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Processo n.º 949/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Junho de 2004, foi negado provimento ao recurso interposto por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a sentença proferida pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, no âmbito da acção declarativa de condenação intentada por aquele contra B., e, consequentemente, a acção foi julgada improcedente e a demandada absolvida do pedido. Diz-se no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
«1. – A. intentou acção declarativa contra B. pedindo a condenação desta a pagar-lhe esc. 3 122 184$00, com juros moratórios desde a data da citação. Fundamentando a sua pretensão, alegou que Autor e Ré acordaram comprar um andar e pagar em comum e partes iguais o respectivo preço, compra que ocorreu em 1990. O Autor pagou o sinal de 1 000 contos, mais uma prestação inicial de 500 e o remanescente do preço (5 000 contos) foi pago com recurso a mútuo bancário cuja liquidação em prestações mensais ficou a cargo de ambas as Partes. Porém, de todas referidas quantias, a R. apenas começou a pagar a prestação mensal que lhe compete do mútuo (16 500$00) em Janeiro de 2000. A Ré contestou alegando, em síntese, que não houve acordo de pagamento em comum e partes iguais, mas, antes, mantendo Autor e R. desde 1989 até Setembro de 1999 uma relação marital, adquirido o imóvel foram para aí viver com os respectivos filhos, suportando juntos os inerentes encargos e despesas da família que constituíam. A acção veio a proceder parcialmente ao abrigo do enriquecimento sem causa, mas a Relação revogou a sentença e absolveu a Ré do pedido com base no abuso de direito. O Autor pede revista arguindo nulidades e visando a revogação do acórdão. Para tanto, levou às conclusões:
1 a). – As conclusões da Ré são prolixas e obscuras, não contêm a indicação das normas violadas pela sentença, nem a indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos de facto que impugnou;
1 b). – O Apelado, ora Recorrente, contra-alegou pugnando pela rejeição da apelação, por força dos art.ºs. 690°-1 e 2 e 690°-A C PC;
1 c). – Porque não se pronunciou sobre a questão e julgou a apelação, o Tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, violando aqueles preceitos e incorrendo na nulidade prevista no art.º 668°-1-d), última parte, do CPC;
2 – Porque não apreciou o recurso subordinado do Recorrente, violou o disposto no art.º 668°-1-d) C PC;
3 – Não constitui abuso de direito a pretensão do Recorrente a receber da Recorrida metade das verbas que ele pagou a título de sinal e antecipação do pagamento do preço de um imóvel que ambos vieram a adquirir e a pretensão de receber metade das prestações decorrentes do contrato de mútuo que ambos celebraram e que ele exclusivamente pagou à entidade mutuante, desde a outorga do contrato até quatro meses após o fim da união de facto;
4 a). – As verbas que, sob aqueles títulos, o Recorrente pagou são causa de deslocação patrimonial para a Recorrida, com aumento do seu património à custa do Recorrente, tendo a respectiva causa deixado de existir;
4. b). – Assim, no quadro do disposto nos art.ºs. 473° e 479° C. Civil, deveria o Tribunal ter negado provimento à apelação;
5 – O Tribunal da 1ª instância interpretou incorrectamente as normas dos art.ºs
4° e 479° C. Civ. por ter aplicado ao enriquecimento sem causa as regras da equidade, reduzindo o valor a restituir, razão pela qual se deve revogar a decisão da 1ª instância e, em conformidade com o art.º 479°, condenar-se a Recorrida a pagar ao Recorrente todas as verbas reclamadas. Não houve resposta.
2. – Mérito do recurso
2. 1. – Nulidades do acórdão. O Recorrente imputa ao acórdão que impugna duas nulidades, uma por excesso e a outra por omissão de pronúncia. A primeira, por a ora Recorrida, enquanto Apelante, não ter cumprido o ónus de concluir nos termos previstos nos art.ºs. 690°-1 e 2 e 690º-A-1° CPC e, apesar disso, o recurso não ter sido rejeitado, obtendo apreciação; a outra, por não ter apreciado o recurso subordinado do Recorrente. Como é sabido, as nulidades por omissão e excesso de pronúncia cominadas na al. d) do n.º 1 do art.º 668° CPC para as decisões judiciais correspondem às sanções para a violação, pelo julgador, dos deveres que lhe são impostos no art.º 660°-2 de, respectivamente, “resolver todas as questões que as partes tenham submetido
à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e de “não pode(r) ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (...)”. Há-de tratar-se necessariamente de vícios da peça decisória: de não apreciação, na decisão, de todas as causas de pedir, excepções e pedidos; ou de conhecimento de causas de pedir, excepções de apreciação não oficiosa ou pedidos não formulados pelas partes. Das outras nulidades processuais em geral tratam os art.ºs 201º e ss..
2. 1. 1. – Quanto ao excesso de pronúncia. Antes de mais dir-se-á que, não tendo sido impugnada a matéria de facto, não faz o menor sentido invocar o ónus previsto no art.º 690°-A. Quanto à alegada violação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 690°, prevê a lei que, se não for sanado o vício, nos termos do convite formulado pelo relator, não se conhecerá do objecto do recurso, na parte afectada. A norma que comina a consequência do incumprimento do ónus faz, assim, preceder a aplicação da sanção de um juízo de valor do relator sobre esse incumprimento, a conformação do Recorrente com esse juízo e a omissão de suprimento da irregularidade. Trata-se, pois, de uma directiva dirigida ao tribunal para que, usando critérios funcionais, intervenha no sentido de, através do dever de colaboração das partes
(art.º 266° CPC), tornar mais segura a aplicação do direito mediante uma explicitação mais sintética, mais clara e mais precisa das razões jurídicas que justificam a modificação da decisão impugnada (delimitação objectiva do recurso
– art.º 684°). Assim, se no uso dos seus poderes-deveres, funcionalmente dirigidos à apreciação do mérito do recurso, o Tribunal se considerou habilitado sobre o conhecimento das questões postas à sua apreciação, razões de discordância do recorrente e solução proposta, não podia deixar de considerar que foram apresentadas as conclusões que a lei prevê, pois estava satisfeita a função para que as exige, impondo-se-lhe conhecer do objecto do recurso (cfr. ac. STJ, de 4/2/93 e ac. T.C., de 5/5/99, in, respectivamente, CJSTJ, I-I-141 e BMJ, 487°-61 e ss.). Serem ou não as conclusões prolixas ou estarem ou não suficientemente especificadas as normas violadas e as aplicáveis é questão que respeita apenas à interpretação que o relator (e eventualmente a conferência) faça sobre a necessidade de aperfeiçoamento (art.º 701º-l e 708°-1 CPC), o que tudo ocorre antes do julgamento, em sede de preparação da decisão e, consequentemente, não faz parte do acórdão. Por isso, e para isso, no despacho liminar proferido pelo Relator, nos termos do art.º 701°-1 citado, expressamente se consignou que o recurso era o próprio e nada obstava ao seu conhecimento, declaração nunca posta em causa pelos Senhores Juízes Adjuntos nem pelas Partes, logo tornada definitiva. Numa palavra, não se está perante qualquer nulidade do acórdão, designadamente a de excesso de pronúncia.
2. 1. 2. – E também não há omissão de pronúncia. No acórdão ponderou-se e decidiu-se, como pretendia o Autor no recurso subordinado, ser o seu crédito sobre a Ré de esc. 3 122 184$00, mas julgando-se procedente a excepção do abuso de direito, reconheceu-se também que o efectivo exercício do direito à sua restituição “é ilegítimo e, por isso, abusivo (...) em consequência do que deverá a Ré ser absolvida, improcedendo, desta forma, o recurso subordinado, mas merecendo provimento o recurso principal”. Em conformidade, na decisão negou-se provimento ao recurso subordinado. Como é claro, o acórdão apreciou o direito que o A. reclamava e fundamentadamente reconheceu-o, mas, teve como procedente, pelos fundamentos que aduziu, excepção impeditiva da condenação no pagamento correspondente. Todas as questões, com o conteúdo e alcance atrás enunciados, foram apreciadas e resolvidas. Assim, sem necessidade de mais considerações, julga-se inexistir a nulidade arguida. (...)»
2. O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo:
«I – O recurso é interposto ao abrigo do art.º 70°, n.º1, al. b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, sendo, porém, que as normas cuja inconstitucionalidade ora se suscita foram, como objectivamente se crê resultar dos elementos dos autos, aplicadas por este Supremo Tribunal de forma excepcional e imprevisível, por tal modo que em circunstância alguma era exigível ao recorrente que erguesse anteriormente no processo as questões de constitucionalidade que ora levanta, porquanto constitui jurisprudência firme que, no quadro do disposto no art.º
660°, n.º 2, do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação... mas essas “questões” não se confundem com os argumentos ou razões invocadas, respeitando antes ao mérito da causa, ou seja, aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir, princípios que valem também para a fase do recurso, embora conjugados com as regras consignadas nos art.ºs 684° e 690°, n° 1, do citado Código” (cf. Ac. STJ, in CJSTJ, 1995, Tomo III, pág. 24). Dest'arte, tendo o aqui recorrente concluído, nas suas alegações de revista, que o tribunal de 2ª instância omitira pronúncia sobre a questão que ele colocara, nas conclusões de contra-alegação na apelação, quanto ao incumprimento, pelo apelante, do disposto nos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b) e 690°-A, n° 1, al.s, a) e b), do Código de Processo Civil, não era possível, a ele, ora recorrente, prever que o STJ viesse a ajuizar, como veio, no acórdão em crise, que “serem ou não as conclusões prolixas ou estarem ou não suficientemente especificadas as normas violadas e as aplicáveis é questão que respeita apenas à interpretação que o relator (e eventualmente a conferência) faça sobre a necessidade de aperfeiçoamento (art.º 701°-1 e 708°-1 CPC), o que tudo ocorre antes do julgamento, em sede de preparação da decisão e, consequentemente, não faz parte do acórdão”, entendimento que vem ao arrepio, não só de disposição expressa de lei e de jurisprudência firmada, mas também do princípio de que o dever de o recorrente “resumir o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido”, indicando as normas jurídicas que considera violadas e as que deviam ser aplicadas, se destina, não apenas ao tribunal ad quem, mas também à parte recorrida, por forma a que esta possa conhecer, e pronunciar-se em contra-alegações, sobre as concretas questões de facto e de direito que o recorrente pretende ver apreciadas e julgadas, assim se assegurando o contraditório e a igualdade de armas. Donde, que seja imperceptível que se pudesse exigir do aqui recorrente que, na elaboração do seu recurso de revista, formulasse um juízo apriorístico que contemplasse a susceptibilidade de o STJ vir a interpretar, como fez, as normas dos art.ºs 660º, n.º2, 668°, n° 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1 e
2, al.s a) e b), 3, 4 e 5, e 690°-A, n° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, no sentido de que não cabe na previsão do citado art.º 660°, n.° 2, a apreciação e julgamento da questão do incumprimento dos requisitos exarados nos preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b), e 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), quando o recorrido alegou tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação. Assim...
2 – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs
684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, al.s. a) e b), 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que os citados preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1,2, al.s a) e b), e 690°-A, n° 1, al.s a) e b), se destinam a resumir o âmbito do recurso e os seus fundamentos apenas para o tribunal ad quem, e não também para a parte recorrida;
3 – Pretende-se, ainda, ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 660°, n.º 2, 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), 690°-A, n° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não cabe na previsão do citado art.º 660°, n.º 2, a apreciação e julgamento da questão do incumprimento dos requisitos exarados nos preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b), e 690°-A, n° 1, al.s a) e b), do mesmo diploma legal, quando o recorrido alegou tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação;
4 – Pretende-se, também, ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 660°, n.° 2, 668°, n.º 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), 3, 4 e 5, 690°-A, n° 1, al.s a) e b), e 698°, n.º2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não se verifica omissão de pronúncia se o tribunal ad quem não aprecia e não decide sobre a questão do cumprimento ou incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos exigidos pelos art.ºs 690°, n.ºs
1 e 2, al.s a)e b), e 690°-A, n° 1, al.s a) e b), daquele diploma legal, quando o recorrido haja alegado tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação;
5 – Pretende-se, finalmente, ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 660°, n.° 2, 668°, n° 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1,
2, al.s a) e b), 3, 4 e 5, 690°-A, n° 1, al.s a) e b), e 698°, n.º 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não se verifica excesso de pronúncia se o tribunal ad quem julga procedente o recurso sem ter apreciado e decidido previamente a questão, colocada pelo recorrido nas suas conclusões de contra-alegação, do incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos consagrados nas normas dos art.°s 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b) e 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), do Código de Processo Civil;
6 – Tais normas, as acima citadas nos pontos 2 a 5 do presente requerimento, interpretadas no sentido em que o foram no acórdão recorrido, violam o disposto no art.º 20°, n.° 1, primeira parte (direito de acesso ao direito e aos tribunais), e n.º 4, última parte (direito a um processo equitativo), e no art.º
203°, última parte (sujeição dos tribunais à lei), todos da Constituição da República Portuguesa;» O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 15 de Julho de 2004, com o seguinte teor:
“O recurso para o Tribunal Constitucional vem interposto com expressa invocação do disposto no art.º 70º, n.º1, b) da Lei n.º 28/82, de 15-11. Não indica o Recorrente qualquer norma cuja aplicação tenha sido efectuada e cuja inconstitucionalidade tivesse anteriormente suscitado. Percorridas as várias peças processuais oferecidas pelo mesmo recorrente, também não logrei encontrar tal norma ou normas. Consequentemente, inverificadas as invocadas, ou outras, condições de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, não o admito.”
3. O recorrente reclama deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(...) B – DECISÃO SURPREENDENTE Atentos os requisitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, previstos no art.° 70° da Lei
28/82, e sendo certo que o reclamante não arguiu nos autos a aplicação de norma inconstitucional em consequência de interpretação que lhe haja sido dada pelas instâncias, a questão que se coloca é, pois, a de saber se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Junho de 2004, foi aplicada, por modo surpreendente e excepcional, alguma norma que, por força da interpretação dada nesse acórdão, deva inculcar-se de inconstitucional. Portanto, o ponto é o de determinar se era exigível ao reclamante que “erguesse anteriormente no processo as questões de constitucionalidade” que apenas levantou no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional. A reclamação que se expõe à análise e decisão deste Tribunal Constitucional, tem latente, na ante-câmara, a questão da apreciação da conformidade com a lei das conclusões que a recorrida B. apresentou nas suas alegações de apelação para o Tribunal da Relação de Évora. Em face dessas conclusões, o reclamante, na sua contra-alegação, concluiu que “o recurso deve ser liminarmente rejeitado por não haver a recorrente dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b) e 690°-A, n°
1, al.s a) e b) do Código de Processo Civil”. Porque esta questão não foi, sequer, objecto de apreciação no acórdão da segunda instância, o reclamante, no seu recurso de revista para o STJ, concluiu, entre o mais e no que ao presente caso importa:
“I – As conclusões da apelação da ré são prolixas (38 Parágrafos!), obscuras no que concerne à delimitação das questões de direito e de facto que quis atacar, não contêm a indicação das normas pretensamente violadas pela sentença do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, nem o sentido em que as normas que constituem fundamento jurídico dessa decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, nem, finalmente, contêm a indicação de quais os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto que impugnou (designadamente os pontos 2 a 4, 6, 10 a 15, 17 e
21) diversa da recorrida;
2 – O apelado, aqui recorrente, contra-alegou, pugnando pela rejeição da apelação por força do disposto nos art.ºs 690º, n.ºs 1 e 2, e 690º-A, n.° 1, do Código de Processo Civil;
3 – Porque não se pronunciou sobre esta questão e apreciou e julgou a apelação, violou o tribunal a quo as citadas disposições legais, e, ainda, o disposto no art.º 668º, n.° 1, al. d), última parte, do mesmo diploma legal, uma vez que conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, a saber, do recurso da recorrida;
4 – Deve, assim, decretar-se a nulidade do acórdão recorrido, com a consequente rejeição do recurso de apelação”. Assim foi que o reclamante atacou de revista o acórdão da Relação de Évora, nesta parte, pela via de que se cometia a esse tribunal apreciar da conformidade com a lei das conclusões alinhadas no recurso de apelação, e que, não o tendo feito, houvera, por um lado, omissão de pronúncia, pois que tal acórdão não se debruçou sobre a conclusão que o reclamante formulou, quanto a tal matéria, na sua contra-alegação de recurso, e, por outro lado, excesso de pronúncia, na medida em que apreciou o recurso de apelação à revelia da apreciação da conformidade do recurso de apelação com a lei. Esta conclusão do reclamante foi rechaçada no acórdão do STJ, de 22/06/04, nos seguintes termos (pág. 3): “serem ou não as conclusões prolixas ou estarem ou não suficientemente especificadas as normas violadas e as aplicáveis é questão que respeita apenas à interpretação que o relator (e eventualmente a conferência) faça sobre a necessidade de aperfeiçoamento (art.º 701°-1 e 708°-1 C PC), o que tudo ocorre antes do julgamento, em sede de preparação da decisão e, consequentemente, não faz parte do acórdão... Numa palavra, não se está perante qualquer nulidade do acórdão, designadamente a de excesso de pronúncia”. No modesto modo de ver do reclamante, o supra transcrito entendimento do STJ é assaz surpreendente e excepcional, por três ordens de razão, a saber:
1ª – porque, como já se escreveu no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, “o dever de o recorrente “resumir o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido”, indicando as normas jurídicas que considera violadas e as que deviam ser aplicadas, destina-se, não apenas ao tribunal ad quem, mas também à parte recorrida, por forma a que esta possa conhecer, e pronunciar-se em contra-alegações, sobre as concretas questões de facto e de direito que o recorrente pretende ver apreciadas e julgadas, assim se assegurando o contraditório e a igualdade de armas”, sendo absolutamente excepcional e surpreendente, e, como tal, compreensivelmente imprevisível para o reclamante, o entendimento de que a desconformidade das conclusões de recurso com os preceitos dos art.ºs 690° e 690°-A, do CPC, não afecta a parte recorrida;
2ª – porque a questão da apreciação, pelo tribunal ad quem, da conformidade das conclusões do recurso com os preceitos dos art.°s 690°, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e 690°-A, n.° 1, al.s, a) e b), do Código de Processo Civil, integra o julgamento do recurso, como desde logo resulta da inserção sistemática do art.°
701° na Subsecção III (julgamento do recurso) da Secção II do Capítulo VI daquele diploma legal, o que, ademais, é reconhecido pelo acórdão do STJ publicado na CJSTJ, 1995, Tomo III, pág. 24: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação...mas essas “questões” não se confundem com os argumentos ou razões invocadas, respeitando antes ao mérito da causa, ou seja, aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir, princípios que valem também para a fase do recurso embora conjugados com as regras consignadas nos art.ºs 684° e 690° n.° 1 do citado Código”, sendo, por isso, também aqui excepcional e surpreendente, e imprevisível para o reclamante, o entendimento de que o exame preliminar do relator não integra o acórdão, isto
é, o julgamento do recurso;
3ª – porque, como desde logo resulta da transcrição acima, é jurisprudencial e doutrinariamente pacífico que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes hajam colocado à sua apreciação, excepto aquelas cuja solução esteja prejudicada pela resposta dada a outras, razão pela qual não sofre dúvida que a segunda instância incorreu em surpreendente e excepcional omissão de pronúncia por não ter apreciado a questão do (in)cumprimento, pela apelante, do disposto nos art.ºs 690° e 690°-A, do CPC, questão que o apelado lhe submetera, como surpreendente, excepcional e imprevisível para o reclamante, foi o entendimento do acórdão do STJ de 24/06/04, no sentido de que não se verificou tal omissão, nem o sequente excesso de pronúncia, este decorrente do facto de a Relação de
Évora ter apreciado e decidido a apelação sem determinar que a apelante corrigisse as suas conclusões, em ordem a poder o apelado conhecer o concreto objecto do recurso e contraditá-lo.
4ª – Neste quadro, e como se expendeu já no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, crê o reclamante que lhe não era exigível prever que o STJ viesse a fazer, no acórdão recorrido, uma interpretação inconstitucional das seguintes normas:
- das normas dos art.ºs 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b),
690°-A, n.° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que os citados preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), e 690°-A, n.°
1, al.s a) e b), se destinam a resumir o âmbito do recurso e os seus fundamentos apenas para o tribunal ad quem, e não também para a parte recorrida;
- das normas dos art.ºs 660°, n.° 2,684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não cabe na previsão do citado art.º 660°, n.° 2, a apreciação e julgamento da questão do incumprimento dos requisitos exarados nos preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b), e 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), do mesmo diploma legal, quando o recorrido alegou tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação;
- das normas dos art.ºs 660°, n.° 2,.668°, n.° 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4,
690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), 3, 4 e 5, 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não se verifica omissão de pronúncia se o tribunal ad quem não aprecia e não decide sobre a questão do cumprimento ou incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos exigidos pelos anos 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b), e 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), daquele diploma legal, quando o recorrido haja alegado tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação;
- das normas dos art.ºs 660°, n.° 2,.668°, n.° 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4,
690°, n.ºs 1, 2, al.s a) e b), 3, 4 e 5, 690°-A, n° 1, al.s a) e b), e 698°, n.°
2, última parte, do Código de Processo Civil, quando interpretadas, como o foram no acórdão recorrido, no sentido de que não se verifica excesso de pronúncia se o tribunal ad quem julga procedente o recurso sem ter apreciado e decidido previamente a questão, colocada pelo recorrido nas suas conclusões de contra-alegação, do incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos consagrados nas normas dos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, al.s a) e b) e 690°-A, n.° 1, al.s a) e b), do Código de Processo Civil.
5 – Uma consideração final quanto ao problema do (in)cumprimento, pela apelante, do disposto no art.º 690°-A, do CPC (impugnação da matéria de facto). Escreve-se no acórdão do STJ (pág. 3): “Antes de mais dir-se-á que, não tendo sido impugnada matéria de facto (na apelação), não faz o menor sentido invocar o
ónus previsto no art.º 690°-A”!!! Por mais décadas de labor profissional que um advogado transporte nos ombros, é sempre com tristeza que se notam, em algumas, raras, decisões judiciais, asserções que constituem premissas inverdadeiras dirigidas a uma decisão, insusceptíveis de impugnação por força do momento processual em que são formuladas. Sendo inatacável que a apelante não cumpriu os requisitos do preceito do art.º
690°-A, do CPC, e que a segunda instância não se pronunciou sobre tal incumprimento, questão que o reclamante lhe colocara, veio o STJ resolver de um só golpe esta parte do problema, aduzindo, sem mais, que não foi impugnada matéria de facto na apelação. O reclamante não sabe o que diga sobre este entendimento, impossibilitado que ficou, formalmente, de o contrariar. Crê, porém, que a mera leitura das alegações e das conclusões de apelação, na parte em que se percebem, não deixam dúvida quanto à evidência de que a apelante colocou em crise factos constantes da decisão da primeira instância. De tudo que, sendo excepcional e surpreendente a interpretação que o STJ fez das supracitadas normas, no acórdão de 22/06/04, pareça não ser exigível ao reclamante que as previsse por forma a suscitá-las no processo, razão pela qual se cometia àquele venerando tribunal superior admitir o recurso interposto do citado acórdão para o Tribunal Constitucional.» O Ministério Público no Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da falta de fundamento da reclamação, pela seguinte forma:
“A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento. A ‘ratio decidendi’ do acórdão recorrido, proferido pelo STJ acerca da pretensa
“nulidade por excesso de pronúncia”, invocada pelo ora reclamante , traduz-se muito singelamente, em se ter por precludida com a prolação do despacho liminar do relator que – nos termos do art.º 701º, n.º 1 do CPC – considera que nada obsta ao conhecimento do recurso, a questão de eventuais deficiências das conclusões da alegação do apelante, invocadas na contra-alegação do recorrido. Como se refere a fls. 422, é ao relator, na fase de preparação da decisão, que incumbe verificar se há necessidade de aperfeiçoamento das conclusões que encerram as alegações das partes, tornando-se materialmente “definitiva” (e, portanto, preclusiva) a “declaração” de que nada obstava ao conhecimento do recurso, nunca posta tempestivamente em causa pelos juizes adjuntos, nem pelas partes: implica isto naturalmente que as normas efectivamente aplicadas, como fundamento ou “ratio” do acórdão do STJ, foram as constantes dos art.ºs 701º, n.º 1, e 708º, n.º 1, do CPC – e não o conjunto de preceitos legais e
“interpretações” confusamente especificadas pelo recorrente, ao longo do prolixo requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, por não se verificar (pelo menos) um pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor. Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o processo e que esta norma tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. Ora, este último requisito não se verifica no presente caso, como se passa a mostrar.
5. Nos termos do requerimento de recurso, este tinha por objecto a apreciação da constitucionalidade de várias dimensões normativas dos artigos 660°, n.° 2,
668°, n.° 1, al. d), 684°, n.ºs 2, 3 e 4, 690°, n.ºs 1, 2, alíneas a) e b), 3, 4 e 5, 690°-A, n.° 1, alíneas a) e b), e 698°, n.° 2, última parte, do Código de Processo Civil, correspondentes a suas interpretações: “no sentido de que os citados preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1, 2, als. a) e b), e 690°-A, n.° 1, als. a) e b), se destinam a resumir o âmbito do recurso e os seus fundamentos apenas para o tribunal ad quem, e não também para a parte recorrida”; no sentido
“de que não cabe na previsão do citado art.º 660°, n.° 2, a apreciação e julgamento da questão do incumprimento dos requisitos exarados nos preceitos dos art.ºs 690°, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), e 690°-A, n.° 1, als. a) e b), do mesmo diploma legal, quando o recorrido alegou tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação”; no sentido “de que não se verifica omissão de pronúncia se o tribunal ad quem não aprecia e não decide sobre a questão do cumprimento ou incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos exigidos pelos artigos 690°, n.ºs
1 e 2, als. a) e b), e 690°-A, n.° 1, als. a) e b), daquele diploma legal, quando o recorrido haja alegado tal incumprimento nas suas conclusões de contra-alegação”; e no sentido “de que não se verifica excesso de pronúncia se o tribunal ad quem julga procedente o recurso sem ter apreciado e decidido previamente a questão, colocada pelo recorrido nas suas conclusões de contra-alegação, do incumprimento, pelo recorrente, dos requisitos consagrados” nas referidas normas. Ora, consultando a decisão de que se pretendeu recorrer, verifica-se, como salienta o Ministério Público, que a sua ratio decidendi se não encontra na preclusão da questão de eventuais deficiências das conclusões da alegação do apelante, invocadas na contra--alegação do recorrido com a prolação do despacho liminar do relator que, nos termos do artigo 701º, n.º 1 do Código de Processo Civil, considerou que nada obsta ao conhecimento do recurso. Diz-se nessa decisão que é ao relator que compete verificar, na fase preparatória da tomada de decisão, se há necessidade de aperfeiçoar as conclusões das alegações das partes, de acordo com critérios funcionais: “Por isso, e para isso, no despacho liminar proferido pelo Relator, nos termos do art.º 701°-1 citado, expressamente se consignou que o recurso era o próprio e nada obstava ao seu conhecimento, declaração nunca posta em causa pelos Senhores Juízes Adjuntos nem pelas Partes, logo tornada definitiva.” Esta foi a ratio decidendi do acórdão de que se pretendeu recorrer, para concluir pela inexistência de excesso de pronúncia, e não as quatro dimensões interpretativas recortadas pelo recorrente, as quais não foram aplicadas pelo tribunal recorrido: este referiu-se apenas a critérios funcionais e não excluiu a relevância das conclusões para a parte recorrida; não excluiu da previsão do artigo 660°, n.° 2, a questão do incumprimento dos requisitos das alegações de recurso (deu-os por verificados com o despacho liminar do relator); e considerou que tal questão havia sido apreciada e decidida pelo tribunal (no despacho liminar do relator). Não só se encontra, pois, no acórdão de que se pretendeu interpor recurso, outra ratio decidendi só por si bastante, como as alegadas interpretações aplicadas nesse acórdão o não foram. Logo por esta razão, o recurso não podia ser admitido, podendo deixar-se em aberto a questão de saber se o recorrente cumpriu o ónus de suscitar de modo processualmente adequado, durante o processo, a inconstitucionalidade das
“normas” que pretendia ver apreciadas. Não podia, pois, admitir-se o recurso de constitucionalidade, e a presente reclamação é de indeferir. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos