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Processo n.º 178/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O MINISTÉRIO PÚBLICO recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença proferida pelo 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, no processo comum com juiz singular n.º
47/00.7IDLSB (118/02), pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 24º, n.ºs 1 e 5, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA) e 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho, na interpretação segundo a qual “é punível a conduta puramente omissiva do contribuinte conjugada com o cálculo pela administração fiscal do IVA não entregue ao Estado, por métodos indiciários e com base na declaração modelo 22 do IRC”.
2 – A decisão recorrida absolveu os arguidos A. e B. da acusação deduzida naquele processo que lhes imputava a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 24º, n.ºs 1 e 5, do RJIFNA, hoje pelo art.º 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/01, fundando-se no facto de não se ter provado que “o arguido tenha conseguido obter para si e para a sociedade o proveito económico de 2. 259. 635$00 à custa do Estado e tenha agido com esse propósito, livremente, e com consciência da sua conduta” e, “independentemente dessa circunstância”, na inconstitucionalidade daqueles preceitos por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da legalidade previstos, respectivamente, no art.º 18º, n.º 2, e 29º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
3 – Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu pelo seguinte modo:
«1 - A resolução da questão da constitucionalidade suscitada revela-se inútil por não contribuir para a alteração do sentido da decisão proferida, pelo que atento o carácter instrumental do recurso da constitucionalidade, em fiscalização concreta, não deverá conhecer-se do mesmo.
2 - Ainda que assim se não entenda, igualmente está prejudicado o conhecimento do presente recurso, uma vez que não resulta evidenciado que tenha sido produzida uma interpretação normativa violadora da Constituição, não cabendo ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o mérito de decisões tomadas no processo.».
4 – Os recorridos não contra-alegaram e, notificados das alegações do Ministério Público, não responderam à questão prévia suscitada.
B – Fundamentação
5 – Da questão prévia
Como em vários lugares o Tribunal Constitucional vem afirmando, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade conformado na Lei Fundamental, de controlo difuso da constitucionalidade das normas infraconstitucionais, tem natureza instrumental para a decisão sob apreciação jurisdicional, sendo necessário, para que essa via seja aberta, que a decisão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da(s) norma(s) sindicada(s) constitucionalmente se possa repercutir na decisão recorrida em termos de importar a sua alteração ou reforma. Trata-se de uma exigência que é postulada pela própria natureza da função jurisdicional constitucional, por lhe incumbir decidir questões concretas e não questões hipotéticas ou académicas.
Ora, no caso sub judice, verifica-se que qualquer que seja a decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão de inconstitucionalidade acima enunciada, nunca se poderá alterar o sentido da decisão de absolvição dos arguidos da acusação do crime pela qual responderam em juízo, por a decisão recorrida assentar em um fundamento alternativo (cfr., a título de exemplo, Acs.
222/03, 609/03 e 634/03, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Na verdade, ao fixar, em sede de julgamento da matéria de facto, que não está provado que “o arguido tenha conseguido obter para si e para a sociedade o proveito económico de 2. 259. 635$00 à custa do Estado e tenha agido com esse propósito, livremente, e com consciência da sua conduta”, a decisão recorrida não pode deixar de concluir sempre, como decidiu, pela absolvição dos arguidos, por não se haverem provado os factos susceptíveis de integrar os elementos constitutivos do tipo legal de crime que lhes era imputado.
Foi, aliás, essa perspectiva de solução jurídica que levou a fundamentação da decisão recorrida a tratar a questão de inconstitucionalidade das normas tipificadoras aos arguidos de jeito meramente alternativo, ao dissertar sobre ela “independentemente da circunstância” anteriormente exposta de não se mostrarem provados os factos integradores dos elementos constitutivos do tipo legal de crime imputado pela acusação.
Temos, portanto, que procede a questão prévia suscitada pelo recorrente, sendo inútil a apreciação da questão de constitucionalidade.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 17 de Novembro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos