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Processo n.º 1047/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por decisão do 6º Juízo Criminal de Lisboa, de 15 de Maio de 2003, foi o ora recorrente, A., condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, pela prática em autoria material de um crime de tráfico de droga de menor gravidade, p.p. pelos artigos 21º, n.º1, e 25º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu dela para o Tribunal da Relação de Lisboa tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
“I - O tribunal recorrido violou na interpretação efectuada o artigo 21 ° do Decreto-Lei n° 15/93, pois considerou que o arguido ao “declarar que pretendia consumir o haxixe com amigos estaria a ceder o mesmo, sendo que 'ceder' significa: 'deixar, largar alguma coisa a; transferir a posse ou a propriedade de uma coisa a; oferecer, pôr à disposição de”. II - Não resulta da prova produzida que o arguido tenha cedido o produto estupefaciente a quem quer que seja, tendo este eventualmente dito que era para o seu consumo e de amigos (vide declarações do arguido). III - Assim o tribunal não pode condenar o arguido por um crime que este não cometeu, pelo que o alegado crime não foi consumado, pois o produto estupefaciente que iria ceder foi apreendido. IV - Em suma, não houve qualquer crime consumado, nem tentado”.
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Dezembro de 2003, julgou o recurso manifestamente improcedente, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“[...] 6 - Uma vez que consideramos que o recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente (artigo 420°, n° 1, do Código de Processo Penal), limitar-nos-emos, nos termos do n° 3 dessa mesma disposição, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
7 - O arguido não impugnou a decisão de facto uma vez que não imputou qualquer erro de julgamento à decisão recorrida. Para além disso, não indicou qualquer ponto dessa decisão que considerasse incorrectamente julgado, nem qualquer prova que impusesse decisão diversa da tomada pelo tribunal (artigo 412°, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal). Note-se que na sentença não se considerou provado que o arguido tivesse cedido a terceiro qualquer pedaço de haxixe ou que destinasse aquele que detinha ao consumo de amigos.
8 - No que respeita à matéria de direito, o arguido parece sustentar que o seu comportamento não pode integrar o artigo 25°, alínea a), do Decreto-Lei n°
15/93, de 22 de Janeiro, porque não se enquadra na previsão do artigo 21°, n° 1, desse mesmo diploma uma vez que não chegou a existir cedência da substância a terceiros. Porém, este último preceito inclui, entre as modalidades da conduta que prevê, para além da cedência de substância ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas ao diploma, muitas outras condutas, entre as quais se conta a mera detenção, desde que o produto não se destine integralmente ao consumo do detentor. Ora, se é verdade que o arguido não chegou a ceder a terceiros a quantidade de haxixe que lhe foi apreendida, deteve-a, o que só por si preenche aquele tipo incriminador uma vez que não se tratava de uma detenção exclusivamente para consumo próprio.
É, por isso, manifestamente improcedente o recurso interposto pelo arguido”.
4. Novamente inconformado o arguido pretendeu recorrer desta decisão para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado, para o efeito, um requerimento, já corrigido, após convite efectuado, nos termos do n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, pelo relator do processo no Tribunal da Relação, com o seguinte teor:
“[...], arguido, nos autos à margem identificados, notificado a folhas 224, vem indicar que pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, os termos do Artigo 70°, alíneas bê) e g) da Lei n° 28/82, de 1 de Novembro, pois entende estar ferida de inconstitucionalidade a norma constante dos artigos 412°, n.º 1, 414°, n° 2 e 420º, n. 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência, conforme Acórdão n° 428/2003, que já se anexou, bem como a alínea 3ª do artigo 420 do CPP, por violação dos artigos 2°, 13° e 32° da CRP, bem como o artigo 6° da CEDH.
1. Tal discordância fundamenta-se em dois pontos:
2. A) O recurso, apesar de ser sucinto, indica nas conclusões as normas violadas pelo tribunal recorrido, bem como a interpretação correcta das mesmas segundo o arguido, que impunha a absolvição do mesmo.
3. Acresce, que tendo sido gravada a prova, presume o arguido que tenha acompanhado o recurso a transcrição da gravação da audiência, que decerto irá permitir a reapreciação da matéria de facto.
4. Sem conceder, nem o arguido, nem o seu mandatário foram notificados da transcrição da gravação da audiência, pelo que caso a mesma não tenha sido ordenada ou efectuada, vêm os requeridos requerer seja a mesma efectuada, sob pena de nulidade.
5. B) Tem sido entendimento do TC, julgar inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.o. 1, da Constituição. a norma constante dos artigos 412°, n.o 1,
414°, n° 2 e 4200, n.o 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência, conforme acórdão anexado.
6. Em nosso entender para além da inconstitucionalidade dos artigos 412°, n.o 1,
414°, n° 2 e 420°, n.º 1, do Código de Processo Penal alegadas, padece também de inconstitucionalidade a norma que prevê apenas a condenação o arguido em multa, isentando o Ministério Público da mesma multa, ou seja o artigo 420, n° 3 do CPP.
7. De facto, é manifesta a inconstitucionalidade do entendimento, que o MP por ser entidade pública estaria isento de taxa de justiça ou custas. Uma visão actualizada da separação de poderes e da responsabilização do Estado impõe a revogação de tais norma, violadoras do princípio da separação de poderes, da igualdade e de um processo equitativo.
8. Assim, é nosso entender ser inconstitucional e por isso inaplicável a alínea
3ª do artigo 420 do CPP, por violação dos artigos 2°, 13° e 32° da CRP, bem como o artigo 6° da CEDH” .
5. O Relator do processo no Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 25 de Março de 2004, não admitiu o recurso, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“O arguido, ao dar cumprimento ao disposto no n° 1 do artigo 75°-A da LTC, disse que o recurso era interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n° 1 do artigo 70º desse mesmo diploma, tendo então indicado as normas cuja constitucionalidade pretendia sindicar. Diga-se, em primeiro lugar. que nenhuma das normas indicadas pelo recorrente foi aplicada na decisão recorrida, o que era imprescindível para a admissibilidade do recurso, dada a sua natureza instrumental. O tribunal não rejeitou o recurso por falta ou deficiência das conclusões, nem deixou de condenar o Ministério Público apesar de se encontrarem preenchidos os restantes pressupostos previstos no n° 4 do artigo 420° do Código de Processo Penal dada a qualidade do recorrente. De facto, o recurso foi rejeitado pela inconsistência da argumentação expendida pelo recorrente e apenas este podia vir a ser condenado nos termos da citada disposição uma vez que o recurso tinha sido por ele interposto. Por isso, o recurso não podia ser admitido. Mas, para além disso, no que se refere aos elementos exigidos quanto a um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70°, o recorrente não indicou qualquer peça processual em que tivesse suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa, nem invocou qualquer motivo para o não ter feito tempestivamente. Assim e pelo exposto não admito o recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional”.
6. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, que o reclamante fundamenta nos seguintes termos:
“[...], arguido nos autos à margem identificados, notificado do despacho de
31-03-2004, que não admitiu o recurso, VEM RECLAMAR CONTRA A SUA RETENÇÃO, nos termos e com os seguintes fundamentos: Alega o tribunal recorrido, que 'nenhuma das normas indicadas pelo recorrente foi aplicada na decisão recorrida, o que era imprescindível para a admissibilidade do recurso, dada a sua natureza instrumental.' Salvo o devido respeito discordamos, pois no presente processo, o tribunal recorrido na sua decisão aplicou os artigos 412°, n.º 1, 414º, n° 2 e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência, conforme Acórdão n° 428/2003, que já se anexou, bem como a alínea
3ª do artigo 420 do CPP, por violação dos artigos 2°, 13° e 32° da CRP, bem como o artigo 6° da CEDH,. Citamos o acórdão:
' 6 - Uma vez que consideramos que o recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente (artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), limitar-nos-emos, nos termos do n.º 3 dessa mesma disposição, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
7 - O arguido não impugnou a decisão de facto uma vez que não imputou qualquer erro de julgamento a decisão recorrida. Para alem disso, não indicou qualquer ponto dessa decisão que considerasse incorrectamente julgado, nem qualquer prova que impusesse decisão diversa da tomada pelo tribunal (artigo 412º nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal). ' No que toca ao fundamento da violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70, o recorrente não indicou qualquer peça processual em que tivesse suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa, nem invocou qualquer motivo para o não ter feito tempestivamente, parece-nos tal ser desnecessário, dado se tratar de decisão que aplicou norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional, bem como decorrer do próprio requerimento que foi apenas aquando da decisão de rejeição do recurso, que o arguido se poderia pronunciar sobre a inconstitucionalidade de uma norma, não substantiva, mas sim processual”.
6. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência da reclamação apresentada, posição que fundamentou nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério. Na verdade, a decisão recorrida – que se pronunciou sobre o mérito do recurso interposto pelo arguido, julgando-o “manifestamente improcedente”, pela inconsistência da motivação apresentada – não aplicou obviamente as normas especificadas pelo recorrente, que se reportam a uma rejeição liminar do recurso, por razões atinentes a deficiências ou insuficiências formais das conclusões da motivação do recurso. Tal implica, como é sabido, a inverificação dos pressupostos dos recursos interpostos, como, aliás, dá nota a decisão que justificadamente os rejeitou.”
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
7. A presente reclamação é manifestamente improcedente. Com efeito – como, bem, se conclui na decisão reclamada – é por demais evidente que, ao contrário do que se refere na reclamação, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 17 de Dezembro de 2003, cuja fundamentação já transcrevemos integralmente, não aplicou, para concluir pela manifesta improcedência do recurso, “os artigos
412°, n.º 1, 414º, n° 2 e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que a falta de conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
Sendo assim, torna-se evidente que não está preenchido (pelo menos) um dos pressupostos legais de que depende a admissibilidade dos recursos que o ora reclamante pretendeu interpor – os previstos nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional -, a saber: ter a decisão recorrida efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa dos preceitos cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada, pelo que o mesmo não pode ser admitido.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se a decisão recorrida de não admissão do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Artur Maurício