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Processo n.º 747/04
2.ª Secção Relator. Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Notificado do Acórdão n.º 554/04, de 2 de Setembro de 2004, pelo qual se decidiu desatender a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária de 20 de Julho de 2004, que decidira não tomar conhecimento do recurso interposto por A. (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, e visando a apreciação da constitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal), com fundamento na falta de suscitação, durante o processo, da questão de constitucionalidade, veio o recorrente pedir a sua aclaração, dizendo:
«(...) salvo o devido respeito por melhor opinião, tal douto Acórdão urge ser esclarecido em alguns pontos, os quais traduzem alguma obscuridade e ambiguidade. Senão vejamos:
8.º Na sua resposta ao douto Parecer da Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça, o Requerente refere, nomeadamente: “(...) é certo que o art.º 400°, n° 1, al. f), refere que não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo-crime que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções. Sucede que no caso em apreço, nomeadamente o também Recorrente B. (...) foi condenado numa pena de 16 anos e 6 meses de prisão, ou seja, numa pena de prisão bem superior aos 8 anos aludidos no art.º 400° do Cód. Processo Penal a que se aludiu. (...). Assim, e pelos motivos expostos, não pode o Recorrente, naturalmente conformar-se com a posição assumida pela Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, pugnando pela admissibilidade do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, sob pena de violação dos mais elementares direitos constitucionais reconhecidos ao Recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no art.º 32°, n.º 1, da C.R.P.”.
9.º Sendo assim, da resposta apresentada pelo Requerente ao douto Parecer da Digna Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça, constata-se claramente que a norma que o Requerente entende estar desconforme com a Lei Constitucional, nomeadamente com o art.º 32°, n.º 1 da mesma Lei, é o art.º 400°, n.º 1, al. f), do Cód. Processo Penal.
10.º Ora, o douto acórdão cuja aclaração ora se requer, refere:
- Não resulta que tenha sido invocada qualquer inconstitucionalidade antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido;
- O arguido invocou a desconformidade constitucional de decisões não identificando sequer um preceito ao qual fosse de imputar uma determinada interpretação que tinha como inconstitucional.
- Incumbe ao Recorrente o ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo de modo procedimentalmente adequado, o que exige que ao suscitar-se a questão da inconstitucionalidade se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona ou o sentido ou dimensão normativa do preceito violador da lei fundamental.
11.º Compulsada a resposta ao Parecer apresentada pelo Requerente, constata-se que é absolutamente líquido que a norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pelo Requerente, é o art.º 400°, n° 1, al. f), do Cód. Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
12.º Mais, fica-se sem se saber, salvo o devido respeito, qual o fundamento exacto do indeferimento da reclamação apresentada: se o facto de, alegadamente, o Requerente não ter arguido a inconstitucionalidade da norma antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido ou não ter invocado tal inconstitucionalidade de forma procedimentalmente adequada (diz-se no douto acórdão cuja aclaração se requer que o arguido invocou a desconformidade constitucional de decisões, não identificando um preceito ao qual fosse de imputar uma determinada interpretação como inconstitucional).
13.º É que, a douta decisão sumária da qual se reclamou para a conferência, decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pelo Requerente, por entender que nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo, sendo que a norma em apreço (art.º 400º, n.º 1, al. f), do Cód. Processo Penal) não foi sequer aplicada ao Requerente.
14.º E, o motivo alegado no douto Acórdão cuja aclaração ora se requer para desatender tal reclamação surge como sendo o facto de o ora Requerente não ter invocado tal inconstitucionalidade de forma procedimentalmente adequada.
15.º Sendo assim, salvo o devido respeito, não logra o Requerente alcançar qual o fundamento exacto do indeferimento da reclamação apresentada, motivo pelo qual se requer a V.Ex.a se digne aclarar o douto acórdão de 02 de Setembro do corrente ano nessa parte,
16.º já que, como oportunamente referiu e que agora, com a mais subida vénia, reitera, por um lado, a questão da inconstitucionalidade da norma em apreço, na interpretação que lhe foi dada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, foi devidamente suscitada durante o processo, não sendo a decisão já passível de qualquer recurso, devendo tal inconstitucionalidade ter sido devidamente apreciada pelo Tribunal Constitucional,
17.º e, por outro, ressalta líquido que a norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pelo Requerente, é o art.º 400°, n° 1, al. f), do Cód. Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça.» Em resposta, o representante do Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, conclui pela ostensiva falta de justificação de tal pedido de aclaração, uma vez que “a decisão reclamada é perfeitamente clara e insusceptível de dúvidas acerca do que nela se decidiu, no que respeita à inverificação dos pressupostos do recurso interposto”, acrescentando que o recorrente se limita, “sob a capa formal de um pedido de aclaração, a manifesta[r] a sua discordância com o definitivamente decidido pela conferência”. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
2.Como se sabe, o pedido de aclaração de decisões judiciais não é via idónea para obter a alteração do decidido, mas, apenas, para esclarecer ambiguidades, faltas de clareza ou a eventual obscuridade do fundamento dessa decisão. Pelo que não pode pretender-se utilizar a via do pedido de aclaração simplesmente para manifestar discordância em relação aos fundamentos claros da decisão, e obter a sua alteração. No presente pedido de aclaração, o reclamante discorda do fundamento para o não conhecimento do recurso de constitucionalidade que interpôs, o qual, nos termos do acórdão reclamado, consistiu em não ter “sido invocada durante o processo, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou de qualquer dimensão normativa – isto é, de uma determinada interpretação de um ou mais preceitos”. E disse-se ainda, nesse aresto, comprovando-o com a transcrição dos trechos das peças processuais relevantes, que “o que o arguido invocou foi, e apenas, a desconformidade constitucional de decisões, da actuação judicial concreta, não identificando sequer um preceito ao qual fosse de imputar uma determinada interpretação que tinha como inconstitucional.” O acórdão reclamado não enferma, pois, de qualquer ambiguidade ou obscuridade que necessite ser esclarecida. Resulta, aliás, da própria fundamentação do pedido que o requerente não ficou com dúvidas sobre o que no aresto se decidiu, nem sobre as razões da decisão tomada, mas antes que discorda desse fundamento.
É desta discordância que se dá conta no pedido da aclaração. Porém, este não serve para expor divergências relativamente à decisão tomada, e obter nova pronúncia do Tribunal, mas apenas para ver esclarecidas dúvidas que resultem de ambiguidades ou obscuridades que a decisão contenha. Como o requerente não tem – nem podia ter, à luz do teor da decisão reclamada – dúvidas, mas sim discordâncias, e a decisão não enferma de obscuridades ou ambiguidades, há que desatender o pedido de aclaração formulado. III. Decisão Com estes fundamentos, decide-se desatender o presente pedido de aclaração e condenar o requerente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Novembro de 2004
Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos