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Processo nº 458/2004
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 64, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por despacho do Relator constante de fls. 17, proferido no recurso, pendente no Tribunal da Relação do Porto, devidamente identificado nos autos, foi indeferido o requerimento apresentado pelo ora recorrente, A., constante de fls.
13, com o fundamento de que não ocorriam as condições para se considerar verificada uma situação de justo impedimento. A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça deste despacho (cfr. requerimento de fls. 18), mas o recurso não foi admitido pelo despacho de fls.
19, “porquanto os despachos do Relator são irrecorríveis – cf. 700º n.º 3, 721 n.º 1 e 754º n.º1, todos do C. P. Civil”. Veio então A. reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça deste despacho de não admissão do recurso (cfr. fls. 5), reclamação que foi apreciada pelo despacho de fls. 34 nos seguintes termos:
«(...) reclama o recorrente sustentando, por um lado, que o Ex.mo Desembargador deveria ter submetido o caso em apreço à conferência, nos termos do art.º 700°, do n.° 3 do CPC e, por outro pelas disposições conjugadas dos art.ºs 688°, n.º5 e 687º, n.° 3, devia o requerimento de interposição de recurso ser recebido, mandando-se seguir os termos da competente reclamação.
(...) II. Cumpre apreciar e decidir. No caso em apreço, tratando-se de despacho proferido pelo juiz relator, o mesmo deveria ter sido sujeita a reclamação para a conferência, a fim de que sobre tal decisão recaísse acórdão – art.º 700° n° 3 do C Processo Civil –, este sim impugnável por via de recurso, nos termos do n.° 5 do mesmo artigo.
Com efeito, tanto a doutrina como a jurisprudência seguem uniformemente o entendimento de que nos tribunais superiores o poder jurisdicional reside no
órgão colegial e não num dos seus juízes. Deste modo, a reclamação para a conferência é a única forma de impugnação da decisão em causa. Se o Ex.mo Desembargador relator entendeu que a convolação não é possível, nos termos do art.º 700º , n.º 3 do CPC, não pode agora o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça fazê-lo, porquanto apenas lhe cabe decidir da admissibilidade ou não do recurso, face ao despacho que o não admitiu e à reclamação apresentada, nos termos do art.º 689º do CPC. III. Pelo exposto, não se toma conhecimento da reclamação.
(...)»
2. Pelo requerimento de fls. 41, A. veio solicitar ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que mandasse baixar os autos ao Tribunal da Relação do Porto para que este julgasse o “recurso para a conferência da Relação”. Na sequência deste requerimento, foi proferido o despacho de fls. 47:
«A reclamação apresentada nos termos do art. 688°, n.º 1 do C.P.Civil foi já decidida a fls. 34 e 35, esgotando-se aí o poder decisório do Presidente do STJ. O n.º 5 desse preceito manda operar a conversão do recurso em reclamação, mas não contempla o caso aqui em apreciação, antes se refere aos despachos, previstos no seu n.º 1:
– despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo; e o
– despacho que retenha o recurso. E é o recurso desses despachos que manda converter em reclamação, naturalmente para o Presidente do Tribunal Superior. No caso requere-se a conversão em reclamação para a conferência prevista no n.º
3 do art° 700° desse Código. O Exmº Desembargador Relator, no despacho fotocopiado a fls. 20, já disse que
'... o n.º 3 do. Art. 700° do C.P.Civil não prevê que o relator possa de algum modo usar dos poderes de conversão que está previsto no n.º 5 do artigo do mesmo Código' – (queria, pensa-se, referir-se ao art. 688°, 1). Assim, como se disse na parte final da decisão de fls. 34 e 35, não pode o Presidente do STJ agora fazê-lo, isto é, operar ele próprio a conversão ou ordenar ao Exmº Relator, único que poderia fazê-lo que opere a conversão. Tal não cabe nos poderes do presidente do STJ, como facilmente se alcança da leitura do n.º 1 do art. 688° daquele mesmo Código. Repare-se que a decisão de fls. 34/35 não indefere a reclamação, antes dela não toma conhecimento, o que pode permitir a reapreciação pelo Exmº Relator, se assim o entender, já que só ele tem competência para tal. Baixem os autos ao Tribunal da Relação para os fins entendidos convenientes.»
3. Veio então A. recorrer para o Tribunal Constitucional, pelo requerimento de fls. 50. Sobre este requerimento recaiu o despacho de fls. 54, que o convidou a dar “cabal cumprimento ao disposto no art. 75°-A da lei do Tribunal Constitucional, designadamente dos seus números:
1. - indicação da alínea do n.º 1 do art. 70° ao abrigo da qual o recurso é interposto - indicam-se as alíneas b) e i) desse n.º 1, mas nem uma nem outra estão clarificadas;
- indicação da norma ou normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada pelo T. Constitucional
2. - indicação da norma ou princípio constitucional que considera violado - referem-se vários princípios, desgarradamente 'Jogados' sem referência às concretas normas que enfermam da violação de tais princípios;
- indicação da peça processual em que suscitou a questão.
(...)”. E o recorrente foi ainda convidado “a clarificar o que pretende com o pedido, a final, da remessa ao Tribunal da Relação, uma vez que começa por interpor recurso para o T. Constitucional dos despachos de fls. 34/35 e 47/48, proferidos neste STJ.”
A fls. 56, o recorrente veio esclarecer o seguinte:
“I Desde já se refira (...) – que o Recorrente solicita a remessa ao Tribunal da Relação por manifesto lapso. Pois com efeito o Requerente/Recorrente pretendia e pretende recorrer dos despachos de fls. 34/35 e 47/48 proferidas pelo Digníssimo Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. II
1. Quanto às demais questões urge esclarecer o que pretendia e pretende o Reclamante/Recorrente ao invocar as alíneas do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional. As alíneas então invocadas foram e são efectivamente as alíneas b) e i) pelas razões então apontadas, mas que ora se explanam melhor. Vejamos, a) A alínea b) porquanto no decurso do processo o Réu/Recorrente suscitou a inconstitucionalidade da indefesa que estava a ser consagrada pelo Tribunal ao:
- Face à interpretação conferida ao art. 700°, n° 3 CPC pelos despachos de V. Exa., pois este dispositivo legal estatui que salvo a situação em que seja admissível a Reclamação, deve o assunto ser submetido à apreciação da conferência, depois de ouvida a parte contrária - in casu o Ministério Público - o que não ocorreu.
- Acrescendo o facto de o art. 688° n° 5 do C PC estatuir que 'Se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o n° 1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação' - o que significa que foi intenção clara do legislador prever garantias de defesa à parte, não a deixando sem possibilidade de se defender – o que ocorreu, constituindo uma clara violação do princípio constitucional da proibição da indefesa (cf. art. 20.º da CRP)
- O art. 754° do CPC, ao contrário do pretendido nos citados despachos do Digníssimo Juiz Conselheiro Presidente do ST J, é também inaplicável e improcedente in casu, pois de acordo com o estatuído n° 3 in fine do art. 687,
'...não pode ser indeferido com o fundamento de ter havido erro na espécie de recurso: tendo-se interposto recurso diferente do que competia, mandar-se-ão seguir os termos do recurso que se julgue apropriado.” - O que mais uma vez revela a intenção clara do legislador, em prever garantias de defesa à parte, não a deixando sem possibí1idade de se defender – o que mais uma vez concorre para uma clara violação do princípio constitucional da proibição da indefesa
(vide art. 20º CRP), o teor das decisões em crise.
- Contradição da decisão em crise ao aplicar concomitantemente o artº 700°, n° 3 e o art. 754° do C PC – o que viola o princípio da certeza jurídica, da proibição da indefesa ou da oportunidade processual, impedindo ao Recorrente a utilização dos meios e garantias processuais de que dispõe legalmente. b) No que respeita à alínea i) do art. 70° da Lei do TC, o Recorrente reportava-se, ainda que sinteticamente, à parte final deste preceito legal, porquanto, os despachos em apreço proferidos pelo STJ desrespeitam a jurisprudência constitucional que incide sobre esta matéria directa ou analogicamente, tais como:
- O Acórdão de 25/06/97 (...)
- Ou ainda e por analogia o Acórdão de 05/03/97 (...) c) Razões pelas quais, se renova que o teor da decisão em crise, viola entre outros, os princípios constitucionais da legalidade, da certeza jurídica, das garantias de defesa do Recorrente, da universalidade, da igualdade, da proibição da indefesa ou da oportunidade processual, e de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrados, nomeadamente, nos art.s 2°, 3°, 9° b), 12°, 13°, 18°,
20º, 32°, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como nas alíneas b) e i) do n° 1 do art.70° da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro – como supra se referiu.
2. Motivos bastantes para o Recorrente pretender ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação, ou omissão desta, plasmada nos despachos proferidos a fls 34/35 e 47/48 pelo Digníssimo Juiz Conselheiro Presidente do STJ, do princípio da convolação processual civil e a aplicação concomitante dos arts. 700°, n° 3, 688° n° 5, 754°, o n° 3 in fine do art. 687.
3. Estas inconstitucionalidades foram ab initio suscitadas através das peças processuais dos presentes autos apresentadas junto do ST J, designadamente através da Reclamação apresentada ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do requerimento ulterior.” O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
É recorrido o Ministério Público.
4. O Tribunal Constitucional não pode, porém, conhecer do presente recurso. Com efeito, verifica-se claramente da leitura do requerimento acabado de transcrever que o recorrente pretende, no recurso que interpôs, ao manifestar a sua discordância quanto à forma como se decidiu, atacar a constitucionalidade das decisões que impugna, e não das normas que eventualmente terão sido aplicadas pelas mesmas. Note-se, aliás, que em parte alguma do referido requerimento o recorrente define uma norma ou uma interpretação normativa susceptível de ser apreciada no presente recurso. Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996).
5. Sempre se acrescentam duas notas. A primeira destina-se a observar que, ainda que assim não fosse, nunca poderia ser considerada a interposição de recurso ao abrigo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, uma vez que o recorrente não referiu, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, nenhuma recusa de aplicação de nenhuma norma “com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional”, sendo certo que a segunda parte da citada alínea i) tem de ser lida na sequência da primeira. A segunda tem como objectivo salientar que o despacho de fls. 54 não aplicou qualquer dos preceitos que o recorrente refere no requerimento de interposição de recurso para discordar da forma como foram aplicados no despacho de fls. 34 como “ratio decidendi”, uma vez que aquele despacho apenas decidiu que estava esgotado o poder de julgar a questão que o recorrente colocara. Também por este motivo se não pode conhecer do recurso interposto do despacho de fls. 54 (cfr., sobre esta exigência, por exemplo, (cfr., nomeadamente, os Acórdãos nºs 311/94,
187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996).
6. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
3. Sucede, porém, que o ora reclamante se limita que repetir o que já afirmara nos requerimentos de fls. 50 e 56, sem apresentar um único argumento destinado a justificar a revogação da decisão reclamada e que, portanto, careça de ser analisado nesta reclamação. Resta, portanto, confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, pelos fundamentos constantes da decisão reclamada.
4. Diz ainda o reclamante ter-lhe sido concedido apoio judiciário, devendo assim a decisão reclamada ser rectificada quanto à condenação em custas. Não consta dos autos qualquer elemento do qual se possa concluir ter-lhe sido efectivamente concedido apoio judiciário. Seja como for, ainda assim seja, e que lhe tenha sido concedido apoio na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça, a verdade é que o débito de custas se mantém, apenas não sendo exigível o seu pagamento nos termos do disposto no artigo 54º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Não há, pois, que proceder a nenhuma rectificação da decisão reclamada.
Nestes termos, decide-se: a) Indeferir o requerimento de rectificação da decisão reclamada, quanto à condenação em custas; b) Indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 18 ucs.
Lisboa, 22 de Junho de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida