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Proc. n.º 76/04
2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães (5º Juízo Cível), de 17 de Dezembro de 2003, pretendendo a apreciação de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4 do art.º 25º da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro na interpretação segundo a qual o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente não interrompe o prazo que está em curso.
2 – Em 20 de Novembro de 2003, o recorrente veio requerer a junção aos autos de acção com processo sumaríssimo instaurada contra ele pela companhia de seguros B., de um documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, referindo nesse requerimento tratar-se de “apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa do pagamento de preparos e custas”.
3 – Na sequência desse requerimento o senhor juiz proferiu o despacho do seguinte teor:
«A fls.24 e seg. veio o Réu juntar aos autos cópia do requerimento de apoio judiciário apresentado junto dos serviços da Segurança Social. No entanto, nos termos do disposto no artº 25°/4 da Lei 30-E/2000, de 20.12, só o pedido de nomeação de patrono (que é distinto do pedido de pagamento dos honorários a patrono escolhido) é que tem a virtual idade de interromper quaisquer prazos em curso (neste sentido, cfr. o douto Ac. RG 08.01.2003, proferido no Agravo 1487/02, R/104-02, proferido no autos de embargos de executado nº 1-C/01, deste 5° Juízo Cível da Comarca de Guimarães). Assim, sendo há que concluir que o prazo de contestação não se interrompe com aquele pedido de apoio judiciário. Notifique, via telefone ou fax.»
4 – Notificado desse despacho, o senhor advogado, alegando agir na qualidade de patrono oficioso do ora recorrente, veio requerer ao juiz do processo que fosse “relevado o lapso, considerando que, apesar do que consta no requerimento de pedido de apoio judiciário, o que se pretendia, efectivamente, era a modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, com indicação deste pelo requerente” e que “depois de relevado o lapso, deverá o prazo de contestação ser considerado interrompido com aquele pedido de apoio judiciário”, tendo em fundamentação de tais pedidos referido que:
«Nestes autos, o requerente A. pediu apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, e pretendia indicar o signatário para patrociná-lo, nos termos do artigo 50º da Lei nº 30-E/2000, de 20/12. No entanto, por lapso, no pedido de apoio judiciário foi assinalado a modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente e indicado este signatário, conforme se verifica do próprio requerimento que acompanha o pedido de apoio judiciário (onde se pede a nomeação de patrono) e da declaração de aceitação do patrocínio.»
5 – Tal requerimento foi indeferido pelo despacho recorrido, do seguinte teor:
«A fls.46 veio o Patrono 'nomeado pelo requerente' alegar ter havido lapso na elaboração do requerimento para concessão de apoio judiciário, requerendo ainda que, relevado tal lapso, seja considerado interrompido o prazo da contestação. Cumpre decidir. Nos termos do disposto no artº 15°/c) da Lei 30-E/00, de 20 de Dezembro, o apoio judiciário compreende a modalidade de nomeação e a pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente. No caso de nomeação e a pagamento de honorários do patrono designado, o requerente limita-se a pedir que lhe seja nomeado patrono, ao passo que, na segunda modalidade, é o próprio requerente que escolhe o Advogado, ficando contudo dispensado de lhe pagar os respectivos honorários. Assim, haverá que concluir que não existe a modalidade indicada pelo subscritor de fls.46, isto é, 'a modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, com indicação deste pelo requerente', ou que, existindo, a mesma se reconduz, no rigor dos conceitos, àquela modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente. Ora, nos termos do disposto no artº 249° do Código Civil só o erro de escrita evidenciado no próprio contexto da declaração, ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, é que dá direito à rectificação. No caso é por demais evidente que não ocorreu qualquer lapso, pois que a pessoa que preencheu o respectivo requerimento assinalou a modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, indicou o nome e domicílio profissional do Patrono e ainda uma declaração de aceitação subscrita por este. Pelo exposto, indefiro o requerido a fls. 46.»
6 – E no seguimento do mesmo despacho, o senhor juiz proferiu sentença, em que, considerando ter sido o réu, regular e pessoalmente, citado e não ter contestado e ser caso de aplicação do regime do art.º 784º do Código de Processo Civil, condenou o réu no pedido.
7 – Dizendo-se inconformado com aquele despacho, o réu recorreu para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma referida, “por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º, com referência ao acesso à justiça e aos tribunais, consignado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa”, e referindo que, no caso dos autos, o interessado não dispusera de oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final.
8 – Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional formulou o recorrente as seguintes conclusões:
«I. Nos presentes autos, o Meritíssimo juiz a quo deu considerou que só o pedido de nomeação de patrono é que tem a virtualidade de interromper quaisquer prazos em curso, nos termos do disposto no artigo 25° nº 4, da Lei nº 30-E/2000, de
20/12, e concluiu que o prazo de contestação não se interrompeu com o pedido de apoio judiciário do recorrente. II. o recorrente veio solicitar apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, com indicação deste, embora, por lapso, tenha posto a cruz na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente. III. A questão aqui a dirimir é a de saber se a interpretação normativa do nº 4 do artigo 25° da Lei 30-E/2000, de 20/12, que se traduz em concluir que só o pedido de nomeação de patrono, com ou sem indicação deste, e não também, o pedido de pagamento dos honorários a patrono escolhido, interrompe o prazo em curso, viola ou não o princípio da igualdade. IV. O princípio constitucional da igualdade proíbe distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. V) O apoio judiciário compreende as modalidades de nomeação e pagamento de honorários de patrono ou de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente. VI) A questão de saber se só o pedido de nomeação de patrono, e não também, o pedido de pagamento dos honorários a patrono escolhido, interrompe o prazo em curso, não é pacífica na doutrina e na jurisprudência. VII) Relativamente à modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, tout court, é unânime o entendimento de que esse pedido suspende o prazo. VIII) Na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono é possível indicar um patrono, nos termos do artigo 50º da Lei nº 30-E/2000, de 20/12. IX) Esse patrono designado será o patrono nomeado, exceptuando nas situações residuais previstas no artigo 51°, da referida Lei. X) Assim, em ambas as situações, quer na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono, com indicação deste, quer na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, o requerente escolhe um patrono, que aceita a nomeação, e que vai ser nomeado (excepto nos casos supra-referidos). XI) No entanto, num caso temos a suspensão do prazo em curso, no outro não, sem que se descortine qualquer justificação válida. XII) Assim, a interpretação do nº 4 do artigo 25° da Lei 30-E/2000, de 20/12, no sentido de que só o pedido de nomeação de patrono, com ou sem indicação deste, e não também, o pedido de pagamento dos honorários a patrono escolhido, interrompe o prazo em curso, viola o artigo 13°, com referência ao artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, devendo tal inconstitucionalidade ser declarada por esse venerando Tribunal Constitucional.»
9 – A recorrida não contra-alegou.
B – Fundamentação
10 – O recurso interposto pelo recorrente foi admitido pelo tribunal a quo e embora tal despacho não vincule o Tribunal Constitucional (art.º 76º, n.º 3, da LTC) não se vê que aquela decisão deva ser alterada em razão de um diferente juízo quanto à não suscitação da questão de inconstitucionalidade antes do despacho recorrido. Na verdade, constitui jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, fundada na garantia do acesso aos tribunais (no caso, a jurisdição constitucional), a dispensa do ónus de suscitação da questão de
(in)constitucionalidade naqueles casos ditos de “anómalos” ou “excepcionais” em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo ou seria desrazoável e inadequado exigir-lhe um prévio juízo de prognose relativo à aplicação da norma, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão suscitando a sua inconstitucionalidade – casos de interpretação insólita, anómala ou imprevisível
(cfr., a título de mero exemplo, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994). Entende-se ser aquele o caso dos autos, já que a aplicação da norma em causa só aconteceu no despacho recorrido e na sentença condenatória, proferida na mesma ocasião, não tendo sido dada ao recorrente a oportunidade de, anteriormente, se pronunciar sobre a questão de o pedido de apoio judiciário feito à Segurança Social não poder ser havido como sendo de nomeação de patrono e sem os efeitos previstos no n.º 4 do art.º 25º da Lei n.º 30-E/2000.
Antes de mais importa notar que o Tribunal Constitucional não tem que apreciar a correcção da interpretação levada a cabo pela decisão recorrida da norma sindicada. Nesse sentido são despiciendas todas as considerações feitas pelo recorrente nas conclusões VIII a X, tendentes a demonstrar, com base na invocação do art.º 50º da Lei n.º 30-E/2000, a existência de uma modalidade de apoio judiciário traduzida na “nomeação e pagamento de honorários de patrono, com indicação do patrono pelo requerente” que se equivale para efeitos da interrupção dos prazos em curso prevista no n.º 4 do art.º 25º da mesma Lei à modalidade de “nomeação e pagamento de honorários do patrono designado. A interpretação fixada pela decisão recorrida surge para o Tribunal Constitucional como um dado em função do qual o recurso é até admitido. Ora, segundo a decisão recorrida o apoio judiciário apenas comporta, no que tange ao exercício do patrocínio judiciário, a modalidade de nomeação e o pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, a modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, reconduzindo-se a
modalidade indicada pelo subscritor do requerimento supra referido sob o n.º 4
– “a modalidade de nomeação de pagamento de honorários de patrono, com indicação deste pelo requerente” – à modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente. Por outro lado, a mesma decisão entendeu que só relativamente à modalidade de nomeação e pagamento de honorários do patrono designado se verifica o efeito da interrupção do prazo prevista no n.º 4 do art.º 25º da Lei n.º 30-E/2000. O apoio judiciário, que constitui uma das modalidades de prestação de protecção jurídica dispensada pelo Estado (prestação positiva) cuja concessão se encontra, hoje, regulada na Lei n.º 30-E/2000 (diploma que revogou o DL. n.º 387-B/87, de
29 de Dezembro, que regia a matéria), visa evitar que alguém, por insuficiência de meios económicos, deixe de fazer valer ou defender, nos tribunais, os seus direitos ou interesses, de modo efectivo e eficaz, através dos meios judiciários dispensados. Nesta perspectiva o apoio judiciário constitui parte integrante da garantia de acesso aos tribunais consagrada no art.º 20º da CRP, dado estar funcionalizado a propiciar a realização da dimensão garantística do direito de acesso aos tribunais (cfr. Acórdão n.º 364/04, disponível em www.tribunal constitucional.pt/jurisprudencia). Entre as diversas modalidades que o apoio judiciário pode revestir, indicadas no art.º 15º da Lei n.º 30-E/2000, conta-se a da “nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários o patrono escolhido pelo requerente”.
A norma impugnada constitucionalmente dispõe:
«Artigo 25º
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 – Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
5 - ...».
Como se vê, a norma em causa dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que “o prazo que estiver em curso interrompe-se” com a junção aos autos deste documento. A ratio do preceito é evidente. Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há-de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei n.º 30-E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a acção, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efectiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do acto ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na acção. O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afectado.
Sustenta o recorrente que a não interrupção do prazo que estiver em curso nos termos que estão definidos no art.º 25º, n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000 também no caso do pedido de apoio judiciário na modalidade de “pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente” viola o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º relativamente à garantia fundamental do acesso aos tribunais concedida no art.º 20º, ambos os preceito da CRP. Evidentemente que a dimensão do princípio da igualdade que aqui está em causa é a que é traduzida pela possibilidade de prática de actos processuais com a possibilidade de utilização de um prazo de duração igual relativamente ao interessado que, por dispor de meios económicos, não carece de lançar mão do apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono escolhido, prazo esse potenciador de uma defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos sem dependência de constrangimentos económicos no que concerne às despesas de patrocínio.
O princípio da igualdade tem sido objecto de um largo tratamento jurisprudencial do Tribunal Constitucional (sobre a matéria e o recenseamento das posições que o Tribunal tem tomado, pode ver-se o largo desenvolvimento feito no recente Acórdão n.º 232/03). Relembrando posições anteriores do Tribunal escreveu-se neste acórdão:
«Mais recentemente, o Tribunal Constitucional, numa situação onde estava justamente em causa uma pretensa desigualdade no recrutamento de professores
(Acórdão n.º 412/02, in D.R., II Série, de 16-12-2002), recordou que o princípio da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades. Nesse acórdão, o Tribunal apoiou-se ainda em duas anteriores decisões suas, começando por citar o que se disse no Acórdão n.º 180/99 (in AcTC, 43º vol., pp.
135ss):
“(...) O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 39/88,
186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]”. Lembrou, depois, a linha argumentativa do Acórdão n.º 409/99 (in AcTC, vol. 44º, pp. 461ss):
“O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in “Diário da República”, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito)”».
E passando a discretear sobre o critério que deverá presidir à qualificação das situações como iguais ou desiguais, asseverou-se no mesmo Acórdão n.º 232/03:
«Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio
(Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.
Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela ‘ratio’ do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A ‘ratio’ do tratamento jurídico
é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”
(cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carregada’ de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à ‘ratio’ do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a ‘ratio’ do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a ‘ratio’ do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável
à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32)».
À luz do critério da razão de ser do regime estabelecido no questionado art.º 25º, n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000 fácil é chegar à conclusão que a modalidade de apoio judiciário consubstanciada na “nomeação e pagamento de honorários de patrono” não é substancialmente igual à modalidade de apoio judiciário traduzida no “pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente”. Na verdade, enquanto naquela modalidade, não estando ainda nomeado patrono, existe o referido risco de indefesa do requerente do apoio judiciário a não estabelecer-se a interrupção do prazo em curso, nesta outra situação o patrono, estando já nomeado pelo interessado a quando da formulação do pedido de apoio judiciário, poderá tomar logo a defesa das posições do respectivo mandante no processo. Cingindo-se o pedido de apoio judiciário ao pagamento dos honorários que sejam devidos pelos serviços prestados pelo respectivo patrono por si constituído, nada obsta a que o processo possa prosseguir sem qualquer prejuízo para o requerente. A actividade do patrono não está condicionada à concessão do pedido de apoio, sendo-lhe completamente alheia: a sorte do pedido de apoio apenas tem reflexos sobre a determinação de quem lhe vai pagar os respectivos honorários, sendo certo que a ser reconhecida a insuficiência económica do requerente será o Estado a suportá-los e a não verificar-se a mesma será então o interessado. Dir-se-á que o patrono poderá agir condicionado pela circunstância de haver ainda incerteza quanto à entidade responsável pelo pagamento dos serviços que preste no exercício do patrocínio judiciário. Mas uma tal postura não é deontologicamente admissível. Como tal não poderá ser relevada.
Decorre, pois do exposto que as situações em confronto são materialmente diferentes. Sendo assim, a diferença de tratamento jurídico dispensada pelo legislador está racionalmente justificada, não se verificando a violação do princípio da igualdade.
C – Decisão
Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 25º, n.º
4, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro na acepção segundo a qual a interrupção do prazo em curso aí prevista não se verifica em relação à modalidade do apoio judiciário de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente;
b) negar provimento ao recurso;
c) condenar o recorrente nas custas, com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 23 de Junho de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos