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Processo nº 545/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é 
 reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar, ao 
 abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 7 de Maio de 2008 que 
 não admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
 2. O reclamante foi condenado, por sentença de 13 de Março de 2007, do Tribunal 
 Judicial de Vila Nova de Famalicão, na pena única de doze meses de prisão. 
 Desta decisão recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 
 
 21 de Novembro de 2007, concedeu procedência parcial ao recurso interposto, 
 reduzindo para sete meses a pena de prisão. Em 6 de Fevereiro de 2008, foi 
 proferido novo acórdão, que concedeu na aclaração e julgou improcedentes as 
 nulidades invocadas pelo recorrente. 
 Deste acórdão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual 
 não foi admitido por despacho de 2 de Abril de 2008. Notificado desta decisão, o 
 arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de 
 requerimento, do qual importa reter o seguinte:
 
  
 
 «(…) o recorrente invocou no seu requerimento de aclaração e de arguição de 
 nulidades do douto Acórdão de fls. 209 a 227, que o Tribunal da Relação do 
 Porto, no seu douto Acórdão violou o disposto no artigo 29°, n.° 4 e art. 32°, 
 n.° 1 da Constituição da República Portuguesa e pronunciou-se sobre uma questão 
 que não podia ou não estava em condições de conhecer, inquinando também o douto 
 Acórdão de nulidade, nos termos do disposto na alínea e), do n.° 1 do art. 379° 
 do Código de Processo Penal aplicável por força do disposto no n.° 4, do artigo 
 
 425° do Código de Processo Penal, uma vez que inexistindo a possibilidade legal 
 de cumprimento da pena em regime de permanência em habitação introduzida pela 
 Lei n.° 59/2007 de 4 de Setembro à data da prolação da sentença/condenação em 
 primeira instância e à data da interposição do correspondente recurso, e não 
 tendo sido dada possibilidade ao arguido por esse Tribunal da Relação para 
 pronunciar-se para o efeito, nem tendo sido a audiência reaberta para esse 
 efeito, nos termos do disposto no artigo 371°-A do Código Processo Penal, nem 
 tendo o tribunal ordenado a realização de diligências para apurar as condições 
 técnicas “para o efeito” e para apurar a actual inadequação (nos termos e pelas 
 razões supra referidas) desta pena, foram coarctados o direito do arguido 
 ver-lhe ser aplicável lei mais favorável e as suas garantias de defesa e o 
 direito a ser ouvido.
 Mais invocou que, se os artigos 370°, 371°, 371°-A e 424° e 165° do Código de 
 Processo Penal e artigos 43° a 58° do Código Penal, forem interpretados no 
 sentido de não ser possível considerar na determinação da sanção, pelo Tribunal 
 de recurso, a actual personalidade, situação socio-económica, conduta e 
 condições técnicas no domicílio, então tal interpretação é materialmente 
 inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32°, n.º 1 da Constituição 
 da República Portuguesa».
 
  
 
 3. Pelo despacho agora reclamado, não foi admitido o recurso interposto, com os 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 «2.) Constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na 
 mencionada alínea do n.° 1 do artigo 70.°, da Lei n.° 28/82, a aplicação pelo 
 tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade é 
 questionada pelo recorrente, a suscitação da inconstitucionalidade normativa 
 durante o processo e o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso 
 tenham cabimento.
 Suscitou o arguido dentro destes parâmetros considerativos questão de 
 constitucionalidade que justifique agora o seu inconformismo?
 Em nossa opinião não.
 O Relator foi surpreendido no dia da audiência pelo requerimento de fls. 200/1 
 
 (que, note-se, não invoca quaisquer problemas a esse nível) e pelos documentos 
 com ele juntos.
 Em todo o caso, cumpriu-se o contraditório e suspendeu-se a prolação do acórdão 
 para sua consideração. Vieram a ser desatendidos pelos motivos melhor constantes 
 da respectiva decisão, mormente os vertidos a fls. 222/3, sem que da mesma 
 conste a mínima alusão ao tratamento de qualquer questão de natureza 
 constitucional.
 Também é verdade que proferido o respectivo acórdão surgiram depois os pedidos 
 de aclaração, alegações de nulidade e inconstitucionalidade.
 Respondeu-se às primeiras, mas nada se acrescentou sobre as últimas, já que não 
 traduziam tema do recurso.
 I – 3.) Como o Tribunal Constitucional expendeu na sua decisão sumária n.° 
 
 69/98, no Processo n.° 418/98, da 2ª Secção, que para tanto invoca a doutrina 
 constante do Acórdão n.° 352/94, do mesmo Tribunal (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 6 de Setembro de 1994), deve «entender-se a exigência de 
 suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, “não num sentido 
 meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à 
 extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa 
 invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o “poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É este 
 o único sentido do dito requisito que corresponde à natureza da intervenção do 
 Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação, portanto, de uma 
 questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (ver também o 
 Acórdão n.° 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Junho 
 de 1995). Assim, “porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a 
 prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de entender-se que o pedido de 
 aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em 
 princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de 
 constitucionalidade.»
 Nesta conformidade:
 Considerando-se ainda o preceituado nos art.°s 76.°, 75.°-A e 70.°, n.º 1, al. 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional, não se admite o recurso ora interposto 
 pelo arguido».
 
  
 
 4. Foi então apresentada a presente reclamação, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «O aqui reclamante interpôs recurso do Acórdão de fls. 209 a 227, aclarado por 
 Acórdão de fls. 264 a 270, para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nos termos 
 do artigo 70° n.° 1 al. b) da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção que lhe foi 
 dada pela Rectificação n.° 10/98, de 23/05, para o que está em tempo e tem 
 legitimidade – cfr. artigos 70°, n.° 1, alínea b), 72° e 75° da citada Lei 28/82 
 com aquela alteração.
 O referido recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° 
 acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal 
 recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer – cfr. artigo 72°, n.° 2 
 da mesma Lei Orgânica.
 Na verdade o recorrente invocou no seu requerimento de aclaração e de arguição 
 de nulidades do douto Acórdão de fls. 209 a 227, que o Tribunal da Relação do 
 Porto, no seu douto Acórdão violou o disposto no artigo 29°, n.° 4 e art. 32°, 
 n.° 1 da Constituição da República Portuguesa e pronunciou-se sobre uma questão 
 que não podia ou não estava em condições de conhecer, inquinando também o douto 
 Acórdão de nulidade, nos termos do disposto na alínea c), do n.° 1 do art. 379° 
 do Código de Processo Penal aplicável por força do disposto no n.° 4, do artigo 
 
 425° do Código de Processo Penal, uma vez que inexistindo a possibilidade legal 
 de cumprimento da pena em regime de permanência em habitação introduzida pela 
 Lei n.° 59/2007 de 4 de Setembro à data da prolação da sentença/condenação em 
 primeira instância e à data da interposição do correspondente recurso, e não 
 tendo sido dada possibilidade ao arguido por esse Tribunal da Relação para 
 pronunciar-se para o efeito, nem tendo sido a audiência reaberta para esse 
 efeito, nos termos do disposto no artigo 371°-A do Código Processo Penal, nem 
 tendo o tribunal ordenado a realização de diligências para apurar as condições 
 técnicas “para o efeito” e para apurar a actual inadequação (nos termos e pelas 
 razões supra referidas) desta pena, foram coarctados o direito do arguido 
 ver-lhe ser aplicável lei mais favorável e as suas garantias de defesa e o 
 direito a ser ouvido.
 Mais invocou que, se os artigos 370°, 371°, 371°-A e 424° e 165° do Código de 
 Processo Penal e artigos 43° a 58° do Código Penal, forem interpretados no 
 sentido de não ser possível considerar na determinação da sanção, pelo Tribunal 
 de recurso, a actual personalidade, situação socio-económica, conduta e 
 condições técnicas no domicílio, então tal interpretação é materialmente 
 inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32°, n.° 1 da Constituição 
 da República Portuguesa.
 Acontece que, entendeu o Ilustre Desembargador Relator, não ser de admitir esse 
 recurso porque a questão da inconstitucionalidade deveria ter sido suscitada 
 perante o Tribunal a quo e não perante o Tribunal ad quem. Acontece que, contudo 
 tal era impossível uma vez que, a questão da inconstitucionalidade suscitada 
 prende-se unicamente com uma conduta e decisão “ex nova” do Venerando Tribunal 
 da Relação que, nos termos e pelas razões supra referidas, postergou o direito 
 do arguido ver-lhe ser aplicável lei mais favorável e de para tal serem 
 realizadas as diligência que se reputavam essenciais, com constrição das mais 
 elementares garantias de defesa e do procedimento criminal.
 Pelo exposto, só nessa altura é que poderia e foi suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade, nunca o podendo ser em momento antes. Acresce que assim 
 não fosse poderiam ser praticadas as mais diversas inconstitucionalidades pelos 
 tribunais superiores, sem que em momento algum pudessem as mesmas ser apreciadas 
 por este Venerando Tribunal Constitucional.
 Termos em que se deverá o citado despacho ser declarado nulo e ordenada a sua 
 reforma, admitindo-se o recurso interposto.
 Assim se fazendo, uma vez mais,
 JUSTIÇA!».
 
  
 
 5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se 
 pelo indeferimento da reclamação, por não estarem reunidos os pressupostos 
 processuais à admissão do recurso, designadamente, ter sido a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada de modo processualmente adequado.
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O despacho que é objecto da presente reclamação não admitiu o recurso de 
 constitucionalidade interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da 
 LTC, com fundamento na falta de suscitação, durante o processo, da questão de 
 inconstitucionalidade.
 O reclamante sustenta, como aliás já havia feito no requerimento de interposição 
 de recurso, que a suscitação ocorreu no requerimento de aclaração e de arguição 
 de nulidades do acórdão de 21 de Novembro de 2007, por não lhe ter sido possível 
 suscitar em momento anterior a questão da inconstitucionalidade relativa à 
 aplicação da lei penal mais favorável, ou seja, da lei que em Setembro de 2007 
 alterou o Código Penal.
 Como se sustentou no despacho reclamado, o pedido de aclaração da decisão 
 judicial ou a arguição de nulidades desta não constituem já, em princípio, 
 momento atempado e via idónea para equacionar os problemas de 
 constitucionalidade articulados com a decisão (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 155/2000, Diário da República, II Série, de 9 de Outubro de 
 
 2000). 
 O Tribunal tem, todavia, entendido que, em casos excepcionais ou anómalos, o 
 recorrente é dispensado do ónus da suscitação prévia da questão de 
 constitucionalidade, nomeadamente quando a norma cuja constitucionalidade é 
 questionada foi publicada depois da última intervenção processual normal do 
 recorrente e antes de proferida a decisão a decisão recorrida (cf., entre 
 outros, Acórdão nº 94/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º volume, 1988, 
 p. 1089 e ss.). Preciso é, no entanto, que o recorrente identifique a norma cuja 
 apreciação pretende, satisfazendo o requisito constante da parte final do nº 1 
 do artigo 75º-A da LTC. Só desta forma se poderá concluir se se trata ou não de 
 um caso excepcional que permita dispensar o recorrente do ónus da suscitação 
 prévia. 
 
  
 
 2. Decorre do disposto na parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC que sobre o 
 recorrente impende o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende 
 que o Tribunal Constitucional aprecie, implicando a sua inobservância o não 
 conhecimento do objecto do recurso (artigos 76º, nº 2, e 78º-A, nº 2, da LTC). 
 No julgamento da reclamação de despacho que indefira o requerimento de 
 interposição de recurso de constitucionalidade, o Tribunal tem de averiguar se 
 se encontram preenchidos todos os pressupostos do conhecimento do recurso e, 
 desde logo, o cumprimento daquele ónus, uma vez que a decisão a proferir faz 
 caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, segundo o disposto no artigo 
 
 77º, nº 4, da LTC (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 480/2006, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Nos presentes autos, quer no requerimento de interposição de recurso quer na 
 presente reclamação, o reclamante imputou à própria decisão recorrida vícios de 
 inconstitucionalidade, acusando-a de ter violado o disposto nos artigos 29º, nº 
 
 4 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Nesta parte, não foi, 
 pois, manifestamente, indicada qualquer norma que pudesse constituir o objecto 
 do recurso interposto.
 
 É certo que, nas mesmas peças processuais, o reclamante sustentou ainda que:
 
  
 
 «se os artigos 370°, 371°, 371°-A e 424° e 165° do Código de Processo Penal e 
 artigos 43° a 58° do Código Penal, forem interpretados no sentido de não ser 
 possível considerar na determinação da sanção, pelo Tribunal de recurso, a 
 actual personalidade, situação socio-económica, conduta e condições técnicas no 
 domicílio, então tal interpretação é materialmente inconstitucional, por 
 violação do disposto no artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República 
 Portuguesa».
 
  
 Porém, atendendo ao teor dos cinco artigos do Código de Processo Penal e dos 
 quinze artigos do Código Penal que o reclamante refere – ainda que na 
 interpretação segundo a qual não é possível considerar na determinação da 
 sanção, pelo Tribunal de recurso, a actual personalidade, situação 
 sócio-económica, conduta e condições técnicas no domicílio – não é possível 
 afirmar que o reclamante indicou a norma cuja inconstitucionalidade pretende que 
 o Tribunal aprecie. Tal enunciado revela mesmo, em consonância com as demais 
 acusações de inconstitucionalidade, que o recorrente pretendeu, afinal, 
 questionar, não uma qualquer norma, mas antes a própria decisão recorrida, 
 designadamente, na parte que se refere à determinação da sanção.
 
  
 Importa, pois, concluir, embora por fundamento diverso do que sustentou a 
 decisão reclamada, que o recurso não podia ter sido admitido, o que dita o 
 indeferimento da reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta. 
 
 
 Lisboa, 22 de Julho de 2008
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão