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Processo n.º 926/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, A. e outros interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., B., C. e D., vêm ao abrigo do disposto no art. 70º, alínea g) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82 de 15/11, alterada pelas Leis 143/85 de
26/11, 85/89 de 07/09 e 88/95 de 01/09) e nos termos do art. 72°, n° 1, alínea b) do mesmo diploma da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da douta decisão final proferida no processo em epígrafe, que como ratio decidendi aplicou as normas dos arts. 687º, n° 1, 689º e 754º, nº 2, todos do C.P.C., interpretadas no sentido de que o recurso apresentado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que deu provimento ao recurso apresentado pelos autores deve ser indeferido, sem que os recorrentes sejam previamente convidados a suprir as deficiências do seu requerimento de interposição de recurso, atenta a declaração de inconstitucionalidade das referidas normas. O recurso sobe imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo.
O Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho:
Tendo em conta o disposto no artigo 75º-A, nº 3 da LTC, convida-se o recorrente a identificar, no prazo de 10 dias, o acórdão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a interpretação normativa a que alude.
Os recorrentes apresentaram o seguinte requerimento:
A., B., C. e D., vêm junto de V. Ex. a requerer o seguinte: V. Ex.a, por douto despacho, convidou os recorrentes a identificar, no prazo de
10 dias, o acórdão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a interpretação normativa a que se alude no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Acontece que, a mandatária dos recorrentes não conseguiu ainda identificar o acórdão, uma vez que são cerca de seis mil os acórdãos que está a analisar a fim de tentar encontrar o acórdão que com anterioridade julgou inconstitucional a interpretação normativa dos art. 687°, n° 1, 689º e 754°, n° 2, todos do C.P.C.. A mandatária despende várias horas do seu dia na análise desses acórdãos do Tribunal Constitucional, no entanto, devido a outros afazeres profissionais, ainda não conseguiu analisar os diversos acórdãos à sua disposição. E vem, muito respeitosamente, solicitar a V. Ex. a que lhe seja facultado prazo de pelo menos 15 dias a fim de cumprir o douto despacho. E só porque se trata de uma situação absolutamente excepcional os recorrentes vêm solicitar a V.Exa. que lhes seja facultado mais prazo para poderem suprir as deficiências do seu requerimento de interposição de recurso.
O Relator proferiu o seguinte despacho:
Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na alínea g) do nº 1 do artigo 70º do T.Com., diz-se, da Lei do T. Constitucional, ou seja, das decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (ou ilegal) pelo próprio Tribunal Constitucional. Deveria, nos termos do nº 3 do artigo 75º-A da mesma Lei, ter logo indicado a decisão do T. Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a norma (ou normas) aplicada pela decisão recorrida. Não o tendo feito, foi feito o convite, previsto no nº 5 daquele artigo 75º-A no sentido de ser fornecida a indicação em falta, no prazo de 10 dias. Vem agora requerer que lhe seja facultado, prazo pelo menos de 15 dias, para poder satisfazer o convite. As razões invocadas são de todo inaceitáveis e quase infantis, de tão fora de propósito. Na verdade, o convite ou suprimento das deficiências do requerimento, destina-se
à correcção de lapsos e precipitações que comprometam a sua finalidade e não à indagação e pesquisa de um acórdão que talvez exista entre os tais seis mil. Nestes termos, por não cumpridos os requisitos previstos no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não admito o recurso interposto para este Tribunal de acordo com o preceituado no artigo 76º, 2 da mesma Lei.
2. Os recorrentes deduziram reclamação do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, sustentando o seguinte:
A., B., C. e D., vêm junto de V. Ex.a apresentar Reclamação nos termos do art.
76°, n° 4 da Lei 28/82 para o Tribunal Constitucional. Nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 - Em 29/04/04, os reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional da douta decisão final proferida no processo em epígrafe, que como ratio decidendi aplicou as normas dos arts. 687°, n° 1, 689° e 754°, n° 2, todos do C.P.C., interpretadas no sentido de que o recurso apresentado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que deu provimento ao recurso apresentado pelos autores deve ser indeferido, sem que os recorrentes sejam previamente convidados a suprir as deficiências do seu requerimento de interposição de recurso, atenta a declaração de inconstitucionalidade das referidas normas.
2 - Por douto despacho, datado de 06/05/04, notificado à mandatária dos reclamantes, foram estes convidados a, no prazo de 10 dias, indicarem o acórdão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a interpretação normativa a que se alude no requerimento de interposição, tudo nos termos do disposto no art. 75-A, n° 3 da L.T.C..
3 - Em 18/05/04, os reclamantes solicitaram ao Vice - Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a prorrogação do prazo concedido nele explanando as razões de tal pedido, conforme cópia do registo que para efeitos de prova se junta.
(Doc. n° 1)
4 - O Vice - Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não só indeferiu o pedido de prorrogação do prazo como decidiu nesses mesmo despacho não admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
5 - É sobre este despacho que incide a reclamação agora apresentada, uma vez que, e salvo melhor opinião, a decisão que não admitiu o recurso interposto é extemporânea. E isto porque:
6 - Havendo o Supremo Tribunal de Justiça convidado, por notificação datada de
06/05/04, os reclamantes a, no prazo de 10 dias, indicarem o acórdão do Tribunal Constitucional o prazo terminaria no dia 19/05/04.
7 - Em 18/05/04 o prazo em curso interrompeu-se por efeito da apresentação de requerimento a solicitar mais prazo.
8 - Pelo que o Tribunal ao apreciar o requerimento a solicitar mais prazo haveria de notificar os reclamantes do teor da sua decisão, como, aliás fez em
24/05/04.
9 - Não poderia era pronunciar-se sobre a não admissão de recurso, uma vez que não estava ainda esgotado o prazo de 10 dias facultado aos reclamantes.
10 - Na verdade, depois de recebida a notificação do douto despacho que indeferiu a prorrogação do prazo os reclamantes disponham ainda de prazo para apresentar o acórdão do Tribunal Constitucional que julgou com anterioridade a interpretação normativa aludida do requerimento de interposição de recurso.
11 - O prazo para os reclamantes se pronunciarem sobre o acórdão terminaria no dia 28/05/04.
12 - Daí que os reclamantes aleguem que a decisão que não admitiu o recurso seja, como nos parece de facto que é, extemporânea.
13 - Por outro lado, o Tribunal sempre haveria de, quanto ao requerimento de prorrogação de prazo, convidar a parte contrária a pronunciar-se sobre a possibilidade de acordo, nos termos do art. 147, n° 2 do C.P.C.. Nestes termos e nos mais de direito deve a presente reclamação ser atendida e nessa medida revogar-se o despacho reclamado.
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
A presente reclamação carece de qualquer fundamento sério, podendo mesmo indiciar um uso anormal e indesculpável dos meios processuais, revelando que os recorrentes interpuseram um recurso de fiscalização concreta, fundado na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 desconhecendo em absoluto se existia precedente jurisprudencial, contraditório com o sentido da decisão recorrida; e pretendendo lançar mão, sem o menor fundamento razoável, de uma insólita prorrogação do prazo para aperfeiçoar um requerimento de interposição de recurso, com vista a proceder a uma análise e indagação da jurispruudência constitucional, quando é evidente que, uma actuação diligente e de boa fé, deveria naturalmente ter precedido a própria interposição do recurso.
Cumpre apreciar.
3. O despacho reclamado não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, na sequência do indeferimento do pedido de prorrogação de prazo, alegadamente necessário para proceder à pesquisa, num universo de seis mil Acórdãos, do Acórdão que havia julgado inconstitucional a norma aplicada nos autos. Os reclamantes sustentam que ainda dispunham de prazo para indicar o Acórdão e que a parte contrária devia ter sido ouvida, para eventual acordo sobre a prorrogação do prazo. Quanto ao último argumento, cabe sublinhar que impendia sobre os reclamantes obter o acordo da parte contrária e levá-lo ao conhecimento do Tribunal. Quanto à subsistência do prazo para indicar o Acórdão que julgou inconstitucional a norma aplicada nos autos, cabe sublinhar que o despacho de aperfeiçoamento a que se refere o artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional visa permitir colmatar lacunas e lapsos na elaboração do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Por outro lado, afigura-se verdadeiramente insólito o requerimento de prorrogação do prazo apresentado. Com efeito, a invocação da dificuldade de pesquisar um conjunto de seis mil Acórdãos do Tribunal Constitucional, do aresto que julgou inconstitucional a norma impugnada indicia, desde logo, que os próprios reclamantes não têm a mínima ideia sobre a existência de tal aresto, o que significa que interpuseram um recurso com fundamento em oposição de decisões sem terem identificado tal oposição e, por isso, na realidade sem qualquer fundamento. Trata-se, claramente, de uma estratégia anómala que apenas não se considera resultar de má fé processual uma vez que se admite decorrer de uma deficiente leitura do regime legal do recurso de constitucionalidade. Improcede, portanto, a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional indefere a presente reclamação, confirmando consequentemente o despacho reclamado.
Custas por cada um dos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 17 de Novembro de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos