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Proc. n.º 765/03
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO
Em 1 de Março de 2004 (fls. 359/360) foi lavrada decisão sumária do seguinte teor:
«A. pretende interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão proferido pela Relação de Évora em 26 de Junho de 2003. Alega que na decisão recorrida foram aplicados os artigos 265º, n.º1, 1174º, alínea a) do Código Civil e 276º, n.º1, alínea b), 2ª parte, do Código de Processo Civil, na interpretação que considera que, apesar da morte do representante legal de um incapaz, não caduca o mandato judicial constituído e o processo deve prosseguir os seus termos, independentemente da falta de superação da situação de incapacidade, normas que deverão ser tidas por inconstitucionais por violação dos artigos 20º, n.º1 e 2, 202º, nº2 e 208º da Constituição; e, ainda, os artigos 253º, n.º1 e 677º do Código de Processo Civil, na interpretação que considera válida a notificação feita ao mandatário judicial constituído pelo representante legal entretanto falecido e sem que a situação de incapacidade tenha sido suprida e que considera não susceptível de recurso a decisão notificada ao mandatário judicial nas mesmas condições, que igualmente serão inconstitucionais por violação dos artigos 20º, n.º2 e 4, 202º, n.º2, 204º e 208º da Constituição. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido mas o certo é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do seu objecto por inverificação dos respectivos requisitos – artigo 76º n.º 3 da LTC. Na verdade, o recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC apresenta como pressuposto, entre outros, o da efectiva aplicação na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Ora, no presente caso, é manifesto que tal não sucedeu, pois, pretendendo impugnar-se o acórdão de 26 de Junho de 2003, é bem certo que essa decisão não aplicou as normas – aqui impugnadas – dos artigos 265º, n.º1, 1174º, alínea a) do Código Civil, 276º, n.º1, alínea b), 2ª parte, 253º, n.º1 e 677º do Código de Processo Civil; a decisão recorrida limitou-se a desatender, com fundamento no artigo 668º do Código de Processo Civil, reclamação então formulada pela recorrente. Torna-se, assim, evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso por falta do aludido pressuposto.»
Contra esta decisão reclama a interessada, nos termos do artigo 78º-A n. 3 da LTC, dizendo:
«1. Por manifesto lapso, o único acórdão do Tribunal da Relação de Évora expressamente nomeado no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional foi o acórdão datado de 26 de Junho de 2003.
2. A referência feita a este acórdão era necessária para que o Tribunal pudesse apreciar a tempestividade do recurso interposto, uma vez que, posteriormente à prolação do acórdão datado de 10 de Abril de 2003, havia sido apresentada uma reclamação do mesmo.
3. Todavia, a ora reclamante fundamentou o seu pedido nas questões de constitucionalidade levantadas neste acórdão de Abril de 2003 e não apreciadas no acórdão de Junho do mesmo ano.
4. Ou seja, sempre foi intenção da reclamante recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão que procedeu à aplicação efectiva das normas cuja inconstitucionalidade desde sempre foi apontada pela reclamante e não, como lhe parece manifesto da fundamentação avançada no requerimento de interposição de recurso, do acórdão que decidiu a reclamação, uma vez que a inconstitucionalidade do art. 668º do CPC nunca esteve em causa.
5. Todavia, como só com a prolação do acórdão que decidiu a reclamação aquele primeiro se tornou definitivo, daí a única referência ao segundo.
6. Aliás, a própria decisão reclamada reflecte a falta de sentido do requerimento interposto, na interpretação que lhe foi dada pelo Venerando Conselheiro Relator.
7. Assim, depois de fazer um resumo do requerimento de interposição identificando quais foram, na opinião expressa da recorrente, os artigos aplicados na decisão recorrida, o Conselheiro Relator declara que é manifesto que a decisão não aplicou tais normas, que era evidente a falta do pressuposto de efectiva aplicação das normas apontadas pela recorrente.
8. Ora, comparando ambas as decisões proferidas pela Relação de Évora, era possível concluir-se que a questão da constitucionalidade das normas efectivamente aplicadas - daquelas normas identificadas pela recorrente - só se levantava no primeiro dos acórdãos proferidos - o qual, por distracção do advogado da interdita, não havia sido expressamente mencionado.
9. Ou seja, parece à ora reclamante que era manifesto que o teor do requerimento de interposição de recurso sofria de um lapso, pois do seu conteúdo se deduzia que a reclamante se estava materialmente a referir a uma decisão, que não aquela inicialmente apontada. E que tal lapso poderia ser eventualmente suprido com um pedido de esclarecimento à recorrente - pedido de esclarecimento esse que, no entender da ora reclamante, não estaria vedado ao Venerando Conselheiro Relator e bem se coadunaria com o disposto nos arts. 265º, n.º 3, 265.º-A e 266.º do C PC..
10. Igualmente se afigura à reclamante que sempre seria admissível e razoável uma interpretação correctiva do requerimento de interposição, para tal bastando que se em lugar de '...notificada do douto acórdão de 26 de Junho de 2003 vem dele interpor recurso...' se lesse, em consonância com o restante teor do requerimento, '...notificada do douto acórdão de 26 de Junho de 2003 que confirma o acórdão de 10 de Abril de 2003, vem deste interpor recurso...' .
11. De uma forma ou de outra, a reclamante esclarece o Tribunal de que sempre pretendeu recorrer do acórdão de 10 de Abril, que a referência ao acórdão de 26 de Junho apenas se justifica pela oportunidade de interposição do recurso e que foi por lapso que não foi feita expressa referência àquele acórdão.
12. Requer, por isso, que tal lapso seja suprido e o requerimento de interposição do recurso devidamente interpretado, de forma a torná-lo intrinsecamente coerente, fazendo-se a hipotética vontade das partes prevalecer sobre a forma e assim se contribuir para uma justa composição do litígio. Nestes termos, com os fundamentos expostos e com os demais que o Tribunal doutamente suprirá, a reclamante requer que a presente reclamação seja deferida e o recurso interposto apreciado pelo Tribunal.»
Cumpre decidir a presente reclamação.
Verdadeiramente a reclamante não questiona o acerto do fundamento da decisão reclamada, pois aceita que o acórdão recorrido, isto é, a decisão identificada no requerimento de interposição de recurso como o acórdão recorrido, decidiu a questão que devia conhecer com base em preceito estranho ao presente recurso. Não teria, pois, esse aresto feito aplicação dos preceitos acusados de inconstitucionais, pelo que, nesta perspectiva, não estaria em causa o acerto da decisão reclamada.
O que se diz é algo diverso, pois se afirma que a decisão recorrida não era, afinal, aquela que o Tribunal seleccionou como a que constituiria o objecto do recurso, mas uma outra, que aplicara as normas questionadas, apesar de não ter sido mencionada no requerimento.
Aceita a reclamante, em todo o caso, que a opção do Tribunal não pode qualificar-se como arbitrária ou despropositada, pois admite que a decisão recorrida foi, por si, inequivocamente identificada no requerimento de interposição do recurso; o que invoca é que essa indicação é deficiente, pois se deveu a uma distracção do Advogado subscritor, e que esse lapso, sendo manifesto, deveria ter sido oficiosamente suprido pelo Tribunal.
É assim, fundamentalmente, que é agora colocada a questão.
Acontece que o recurso das decisões judiciais para o Tribunal Constitucional é interposto por meio de requerimento no qual deve ser identificada a decisão recorrida e indicada a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75º-A da LTC). Deste modo, o requerimento de interposição limita irremediavelmente o âmbito do recurso que, posteriormente, pode ser restringido, mas nunca ampliado ou alterado (n.º 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 69º da LTC).
Conforme se reconhece no Acórdão 89/2004, esta conclusão, que não sofreria dúvidas sérias face ao regime geral do processo civil, impõe-se, com uma
“evidência reforçada”, perante o regime específico do recurso de fiscalização concreta; ficariam até destituídas de sentido as acrescidas exigências formais impostas ao requerimento de interposição pelo artigo 75º-A da LTC se o âmbito do recurso pudesse, posteriormente, ser ampliado a outras questões de constitucionalidade (ou ilegalidade).
Ora, como se reconhece no Acórdão 100/2003, sobre o recorrente impende o ónus de, no requerimento de interposição de recurso, especificar de que decisão recorre. São-lhe, por isso, imputáveis as consequências dessa opção, designadamente quando, como no caso em presença, não ocorre erro de escrita na indicação da decisão recorrida, antes esta corresponde a uma opção do recorrente, embora porventura motivada por uma distracção. Nestes casos, não pode o Tribunal, face à especial natureza do recurso de constitucionalidade, presumir que a selecção da decisão recorrida decorre de um lapso do declarante para efeito de obter, por esta via, o que a lei manifestamente quis proibir: a alteração do âmbito do recurso fixado no requerimento da respectiva interposição.
Não é, assim, possível acolher a pretensão da recorrente.
Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, com taxa de justiça de 20 UC.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos