Imprimir acórdão
Processo n.º 456/2004
2.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente o Instituto do Emprego e Formação Profissional e como recorrida companhia de seguros A., o tribunal a quo proferiu o seguinte acórdão:
Na pendência da acção sumaríssima que o Instituto do Emprego e Formação Profissional moveu à A. foi oportunamente proferida sentença que a julgou improcedente.
..................... Em seguida, começando por referir que a sentença não admitia recurso, por força do art° 800º CPC, veio invocar a nulidade da sentença nos termos do artº 668° n°
1-d) CPC. A parte contrária pronunciou-se no sentido da inexistência da apontada nulidade.
+ O Sr Juiz proferiu, então, a decisão recorrida na qual conheceu das nulidades da sentença previstas no art° 668° CPC concluindo que se não verificava qualquer uma delas. Depois, na mesma decisão, entendeu que o requerente deduzira «.....pretensão cuja falta de fundamento não podia nem devia ignorar e alterou a verdade dos factos, com o objectivo de conseguir pela via de arguição de nulidades o que lhe está vedado pela via da interposição de recurso....» e daí condenou-o como litigante de má-fé na multa de 6 Ucs.
+ AGRAVOU o autor de toda a decisão mas o recurso só veio a ser admitido relativamente à condenação em Má-Fé.
+ O agravante apresentou as suas alegações, concluindo pela sustentação da tese que, a seu ver, não se verifica qualquer fundamento para a condenação em Má-Fé.
+ O Sr. Juiz fundamentou a decisão recorrida.
+ Tendo em conta a singeleza do que consta da acta da audiência entendemos ser de aderir inteiramente ao decidido o que tudo se dá por reproduzido nos termos do art° 713° n°s 5 e 6 CPC. Dada a clareza e simplicidade da questão não se justifica qualquer acrescentamento.
+ Face ao exposto, ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO MANTENDO A DECISÃO RECORRIDA.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com o acórdão proferido a fls. .., vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1.º O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º e do n.º 2 do art 75.º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, com a redacção introduzida pelas Leis n.ºs 85/89 e 13-A/98, de 7 de Setembro e 26 de Fevereiro, respectivamente.
2.º Esta alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, comporta também casos anómalos e excepcionais em que o Tribunal Constitucional vem entendendo que, por ao Recorrente não ter sido possível suscitar a questão da inconstitucionalidade antes da decisão do Tribunal da Relação e não dispor já de oportunidade processual para o fazer, deverá ser-lhe salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade.
3.º Efectivamente, estamos, pois, perante a situação a que se refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 191/91, in Acs. TC, 19.º, págs. 283: '...casos excepcionais em que o interessado não tivera antes oportunidade processual para suscitar a questão, em que pode ser considerado admissível o recurso embora o poder jurisdicional do tribunal recorrido estivesse já esgotado quando a questão da inconstitucionalidade foi suscitada'.
4.º O que está em causa no presente recurso, é a arguição por parte do ora recorrente da inconstitucionalidade que resulta da interpretação efectuada pelo douto Acórdão recorrido no que se refere à aplicação in casu, dos n.ºs 5 e 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil devidamente conjugado com o n.º 3 do art.
456.º do Código de Processo Civil.
5.º Porquanto, com tal aplicação do artigo referido no número anterior, o Acórdão recorrido violou o princípio da confiança - ínsito no princípio do Estado de direito democrático e o princípio da segurança jurídica que é inerente à função judicial, que decorre dos artigos 2.º, 18.º n.º 2 e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
6.º Por outras palavras, aquilo que o Recorrente ataca é a aplicação do n.º 5 e 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil em plena violação dos artigos mencionados anteriormente, assim como, os artigos 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 158.º do Código de Processo Civil.
Tudo como melhor e mais detalhadamente se alegará.
Termos em que, e nos mais de douto suprimento, deve o presente recurso ser admitido e fazê-lo subir com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1º O acórdão recorrido ao limitar-se a aderir ao despacho proferido pela Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, a condenar o ora Recorrente como litigante de má-fé, por remissão do disposto nos nº 5 e 6 do artigo 713º do Código de Processo Civil, devidamente conjugado com o nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, não respeitou os artigos 2º, 18º nº 2, e 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
2º Porquanto, a decisão da Magistrada Judicial de 1ª Instância, no que concerne
à condenação como litigante de má-fé do ora Recorrente, no caso sub judice, consubstancia uma decisão inatacável quanto à matéria de facto e, por isso mesmo, só pode ser objecto de recurso de revista.
3º De facto, não se encontrando preenchido um dos pressupostos indispensáveis para a condenação do Autor, ora Recorrente, como litigante de má - fé, nunca o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, poderia manter mecanicamente a decisão, recorrendo ao expediente legal decorrente dos nºs 5 e 6 do artigo 713º do Código de Processo Civil.
4º Ou, no mínimo, teria que em face da matéria em questão - condenação como litigante de má - fé, no âmbito de um processo sumaríssimo, isto é, sem hipótese de recurso da sua própria decisão - apresentar fundamentação no mesmo sentido da decisão de 1ª Instância.
5º Efectivamente, o duplo grau de jurisdição representa um princípio geral que consagra uma garantia essencial aos interesses das partes e à própria justiça, e no presente, veja-se a título meramente indicativo o preâmbulo do Decreto-Lei nº
180/96, de 25 de Setembro de 1996, que aprovou a alteração da redacção do nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, invocando que, '(...), faculta-se sempre o recurso, em um grau, da decisão que condene como litigante de má-fé
(...)'.
6º Não obstante o ora Recorrente reconhecer, com dificuldade, é certo, que o princípio da dupla jurisdição não é absoluto, também parece ser comummente aceite pela doutrina e pela jurisprudência a existência de pelo menos duas instâncias, uma relativa à matéria de facto outra quanto às questões de direito.
7º Ora, subsumindo-se o presente processo no âmbito de uma condenação como litigante de má - fé, o Tribunal de revista, in casu, Tribunal da Relação do Porto, não poderia aderir tout court à fundamentação da 1ª instância, sem expor os seus fundamentos.
8º Por tal facto constituir, salvo melhor opinião, uma violação ostensiva do princípio da confiança - ínsito no princípio do estado de direito democrático, princípio da segurança jurídica e o dever de fundamentação, inerentes à função judicial, conforme decorre dos artigos 2º, 18º nº 2, e 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
9º Acresce que, como resultado objectivo e concreto da interpretação vertida no acórdão em questão, fica vedado ao ora Recorrente, a impugnação efectiva de qualquer uma das duas decisões, facto que, consubstancia uma inconstitucionalidade material por violação do princípio da segurança jurídica, na vertente relativa ao direito ao recurso, ínsito no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
10º Por outro lado, estando o acórdão recorrido no domínio da apreciação da litigância de má-fé, não se afigura constitucionalmente admissível à luz do princípio da confiança, princípio da segurança jurídica e o dever de fundamentação, inerentes à função judicial, decorrentes dos artigos 2º, 18º nº
2, e 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa, que possa remeter a sua fundamentação para a decisão de 1ª instância ao abrigo dos nºs 5 e 6 do artigo
713º do Código de Processo Civil, quando em relação a essa matéria há posições e interpretações controvertidas e divergentes, sem se pronunciar efectivamente sob a questão de fundo, e em clara violação da disciplina resultante do nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, e pelo muito que os Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser declaradas inconstitucionais os preceitos - nºs 5 e 6 do artigo 713º do Código de Processo Civil, em sede de apreciação de um recurso interposto nos termos do nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, na interpretação resultante do acórdão recorrido, no sentido de permitir ao Tribunal de revista decidir quanto
à questão de litigância de má - fé por mera remissão para a decisão impugnada, por violação do princípio da confiança - ínsito no princípio do estado de direito democrático, princípio da segurança jurídica e o dever de fundamentação, inerentes à função judicial, conforme decorre dos artigos 2º, 18º nº 2, e 20º e
205º da Constituição da República Portuguesa e, dessa forma, cumprir-se-á a lei constitucional e será feita JUSTIÇA
Cumpre apreciar.
2. O Tribunal Constitucional já apreciou a questão de constitucionalidade mencionada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tendo sempre concluído pela não inconstitucionalidade (cf. os Acórdãos nºs
521/2001 – inédito; 203/2001 – D.R., II Série, de 28 de Junho de 2001; 232/2000
– inédito; e 151/99 – D.R., II Série, de 5 de Agosto de 1999).
É este o entendimento que agora se acolhe nos presentes autos. Apenas se acrescentará que, ao contrário do que parece pretender o recorrente, a circunstância de se tratar, no caso concreto, da condenação como litigante de má fé em nada altera o juízo que agora se formula. Na verdade, não obstante tratar-se de uma condenação por litigância de má fé, não existe obstáculo constitucional a que a decisão do recurso seja fundamentada por remissão para a decisão recorrida, quando esta contenha resposta cabal e suficiente aos argumentos do recorrente (o que foi assumido pelo tribunal a quo e os autos demonstram). Solução contrária traduzir-se-ia na obrigatoriedade de reproduzir inutilmente a fundamentação anteriormente apresentada pelo tribunal a quo, procedimento que a Constituição não impõe, dado para tal não existir qualquer justificação ainda que na perspectiva dos direitos de defesa. Negar-se-á, portanto, provimento ao recurso.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade, confirmando o acórdão recorrido.
Lisboa, 28 de Setembro de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos