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Processo nº 540/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado da decisão sumária de fls. 699/706 vem o recorrente A. reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da LTC, rematando a reclamação com as seguintes conclusões.
“(...)
(...) Considera o recorrente, aqui reclamante, que o entendimento espelhado na decisão sumária de rejeição não pode proceder.
(...) Admite o reclamante que um tal entendimento poder-se-á ter ficado a dever a uma limitação da capacidade de exposição do recorrente, pelo que, nos termos da lei e do entendimento já há muito firmado por este Tribunal Constitucional e na eventualidade de, em Conferência, V. Exas. concluírem pela verificação de uma tal deficiência, sempre deverá ser-lhe facultada a oportunidade de a suprir. O que se quer.
(...) De outro modo, e a proceder o entendimento espelhado na decisão sumária indicada, o recorrente, aqui reclamante, verá o seu direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal coarctado.
(...) E, mais concretamente, verá precludido o seu direito de ver apreciado o seu recurso em matéria de direito (cfr. arts. 412º, nº 3, 428º, nº 1 e 431º do Código de Processo Penal conjugados com o nº 1 do art. 32º in fine da Constituição da República Portuguesa), com violação manifesta das garantias de defesa que lhe assistem e são asseguradas quer pela Lei Processual Penal, quer, e sobretudo, pela Lei Fundamental, e em especial pelos seus artigos 20º, nº 1 e
32º, nº 1. O que não se aceita.
(...) Pois que uma tal restrição colide directamente com a tutela dos direitos liberdades e garantias consagradas no nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
(...)Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser ordenado o prosseguimento dos presentes autos de recurso, seguindo-se a ulterior tramitação prevista nos artigos 79º e seguintes da LOTC. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. não deixarão de suprir, deverá a presente Reclamação ser julgada procedente, ser ordenado o prosseguimento dos presentes autos, com consequente apreciação e decisão do recurso, concluindo-se, a final, nos precisos termos relacionados pelo recorrente.
(...)”
A esta reclamação respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
“(...) A presente reclamação é manifestamente improcedente. Apenas se explicando por o reclamante não ter na devida conta as especialidades do controlo normativo da constitucionalidade, a cargo do Tribunal Constitucional. Não lhe cumprindo, obviamente, sindicar da interpretação do direito infraconstitucional e da matéria de facto apurada, com vista a determinar se os recursos interpostos nas várias ordens jurisdicionais são ou não “manifestamente infundados”. Deste modo, não enunciando o recorrente qualquer critério normativo que possa estar na base da decisão, é evidente que não pode conhecer-se do recurso. (...)”
A decisão sumária ora reclamada assentou na seguinte fundamentação:
“(...) O recorrente reporta o recurso aos nºs. 1 e 3 do artigo 420º do CPP, mais precisamente ao segmento final do nº 3, onde se prevê que a rejeição por manifesta improcedência se limite “a especificar sumariamente os fundamentos da decisão”. E acrescenta estar em causa o entendimento, subjacente à decisão recorrida, que considera especificação sumária bastante o trecho do Acórdão impugnado, onde se lê:
“(...)Todavia, considerando os factos provados, nomeadamente a natureza e o modo de utilização da arma, a qualificação acolhida nas decisões das instâncias apresenta-se conforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo, por isso, o recurso manifestamente mal fundado.(...)” Colocado o problema nestes termos – e é como o recorrente o coloca -, torna-se evidente não estar em causa (não ter sido suscitada) uma questão de inconstitucionalidade normativa, que possa legitimar um recurso ao abrigo do artigo 280º, nº 1 alínea b) da Constituição (artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC), mas antes a imputação da desconformidade constitucional à própria decisão. Com efeito, o que o recorrente pretende (e a sua argumentação ilustra-o amplamente) é que se aprecie se a fundamentação sumária constante do Acórdão recorrido não viola determinadas disposições constitucionais, reivindicando, em vez desse tipo de fundamentação, um pronunciamento exaustivo do STJ que explicitasse de forma mais detalhada por que razão a tomada de posição das instâncias se apresenta conforme à jurisprudência daquele órgão jurisdicional. Esta pretensão não pode, obviamente, fundar um recurso de constitucionalidade, que pressupõe, necessariamente, “um juízo de conformidade ou desconformidade de um acto normativo com normas ou princípios dotados de estalão constitucional
(...) excluindo-se as questões de mérito da causa e as questões sobre a eventual constitucionalidade ou inconstitucionalidade da decisão judicial” (J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Ed., Coimbra,
2003, pág.985). Não estando suscitada, em termos adequados, a inconstitucionalidade de uma norma, ou de uma norma em determinada interpretação não estão, também, preenchidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade. Não pode, assim, conhecer-se do recurso. (...)”
2. A presente reclamação, tanto quanto se pode alcançar dos seus termos, assenta em duas linhas argumentativas: o recorrente terá, segundo diz, suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa, reportada ao artigo 420º do Código de Processo Penal; em qualquer caso, deveria, em vez da decisão sumária ora reclamada, ter-lhe sido formulado o convite previsto no artigo 75º-A, nº 5 da LTC.
2.1. Quanto ao primeiro aspecto, dir-se-á, como bem sublinha o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto a fls. 719, que a divergência do recorrente se explica, singelamente, pela circunstância de o mesmo não ter na devida conta a natureza do controlo normativo da constitucionalidade cometido a este Tribunal e, em função de tal natureza, os pressupostos do recurso em sede de fiscalização concreta.
Controlo normativo significa apreciar as normas em si, ou, como o Tribunal repetidamente o vem afirmando, na interpretação ou sentido com que estas foram aplicadas na decisão recorrida. No entanto, nesta última hipótese, para que de controlo normativo se trate, sempre haverá que isolar e indicar o sentido inconstitucional com que as normas em causa foram interpretadas e aplicadas no caso, destacando tal sentido interpretativo da própria decisão.
Ora, conforme se ilustrou na decisão sumária, através da transcrição dos passos mais significativos da marcha do processo, o recorrente jamais logrou caracterizar qualquer entendimento interpretativo específico do artigo 420º do Código de Processo Penal, que pudesse possibilitar a este Tribunal a realização de um controlo normativo deste preceito e não uma apreciação da própria decisão, traduzisse-se esta em saber se o recurso era, ou não, manifestamente infundado, se o Acórdão do STJ valia como especificação sumária dos fundamentos da decisão, ou, enfim, se, ao considerar (a decisão recorrida) o recurso manifestamente infundado, tinha violado alguma regra ou princípio constitucional.
Com efeito, não vale, para que de questão de inconstitucionalidade normativa se possa falar, dizer, como o fez o recorrente, que está em causa o entendimento do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal, que considera especificação sumária bastante o que define através da transcrição dos exactos fundamentos da decisão impugnada. Isto não é, seguramente, uma dimensão interpretativa de uma norma, é, pura e simplesmente, a própria decisão, e esta, mesmo que por hipótese violasse algum comando da Lei Fundamental, não poderia ser objecto de um recurso de constitucionalidade, num sistema de fiscalização que, como o nosso, não conhece o recurso de queixa constitucional ou de amparo.
Foi este o sentido da decisão sumária e não se vislumbram razões para modificar o decidido.
2.2. Da mesma forma não existiam motivos – e assim se aprecia o segundo fundamento da reclamação – para a formulação do convite referido no nº 5, do artigo 75º-A da LTC. Este, com efeito, aplica-se a situações de incompletude do requerimento de interposição do recurso, por referência aos requisitos constantes dos nºs 1 a 3 do artigo 75º-A, e não, como aqui sucede, na ausência dos pressupostos do recurso (no sentido de que o convite se não justifica quando faltam os pressupostos do recurso, cfr. o Acórdão nº 543/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt ).
3. Assim, pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2004
Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício
Luís Nunes de Almeida