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Processo n.º 811/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. requer a aclaração/reforma do Acórdão n.º 549/04, proferido nestes autos, acórdão este que decidiu indeferir a reclamação deduzida para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 76º, n.º 4, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho do Desembargador de Turno do Tribunal da Relação de Lisboa, agindo na qualidade de Presidente da mesma Relação, de 23 de Julho de 2004, que não admitiu o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional do despacho do mesmo Presidente, de 21 de Junho de 2004.
2 – Como fundamentos do seu pedido, o reclamante alega o seguinte:
«A decisão aclaranda contraria a tendência da jurisprudência desse Venerando Tribunal Constitucional de interpretar as pretensões dos recorrentes com uma certa maneabilidade, para mais atenta constelação axiológica que paira sobre o direito ao recurso para o Tribunal Constitucional. Isto para dizer que o reclamante nunca esperou encontrar da parte dessa Alta Instância eco da interpretação que ao longo do processo foi sendo feita da sua reacção, digamos assim, ao despacho de 12-05-2004 do juiz da 7ª Vara Criminal de Lisboa. Quando se defende que o prazo de interposição do recurso para o TC estaria esgotado, parte-se do pressuposto que o requerente não interpôs recurso de tal decisão. Caso se tivesse entendido que o requerente ao reclamar para o presidente da Relação de Lisboa pretendia impugnar aquela decisão, e tal reclamação seguisse a forma ordinária de impugnação das decisões em processo penal, neste caso já seria admissível a reclamação para a conferência e não estaria esgotada a possibilidade de recurso para o TC. Nesta perspectiva também ainda não estaria esgotado o poder jurisdicional e a alegação de inconstitucionalidade “transportada” na reclamação para a conferência seria apta para efeitos de recurso para o TC. Por fim, afirmar que as normas cuja inconstitucionalidade se requer não fazem parte da ratio decidendi da decisão é o mesmo que dizer que esta decisão não existe pois não decide e aí mais valia defender que só não se admite este recurso por falta de objecto, leia-se, por falta de decisão recorrida (apesar do recurso ser um recurso de normas sempre terá que haver uma decisão).
Termos em que requer a Vª Exª seja aclarado/reformado o douto acórdão, assim se fazendo justiça.».
3 – O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal respondeu afirmando o seguinte:
«1º
A pretensão deduzida carece ostensivamente de fundamento.
2º
Assim e no que respeita à dedução do pedido de aclaração não se perspectiva qualquer dúvida ou obscuridade na decisão recorrida, susceptível de tornar admissível a utilização de tal meio impugnatório pelo reclamante.
3º
Relativamente ao pedido da reforma, não ocorre manifestamente qualquer dos pressupostos que o art.º 669º, n.º 2 do Código de Processo Civil tipifica, sendo evidente e incontroverso que o sentido do Tribunal Constitucional não radica em qualquer “lapso” na valoração de elementos processuais, nem constam naturalmente do processo quaisquer elementos que impliquem decisão diversa da tomada de decisão reclamada.
4º
Termos em que improcede manifestamente o pedido deduzido.».
B- Fundamentação
4 - Como resulta do seu requerimento, o reclamante pede a aclaração e a reforma do acórdão acima identificado, proferido nestes autos.
O uso do meio processual da aclaração justifica-se quando uma decisão é obscura ou ambígua [art.º 669º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil – CPC -, aplicável ao processo constitucional por via do disposto no art.º
69º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro]. A decisão é obscura quando o seu texto não permite entender o pensamento do julgador e é ambígua quando a decisão comporta mais de um sentido.
Diz Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 151), a propósito destes dois vícios formais da decisão, que “n[N]um caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”. A função da aclaração é a de “iluminar algum ponto obscuro da decisão” e, sendo assim, “através dela apenas se pode corrigir a sua forma de expressão e não modificar o seu alcance ou o seu conteúdo” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2002, págs. 45/46).
5 – No presente caso constata-se que o reclamante não coloca qualquer problema de inteligibilidade ou compreensibilidade da decisão reclamada. Sendo assim, não pode o pedido de aclaração deixar de ser indeferido. E o mesmo se passa quanto ao pedido de reforma do mesmo acórdão. Na verdade, os fundamentos alegados não se ajustam aos requisitos estabelecidos no n.º 2 do art.º 669º do CPC para que seja possível a reforma da decisão, em qualquer das duas hipóteses aí apontadas. Com tais fundamentos, o que o reclamante controverte é, ao fim e ao cabo, o modo como o despacho recorrido e a decisão que o mesmo confirmou interpretaram os fundamentos alegados no seu articulado impugnatório do despacho de 12 de Maio de
2004, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, de indeferimento do pedido de justo impedimento de pagamento da taxa de justiça prevista no art.º 80º do Código das Custas Judiciais – articulado esse dirigido ao Presidente da Relação de Lisboa e como reclamação fundada no art.º 405º do Código de Processo Penal (CPP) –, bem como a forma como determinaram e aplicaram o direito ordinário, pretendendo demonstrar que a decisão recorrida haveria de ter “convolado” o meio processual da reclamação referida no art.º 405º do CPP para o meio processual do recurso regulado nos arts. 410º e segs. da mesma lei adjectiva.
Ora uma tal questão está manifestamente fora das situações em que está prevista a possibilidade de reforma da decisão.
De resto, cabe referir que, dizendo esse problema respeito à correcção da decisão judicial, no âmbito relativo à fixação dos seus pressupostos de facto e à sua subsunção ao direito aplicável, sempre ele estaria fora da competência do Tribunal Constitucional, dado que esta se cinge, no tipo do recurso constitucional não admitido, à questão de constitucionalidade de normas jurídicas que sejam aplicadas na decisão recorrida.
Finalmente, e quanto ao argumento desferido no final do requerimento
de que o fundamento afirmado na decisão reclamada de que as normas cuja constitucionalidade se prende sindicar não constituíram ratio decidendi da decisão e como tal não podiam ser objecto de recurso constitucional postularia necessariamente que se devesse concluir pela inexistência da decisão recorrida e pela falta de objecto do recurso, importa dizer que o objecto do recurso de constitucionalidade, conquanto pressupondo a existência da decisão recorrida - e consequentemente das normas que regulam a dimensão da sua existência jurídica
- é constituído pelas normas aplicadas que tenham constituído ratio decidendi da concreta decisão impugnada, bem podendo estas normas respeitar a questões decididas que não a da sua existência jurídica, como no caso acontece.
Desta forma nunca essa argumentação poderá sustentar uma reforma do acórdão reclamado, por patente inverificação dos requisitos definidos no referido n.º 2 do art.º 669º do CPC.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir os pedidos de aclaração e de reforma do acórdão reclamado.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 2 de Setembro de 2004
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos