita nem suscitou, como se ela 
 fosse o habitáculo qualificado, em bloco e concentradamente, do regime fiscal 
 cuja aplicação justificaria a coima.” (Acórdão nº 173/08, acessível no site 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Tendo este acórdão sido proferido com a finalidade de serem evitadas 
 divergências jurisprudenciais neste Tribunal, deve ser acatada a sua doutrina, 
 pelo que, pelas razões nele referidas, não deve ser conhecido o presente 
 recurso, proferindo-se decisão nesse sentido.
 
  
 
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 Decisão
 Pelo exposto, não se conhece do recurso interposto pelo Ministério Público para 
 o Tribunal Constitucional, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Loulé, proferida nestes autos em 18-10-2007.
 
  
 
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 Sem custas.
 
  
 
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 Lisboa, 2 de Julho de 2008
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração aposta no Ac.173/08, sobre 
 caso em parte idêntico)
 Rui Manuel Moura Ramos