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Processo n.º 520/04
2ª Secção Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por sentença datada de 2 de Abril de 2003, proferida no 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, A. foi condenado a pagar a B. a quantia de € 1650,
“correspondente às rendas mensais dos meses de Novembro e de Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, acrescidas de juros vencidos desde a data do respectivo vencimento (dia 8 de cada mês) e vincendos até integral pagamento”, em virtude de se ter dado como provado o não cumprimento de um contrato de arrendamento destinado a comércio. Inconformado, o demandado veio arguir a nulidade dessa decisão e requerer a sua reforma, nos termos, respectivamente, dos artigos 201.º, 669.º e 670.º do Código de Processo Civil, invocando a falta da sua notificação pessoal para a audiência de discussão e julgamento, “atenta a previsão legal que determina que se procure compor o litígio mediante conciliação das partes”. No Tribunal de 1ª instância decidiu-se, por despacho (fls. 60 dos autos nesse tribunal) de 6 de Outubro de 2003, indeferir os referidos pedidos, com a seguinte fundamentação:
“(...) Segundo o art. 253.º/2 do Código de Processo Civil sempre que a notificação se destine a chamar as partes para a prática de um acto pessoal deverá ser notificada a parte para além do seu mandatário. Ora, nos presentes autos, o Ilustre Mandatário do réu não tem poderes especiais para confessar ou transigir. E o Regime dos Procedimentos anexo ao D.L. 269/98, de 01-09, prevê a tentativa de conciliação antes do julgamento. Com efeito, não foi enviada notificação pessoal ao réu. Há, pois, a omissão de uma formalidade prevista na lei. Porém, esta omissão apenas determinará a nulidade dos actos subsequentes na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa. Caso o réu estivesse presente no dia do julgamento, só lhe seria possível intervir numa de duas situações: se estivesse disposto a transigir ou a confessar o pedido (art. 201.º/1 do Código de Processo Civil). Pelo discurso do réu, não está disposto a nenhuma destas hipóteses. Como tal, a sua ausência em nada perturba o exame e decisão da causa, pelo que não inquina a sentença proferida. Indefiro, pois, a arguida nulidade processual. Pede ainda o réu a reforma da sentença. A reforma da sentença só pode ocorrer nos termos do disposto no art. 669.º do Código de Processo Civil. Ora, de acordo com o réu, a cópia do contrato de arrendamento seria suficiente para, por si, justificar decisão diferente da que proferiu o Tribunal, por permitir concluir pela nulidade ou inexistência do próprio contrato. Defende o autor que a existente licença era suficiente para assegurar a validade do contrato de arrendamento. Decorre da decisão proferida que o Tribunal ponderou o contrato de arrendamento e todo o seu conteúdo. Mais ponderou, pela justificação das testemunhas ouvidas, quais os requisitos para que a loja estivesse em funcionamento. Logo, não se vislumbra como poderia o Tribunal, agora, reformar a sua decisão, posto que em tempo próprio apreciou os elementos de prova que lhe foram apresentados, sem olvidar algum. Nestes termos, e face ao exposto, indefiro o pedido de reforma da sentença.” O réu veio, então, pedir que a sentença fosse “declarada inexistente”, por requerimento de 27 de Outubro de 2003, invocando diversas inconstitucionalidades. Sobre este requerimento foi proferida em 17 de Novembro a seguinte decisão (a fls. 87 dos autos no tribunal recorrido, e fls. 41 dos presentes autos de reclamação):
“A omissão suscitada a fls. 73, apesar de concluir já efeito diferente (desta feita a inexistência), assenta nos mesmos pressupostos, e questiona a decisão de fls. 60., aliás, transitada em julgado. Como tal, esgotou-se o poder jurisdicional deste Tribunal sobre a questão, que, assim, impede nova pronúncia sobre a mesma. Nestes termos, abstenho-me, por não ser legalmente possível, de conhecer do requerido a fls. 73.”
2.Ainda insatisfeito, o recorrente tentou interpor recurso de constitucionalidade, com o seguinte requerimento:
“A., Réu nos autos à margem referenciados e ali melhor identificado, em que é Autor B., notificado do despacho de folhas 87, vem requerer a V. Ex.ª se digne admitir a interposição de recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º Nos autos, o meritíssimo Juiz a quo considerou que a falta da notificação da parte, nos termos do art. 253.º, n.º 2, não constitui formalidade essencial no processo civil.
2.º Ora, considerando que, em processo sumaríssimo, é à parte que compete apresentar toda a prova em audiência de discussão e julgamento, constituindo, portanto, um direito de defesa do Réu estar presente na audiência, deve ser declarada inconstitucional a norma constante do art. 253.º, n.º 2, quando, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 4 da C.R.P., interpretada no sentido de a notificação da parte para o julgamento ser dispensável. Da admissibilidade do recurso:
3.º Nos termos do art. 280.º, n.º 1 da C.R.P., cabe recurso das decisões dos Tribunais, para o Tribunal Constitucional, que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
4.º Contudo, em processo sumaríssimo, a não ser que, por absurdo, uma das partes invoque, na contestação, todas as possíveis inconstitucionalidades ou interpretações contrárias à Constituição, de todas as normas que o juiz aplicará na decisão, as partes não têm oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade de qualquer norma aplicada na sentença, porquanto, atenta a natureza do processo, lhes está vedado o recurso ordinário.
5.º Ainda assim, tentando ou pretendendo preencher o requisito do já referido n.º 1 do art. 280.º da C.R.P., o ora recorrente, no requerimento de folhas 73 e ss., arguiu e entende que validamente, a inconstitucionalidade da norma, pelo que este requisito deve ser considerado validamente preenchido.
6.º De qualquer forma, em nosso entendimento, o requisito prévio do art. 280º da C.R.P. não tem aplicação no processo sumaríssimo, sob pena de, na esmagadora maioria dos casos e em relação a todos os passos processuais que são dados entre a contestação e a decisão, o Réu ficar privado de tutela constitucional, o que, só por si, constituiria violação do art. 20.º n.º 4 da C.R.P..” O recurso foi indeferido liminarmente no Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, pois:
“(...) conforme resulta do despacho recorrido, datado de 17.11.2003, nesse momento o Tribunal absteve-se de conhecer os fundamentos do requerido pelo Réu, por julgar esgotado o poder jurisdicional em virtude de decisão prévia transitada em julgado. Assim, no despacho recorrido, o Tribunal não aplicou a norma constante do art.
252º/2 Código do Processo Civil, nomeadamente com o sentido que o Réu considera violador da Lei Fundamental. Desta forma, ainda que se aceite a fundamentação apresentada para justificar a impossibilidade de alegação prévia da dita inconstitucionalidade, certo é que não se verifica, na decisão recorrida, qualquer das situações previstas no art.
70° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.”
3.O recorrente vem deduzir a presente reclamação deste despacho, afirmando que
“recorreu, oportunamente, em 28.11.03, para esse Tribunal, do despacho de fls.
60, do Ex.mº Juiz do Tribunal a quo, por considerar que a interpretação, por este Tribunal feita, do [artigo] 253º, n.º 2, do C.P.C. viola o disposto no n.º
4 do art. 28.º da C.R.P.”, e remetendo, quanto aos fundamentos da reclamação, para os apresentados no requerimento de “declaração de inexistência” da sentença e no de interposição de recurso de constitucionalidade. O representante do Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de a reclamação ser
“manifestamente improcedente, já que a decisão a que vem reportado o recurso de constitucionalidade – a proferida a fls. 41 dos autos – não aplicou a norma que integra tal recurso, uma vez que se limitou a considerar esgotado o poder jurisdicional quanto à nulidade do processo alegadamente cometida, em consequência da anterior decisão – proferida a fls. 27/28 dos autos – e que havia indeferido os pedidos de nulidade e reforma da sentença.”. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.Pode adiantar-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento. Com efeito, o reclamante afirma na reclamação que interpôs recurso de constitucionalidade do despacho de fls. 60 dos autos, isto é, do despacho de 6 de Outubro de 2003 que indeferiu a arguição de nulidade e o pedido de reforma da sentença. No seu requerimento de recurso, todavia, o reclamante invocou o despacho de fls. 87, proferido na sequência de um requerimento no sentido de que a sentença fosse “declarada inexistente”. Ora, a considerar-se ser esta última a decisão recorrida, torna-se evidente que esta não aplicou a norma cuja apreciação o recorrente pediu no seu requerimento de recurso: isto é, a norma “constante do art. 253.º, n.º 2, quando, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 4 da C.R.P., interpretada no sentido de a notificação da parte para o julgamento ser dispensável”. Antes, como se notou no despacho reclamado e refere o Ministério Público, tal despacho “se limitou a considerar esgotado o poder jurisdicional quanto à nulidade do processo alegadamente cometida, em consequência da anterior decisão (...) que havia indeferido os pedidos de nulidade e reforma da sentença.” Se, porém, se considerasse – como pretende agora o reclamante, embora se tenha referido no requerimento de recurso apenas ao segundo despacho, de fls. 87 dos autos – que a decisão recorrida era o despacho que indeferiu a arguição de nulidade e o pedido de reforma da sentença, considerando que este foi proferido em 6 de Outubro de 2003 e notificado ao ora reclamante em 16 de Outubro desse ano (v. a certidão de fls. 30 dos autos), e que o requerimento de recurso de constitucionalidade apenas deu entrada no tribunal recorrido em 28 de Novembro de 2003, ter-se-ia igualmente de chegar à conclusão de que o recurso não podia ser admitido, por ser intempestivo – nos termos do artigo 75º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o prazo para interposição do recurso de constitucionalidade foi de 10 dias a contar da notificação da decisão recorrida, tendo-se, portanto, esgotado muito antes da data de interposição do recurso (que foi 28 de Novembro), e sendo certo que o anómalo requerimento de “declaração de inexistência” da sentença, apresentado em 27 de Outubro de 2003, não tem efeito interruptivo daquele prazo. A presente reclamação não pode, pois, ser atendida, mantendo-se o despacho reclamado, de não admissão do recurso. III Decisão Pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de taxa de justiça.
Lisboa, 25 de Maio 2004 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos