Imprimir acórdão
Processo n.º 839/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., B. e C.
(ora reclamantes) requereram a intimação judicial do Presidente da Câmara Municipal do Seixal para emitir uma determinada licença de habitação/utilização. Tendo o pedido sido indeferido, recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual negou provimento ao recurso, mantendo a decisão impugnada.
2. Pretenderam, então, os ora reclamantes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, não tendo, porém, tal recurso sido admitido, por decisão proferida em 26 de Maio de 2004. É o seguinte o teor da dessa decisão:
“Os recorrentes A. e outros vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 128 e segs., referindo no requerimento que o fazem 'ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que o referido Tribunal aprecie a inconstitucionalidade'. Não vindo referida qual a norma aplicada pelo tribunal e cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada, bem como a norma ou princípio constitucional considerado violado e a peça processual em que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada, foram os requerentes convidados, nos termos do no 5 do art. 75°-A da citada Lei n° 28/82, a suprir tal deficiência
(despacho de fls. 149). Responderam os requerentes que ' a norma aplicada pelo tribunal e cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada é o n° 1 do art. 25° da Lei nº
30-E/2000, de 20 de Dezembro, porquanto o processo tramitou sem a decisão de apoio judiciário', com o que considera ter sido violado 'o disposto no art. 20° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa', referindo terem suscitado a questão da inconstitucionalidade em requerimento junto por linha e no pedido de aclaração de acórdão, de fls. 137.
É claramente inadmissível a pretensão dos requerentes . Dispõe o referido art. 70º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, na sua alínea b), que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais
'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo' . A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem apontado, como pressupostos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da citada al. b), que a inconstitucionalidade da norma tenha sido suscitada pelo recorrente durante o processo, e que tal norma (ou uma certa interpretação da mesma) haja sido utilizada na decisão como seu suporte normativo, ou seja, que nessa aplicação se tenha fundado o julgado (cfr., por todos, os Acs. n° 30/95, de 01.02.95; n.º
646/94, de 13.12.94; n.º 481/94, de 12.07.94; e n.º 305/94, de 24.03.94, in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', Vol. 30º/p. 1.071, Vol. 29º/p. 409, Vol.
28º/p. 529, e Vol. 27º/p. 857, respectivamente). Afirma-se, expressis verbis, no último dos arestos citados:
' Sendo o recurso para o Tribunal Constitucional interposto ao abrigo da alínea b ) do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional, é exigível, para além do mais, a suscitação pelo recorrente, antes da prolação do acórdão recorrido, da desconformidade constitucional de todas as normas cuja inconstitucionalidade ele vem arguir no recurso perante o mesmo Tribunal (ou, pelo menos, de uma certa interpretação dessas normas) e por outro lado, é também de exigir que o aresto recorrido tenha aplicado, como ratio decidendi do respectivo juízo decisório, essas mesmas normas (ou as tenha aplicado conferindo-lhes a interpretação que fora questionada pelo recorrente, interpretação que, do seu ponto de vista, é conflituante com a Constituição) . ' Ou seja, a admissibilidade do recurso depende da suscitação, ' durante o processo', da inconstitucionalidade da(s) norma(s) concretamente aplicada(s) pela decisão recorrida. Ora, como facilmente se vê dos autos, o acórdão de que pretende recorrer-se para o Tribunal Constitucional confirmou a sentença do TAC que indeferira pedido de intimação judicial para emissão de licença de habitação/utilização de um prédio dos recorrentes, considerando tão só que o acto expresso de indeferimento proferido pela entidade licenciadora eliminara da ordem jurídica o eventual acto de indeferimento tácito invocado pelos recorrentes, concluindo com a seguinte pronúncia:
'Desse modo, tendo o pedido de licenciamento sido objecto de indeferimento expresso por parte da entidade licenciadora, que implicitamente revogou qualquer deferimento tácito anterior, é evidente que falham os pressupostos da intimação judicial para a emissão de licença de habitação, que se reportam a situações de recusa injustificada ou falta de emissão do alvará em casos de 'deferimento, expresso ou tácito, de pedidos de licenciamento ' '. Nenhuma pronúncia, ou, sequer, mera referência, é feita à norma do art. 25° da Lei n° 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Deste modo, a norma cuja inconstitucionalidade os recorrentes pretendem ver declarada não foi tida nem achada na decisão aqui em causa, que dela não fez qualquer tipo de aplicação, nem dela acolheu, expressa ou implicitamente, qualquer interpretação.
É pois manifesta a inadmissibilidade do presente recurso . Pelo exposto, e ao abrigo do art. 76°, n.º 2 da LTC, não admito o recurso para o Tribunal Constitucional. [...]”.
3. Inconformados com esta decisão, apresentaram os recorrentes a presente reclamação, que tem o seguinte teor:
“[...], recorrentes nos autos à margem indicados, notificados do despacho do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 26.5.2004 que indeferiu o recurso para o Tribunal Constitucional, dele pretendem, como segue: RECLAMAR
1. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada em requerimento apresentado em 27.1.2004 ( seguiu por linha) e a fls. 137 em que solicitaram uma aclaração e alegaram que o acórdão não deveria ter sido proferido sem a decisão relativa ao apoio judiciário. Assim sendo,
2. A norma aplicada pelo tribunal e cuja inconstitucionalidade se pretende ver declarada é o n.º 1 do art° 25º da Lei n° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, porquanto o processo tramitou sem a decisão de apoio judiciário.
3. Por isso, não se concorda com o despacho de indeferimento de recurso para o Tribunal Constitucional quando afirma :' Nenhuma pronúncia, ou, sequer, mera referência é feita à norma do art° 25° da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Isto porque,
4. Se o processo tramitou sem a decisão quanto ao apoio judiciário, é porque foi aplicado o n.º1 do art° 25° da Lei n.º30-E/2000, de 20 de Dezembro.
5. E, é precisamente esta norma que se pretende seja averiguada a sua constitucionalidade.”
3. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou no sentido manifesta improcedência da reclamação, posição que fundamentou nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente infundada, já que a decisão recorrida - não se pronunciando sobre qualquer questão atinente ao apoio judiciário – não aplicou obviamente a norma a que vem reportado o recurso de fiscalização concreta interposto, cujos pressupostos de admissibilidade se não verificam.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
4. É por demais evidente, como vai ver-se, a improcedência da presente reclamação.
O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que a decisão recorrida tenha aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
Ora, no caso dos autos, é manifesto - como, bem, se demonstra no despacho reclamado, que supra já transcrevemos integralmente - que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, o preceito cuja constitucionalidade o recorrente pretenderia, presumivelmente, ver apreciada - o n.º1 do art° 25° da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Como resulta evidente dos seus próprios termos, a decisão recorrida - o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - manifestamente não fundamentou a confirmação da decisão de indeferimento do pedido de intimação formulado no n.º
1 do art° 25° da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que, obviamente, nada tem a ver com tal matéria.
Tanto basta, pois, para que, não estando presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, se conclua pela impossibilidade de o Tribunal Constitucional dele conhecer, ficando igualmente precludida a possibilidade de avaliação de um eventual carácter manifestamente infundado da questão. Assim sendo, o recurso sempre seria de não admitir, como o não foi.
III. Decisão.
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 28 de Setembro de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Rui Manuel Moura Ramos