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Processo n.º 442/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A., réu em acção de divórcio, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido na Relação do Porto que negou provimento ao recurso e, confirmando a sentença recorrida, manteve a atribuição provisória da casa de morada de família à autora.
O recurso não foi, no entanto, admitido. Houve reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; sem sucesso.
Após pedido de reforma desta decisão, também indeferido, veio o ora reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com invocação do disposto nas alíneas b) e f) do n. 1 do artigo 70º da LTC, “por entender que a interpretação dada ao disposto no artigo 690º-A do Código de Processo Civil ... viola, entre outros, o princípio constitucional do acesso aos tribunais consagrado, nomeadamente, nos artigos 2º e 20º da Constituição”.
Alegou que a inconstitucionalidade fora invocada perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da referida reclamação.
Porém, neste Tribunal foi lavrada decisão sumária – ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da LTC – a não conhecer do recurso. A decisão tem o seguinte fundamento:
Na verdade, nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n. 1 do artigo 70º da LTC a suscitação das questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, reportadas a normas ou à sua interpretação, há-de ocorrer durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n. 2 do artigo 72º da LTC). A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a questão deve ser levantada em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a sua decisão. E, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só pode ser dispensado do ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo em casos excepcionais ou anómalos em que de todo não tenha tido possibilidade de processualmente o fazer, sendo então admissível a arguição em momento posterior. Certo é, porém, que o recorrente não deu cumprimento a este ónus que concretiza requisito essencial de admissibilidade dos recurso em causa, pois nunca suscitou, nessas circunstâncias, as referidas questões. Não se mostram, portanto, preenchidos os pressupostos dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.1 do artigo 70º da LTC, razão pela qual se decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da mesma Lei, não tomar conhecimento do presente recurso.
É desta decisão que o recorrente reclama, essencialmente, nos seguintes termos:
“[...]
22 - No que ao caso sub judice concerne, e como melhor se alcança da resenha histórica do processo que supra se escalpelizou, confrontado o Recorrente com a invocada inconstitucionalidade apenas e tão somente quando da notificação do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no qual consta que “... não foram ouvidas as cassetes de gravação do julgamento de divórcio nem deste incidente de atribuição da casa de morada de família, que nem sequer foram enviadas a esta instância”,
23 - Certo é que o ora Reclamante, entendendo que poderia interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça,
23 - Bem como que as alegações de recurso de agravo da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto seriam o momento e local próprios para invocar a inconstitucionalidade em apreço,
24 - Foi o Recorrente surpreendido com a notificação do despacho de não admissão do pretendido recurso de agravo,
25 - Ficando, consequentemente, vedado ao Recorrente a apresentação daquelas alegações de agravo,
26 - Bem como a pretendida invocação da inconstitucionalidade em apreço perante o Supremo Tribunal de Justiça,
27 - Sendo assim, no entendimento do ora Reclamante, que a oportunidade processual para arguir a inconstitucionalidade em apreço seria, como foi, quando do indeferimento da reclamação apresentada perante o Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
28 - Altura em que ficou decidido com carácter definitivo que não seria admissível o pretendido recurso de agravo e apresentação das respectivas alegações (e, consequentemente da invocação da pretendida inconstitucionalidade),
29 - Pelo que, sem possibilidade de ver o douto aresto proferido pelo Tribunal da Relação do Porto ser reapreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, bem como ser conhecida a pretendida inconstitucionalidade, o momento próprio para invocar a mesma seria quando da notificação de que o agravo não era admissível,
30 - O que efectivamente veio a suceder perante o Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que ordenou a baixa do processo ao Tribunal da Relação do Porto,
31 - Tendo tal Tribunal da Relação do Porto admitido o recurso interposto para este Tribunal Constitucional,
32 - Pelo que entende o Reclamante, salvo o devido respeito, que deve ser reformulada a douta decisão de fls. ..., substituindo-se a mesma por outra que dê cumprimento ao conjugadamente disposto no artº 78º-A nº5 e artº 79º, ambos da Lei do Tribunal Constitucional.”
Apura-se que na presente reclamação o recorrente não contesta o que aliás é
óbvio: não foi por si suscitada durante o processo qualquer questão de ilegalidade ou inconstitucionalidade normativa. Na verdade, sendo certo que a decisão recorrida é o acórdão da Relação do Porto, é igualmente certo que nenhuma questão de inconstitucionalidade foi suscitada perante esse Tribunal antes de ser proferido o aludido aresto.
O que o recorrente pretende é colocar-se ao abrigo dos casos em que excepcionalmente o Tribunal tem admitido conhecer da norma impugnada, mesmo sem uma suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade normativa.
Acontece, porém, que nada se adianta que conteste o fundamento da decisão reclamada, pois não se explica porque razão não foi possível suscitar perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que pretende ver debatida. Não é efectivamente fornecido ao Tribunal qualquer elemento do qual possa sequer extrair-se a conclusão de que uma determinada norma constante do artigo 690º-A do Código de Processo Civil foi aplicada na decisão sob recurso, e que essa interpretação normativa constitui objectivamente uma decisão inesperada ou surpreendente.
Por outro lado, ao destacar como enfermando de inconstitucionalidade a parte do acórdão onde se afirma que “não foram ouvidas as cassetes de gravação do julgamento de divórcio nem deste incidente de atribuição da casa de morada de família, que nem sequer foram enviadas a esta instância”, conclui-se que, afinal, o recorrente pretendia discutir a decisão em si mesma considerada, e não colocar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Subsistem, portanto, os motivos que fundamentaram o despacho reclamado. Por esta razão, decide-se negar provimento à reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20UC.
Lisboa, 14 de Julho de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos