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Processo n.º 421/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
 
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., S.A, inconformada com a decisão sumária proferida neste Tribunal em 29 de 
 Maio de 2008 que determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade 
 previamente interposto, vem agora deduzir reclamação para a conferência, nos 
 termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pela seguinte forma:
 
 “Antes de mais, pede-se a este Altíssimo Tribunal a indulgência para não 
 considerar o presente pedido de esclarecimento como manobra dilatória para 
 prolongar uma lide ou uma impertinência com objectivos de entorpecimento da 
 Justiça. 
 Salvo o devido respeito por outra opinião, a questão é tecnicamente relevante e 
 com dignidade suficiente para merecer a atenção e a pronúncia de fundo deste 
 Altíssimo Tribunal. 
 O problema não é a inconstitucionalidade da decisão proferida pelo Exmo. Senhor 
 Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Porto. 
 A posição defendida no despacho a esclarecer está sedimentada na jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional e merece, de lure constituto, a nossa concordância. 
 A questão da constitucionalidade levantada é outra: refere-se à norma do art. 
 
 678° do CPC, na interpretação que foi feita pelas instâncias anteriores, e que 
 foi no sentido de não permitir o recurso ordinário nas causas que não tenham 
 alçada, quando esteja em crise uma decisão judicial não fundamentada. 
 Clarifiquemos a nossa posição: 
 A) A recorrente propôs uma acção de condenação, cujo valor não excede a alçada 
 do tribunal de 1.ª instância. 
 B) Esse tribunal julgou a acção improcedente, não fundamentando essa decisão, 
 pois não invocou uma única norma jurídica que sustente a sentença proferida. 
 C) O dever de fundamentação da sentença está previsto na lei ordinária, 
 concretamente nos arts. 156° e 158° do CPC, e resulta do imperativo 
 constitucional decorrente dos arts. 20.º e 205° da Constituição da República 
 Portuguesa, invocados no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional; 
 D) A recorrente e autora arguiu a nulidade da sentença, perante o Tribunal de 
 
 1.ª instância; 
 E) A nulidade arguida foi desatendida. 
 F) Dessa decisão interpôs recurso, que não foi admitido pela falta de alçada. 
 Do exposto resulta que, na óptica da recorrente, é inconstitucional a norma do 
 art. 678° do CPC, na interpretação que impede o recurso, por falta de alçada, 
 das decisões que não estejam devidamente fundamentadas de acordo com o princípio 
 e o dever de administrar justiça. 
 Por isso, não é a decisão do Exmo. Presidente do Tribunal da Relação do Porto 
 que está na mira do recurso, mas antes a interpretação feita pelas instâncias da 
 norma do art. 678° do CPC. 
 Salvo o respeito por opinião contrária, parece que o problema releva 
 precisamente naquelas causas em que o seu valor processual, logo, uma questão 
 formal e adjectiva, impede o recurso ordinário, colocando em causa e em crise 
 valores constitucionais assentes, no caso concreto, no dever de fundamentação de 
 toda e qualquer decisão de mérito ou sentença. 
 Com o devido respeito, crê-se que não foi, provavelmente por deficiência de 
 expressão da recorrente – de que se penitencia –, perfeitamente entendido o 
 alcance do recurso e o respectivo objecto, merecendo que sobre ele se debruce 
 novamente V.Exa., com a possibilidade de reforma da decisão, por despacho ou por 
 acórdão, em conferência, ao abrigo das normas dos arts. 669° e n° 3, do art. 
 
 700.º, ambos do CPC. 
 Nestes termos e sempre com a indulgência de V.Exa., requer-se a reforma do 
 despacho ou, pelo menos, o seu esclarecimento, firmando ou infirmando o 
 entendimento da recorrente, de que é inconstitucional, por ferir o ínsito dever 
 de fundamentação das sentenças, o recurso ordinário que não seja admitido, ao 
 abrigo da falta de alçada e da norma do art. 678° do CPC, tendo por objecto uma 
 decisão não fundamentada.” 
 
 2. A fundamentação constante da decisão reclamada, e no que ora importa, tem o 
 seguinte teor:
 
 “Nos presentes autos, a arguição de inconstitucionalidade é imputada às decisões 
 recorridas – sentença do Tribunal Judicial da Maia e despacho do Presidente do 
 Tribunal da Relação do Porto –, portanto a decisões judiciais e não a qualquer 
 norma jurídica. Como resulta do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da 
 Constituição e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, constitui requisito essencial do recurso de constitucionalidade 
 ali previsto a suscitação, durante o processo, de questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não cabendo a este Tribunal apreciar a 
 conformidade da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as 
 decisões proferidas por outros tribunais.
 No entanto, a Recorrente limita-se a afrontar a decisão recorrida, imputando-lhe 
 o vício de inconstitucionalidade, e não invocando, em momento algum do processo, 
 qualquer questão de constitucionalidade de norma (ou uma sua dimensão 
 interpretativa) de forma a adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal 
 Constitucional ao abrigo do recurso previsto naquela alínea b). 
 De facto, como resulta do requerimento de interposição de recurso, a violação 
 dos artigos 20.º, e 205.º, n.º 1, da Constituição é imputada ao despacho do 
 Presidente do Tribunal da Relação do Porto (bem como à sentença do Tribunal da 
 Maia), isto é, às decisões judiciais propriamente ditas. Ora, não configurando o 
 recurso de constitucionalidade, em qualquer uma das suas modalidades, uma 
 espécie de ‘amparo constitucional’, o objecto do mesmo apenas poderá incidir 
 sobre a apreciação, às luz das regras jurídico-constitucionais, de um juízo 
 normativo efectuado pelo tribunal recorrido. Com efeito, o nosso sistema de 
 fiscalização de normas jurídicas não permite que se indague da 
 constitucionalidade da decisão judicial, sendo apenas sindicáveis as normas (ou 
 interpretações normativas) que configurem a ratio decidendi do litígio.
 
 4. O que se verifica é que a Recorrente apenas não concorda com a decisão do 
 Tribunal da Maia, invocando falta de fundamentação da sentença. Assim, a ratio 
 decidendi não se patenteia, no caso dos autos, pois que não se está perante 
 qualquer tipo de juízo normativo.
 Com efeito, na expressão de Lopes do Rego, (O objecto idóneo dos recursos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas 
 sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 
 
 3, Julho a Setembro de 2004, p. 7), ‘como genérica directriz, poderá partir-se 
 da afirmação de que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada 
 interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, 
 sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação 
 potencialmente genérica – não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro 
 acto de julgamento, que enquanto ponderação casuística da singularidade e 
 irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração 
 ou subsunção do julgador, exclusivamente imputável à latitude própria da 
 conformação interna da decisão judicial (...).’ 
 Sendo que o recurso de constitucionalidade, em qualquer das suas modalidades, 
 incide sobre o ‘juízo normativo’ efectuado pelo Tribunal recorrido, verifica-se 
 que falha, portanto, o requisito atinente à idoneidade do objecto do recurso.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a 
 Reclamante em nada abala, na sua argumentação, a fundamentação da decisão 
 sumária. 
 Esclarece, no entanto, que o que pretendia efectivamente colocar à apreciação 
 deste Tribunal era a questão da inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 1, do 
 Código de Processo Civil, interpretado no sentido em que “impede o recurso, por 
 falta de alçada, das decisões que não estejam devidamente fundamentadas de 
 acordo com o princípio e o dever de administrar justiça.”
 Não obstante a suposta normatividade com que agora, em sede de reclamação, 
 formula o objecto do recurso, o certo é que, durante o processo, a Recorrente 
 jamais logrou suscitar uma questão de constitucionalidade normativa de forma a 
 adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional em autos de 
 fiscalização concreta. Não obstante, teve oportunidade processual para o fazer 
 na reclamação que deduziu para o Tribunal da Relação do Porto até porque, face 
 ao elemento literal da norma controvertida, seria expectável a não admissão do 
 recurso tentado interpor.
 Durante o processo – como já se disse na decisão sumária – a 
 inconstitucionalidade é apontada às decisões judiciais – à sentença do Tribunal 
 Judicial da Maia e ao despacho que não admitiu o recurso para a Relação.
 Assim, nem o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade nem 
 a posterior reclamação formulada nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, constituem momentos adequados para a suscitação de 
 questão de constitucionalidade normativa, pelo que se reitera o juízo de não 
 verificação de pressuposto essencial ao conhecimento dos autos.
 III – Decisão
 
 4. Sem necessidade de maiores considerações, acordam em indeferir a presente 
 reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não 
 tomar conhecimento do recurso.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 22 de  Julho de 2008
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos