Imprimir acórdão
Proc.º n.º 251/2004
3ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
Em 28 de Abril de 2004 o relator proferiu a seguinte decisão:
“1. Nos autos de expropriação litigiosa que correu seus termos pelo Tribunal de comarca de Torres Vedras, autos esses nos quais figuram, como expropriante, A., e, como expropriado, B., e em que foi objecto de expropriação uma parcela de terreno, pertença do expropriado, foi, em 8 de Janeiro de 2002, proferida sentença que, considerando tal parcela como «solo para outros fins», fixou o montante da indemnização global em Esc. 7.996.800$00, sendo Esc.
6.720.000$00 correspondentes à parcela expropriada e Esc. 1.276.800$00 correspondentes à parcela sobrante.
Não se conformando com o assim decidido apelou o expropriado para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Na alegação adrede produzida, o mesmo expropriado formulou (após convite que, para tanto, lhe foi dirigido) as seguintes «conclusões»:
‘1 A decisão a proferir neste recurso refere-se, essencialmente, à qualificação da parcela expropriada: solo apto para construção ou solo para outros fins, sendo certo que nos autos existem avaliações de acordo com cada um daqueles critérios: a. na arbitragem - que constitui a primeira instância jurisdicional neste tipo de processos -, foi proferido o Acórdão Arbitral que, classificando a parcela como solo apto para a construção, calculou a indemnização devida ao Expropriado em 25.929.600$00 (cfr. fl.77 dos autos); b. na sequência do recurso interposto deste Acórdão Arbitral, foi realizada a peritagem em que foram apresentados os seguintes valores indemnizatórios: i. os peritos designados pelo Tribunal ponderaram 2 cenários indemnizatórios:
- classificando a parcela expropriada como terreno ‘fora do aglomerado urbano’ ou ‘solo para outros fins’, calcularam uma indemnização de 7.996.800$00 (cfr. fls. 251 e ss. dos autos);
- se a parcela for classificada como ‘solo apto para construção’, 2 dos Peritos nomeados pelo Tribunal, os Peritos Eng. C. e Eng. D., entendem como correcto o valor determinado no Acórdão Arbitral recorrido (cfr. a Adenda ao Relatório de Avaliação a fl. 255 dos autos), isto é, 25.929.600$00 (cfr. fl. 77 dos autos ). ii. o perito designado pelo Expropriado, classificando a parcela expropriada como solo apto para construção, calculou uma indemnização de 39.418.000$00 se for adoptada a metodologia do Código das Expropriações de 1991, ou de
20.914.000$00 se for seguido o Código das Expropriações de 1976 (cfr. fl. 269 e ss., maxime, fl. 280 dos autos).
2ª A Sentença recorrida classificou a parcela expropriada como solo apto para outros fins e aderiu ao valor indemnizatório que os Senhores Peritos designados pelo Tribunal calcularam para essa classificação do terreno (7.996.800$00), pelo que deverá ser revogada, pois esta parcela, sob qualquer perspectiva, deve ser classificada como solo apto para a construção .
3ª A declaração de utilidade pública desta expropriação foi proferida e publicada (1990) quando ainda vigorava o Código das Expropriações de 1976. No entanto, como bem se decidiu na Sentença recorrida, a classificação a adoptar deve fundar-se no Código das Expropriações de 1999. Na verdade, aquele Código de
1976 foi objecto de múltiplos juízos de inconstitucionalidade que afectaram a sua estrutura essencial e impedem a sua coerente interpretação e aplicação literal, designadamente quanto à classificação dos solos a que aí se procedia - solos integrados em aglomerado urbanos, em zona diferenciada de aglomerado urbano e fora de aglomerado urbano - e respectivos critérios indemnizatórios
(neste sentido a jurisprudência citada a págs. 24-25 e 26-27 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002).
4ª A parcela expropriada não pode deixar de ser qualificada como solo apto para construção, pelas seguintes razões principais: a. pela classificação que o Plano Director Municipal de Torres Vedras faz deste terreno: Espaço destinado à construção da Estação Elevatória de Águas (cfr., pág. 5, e., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002); b. pelo aproveitamento urbanístico determinado na declaração de utilidade pública para a parcela expropriada: construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas – este terreno foi expropriado para a construção de um complexo industrial denominado 'Estação Elevatória de Águas', um edifício servido por todas as infra-estruturas urbanísticas, que foi aí efectivamente construído
(acerca das características deste complexo e edifício, v. págs. 5-6 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002); c. pela situação urbanística da parcela expropriada: uma parcela de terreno edificada e infra-estruturada numa zona envolvente edificada e infra-estruturada
- (i) a parcela situa-se a cerca de 1.200 m. da Cidade de ----------------, a cerca de 300/450 metros da povoação --------------, núcleo urbano servido por todas as infra-estruturas urbanísticas, e a cerca de 300 metros de um outro núcleo urbano constituído pelo Hospital E. e diversas moradias destinadas a habitação, também servido por todas as infra-estruturas urbanísticas (cfr., pág.
7-8 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002); e (ii) esta zona é servida por redes de infra-estruturas urbanísticas como energia eléctrica, água, saneamento e rede de telecomunicações, fixas e móveis (cfr., pág. 8, p., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002). d. A parcela expropriada integra-se num terreno que margina com via pública pavimentada a betuminoso (CM ----------) a partir da qual se faz o acesso à parcela por caminho também pavimentado a betuminoso (cfr., pág. 6, h., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002); e. A parcela expropriada é hoje servida por todas as infra-estruturas urbanísticas: electricidade, saneamento, água, telefones e esgotos pluviais; e à data da declaração de utilidade pública o prédio em que se integra já era servido por via pública pavimentada dotada de rede de electricidade e telefones
(cfr., pág. 6, i., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002);
5ª Neste contexto. são decisivas as seguintes teses do Tribunal Constitucional: a. na classificação dos terrenos expropriados torna-se essencial verificar se o solo expropriado tem uma próxima ou efectiva aptidão urbanística (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº. 131/88, de 88.06.08, BMJ 378/168. e nº. 52/90, de
90.03.07, BMJ 395/91). A parcela expropriada tem uma próxima ou efectiva aptidão urbanística, pois foi efectivamente destinada à construção de um projecto urbanístico-edificativo que implicou a construção de edifícios de carácter industrial com todas as inerentes infra-estruturas urbanísticas. b. O Tribunal Constitucional também considerou inconstitucional a norma do artigo 24°, n° 5, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n° 267/97, Processo n° 460/95. DR II Série. n° 117, de
21.05.1997) - no mesmo sentido pode ainda ver-se a jurisprudência citada a págs.
34-35 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002).
6ª A classificação da parcela expropriada como solo apto para construção independe da referência temporal a utilizar para o efeito: 1990, ano da publicação da declaração de utilidade pública, ou a data das avaliações efectuadas, em que já vigorava o Plano Director Municipal de Torres Vedras. Se à luz deste Plano esta classificação não oferece quaisquer dúvidas (a parcela expropriada encontra-se classificada como espaço destinado à construção de estação elevatória), também a data da declaração de utilidade pública assim o determina. Na verdade, para além das infra-estruturas urbanísticas que já então serviam a parcela expropriada (cfr., supra, conclusão 4ª), o regime jurídico-urbanístico da parcela que vigorava ao tempo da declaração de utilidade pública determina o mesmo reconhecimento da efectiva capacidade urbanística e edificativa deste terreno, pois nessa época a parcela expropriada não estava sujeita a quaisquer limitações urbanísticas (cfr. pág. 9, t., das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002) e, por outro lado, a construção da estação elevatória nesta parcela. isto é, a execução do projecto expropriante, foi determinada pela própria declaração de utilidade pública, de acordo com as normas jurídicas que vigoravam ao tempo. Daqui a necessária conclusão de que, sob pena de nos depararmos com uma obra ilegal, ao tempo da declaração de utilidade pública o Direito aplicável já permitia a construção na parcela expropriada do complexo industrial e que aí foi efectivamente construído. Assim, qualquer que seja a data referência a ponderar, um regime que permitia a construção na parcela expropriada do complexo industrial e que aí foi efectivamente construído.
7° A classificação da parcela expropriada como solo apto para construção resulta ainda do princípio da proibição de enriquecimento sem causa da Administração Pública à custa dos expropriados. Na verdade, se a A. expropriou este terreno para dele fazer um específico aproveitamento urbanístico-edificativo não pode pretender pagar o preço de um solo puramente agrícola: se assim fosse estaria a enriquecer à custa do expropriado, pois pagaria muito menos do que teria que pagar se tivesse que adquirir o bem no mercado imobiliário de acordo com o fim que pretende. Nesta perspectiva, a justa indemnização corresponde ao valor económico de um bem e este traduz a soma de dinheiro que alguém se dispõe a pagar para adquiri-lo em função das suas aptidões e funcionalidades.
8ª O suporte constitucional das teses que ficaram expostas nas conclusões anteriores resulta, desde logo, da ideia de Estado de Direito, logo Estado de Justiça (artigo 2° da Constituição), e do princípio constitucional da justiça, compreendendo aí as necessárias justiça indemnizatória nas expropriações, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, equidade na repartição dos encargos públicos, boa-fé e protecção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (artigos 13°, 62° e 266°da Constituição), que resultarão violados pela norma que determine a classificação desta parcela como solo para outros fins.
9ª A Sentença recorrida, aplicando o art. 25°, nº.2, do Código das Expropriações de 1999, considerou que a parcela expropriada deveria ser classificada como
«solo para outros fins» uma vez que não reunia, à data da declaração de utilidade pública, qualquer das características tipificadoras de «solo apto para construção». Esta interpretação daquele preceito, redutora e formalista, é inconstitucional por violação dos arts. 2°,13°, 62°, n° 2, e princípios fundamentais referidos no art. 266° da Constituição, pelo que não pode proceder relativamente a cada um dos quatro factores que pondera, designadamente pelas seguintes razões: a. Pelo grau de infra-estruturação: desde há muito que a nossa jurisprudência e doutrina entendem, designadamente o Tribunal da Relação de Lisboa, de uma forma expressamente oposta. Na verdade, para que um terreno seja classificado como solo apto para construção não é necessário que seja servido por todas as infra-estruturas urbanísticas, a existência de mais ou menos dessas infra-estruturas apenas releva no cálculo indemnizatório estabelecido no artigo
26° do mesmo diploma e não na classificação do terreno (cfr. a jurisprudência e doutrina citadas a págs. 57-60 das Alegações dos Expropriados de 17.04.2002). Deste modo, porque a parcela expropriada já era servida, ao tempo da declaração de utilidade pública desta expropriação, por acesso rodoviário pavimentado dotado de rede eléctrica e telefones, e porque já situava numa zona urbanisticamente infra-estruturada e edificada (cfr., supra, conclusão 6ª), deveria ter sido classificada como solo apto para a construção. Violou-se, assim. o próprio art. 25°, n° 2, do Código de 1999. b. Quanto [ao] facto de se integrar ou não em aglomerado urbano, a Sentença recorrida acaba por recorrer ao critério indemnizatório estabelecido no Código das Expropriações de 1976 (arts. 30º e 33°) que, na própria Sentença recorrida, foi afastado com fundamento na sua inconstitucionalidade (cfr. pág. 11 desta Sentença). c. Quanto ao facto de ter ou não 'PDM aplicável', a Sentença recorrida incorre num manifesto erro nos pressupostos de Direito, pois presume, infundadamente, que só os solos submetidos a um plano director municipal podem ser classificados como solos aptos para a construção, o que é expressamente contrariado pelo art.
25°, n° 2, do Código de 1999 que se aplicou. Na verdade, não só um solo submetido a um PDM poderá ser classificado como 'solo para outros fins (se aí estiver classificado, por exemplo, como um espaço verde), como os solos dos concelhos onde ainda não existam planos directores municipais ou a vigência destes esteja suspensa podem, naturalmente, ser classificados como aptos para construção (cfr., por exemplo, o art. 25°, n° 2, a), do Código de 1999, onde, para ser classificado como solo apto para a construção, só se exige alguma das infra-estruturas aí previstas, independentemente, pois, de o terreno estar sujeito, ou não, a um plano director municipal). d. Quanto ao facto de dispor ou não de alvará ou licença de construção, a Sentença recorrida volta a incorrer num manifesto erro nos pressupostos de Direito, pois presume infundadamente que só os solos que disponham de alvará ou licença de construção podem ser classificados como solos aptos para a construção, o que é expressamente contrariado pelo art. 25°, n° 2, do Código de
1999 que se aplicou.
10ª Entretanto, porque relevante na classificação da parcela expropriada, foi publicado o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, onde se efectua uma caracterização da zona de Torres Vedras (onde se integra a parcela) que já se verificava na década de 1990. Da Introdução ao referido Plano (págs. 3289, 3293, 3297, 3302 e 3310 do Diário da República, I Série-B, n°82, 08.04.2002) podem retirar-se as seguintes conclusões quanto à envolvência de Torres Vedras na Área Metropolitana de Lisboa: a. O desenvolvimento da região de Lisboa durante os últimos 15 anos - e em particular das suas acessibilidades - tem levado a AML a alargar-se, tanto para o Oeste, até Torres Vedras, como pelo vale do Tejo, até Santarém, como para o Alentejo. b. A melhoria das condições de acessibilidade proporcionadas pela expansão e modernização das infra-estruturas de transportes tem constituído um dos principais indutores da reconfiguração da AML e do alargamento da sua área de influência. De facto, a melhoria das condições de acessibilidade que se verificaram nos últimos anos colocaram Torres Vedras e Santarém no espaço de relações directas e diárias com Lisboa, e a menos de noventa minutos da AML, Leiria, Torres Novas/Tomar/Abrantes, Évora e Sines. Em relação às dinâmicas e tendências dominantes de mudança identificaram-se sete tipos de espaços, nos quais Torres Vedras se inclui no segundo anel metropolitano, a par de Cascais, Sintra, Malveira e Setúbal - como pólos vocacionados para equipamentos e serviços - e Sintra – na vertente, complementar, de pólo de internacionalização cultural. Estes pólos ligados por infra-estruturas circulares a executar a curto prazo constituirão a coroa da AML, a partir da qual se faz a articulação com o exterior. c. De entre os pólos secundários cuja autonomia se tem revelado progressiva e potencialmente importante, salientam-se: Cascais-Estoril, Torres Vedras, Carregado-Ota (novo aeroporto) e Setúbal-Palmela.
11ª Esclarecidos e fundamentados os respectivos pressupostos, a parcela expropriada não pode deixar de ser avaliada como solo apto para construção. Neste cenário, o único que cumpre as referências constitucionais conexas, só são admissíveis 2 metodologias indemnizatórias: a. a que foi adoptado pelo Perito Eng. E. no seu Relatório de Avaliação quando seguiu o Código das Expropriações de 1991; b. a que foi adoptado no Acórdão Arbitral e tido como correcto por 2 dos Peritos designados por este Tribunal para a peritagem se o solo fosse classificado como solo apto para construção.
12ª No entanto, uma das referências adoptadas no Acórdão Arbitral não respeita as exigências da igualdade e da justiça indemnizatória, pois ateve-se a um limite legal já declarado inconstitucional. Falamos do índice fundiário de 15% que resulta do art. 33°, n° 1, do Código de Expropriações de 1976 (cfr. n° 3.2 do Acórdão Arbitral a fl. 76 dos autos) que os Acórdãos do TC n° 210/93, de 16 de Março (DR n° 124, II S. de 93.05.28). e n° 264/93. de 30 de Março (DR n° 182. II S., de 93.08.05) já julgaram inconstitucional na parte em que determinava que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderia exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir. Dado que o referido limite de 15% imposto ao índice fundiário pelo art. 33°, n°
1, do Código das Expropriações de 1976 foi julgado inconstitucional, deverá ser chamada à colação a metodologia que o Código das Expropriações de 1991 veio subsequentemente estabelecer para o efeito do artº 25º, nºs. 2 e 3. Assim, face
às referências deste preceito, o índice fundiário deverá ser de 25%.
13ª Assim, o valor indemnizatório da parcela expropriada deverá ser fixado nos seguintes termos: 4.200 m2 x 100.000$00 (custo const.) x 0,4 (índice const.) x
0,25 (índ. fundiário) = 42.000.000$00. Este valor determina uma indemnização por m2 de 10.000$00, reportada à data da declaração de utilidade pública que deverá ser actualizada de acordo com os índices de inflação até à data do seu efectivo pagamento.
14ª Este valor indemnizatório é substancialmente inferior ao valor de mercado de solos aptos para construção, designadamente industrial, pois, como resulta dos autos, o valor de mercado de terrenos urbanos na zona em que se insere a parcela expropriada é muitas vezes superior a 20.000$00/m2 (chegando a atingir valores superiores a 30.000$00/m2 ou 50.000$00/rn2), sendo o valor médio dessas referências superior àqueles 20.000$00/m2 (cfr. Anexo II ao Relatório de Avaliação do Perito Eng. E., de fls. 286 a 303 dos autos, e fI. 280 dos autos).
15ª Relativamente à parcela sobrante desvalorizada, dá-se aqui por integralmente subscrita a avaliação efectuada nos quadros do Código das Expropriações de 1991 pelo Perito Eng. E. no seu Relatório de Avaliação de fls. 278 a 280 dos autos, fixando-se o respectivo valor em 1.618.000$00, devidamente actualizado’.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Março de 2003, negou provimento à apelação.
Naquele aresto, foi entendido, em síntese:
- que a questão a decidir era a de saber se, relativamente à parcela expropriada, a mesma se devia considerar como solo apto para construção ou solo apto para outros fins;
- que, ao caso, era aplicável o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, atenta a data da declaração de utilidade pública - 8 de Agosto de 1990 -, muito embora se devesse ter em atenção, por um lado, as disposições desse diploma já declaradas inconstitucionais e, por outro, a análise que sobre outras foi levada a efeito pelo Tribunal Constitucional;
- que a potencialidade edificativa de um determinado terreno, tal como veio a precisar pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, ‘não se pauta por um critério abstracto de aptidão edificativa, já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação e então seria de reconhecer essa capacidade a quase todos, senão a todos os terrenos’, sendo que, na situação em apreço, ter-se-ia de atender, para efeitos da classificação do solo, à data da declaração de utilidade pública;
- que, muito embora no terreno se tivesse construído uma estação elevatória de águas, um tal edifício, que ‘contém, além do mais, diversas bombas da A., centro de controle electromecânico da estação elevatória e depósitos de
água com grande capacidade’, não era ‘enquadrável numa malha urbana’, pois que tal equipamento ‘não deve estar integrado nos núcleos urbanos, insusceptível de
«atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios»’, e a sua implantação ‘não trouxe consigo aptidão edificativa’;
- que, por isso, o terreno em causa se devia considerar como solo apto para outros fins;
- que, no caso, não se vislumbrava ‘que, por parte da Administração, tenha havido uma actuação de manipulação das regras urbanísticas’.
Na verdade, pode ler-se nesse acórdão:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ III
Conforme supra se referiu, a questão a discutir neste recurso é da qualificação da parcela expropriada, ou seja, saber se estamos perante solo apto para construção ou solo apto para outros fins, daí derivando o montante indemnizatório a atribuir.
Na douta sentença recorrida, considerou-se aplicável ao caso – e bem – o Cod. das Expropriações de 1976 (aprovado pelo DL 845/76 de 11/12), uma vez que a Declaração de Utilidade Pública (DUP), sendo o acto central e constitutivo da relação jurídica de expropriação, é datada de 8-8-1990 e publicada no DR de
15-10-1990, sendo esta data a relevante para determinação da lei aplicável
(neste sentido , vide, por exemplo, e entre muitos outros, Ac. da Rel. de Coimbra, de 27/04/99, Ac. Rel. de Lisboa, de 02/11/95, 16/01/97, acedidos em
ww.dgsi.pt. e Ac. Rel. de Lisboa, de 24/03/94, CJ, II, 98).
Sendo aplicável o CE de 1976, ter-se-á, no entanto, de tomar em consideração o facto de terem sido alvo de declarações de inconstitucionalidade, disposições que, na economia desse normativo, eram fulcrais na determinação da justa indemnização (assim sucedeu relativamente nº 1 e nº 2 do art. 30°, com os Acs. do TC nºs 131/88, DR, Série I, de 29/06/88, e n° 52/90, DR, Série I, de
30/03/90).
Mas subsistiram os art. 27° e 28° desse Código.
No art. 27° dispunha-se:
1 - A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito a receber uma justa indemnização.
2 - A indemnização será fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculada em relação à propriedade perfeita, saindo deste valor o que deva corresponder a quaisquer ónus ou encargos, salvo no que se refere à caducidade de arrendamento nos termos do artigo 36º.
E no art. 28°, nº 1:
A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.
No citado Ac. n° 131/88 do Tr. Constitucional, considerou-se o seguinte:
«A expropriação de coisas pode definir-se como «a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens móveis com um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória»
(cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª ed., p.
1020).
Na expropriação há, pois, uma extinção de direitos existentes sobre determinados bens, para efeito da sua transferência para uma outra esfera dominial por uma razão de utilidade pública, mediante, porém, o pagamento de uma justa indemnização. Por isso se diz que a expropriação vem a resolver-se numa conversão de valores patrimoniais. No património onde estavam os imóveis, a entidade expropriante põe o seu valor pecuniário. A justa indemnização, por sua vez, não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação.
O pagamento da justa indemnização é um dos requisitos constitucionais da expropriação. Traduz-se num princípio geral, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, de harmonia com o qual os actos lesivos de direitos e os danos causados a outrem determinam uma indemnização.
A Constituição, porém, embora estabelecendo que a indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., revista e ampliada, 1º vol., p. 331 ).».
Alves Correia, na sua obra ‘As garantias do particular na expropriação por utilidade pública’, separata do vol. XXIII do Supl. do Boletim da Fac. Dir. da Un. de Coimbra, Coimbra, 1982, pág. 129, considera que, de uma maneira geral,
«entende-se que «o dano material suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado ou, por outras palavras, ao respectivo valor do mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda»
Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, em parecer publicado na Col de Jur., ano XV (1990), tomo V, págs, 22 e segs., defendem que a indemnização, não sendo uma verdadeira indemnização, uma vez que não deriva do instituto da responsabilidade civil, nem um preço «visa restabelecer a igualdade perdida colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos» (pág. 25).
Em sucessivos arestos dos tribunais superiores tem-se vincado que o valor há-de ser o valor do mercado ( por exemplo: .Acs. R.C., de 27/04/99 , de
11/05/99 e de 01/11/2000, da Rel. de Lisb., de 17/03/92, 28/04/94,11/05/2000, acedidos em www.dgsi.pt., e Ac. R.P., de 28/05/87, C.J., III, 173).
Para se determinar a justa indemnização, à luz do artº 62°, nº2 da CRP, é possível lançar mão de critérios vários que conduzam a esse resultado (A. Rel, do Porto, de 13/12/2001).
O Tribunal Constitucional considerou, no Ac. n° 131/88, e noutros, que o direito à justa indemnização, em casos de expropriação, se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, para os efeitos previstos no artigo 17º da Constituição, pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos,
O conceito de ‘justa indemnização’ será, conforme se exarou no Assento do STJ, de 12/01/99, BMJ 483°, 13, «cláusula indeterminada e normativa», na linguagem de Engisch, aplicável a um número incerto de casos, pensamento formulado pela recepção de alguns casos típicos, base que permite ao aplicador do direito a sua individualização, ao preencher no caso concreto, definindo os seus contornos, a sua congénita generalidade e elevado grau de abstracção.
É na aplicação do direito, no jogo do binómio «vinculação e liberdade», que se vai esvaziando a sua indeterminabilidade».
No Ac. do Tr. Const, n° 121/2002, DR, Série II, de 12/12/2002, considerou-se que:
«O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado.
Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir.»
Assim, o eventual vazio criado pela inconstitucionalidade de alguns preceitos do C.E. de 1976 pode ser preenchido por todo o acervo jurisprudencial, maxime do Tribunal Constitucional, que levou à consagração de alguns critérios nos Códigos de 1991 e 1999. Daí que não seja de estranhar que o Mmo Juiz tenha lançado mão daqueles critérios que, embora plasmados, actualmente, no Cód. de
1999, afinal resultam do apuramento do labor doutrinal e jurisprudencial. Não se trata, pois, da aplicação desse normativo mas a adopção dos critérios, tidos por mais justos, que nele se consagraram.
Na douta sentença, entendeu-se que a parcela expropriada não deve ser considerada «solo apto para construção», mas como «solo apto para outros fins».
O Apelante discorda desta posição, como se retira das suas conclusões.
O Mmo Juiz tomou em consideração a situação existente à data da DUP. E
é essa, na verdade, que deve ser tida em conta, conforme se exarou, por exemplo, no Ac. da Relação de Lisboa, de 11/5/2000, acedido em www.dgsi.pt
«A indemnização por expropriação por utilidade pública não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medido pelo valor do bem expropriado, fixado objectivamente com base no valor de mercado, tendo em conta as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública » (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, veja-se o Ac. da Rel. de Lisboa, de 10/10/2000
(acedido na mesma base de dados), na qual se refere também que o montante da indemnização se deve calcular «com referência à data da declaração de utilidade pública, sem ter em conta elementos que ainda não existissem à data daquela declaração».
O Mmo Juiz teve em atenção, quanto a este aspecto, o seguinte substracto fáctico:
« - antes das obras efectuadas pela A. não existiam no local outras infraestruturas urbanísticas que servissem directamente a parcela expropriada, com excepção do acesso à mesma por via pavimentada;
- o terreno encontrava-se em zona predominantemente ocupada por vinha, embora a distância curta de núcleos urbanos;
- os solos integrantes do terreno configuravam solos de boa produtividade;
- não havia PDM aplicável à zona;
- a parcela dista cerca de 1200 metros de ----------, situava-se no alto do serro da povoação de --------------, a cerca de 300 metros desta povoação e a igual distância do Sanatório de -----------.».
Antes, tinha, estribando-se nos critérios definidos no artº 25° do actual Código das Expropriações, traçado o perfil de um «solo apto para construção»:
« - a) o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de
água, de energia eléctrica e de saneamento com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
- b) o que apenas dispõe de parte das referidas infraestruturas mas que se integra em núcleo urbano existente;
- c) o que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características das alíneas anteriores;
- d) o que, não estando abrangido pelas alíneas anteriores, possua alvará ou licença de construção em vigor no momento da DUP,»,
Em face deste cotejo entre a realidade existente à altura da DUP e os critérios que hoje estão consagrados, tendo em vista o princípio da ‘justa indemnização’ burilado, sobretudo, em sucessivos arestos do Tribunal Constitucional, concluiu o Mmº Juiz que a parcela expropriada deve ser classificada como «solo para outros fins», uma vez que não reunia à data da DUP, qualquer das indicadas características tipificadoras de «solo para construção»: não tinha a totalidade das infraestruturas exigíveis (mas só acesso rodoviário), não se situava em aglomerado urbano (embora estivesse a curta distância), não tinha PDM aplicável (que existe, mas posterior à DUP), não dispunha de licença ou alvará de construção.
Já no Ac. n° 131/88 do Tr. Const., em que se declarou inconstitucional a norma constante do nº 1 do art. 30° do Cód. das Expropriações de 1976, se vincava que deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, o
‘jus aedificandi’, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
Conforme se tem ponderado em vários acórdãos do mesmo Tribunal, como v.g., no Ac. nº 243/2001, DR, Série II, de 04/06/2001, «se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado. E ainda:
‘Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' [...] é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção.’
Esta potencialidade edificativa, como também se tem vindo a precisar nas decisões do T. Const., não se pauta por um critério abstracto de aptidão edificatória, já que abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação e então seria de reconhecer essa capacidade a quase todos, senão a todos os terrenos.
Tendo em atenção que o que importa, para efeitos de classificação do solo, é a data da DUP, parece não sofrer contestação a conclusão a que chegou o Mmº Juiz, pelas razões explanadas na sentença. Na verdade, conforme acima se referiu, não se podem invocar circunstâncias posteriores à DUP (como o PDM ou outras), sob pena de nos desviarmos da adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado.
É certo que, na parcela expropriada se construiu uma estação elevatória de águas e o Apelante refere, nas suas doutas alegações, que a parcela «tem uma próxima ou efectiva aptidão urbanística, pois foi efectivamente destinada à construção de um projecto urbanístico-edificativo que implicou a construção de edifícios de carácter industrial com todas as inerentes estruturas urbanísticas.»,
O Apelante cita, em seu abono, jurisprudência do Tribunal Constitucional.
A observação é pertinente e é, na realidade, um assunto – difícil – que tem sido discutido em arestos daquele Tribunal. Na realidade, se se expropria para construir edifícios, daí parece resultar a existência de uma potencialidade edificativa.
Salvo melhor opinião, não estamos perante um edifício enquadrável numa malha urbana, como também já foi ponderado pelo Tribunal Constitucional, no caso da construção de uma central de incineração de resíduos sólidos (vide Ac. Tr., Const. n° 419/2002, DR, Série II, de 30/12/2002). E tratando-se, obviamente de realidades diferentes, também aqui estamos perante um equipamento que, em nossa opinião, não deve estar integrado nos núcleos urbanos, insusceptível de «atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios» (cf. citado Ac. n°
419/2002). Se atentarmos na al. C) da matéria fáctica veremos que a o edifício em causa contém, além do mais, diversas bombas da A., centro de controle electromecânico da estação elevatória e depósitos de água com grande capacidade.
No acórdão em apreço, estabelece-se a destrinça entre uma construção que representa uma ampliação da malha urbana de certa localidade e outra que não tem essa virtualidade (nesta segunda categoria enquadra-se, salvo melhor opinião, o equipamento em causa nestes autos, cuja implantação não trouxe consigo aptidão edificativa).
Também importa referir que, conforme se considerou no Ac. do Tr. Const. n° 20/2000, DR, Série II, de 28/04/2000, a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como ‘solo apto para construção’, pois não se baseia na existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
Não se vê que haja, in casu, qualquer enriquecimento sem causa, não se vislumbrando que, por parte da Administração, tenha havido uma actuação de manipulação das regras urbanísticas, sendo, ademais, de recordar o princípio de que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo sofrido pelo expropriado e não compensar o benefício alcançado pelo expropriante.
Andou bem a sentença ao classificar o solo expropriado como ‘solo apto para outros fins’, não se violando, conforme resulta do atrás exposto, qualquer preceito constitucional.
Não merece, por isso, reparo o cálculo indemnizatório feito em tal sentença (que aqui se dá por reproduzida quanto a esse aspecto), tendo como base aquela classificação e a avaliação feita pelos Senhores Peritos a fs. 251 a 254 e na linha definida pela jurisprudência quanto a dar-se prevalência aos laudos dos peritos nomeados pelo Tribunal, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem.
O Apelante alude nas suas alegações a indemnização (em montante, que, como se viu, entendemos não ser o justo) reportada à data da declaração de utilidade pública, que deverá ser actualizada de acordo com os índices de inflação até à data do seu efectivo pagamento.
Na douta sentença, decidiu-se:
Fixar como valor da indemnização, a pagar pela entidade expropriante ao expropriado a quantia de Esc. 7.996.800$00 (sete milhões novecentos e noventa e seis mil e oitocentos escudos), sendo 6.720.000$00 pela parcela expropriada e
1.276.800$00 pela parcela sobrante, quantia global que se actualiza nesta de acordo com os índices de preços ao consumidor nos meses de Setembro a Dezembro de 2001 e que não se indicam desde já porquanto os mesmos não se encontram todos
ainda publicados.
Na fundamentação da sentença, referiu-se que a indemnização a fixar, com referência à data da DUP, terá de ser actualizada até à data da decisão final do processo, isto é, até à data da decisão agora proferida,
Apenas o Expropriado recorreu da sentença e a sua divergência, quanto a este aspecto, reporta-se ao momento até ao qual a actualização se deve estender (o Apelante entende que deve sê-lo até ao efectivo pagamento).
Como se viu, fez-se a actualização até à data da sentença, desconhecendo, naturalmente, o Mmº Juiz, na altura em que a proferiu, se iria ser interposto recurso.
Uma vez que foi interposto recurso, a actualização deve estender-se até à decisão final, que passa a ser este acórdão (é o que resulta, salvo melhor interpretação, do Acórdão de uniformizador de jurisprudência nº 7/2001 de
12/07/2001, DR, Série I-A, de 25/10/2001).
Nesse Acórdão fixou-se a seguinte jurisprudência:
«Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado».
Sucede que o Apelante já recebeu o quantitativo em que havia acordo
(1.041637$00), do qual foram deduzidos os preparos e as custas prováveis) – vide despacho de fls. 162.
Na sentença recorrida, não se fez menção a esse montante, fazendo-se incidir a actualização, até aí, sobre todo o quantitativo atribuído e há que respeitar essa decisão, pois não houve impugnação no que a esse aspecto concerne. Porém, havendo que proceder a actualização até a este momento, não se pode ignorar, pelo menos com efeitos desde a data da sentença, que já houve entrega daquela quantia.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Do aresto de que a respectiva fundamentação se encontra transcrita solicitou a expropriante a sua rectificação, enquanto que o expropriado veio requerer a respectiva aclaração, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Setembro de 2003, procedido à pretendida rectificação e desatendido o pedido de aclaração formulado pelo expropriado.
Notificado desse acórdão de 25 de Setembro de 2003, requereu o expropriado a sua reforma.
No requerimento consubstanciador do pedido, o expropriante disse, a dado passo:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
4. A regra de que a justa indemnização é calculada por referência à situação existente à data da declaração de utilidade pública pretende delimitar os factores a atender no respectivo cálculo, designadamente pela negativa: não são ponderáveis quaisquer circunstâncias posteriores a esse acto, neste caso, o próprio projecto expropriante previsto na declaração de utilidade pública, o edifício construído na parcela expropriada pela A., a classificação urbanística desta parcela no Plano Director Municipal aprovado após a declaração de utilidade pública, a expansão urbanística que entretanto ocorreu na zona onde se integra a parcela, o benefício da entidade beneficiária da expropriação, etc..
5. Uma regra assim configurada, tradicional na legislação portuguesa ordinária
(no Código das Expropriações de 1999, art. 23º, nº 1), não assegura os princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da proporcionalidade
(arts. 2º, 13º, 266º da Constituição) que conformam decisivamente a justa indemnização constitucionalmente assegurada aos expropriados como sucedâneo do direito fundamental de propriedade privada cuja ablação é imposta por razões de utilidade pública.
..............................................................................................................................................................................................................................................
9. Foi precisamente este tipo de considerações que já levou o Tribunal Constitucional e a doutrina mais autorizada a defender a solução que se defende. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 263/98. de
5.03.98: ‘... aquela questão está intimamente ligada ao problema mais geral do momento do cálculo do montante da indemnização, devendo esse momento ser aquele em que se procede a avaliação e não qualquer outro; a arbitragem e, no caso de haver recurso desta, a avaliação feita pelos peritos. E isto porque o princípio constitucional da ‘justa indemnização’ impõe que esta, fixada com base na ponderação de uma vasta gama de factores, esteja o mais actualizada possível em relação o valor do bem. (...) Por conseguinte, o valor da coisa deve ser reportado ao momento em que se procede à sua avaliação e não ao momento da declaração de utilidade pública. De facto, deve ser concedida ao expropriado uma indemnização o mais actualizada possível, pelo que deve considerar-se errónea a opinião que defende que a declaração de utilidade pública congela o valor do bem’ (cf. As Garantias do Particular, cit. p. 151)’.
.............................................................................................................................................................................................................................................. II. Edifício enquadrável em malha urbana
12. Ao considerar que só nas situações em que se expropria para a construção de edifícios enquadráveis numa malha urbana os solos deverão ser classificados e avaliados como aptos para a construção, o Acórdão sub judice procede a uma distinção de projectos expropriantes sem uma razão ou justificação suficientes.
.............................................................................................................................................................................................................................................. A norma que distingue, de entre os projectos expropriantes que podem conferir aptidão edificativa a solos expropriados, entre os projectos ‘enquadráveis em malha urbana e não enquadráveis em malha urbana’, projectos ‘susceptíveis ou insusceptíveis de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios’ e que ‘representam ou não ampliações da malha urbana’, não respeita as exigências constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da proibição de enriquecimento sem causa e do Estado de Direito (arts. 2º, 13º,
266º da Constituição), pois diferencia sem atender às soluções urbanísticas dos próprios projectos e à sua relação como o solo expropriado para o efeito - sob pena de um retorno ao critério do aglomerado urbano do Código de 1976, diversas vezes julgado inconstitucional, os solos aptos para construção não se esgotam na sua realização com malhas urbanas.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 15 de Janeiro de 2004, desatendeu o pedido de reforma, dizendo que no seu anterior aresto de 13 de Março de 2003 foi entendido que, ao caso, era aplicável o Código das Expropriações de 1976, sendo que, tendo em conta que alguns desses preceitos foram considerados inconstitucionais, o ‘que levou à consagração de alguns critérios [d]os Códigos de 1991 e 1999’, não era de estranhar que a sentença da
1ª instância tenha lançado mão ‘daqueles critérios que, embora plasmados, actualmente, no Cód. de 1999, afinal resultam do apuramento do labor doutrinal e jurisprudencial’, não se tratando, assim, da aplicação dos normativos do citado compêndio normativo, antes ‘da adopção dos critérios, tidos por mais justos, que neles se consagraram’.
E acrescentou que no reformando acórdão se vincou, fundado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a justa indemnização pela perda do bem se alcança seguramente quando se opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado, que a capacidade edificativa do terreno já deveria existir aquando da declaração de utilidade pública e que tal capacidade tem de ser perspectivada quando a ‘potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também uma simples possibilidade abstracta sem concretização nos planos municipais de ordenamento’.
Por fim, que naquele reformando acórdão se entendeu que, para efeitos de classificação do solo, se deveria atender à data da declaração de utilidade pública.
Na sequência da notificação do acórdão de 15 de Janeiro de 2004, o expropriado apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor:-
‘B., Recorrente no processo à margem referenciado, notificado do Acórdão de
15.01.2004, que desatendeu o pedido de reforma do Acórdão de 13.03.2003, vem, nos termos do artigo 70°, n° 1, b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC), interpor recurso para o Tribunal Constitucional deste Acórdão de 13.03.2003. A. Recurso interposto nos termos do artigo 70º, n° 1, b), da LTC
1. Nos termos do art. 75°-A, n° 1, da LTC, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional e que foram efectivamente aplicadas pelo referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa são as seguintes:
a. a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem e da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização. Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 8ª (por referência à conclusão 4ª) e na conclusão 9ª das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido, bem como no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nº s. 3 e ss., designadamente n° 5. b. a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística que, posteriormente à declaração de utilidade pública mas antes da arbitragem, tenha sido adoptada para o terreno por plano director municipal - solução urbanística correspondente ao projecto que aí foi executado pela entidade beneficiária da expropriação. Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004 (a situação a atender é a que se verifica à data da declaração de utilidade pública). A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 8ª (por referência à conclusão 4ª, a.) e na conclusão 9ª das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido, bem como no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 4 e ss.. c. a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a declaração de utilidade pública determina para o terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial. Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004 (a situação a atender é a que se verifica à data da declaração de utilidade pública). A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 8ª (por referência à conclusão 4ª, b.) e na Conclusão 9ª das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido, bem como no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 4 e ss.. d. a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial . Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004 (a situação a atender é a que se verifica à data da declaração de utilidade pública). A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada no Requerimento de Reforma de
14.10.2003, nos. 4 e ss.. e. na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização só será de atender ao fim da expropriação/projecto expropriante para reconhecer aptidão urbanística ao solo expropriado (i) nas situações em que se expropria para a construção de edifícios enquadráveis numa malha urbana, (ii) nos casos em que os projectos expropriantes sejam susceptíveis de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios ou (iii) em que representam ampliações da malha urbana. Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 16 do Acórdão recorrido. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada no Requerimento de Reforma do Acórdão recorrido de 14.10.2003, nº.12. f. na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização, a construção de um edifício totalmente infra-estruturado (energia eléctrica, água, saneamento, acesso rodoviário pavimentado) destinado a estação elevatória de águas, a 300 m. de dois núcleos urbanos, não é suficiente para ser reconhecida aptidão urbanística ao solo expropriado por não ser enquadrável numa malha urbana, não ser susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios nem representar uma ampliação da malha urbana. Esta regra foi aplicada, por exemplo, na pág. 16 do Acórdão recorrido. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada no Requerimento de Reforma do Acórdão recorrido de 14.10.2003, nº.12. g. na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização não deve ser considerada qualquer aptidão urbanística ao terreno que tenha acesso por rodovia pavimentada e se situe numa zona edificada e infra-estruturada (água, saneamento, energia eléctrica a 300 m. e, à mesma distância, dois núcleos urbanos), para a qual não existe plano director municipal vigente nem qualquer restrição ao aproveitamento urbanístico do solo. Esta regra foi aplicada, por exemplo, nas págs. 14-15 do Acórdão recorrido. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 8ª (por referência à conclusão 4ª, c. e d.) das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido. h. os terrenos expropriados em zonas em que não existe plano director municipal
(nem consequentes restrições urbanísticas) e para os quais não haja sido emitido licença ou alvará de construção, só podem ser classificados como 'solo apto para construção' se forem servidos ‘pela totalidade das infra-estruturas exigíveis’ ou se se situarem em aglomerado urbano. Esta regra foi aplicada, por exemplo, nas págs. 14, último parágrafo, e 15 do Acórdão recorrido. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 9ª, a), das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido.
2. As normas e princípios constitucionais violados O Recorrente entende que as referidas normas aplicadas violam (i) o direito fundamental do Expropriado à propriedade privada e a uma justa indemnização - art. 62° da Constituição; (ii) o direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais - art. 20° da Constituição; (iii) o princípio do Estado de Direito,
(iv) a equidade na repartição dos encargos públicos, bem como (v) os princípios constitucionais da boa-fé, da igualdade (designadamente entre expropriados, entre expropriados e não expropriados, entre os expropriados e a comunidade, entre expropriados e a Administração Pública, entre expropriados e outros agentes económicos privados), da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade e da proibição do enriquecimento sem causa da Administração Pública, da comunidade e de outros agentes económicos privados à custa dos expropriados (arts. 2°, 13°, 20°, 62°, 266° e 204° CRP). B. Recurso interposto nos termos do artigo 70º, n° 1, g), da LTC
3. O Tribunal Constitucional, no Acórdão n° 263/98, de 5.03.98, decidiu o seguinte: ‘... aquela questão está intimamente ligada ao problema mais geral do momento do cálculo do montante da indemnização, devendo esse momento ser aquele em que se procede a avaliação e não qualquer outro: a arbitragem e, no caso de haver recurso desta, a avaliação feita pelos peritos. E isto porque o principio constitucional da 'Justa indemnização’ ‘ impõe que esta, fixada com base na ponderação de uma vasta gama de factores, esteja o mais actualizada possível em relação ao valor do bem. (...) Por conseguinte, o valor da coisa deve ser reportado ao momento em que se procede à sua avaliação e não ao momento da declaração de utilidade pública. De facto, deve ser concedida ao expropriado uma indemnização o mais actualizada possível, pelo que deve considerar-se errónea a opinião que defende que a declaração de utilidade pública congela o valor do bem’ (cf: As Garantias do Particular, cit., p. 151)’. Assim, numa clara adesão à tese de FERNANDO ALVES CORREIA aí citada e relator do Acórdão, o Tribunal Constitucional afastou-se deliberadamente da declaração de utilidade pública como referência, absoluta e formal, a atender na classificação dos solos expropriados e no cálculo indemnizatório: relevam nessa classificação e cálculo todos os factos que podem influir na medida da indemnização, mesmo que posteriores à prática daquele acto administrativo. Pelo contrário, como já referimos, no Acórdão recorrido aplicou-se a norma segundo a qual a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem, da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004. Assim, salvo melhor opinião, a aplicação de uma norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
4. O Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a norma que exclui da classificação 'solo apto para construção' os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n° 267/97, Processo n° 460/95, DR II Série, n°
117, de 21.05.1997). Apesar de este Acórdão se ter debruçado ex professo sobre o art. 24°, n° 5, do Código das Expropriações de 1991, o título legislativo que suporta a norma é aqui o menos importante: o objecto daquele juízo de inconstitucionalidade não foi tanto aquele preceito como a norma que daí se retirava. Nesse sentido, claramente, as seguintes passagens do referido Acórdão: a. O Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro, surgiu como diz ALVES CORREIA (na sua Introdução ao Código das Expropriações e Outra Legislação sobre Expropriações por Utilidade Pública), na sequência das várias criticas de que tinha sido alvo o anterior Código aprovado pelo Decreto-Lei n° 845/76, de 11 de Dezembro. Uma das principais críticas «relacionava-se com os critérios de determinação do valor dos terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano e em aglomerado urbano, constantes dos artigos 30º, nº s. 1 e 2, e 33° daquele Código, os quais, na medida em que se postergavam elementos importantes caracterizadores do valor real e corrente do bem expropriado, violavam o artigo 62°, n° 2, da Constituição e infringiam o princípio da igualdade de encargos, ao imporem aos proprietários daqueles terrenos um sacrifício que não era integralmente compensado pela indemnização» (Loc. cit., p. 14) - pág. 586315864; b. O princípio da justiça e o da proporcionalidade constituem duas vertentes do princípio da igualdade. Como já se referiu, a vinculação da Administração por estes princípios exige que o proprietário do terreno seja compensado quando, por razões de interesse público, seja alvo de sacrifícios violadores de tais princípios. Ora, não deixa margem para dúvidas que, no caso dos autos, os expropriados foram alvo de sacrifícios especiais violadores dos referidos princípios. O acréscimo de contribuição dos expropriados para a prossecução do interesse público coloca-os numa situação de desigualdade perante os demais cidadão, numa desigualdade perante os encargos públicos [cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n°184/92 (publicado no Diário da República 28 Série, de 18 de Setembro de 1992)]. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 341/86 (publicado no Diário da República, 28 Série, de 19 de Março de 1987), não pode nem deve conceber-se uma indemnização por sacrifício como um instituto complementar dos impostos, sob pena de vira ser violado o princípio da igualdade. Significa isto que, perante tal sacrifício, tendo em conta a situação do prédio e a sua capacidade edificatória, não pode o terreno ser expropriado por uma quantia irrisória, sob pena de se desrespeitar o princípio da justiça e da proporcionalidade. Segundo o artigo 62°, n° 2, da CRP, a «requisição e expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização». Ora, a norma do n° 5 do artigo 24° do CE, que determina ser «equiparado para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção», é inconstitucional, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes da utilidade pública agrícola, na medida em que impõe um sacrifício desproporcionado (acrescido) aos particulares (pág. 5865 do Acórdão); c. A situação dos autos não diverge muito daquela que se vinha registando até à publicação do actual CE quando às chamadas zonas verdes ou de lazer. A propósito destas escreve Alves Correia (Código das Expropriações e Outra Legislação sobre Expropriações por Utilidade Pública, p. 23): «Disposição inovadora é igualmente o n° 2 do artigo 26°. Nele se refere que, no caso de expropriação de solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz (...), o valor de tais solos é calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m. do limite da parcela expropriada. A lei manda, assim, atender no cálculo do valor dos solos destinados por um plano urbanístico a zonas verdes ou de lazer que venham a ser adquiridos pela Administração, pela via da expropriação, a factores próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para a construção. Aplaude-se o aparecimento desta disposição, já. que, ao prescrever um tal método de determinação do valor dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano urbanístico, corta cerce quaisquer tentativas de 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderiam traduzir-se na classificação dolosa por parte de um município, num plano urbanístico por si aprovado, de um terreno como zona verde, desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção» . O que Alves Correia diz, a propósito dos planos no que respeita às zonas verdes ou de lazer vale igualmente para a situação dos autos (pág. 5865 do Acórdão). Relativamente a este Acórdão do Tribunal Constitucional, sublinhe-se o seguinte, porque essencial: a. este Acórdão considerou que deveria ter sido classificado como solo apto para construção um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional pelo respectivo plano director municipal que foi expropriado para a construção de um quartel de bombeiros; b. na expropriação que nos ocupa neste processo, a parcela expropriada não estava onerada por qualquer restrição urbanística (RAN, REN, ou outra), pelo que a sua classificação como solo apto para construção atendendo ao fim da expropriação levanta necessariamente menos dúvidas (sendo até reforçada pelo facto de ser o próprio PDM a conferir aptidão urbanística a esta parcela, ao contrário do caso decidido pelo Tribunal Constitucional, onde o terreno estava integrado na RAN pelo respectivo PDM). Assim, de um lado, no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, um juízo de inconstitucionalidade relativo à norma que impede a classificação do solo expropriado como ‘apto para a construção’ quando a expropriação é efectuada para a construção de edifícios; do outro, no Acórdão recorrido a aplicação da norma que segundo a qual os solos expropriados para a construção de edifícios não determinam a sua classificação como ‘apto para a construção’, ou , por outras palavras, a expropriação de um terreno para a construção de um edifício e demais infra-estruturas não é suficiente para a sua classificação como ‘solo apto para construção’. Assim, salvo melhor opinião, a aplicação de uma norma já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
5. Nos termos do art. 70º, nº 2, da LTC, a admissibilidade deste recurso para o Tribunal Constitucional justifica-se pelo facto de o Acórdão recorrido não ser passível de recurso ordinário – nos termos do art. 66º, nº 5, do Código das Expropriações de 1999, ‘não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida’ (para além da jurisprudência firmada relativamente ao Código de 1991, tratar-se-á, como vem sendo defendido, de uma norma processual de aplicação imediata)’.
Em face do teor do transcrito requerimento de interposição do recurso, o relator do Tribunal Constitucional, em de 23 de Março de 2004, proferiu o seguinte despacho:-
‘Tendo em atenção a forma como se encontra redigido o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, e atendendo a que, no Tribunal a quo, não foi utilizado o disposto no nº 5 do artº 75º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, convido o recorrente, ex vi do nº 6 daquele mesmo artigo:-
- a, no que tange ao recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da referida Lei, [ ] dar cabal cumprimento aos números 1 e 2, ainda do indicado artigo, designadamente esclarecendo, em termos exactos e perceptíveis, quais as normas que pretende submeter à apreciação deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, indicando os concretos preceitos em que as mesmas se integram, a exacta dimensão interpretativa que, quanto a tais preceitos, foi aplicada pela decisão impugnada e em que peça processual, precedentemente ao acórdão de 13 de Março de 2003 - que é a decisão ora intentada censurar - suscitou a questão de inconstitucionalidade respeitante a tal dimensão;
- a, no que se reporta ao recurso fundado na alínea g) do nº1 do referenciado artº 70º, indicar, concretamente, qual a norma que foi anteriormente julgada inconstitucional por este Tribunal e que, em contrário à decisão pelo mesmo tomada, foi aplicada em concreto pelo acórdão de 13 de Março de 2003’.
Na sequência do despacho do relator, o recorrente veio apresentar requerimento nos seguintes termos:-
‘A. Convite relativo ao recurso interposto ao abrigo do art. 70°1 n° 1. b). da LTC
1. As normas cuja (in)constitucionalidade se pretende ver apreciada por este Venerando Tribunal Constitucional são as que ficaram recortadas no 1 ° parágrafo de cada uma das 8 alíneas do n° 1 do requerimento de recurso interposto em 04.02.2004:
Alíneas a. e b. i. Estas normas encontram-se numa relação de norma geral (a.)/norma especial
(b.), ou, de outra forma, a norma da alínea b. apresenta-se como desenvolvimento, densificação ou concretização (no especifico domínio dos autos) da norma geral que ficou redigida na alínea a., admitindo-se que possam ser objecto de um único julgamento e decisão (subsunção, especialidade). ii. De qualquer modo, pela referida relação, a sua formulação também pode ser apresentada de uma forma unitária, designadamente nos seguintes termos: Em expropriações por utilidade por pública, a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização devida devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem e da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização, não relevando para aquele efeito, pois, uma nova solução urbanística que, posteriormente à declaração de utilidade pública, tenha sido adoptada para o terreno por plano director municipal - solução urbanística correspondente ao projecto que, entretanto, foi executado na parcela expropriada pela entidade beneficiária da expropriação. iii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, págs.
14/15 e págs. 15 - 16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004. iv. Recordando que esta expropriação foi determinada por uma declaração de utilidade pública adoptada ainda na vigência do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 845/76, de 11 de Dezembro, a norma cuja constitucionalidade se questiona tinha ,o seu suporte articulado no art. 29°, n°
1, deste Código de 1976, onde se prescrevia o seguinte: ‘Para a determinação do valor dos bens, não pode tomar-se em consideração a mais-valia resultante de
(...) quaisquer circunstâncias ulteriores a essa declaração’[declaração de utilidade pública]. De qualquer modo, esta norma também viria a ser adoptada no art. 22°, n° 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro:
‘A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, (...), tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública’. v. Estes preceitos foram interpretados e aplicados no sentido de que a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem e da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização, não relevando para aquele efeito, pois, uma nova solução urbanística que, posteriormente à declaração de utilidade pública, tenha sido adoptada para o terreno por plano director municipal – solução urbanística correspondente ao projecto que, entretanto, foi executado na parcela expropriada pela entidade beneficiária da expropriação. vi. A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada na Conclusão 8ª (por referência à conclusão 4ª) e na conclusão 9ª das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido, bem como no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 3 e ss., em especial nºs. 4 e 5. Alínea c. i. A norma que se pretende apreciada pode ser formulada nos seguintes termos: em expropriações por utilidade por pública a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a declaração de utilidade pública determina para o terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial. ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte (cfr., supra, nota 2), págs. 14/15 e págs. 15-16 do Acórdão recorrido (cfr., supra, nota 3). e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004 (cfr., supra, nota 4). iii. Esta norma tinha o seu suporte articulado no art. 29°, n° 1, deste Código de 1976, onde se prescrevia o seguinte: ‘Para a determinação do valor dos bens, não pode tomar-se em consideração a mais-valia resultante (...) da própria declaração de utilidade pública. expropriação (...)’. De qualquer modo, esta norma também viria a ser adoptada no art. 22°, n° 3, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro:
‘Para determinação do valor dos bens não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar da própria declaração de utilidade pública da expropriação para todos os prédios da zona em que se situa o prédio expropriado’. iv. Estes preceitos foram interpretados e aplicados no sentido de que a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a declaração de utilidade pública determina para o terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra- estruturas urbanísticas, um projecto industrial. v. A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada na Conclusão 8ª, por referência à conclusão 4ª, b), e na conclusão 9ª das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido, bem como no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 3 e ss., em especial nºs. 4 e 5. Alínea d. i. Esta norma pode ser formulada nos seguintes termos: em expropriações por utilidade por pública a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial. ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte (cfr., supra, nota 2), págs. 14/15 e págs. 15-16 do Acórdão recorrido (cfr., supra, nota 3), e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004 (cfr., supra, nota 4). iii. Esta norma tinha o seu suporte articulado no art. 29°, n° 1, deste Código de 1976, onde se prescrevia o seguinte: ‘Para a determinação do valor dos bens, não pode tomar-se em consideração a mais-valia resultante (...) da própria declaração de utilidade pública da expropriação ou, ainda, de quaisquer circunstâncias ulteriores a essa declaração (...)’. De qualquer modo, esta norma também viria a ser adoptada no art. 22°, n° 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro:
‘A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, (...), tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública’. iv. Estes preceitos foram interpretados e aplicados no sentido de que a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial. v. A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada Requerimento de Reforma de
14.10.2003, nºs. 3 e ss., especialmente nºs. 4 e 5. vi. Sobre a oportunidade da arguição desta inconstitucionalidade, este Venerando Tribunal, no Despacho de fls. 827 dos autos, convida o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso indicando ‘em que peça processual, precedentemente ao ac6rdão de 13 de Março de 2003 - que é a decisão ora intentada censurar - suscitou a questão de inconstitucionalidade respeitante a tal dimensão’. Relativamente a esta questão, este Venerando Tribunal tem reconhecido que há casos excepcionais em que a questão de inconstitucionalidade pode ser suscitada em momento posterior à decisão recorrida (o recorrente não ter tido oportunidade processual de suscitar a questão, nomeadamente quando a aplicação da norma leva implícita alguma surpresa, pelo facto de essa aplicação não se ter colocado até aí): o critério essencial será assim o de colocar o Tribunal recorrido no dever de decidir a questão de constitucionalidade que lhe é colocada, o que também é conseguido nos pedidos de reforma da decisão. Esta situação excepcional é exactamente a que se verifica neste recurso. Na verdade, o Recorrente invocou várias normas inconstitucionais antes do Acórdão recorrido ter sido proferido, com excepção daquelas cuja aplicação não tinha sido equacionada até esse momento, pelo próprio Tribunal ou pela parte contrária, envolvendo um elemento surpresa que o legislador pretendeu evitar nos processos judiciais. Neste sentido entre outros (o sublinhado é nosso), a. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 11.03.1997, Processo ACTC7444,
www.dgsi.pt: ‘I - É requisito de admissibilidade de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do nº. 1, do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional que a questão de inconstitucionalidade da norma seja suscitada ‘durante o processo’, entendida esta expressão no sentido de que tal questão tem de ser levantada enquanto a causa se encontra pendente, isto é, antes de proferida a decisão final. II - No entanto, a jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido que há casos excepcionais em que aquele requisito de admissibilidade pode ser dispensado, em virtude de o recorrente não ter tido oportunidade processual de suscitar a questão, nomeadamente quando a aplicação da norma constitui uma surpresa, não lhe sendo exigível que previsse tal possibilidade’; b. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 17.04.1997, Processo ACTC00007555,
www.dgsi.pt: ‘I - A inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal suscitação e feita em tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão, isto é, antes de ser proferida a decisão sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade. II - A questão de constitucionalidade não se suscita em tempo e modo processualmente adequados, entre casos, quando só e levantada no pedido de arguição de nulidade da sentença ou no requerimento de interposição do recurso para o tribunal constitucional. III – A orientação geral assim definida não será de aplicar em determinadas situações de todo excepcionais, ou seja, naqueles casos anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto e, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal ‘a quo’ sobre a matéria a decidir, ainda assim existira o direito ao recurso de constitucionalidade’; c. Acórdão do Tribunal Constitucional, de 22.05.1996, Processo ACTC6686,
www.dgsi.pt: ‘I - O Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado em jurisprudência pacífica e unânime que um dos requisitos específicos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional consiste na necessidade de a questão de inconstitucionalidade ter sido suscitada durante o processo, sob pena de não poder tomar-se conhecimento do objecto do recurso. II - A expressão ‘durante o processo’' deve ser entendida no sentido de ter sido dada ao juiz ‘a quo’ a possibilidade de se pronunciar sobre a questão, isto é, antes de esgotado o seu poder judicial. III - Não são deste modo, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade – em vista de ulterior recurso para este Tribunal - o pedido de aclaração de decisão judicial ou a arguição da sua nulidade. IV - Existem casos excepcionais ou anómalos em que tem de entender-se dispensada a exigência de suscitação durante o processo dessa questão: uma destas situações ocorre quando a aplicação da norma questionada no caso concreto. surpreende o recorrente. não lhe sendo exigível que o previsse. Assim, porque pelo Requerimento de Reforma do Acórdão recorrido foi ‘dada ao juiz a quo a possibilidade de se pronunciar sobre a questão (...) antes de esgotado o seu poder judicial’, colocando-se mesmo ao Tribunal recorrido o dever de decidir as questões ali suscitadas, parece-nos cumprido este requisito legal.
....... Alínea e. i. Esta norma pode ser formulada nos seguintes termos: na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida só será de atender ao fim da expropriação/projecto expropriante para reconhecer aptidão urbanística ao solo expropriado (i) nas situações em que se expropria para a construção de edifícios enquadráveis numa malha urbana, (ii) nos casos em que os projectos expropriantes sejam susceptíveis de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios ou (iii) em que representam ampliações da malha urbana. ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág.16 do Acórdão recorrido, 4° parágrafo. iii. Esta norma não tinha suporte no articulado do Código de 1976 e também não o tem no Código das Expropriações de 1991, diplomas que consagram mesmo soluções diametralmente opostas à génese, fundamento e pressupostos da norma sub judice. De facto, esta norma surge na sequência da já vasta jurisprudência deste Venerando Tribunal Constitucional sobre a relevância do projecto expropriante na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública. Em boa hora, com o Acórdão n° 267/97, de 19.03.1997 (DR, II Série, de
21.05.1997), este venerando Tribunal passou a entender que as mais elementares regras da justiça constitucional exigiam que o projecto expropriante fosse um elemento a ponderar no cálculo indemnizatório. No entanto, porque se trata de uma tese nova, recente, no Direito das Expropriações português, a exacta configuração normativa dessa relevância do projecto expropriante ainda se encontra por fazer, tendo vindo a ser propostas diferentes formulações a propósito de cada projecto expropriante (rodovias, estações de tratamento de
águas residuais, estruturas energéticas, etc.). A formulação da norma cuja constitucionalidade agora se questiona resulta, essencialmente, do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 419/2002 (DR, II Série, de 30.12.2002) citado no Acórdão recorrido (pág. 16, 4° parágrafo). Trata-se de uma norma sem um directo suporte articulado em qualquer dos Códigos das Expropriações que têm vigorado na ordem jurídica portuguesa: é uma interpretação normativa retirada, essencialmente, dos princípios estruturantes que conformam a justiça indemnizatória nas expropriações (igualdade, igualdade perante os encargos públicos, proporcionalidade, proibição de enriquecimento sem causa, etc.) . iv. A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 4, 5 e 12. A oportunidade da invocação da presente inconstitucionalidade já ficou demonstrada a propósito da norma anterior (supra, pág.7-50) Sublinha-se, de qualquer modo, que a aplicação desta norma nunca havia sido defendida pela Entidade Expropriante ou equacionada pelo Tribunal ou pelos Expropriados: o elemento surpresa é aqui notório e decisivo para fundamentar esta oportunidade. Alínea f i. Esta norma pode ser formulada nos seguintes termos: na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser reconhecida aptidão urbanística a um solo expropriado para a construção de um edifício totalmente infra-estruturado
(energia eléctrica, água, saneamento, acesso rodoviário pavimentado) destinado a estação elevatória de águas, a 300 m. de dois núcleos urbanos infra-estruturados, por não, ser enquadrável numa malha urbana, não ser susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios nem representar uma ampliação da malha urbana. Esta norma aproxima-se da que foi referida na alínea anterior mas não se confunde com a mesma, pois aqui relevam também, simultaneamente, as características do projecto expropriante e a proximidade a núcleos urbanos infra-estruturados ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 16, 4° parágrafo, do Acórdão recorrido. iii. Relativamente ao suporte legal desta norma, vale aqui, de pleno, o que deixámos referido em iii. da alínea e norma anterior. iv. A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada no Requerimento de Reforma de 14.10.2003, nºs. 4, 5 e 12. A oportunidade da invocação da presente inconstitucionalidade já ficou demonstrada a propósito das normas anteriores (supra, pág.7-50). Sublinha-se, de qualquer modo, que a aplicação desta norma nunca havia sido defendida pela Entidade Expropriante ou equacionada pelo Tribunal ou pelos Expropriados: o elemento surpresa é aqui notório e decisivo para fundamentar esta oportunidade. Alínea g i. Esta norma pode ser formulada nos seguinte termos: na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser considerada qualquer aptidão urbanística ao terreno que tenha acesso por rodovia pavimentada e se situe numa zona edificada e infra-estruturada (água, saneamento, energia eléctrica a 300 m. e, à mesma distância, dois núcleos urbanos), para a qual não existe plano director municipal vigente nem qualquer restrição ao aproveitamento urbanístico do solo. ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, nas págs. 14-15 do Acórdão recorrido . iii. Esta norma corresponde à interpretação que o Tribunal recorrido deu ao art.
24°, n° 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro: ‘Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento de declaração da utilidade pública’. iv. Este preceito foi interpretado e aplicado no sentido de que na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser considerada qualquer aptidão urbanística ao terreno que tenha acesso por rodovia pavimentada e se situe numa zona edificada e infra-estruturada (água, saneamento, energia eléctrica a 300 m. e, à mesma distância, dois núcleos urbanos), para a qual não existe plano director municipal vigente nem qualquer restrição ao aproveitamento urbanístico do solo. v. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 8ª, por referência à Conclusão 4ª, c. e d., das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido. Alínea H i. Esta norma pode ser apresentada desta forma: os terrenos expropriados em zonas em que não existe plano director municipal (nem consequentes restrições urbanísticas) e para os quais não haja sido emitido licença ou alvará de construção, só podem ser classificados como 'solo apto para construção' se forem servidos ‘pela totalidade das infra-estruturas exigíveis’ ou se se situarem em aglomerado urbano. ii. Esta norma foi aplicada, por exemplo, nas págs. 14/15 do Acórdão recorrido. iii. Esta norma corresponde à interpretação que o Tribunal recorrido deu ao art.
24°, n° 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n° 438/91, de 9 de Novembro: ‘Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento de declaração da utilidade pública’. iv. Este preceito foi interpretado e aplicado no sentido de que na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização os terrenos expropriados, em zonas em que não existe plano director municipal (nem consequentes restrições urbanísticas) e para os quais não haja sido emitido licença ou alvará de construção, só podem ser classificados como 'solo apto para construção' se forem servidos ‘pela totalidade das infra-estruturas exigíveis’ ou se se situarem em aglomerado urbano. v. A inconstitucionalidade desta regra foi suscitada na Conclusão 9ª, a), das Alegações de Recurso para o Tribunal recorrido (refere-se nessa conclusão o correspondente artigo do Código de 1999, mas, de facto, a norma efectivamente aplicada pelo Tribunal a quo foi a do Código de 1991. B. Convite relativo ao recurso interposto ao abrigo do art. 70° n° 1 da L TC
1. A norma que foi aplicada no Acórdão recorrido e já entendida como inconstitucional pelo Tribunal Constitucional é a que resulta do art. 22°, n° 2, e 23°, n° 1, do Código de 1991 – a avaliação deve reportar-se à data da declaração de utilidade pública: a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem, da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização. Esta norma foi aplicada, por exemplo, na pág. 13, 2ª parte, e pág. 15-16 do Acórdão recorrido, e, posteriormente, na pág. 7 do Acórdão de 15.01.2004. O julgamento, implícito, da inconstitucionalidade desta norma resulta do Acórdão deste Venerando Tribunal n° 263/98, de 5.03.98: ‘(...) o principio constitucional da ‘Justa indemnização’ impõe que esta, fixada com base na ponderação de uma vasta gama de factores, esteja o mais actualizada possível em relação ao valor do bem. (...) Por conseguinte, o valor da coisa deve ser reportado ao momento em que se procede à sua avaliação e não ao momento da declaração de utilidade pública. De facto, deve ser concedida ao expropriado uma indemnização o mais actualizada possível, pelo que deve considerar-se errónea a opinião que defende que a declaração de utilidade pública congela o valor do bem’ (cfr. n° 3 do Requerimento de recurso para este Venerando Tribunal).
2. O Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a norma que exclui da classificação 'solo apto para construção’ os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n° 267/97, Processo n° 460/95, DR II Série, n°
117, de 21.05.1997). No Acórdão recorrido aplicou-se a norma julgada inconstitucional. Na verdade, de um lado, no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, um juízo de inconstitucionalidade relativo à norma que impede a classificação do solo expropriado como 'apto para construção’ quando a expropriação é efectuada para a construção de edifícios; do outro, no Acórdão recorrido, a aplicação da norma que segundo a qual os solos expropriados para a construção de edifícios não determinam a sua classificação como 'apto para a construção', ou, por outras palavras, a expropriação de um terreno para a construção de um edifício e demais infra-estruturas não é suficiente para a sua qualificação indemnizatória como
'solo apto para a construção' (para mais desenvolvimentos, o n° 4 do Requerimento de recurso para este Venerando Tribunal)’.
2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
2.1. Começando pelo recurso ancorado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, verifica-se, se bem se entende o requerimento apresentado pelo recorrente na sequência do convite que lhe foi dirigido, que o acórdão pretendido impugnar teria:-
- por um lado, aplicado a norma resultante dos preceitos constantes do nº 2 do artº 22º e do nº 1 do artº 23º, ambos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, com um sentido segundo o qual ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem, da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização’;
- por outro, teria aplicado uma norma, cujo preceito onde se insere o impugnante não indica, segundo a qual são excluídos ‘da classificação ‘solo apto para construção’ os solos expropriados com a finalidade de neles se edificar par fins diferentes de utilidade pública’.
2.1.1. Para o recorrente, a aplicação da norma extraída dos preceitos dos artigos 22º, nº 2, e 23º, nº 1, do Código das Expropriações de 1991 teria sido aplicada nas páginas 13, segunda parte, 15 e 16 do acórdão impugnado e na página 7 do acórdão de 15 de Janeiro de 2004, em contrário do decidido pelo Acórdão nº 263/98 do Tribunal Constitucional.
Em primeiro lugar, por mais que se leia e releia o acórdão recorrido, em nenhum passo do mesmo, e muito menos nos pontos ora indicados pelo recorrente
(e, bem assim, no ponto, pelo mesmo assinalado, do acórdão de 15 de Janeiro de
2004), se vislumbra que o mesmo tenha, de uma banda, aplicado, ao caso que tinha de decidir, normas insertas no Código das Expropriações de 1991. Antes, e pelo contrário, como bem resulta do acórdão (o já citado de 15 de Janeiro de 2004) que decidiu o pedido de reforma do acórdão de 25 de Setembro de 2003, foi vincado que ao caso em apreço eram tão só aplicáveis as disposições do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro (e que foi deste compêndio normativo que se serviu o acórdão de 13 de Março de 2003, que decidiu a apelação), devendo-se, porém, ter em conta os juízos de inconstitucionalidade que já incidiram sobre algumas das suas normas.
E, de outra banda, de todo em todo, nunca, no presente processo, foi afirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, para efeitos de determinação do valor do bem expropriado, se haveria de fazer unicamente reporte ao momento da declaração de utilidade pública.
O que, inequivocamente, se extrai do acórdão recorrido é que, para efeitos de se saber como qualificar o solo expropriado, haveria que atender-se
às características que apresentava aquando da declaração de utilidade pública.
Ora, isto nada tem a ver directamente com o critério do valor do terreno expropriado e da data à qual ele deve atender.
Certamente que, de acordo com a natureza do solo, diferente será a repercussão do respectivo valor. Porém, não foi qualquer norma (ainda que alcançada mercê de um processo interpretativo) da qual se retirasse que, para efeitos de classificação do solo, se deveria tomar em conta tão só a data da declaração de utilidade pública, aquela que foi alvo do julgamento de inconstitucionalidade levado a efeito pelo Acórdão deste Tribunal nº 263/98.
Neste contexto, não tem, in casu, cabimento o recurso fundado n alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, referentemente à norma resultante dos preceitos constantes do nº 2 do artº 22º e do nº 1 do artº 23º, ambos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91.
2.1.2. No que concerne à norma que exclui da classificação como solo apto para construção os terrenos expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola, sustenta o recorrente que tal norma foi já julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 267/97, tendo o acórdão ora impugnado aplicado essa mesma norma.
Não se nega que este Tribunal, naquele seu aludido Acórdão, julgou inconstitucional o nº 5 do artº 24º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, ‘enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola’.
Simplesmente, após a prolação desse aresto, o juízo de inconstitucionalidade no mesmo tomado - atendendo às circunstâncias rodeadoras das situações de onde emergiram os recursos de fiscalização concreta posteriores ao caso decidido pelo mesmo Acórdão nº 267/98 - não veio a ser reiterado.
Neste particular, retomam-se aqui as palavras utilizadas no recente Acórdão nº 275/2004 (ainda inédito):
‘............................................................................................................................................................................................................................................
O Tribunal Constitucional teve oportunidade, por diversas vezes no passado, nomeadamente em casos em que estavam em causa acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que consideravam inconstitucional - e, consequentemente, desaplicavam -, a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma.
De facto, a norma contida no n.º 5 do 24º do Código das Expropriações de 1991 foi efectivamente julgada inconstitucional, ‘enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola’, pelo Acórdão n.º 267/97
(publicado no Diário da República, II série, de 21 de Maio de 1997). Este juízo, não veio, todavia, a repetir-se em casos posteriormente julgados neste Tribunal. Assim, no acórdão 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000), decidiu-se ‘não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação’. E esta jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade, veio a ser confirmada e desenvolvida posteriormente pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação, mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), e nos acórdãos n.ºs
219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e
557/2003 (publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).
Da jurisprudência do Tribunal decorre que a norma do n.º 5 do artigo
24º do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num
único caso em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria n.º 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos – por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de ‘qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em «manipulação das regras urbanísticas», com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público’, não julgou a norma inconstitucional.
..............................................................................................................................................................................................................................................
No que se refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional
(ou na Reserva Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional também já teve ocasião de salientar que, para efeitos da ‘justa indemnização’, o que releva não
é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, salvaguardando, nomeadamente, o facto de se poder entender que a Constituição, pela determinação do pagamento de uma ‘justa indemnização’, não impõe a qualificação como ‘solo apto para construção’ de terrenos integrados naquelas Reservas, ainda que expropriados para que neles se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cfr. acórdãos n.ºs 333/2003 e 557/2003 já citados). Acresce que, ainda em relação a terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional (objecto de parecer favorável para uma das limitadas utilizações não agrícolas que tais terrenos – solos agrícolas - podem, legalmente, vir a ter, por força de interesse público que o legitime), se afirmou naquele citado acórdão n.º 557/2003, que se justifica,
‘a conclusão de que a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de
'solo apto para a construção' o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para fins diversos da utilidade pública agrícola permitidos por lei, em concreto com a finalidade de nele se construir uma escola – tendo sido concedido parecer favorável à utilização do solo agrícola para esse fim, nos termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho -, não é inconstitucional, não violando qualquer princípio constitucional, nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.’
A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da ‘vinculação situacional’ da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no Acórdão n.º 347/2003 já citado:
‘[...] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou
áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. [...]’
Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da ‘produção e a produtividade da agricultura’ e a garantia de um 'uso e [] gestão racionais dos solos’, e no artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para
‘garantir a conservação da natureza’. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que ‘uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo’ (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Em primeiro lugar, dificilmente se poderia sustentar que, considerando a situação sub specie, o acórdão recorrido, efectivamente, tivesse feito apelo, como sua ratio decidendi, à norma ínsita no nº 5 do artº 24º do Código das Expropriações de 1991 (e sem se olvidar aqui o que acima já ficou dito acerca da não aplicação dos normativos daquele corpo de leis), numa dimensão interpretativa segundo a qual eram excluídos da classificação de «solo apto para construção» os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diversos da utilidade pública agrícola.
E que foi este norma, em tal precisa dimensão, a que foi objecto do julgamento de inconstitucionalidade por parte do Acórdão nº 268/97, isso é questão da qual se não pode duvidar.
Ora, em parte alguma do acórdão recorrido se dá por assente que o terreno expropriado fosse um «solo» integrado na Reserva Agrícola Nacional. Antes se considerou que o solo em causa veio a ser abrangido, pelo Plano Director Municipal aprovado posteriormente à declaração de utilidade pública, por forma a o mesmo ser tão somente destinado à construção da estação elevatória de águas.
De onde, logo por aqui não será cabido o recurso fundado na já mencionada alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o qual, ainda que o fosse (e já se viu que a abertura dessa via de impugnação, no caso, não poderia ocorrer), estaria, em face da jurisprudência tomada após o falado Acórdão nº
268/97, votado ao insucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa assentou, em termos que não podem ser censurados pelo Tribunal Constitucional, que não houve, na situação, qualquer actuação da Administração com vista à manipulação das regras urbanísticas.
2.2. Pelo que tange aos recursos a que se reporta a alínea b) dos mesmos número e artigo, pretende o recorrente (e, uma vez mais, se bem se entende o requerimento apresentado na sequência do convite que lhe foi dirigido) a apreciação:-
- da inconstitucionalidade das normas constantes do preceituado no nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976 e no nº 2 do artº 22º do Código das Expropriações de 1991, interpretados no sentido de que a ‘classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem e da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização, não relevando para aquele efeito, pois, uma nova solução urbanística que, posteriormente à declaração de utilidade pública, tenha sido adoptada para o terreno por plano director municipal – solução urbanística correspondente ao projecto que, entretanto, foi executado na parcela expropriada pela entidade beneficiária da expropriação’, questão que teria sido suscitada na «conclusão» 8ª, por referência à «conclusão» 4ª, e na
«conclusão» 9ª da alegação de recurso;
- da inconstitucionalidade das normas constantes dos mesmos preceitos, interpretadas no sentido de que ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a declaração de utilidade pública determina para o terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial’, questão que teria sido suscitada nas indicadas «conclusões»;
- da inconstitucionalidade das normas constantes dos mesmos preceitos, interpretadas no sentido de que ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial’, questão que teria sido suscitada no requerimento de reforma do acórdão recorrido, sendo que não teria sido possível ao impugnante, antes do proferimento de tal aresto, efectuar tal suscitação;
- da inconstitucionalidade de uma «norma», não extraível de qualquer concreto preceito, seja do Código das Expropriações de 1976, seja do de 1991, segundo a qual ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida só será de atender ao fim da expropriação/projecto expropriante para reconhecer aptidão urbanística ao solo expropriado [...] nas situações em que se expropria para a construção de edifícios enquadráveis numa malha urbana, [...] nos casos em que os projectos expropriantes sejam susceptíveis de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios ou [...] em que representam ampliações da malha urbana’, questão que teria sido suscitada no requerimento de reforma do acórdão recorrido, sendo que não teria sido possível ao impugnante, antes do proferimento de tal aresto, efectuar tal suscitação;
- da inconstitucionalidade de uma «norma» não extraível de qualquer concreto preceito, seja do Código das Expropriações de 1976, seja do de 1991, segundo a qual ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser reconhecida aptidão urbanística a um solo expropriado para a construção de um edifício totalmente infra-estruturado (energia eléctrica, água, saneamento, acesso rodoviário pavimentado) destinado a estação elevatória de águas, a 300 m. de dois núcleos urbanos infra-estruturados, por não, ser enquadrável numa malha urbana, não ser susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios nem representar uma ampliação da malha urbana’, questão que teria sido suscitada no requerimento de reforma do acórdão recorrido, sendo que não teria sido possível ao impugnante, antes do proferimento de tal aresto, efectuar tal suscitação;
- da inconstitucionalidade da norma constante do preceito do nº 2 do artº 24º do Código das Expropriações de 1991, na interpretação de acordo com a qual ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser considerada qualquer aptidão urbanística ao terreno que tenha acesso por rodovia pavimentada e se situe numa zona edificada e infra-estruturada (água, saneamento, energia eléctrica a 300 m. e, à mesma distância, dois núcleos urbanos), para a qual não existe plano director municipal vigente nem qualquer restrição ao aproveitamento urbanístico do solo’, questão que teria sido suscitada na «conclusão» 8ª, por referência à «conclusão» 4ª, e na «conclusão» 9ª da alegação de recurso;
- da inconstitucionalidade da norma constante do mesmo preceito, na interpretação de harmonia com a qual ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização os terrenos expropriados, em zonas em que não existe plano director municipal (nem consequentes restrições urbanísticas) e para os quais não haja sido emitido licença ou alvará de construção, só podem ser classificados como
'solo apto para construção' se forem servidos ‘pela totalidade das infra-estruturas exigíveis’ ou se se situarem em aglomerado urbano’, questão que teria sido suscitada na «conclusão» 9ª a) da alegação de recurso.
2.2.1. No que respeita às normas que teriam sido extraídas de uma dada interpretação, conferida pelo acórdão ora impugnado, aos diversos preceitos constantes do Código das Expropriações de 1991, reitera-se aqui o que já acima ficou exposto no antecedente ponto 2.1.1. da vertente decisão, isto é, que aquele acórdão não fez, de todo em todo, aplicação de normas precipitadas naquele compêndio normativo.
Poderia, porventura, a «filosofia» subjacente ao legislador, ao editar tal compêndio - e à qual não teria sido indiferente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tomada sobre alguns preceitos do Código das Expropriações de
1976 - ter iluminado a forma como o acórdão recorrido veio a entender como deveria ser dada solução jurídica ao caso que tinha que apreciar. Simplesmente, para tanto, não se socorreu, em termos de subsunção jurídica dilucidadora do caso, de qualquer preceito do indicado Código das Expropriações de 1991 (ou seja:- não convocou, como ratio juris da sua decisão, qualquer um dos preceitos
ínsitos nesse Código).
Desta sorte, não se poderá analisar qualquer dos preceitos atinentes ao Código das Expropriações de 1991, pois que falha, na situação, um dos requisitos do recurso da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, precisamente o que consiste na aplicação, na decisão recorrida, da norma objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
2.2.2. No que se liga às apelidadas «normas» que, na óptica do recorrente, teriam sido aplicadas pelo acórdão impugnado como razão de ser do aí decidido e que se não extraem de qualquer preceito, quer do Código das Expropriações de 1976, quer do Código das Expropriações de 1991, afigura-se como meridianamente claro que elas não podem ser objecto do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, aquilo que o recorrente apelida de «normas» mais não é que a solução que o aresto em crise conferiu ao caso que tinha que apreciar, pelo que assacar-lhes o vício de inconstitucionalidade é, em rectas contas, imputar a enfermidade constitucional à própria decisão. E isto, note-se, sem que, neste particular, se entre em linha de conta, por um lado, com a circunstância de se duvidar se, na realidade, houve algum critério, tal como o recorrente o desenha, que, como tal, foi acolhido no acórdão em causa, e, por outro, se a enunciação de norma como sendo a de onde se extrai que ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida só será de atender ao fim da expropriação/projecto expropriante para reconhecer aptidão urbanística ao solo expropriado [...] nas situações em que se expropria para a construção de edifícios enquadráveis numa malha urbana, [...] nos casos em que os projectos expropriantes sejam susceptíveis de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios ou [...] em que representam ampliações da malha urbana’ e que ‘na classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e na fixação da justa indemnização devida não deve ser reconhecida aptidão urbanística a um solo expropriado para a construção de um edifício totalmente infra-estruturado (energia eléctrica, água, saneamento, acesso rodoviário pavimentado) destinado a estação elevatória de águas, a 300 m. de dois núcleos urbanos infra-estruturados, por não, ser enquadrável numa malha urbana, não ser susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios ou escritórios nem representar uma ampliação da malha urbana’ é uma forma adequada de colocação de uma questão de inconstitucionalidade, já que, com tal modo de dizer, se está, no fundo, a atender à matéria de facto ou à subsunção do caso, o que redundará num intento de abrir a via de «recurso de amparo», figura que o nosso ordenamento jurídico não prevê como modo de se aquilatar da conformidade das decisões judiciais ou dos actos administrativos com o Diploma Básico. E, por outro lado, sem que, igualmente, se tome em consideração a questão de saber se seria procedente a invocação, feita pelo recorrente, segundo a qual lhe não teria sido possível efectuar a suscitação da enfermidade constitucional previamente ao proferimento do acórdão recorrido.
2.2.3. Volvamos agora a atenção para o preceito do nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976, quando:-
- interpretado no sentido de que a ‘classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública só devem considerar a situação existente à data da declaração de utilidade pública e não a que se verifique à data da arbitragem e da sua avaliação judicial ou ao tempo da sentença que fixa a justa indemnização, não relevando para aquele efeito, pois, uma nova solução urbanística que, posteriormente à declaração de utilidade pública, tenha sido adoptada para o terreno por plano director municipal – solução urbanística correspondente ao projecto que, entretanto, foi executado na parcela expropriada pela entidade beneficiária da expropriação’;
- interpretado no sentido de que ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a declaração de utilidade pública determina para o terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial’;
- interpretado no sentido de que ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial’.
2.2.4. Segundo o recorrente, a suscitação referente da primeira e segunda das indicadas dimensões interpretativas teria sido operada nas
«conclusões» 8ª, por referência à 4ª, e 9ª da alegação de recurso.
O teor das indicadas «conclusões» encontra-se acima transcrita, pelo que, neste passo, se não deverá efectuar a sua repetição.
É por demais claro que, atento tal teor, nunca no mesmo se equaciona, reportadamente ao preceito vertido no nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976, uma questão de desarmonia constitucional, ainda que dirigida a um seu qualquer sentido interpretativo. E o mesmo se verifica se se atentar nas «conclusões» 5ª, 6ª e 7ª (transcritas no ponto 1. desta decisão), a que a «conclusão» 8ª se refere.
Aliás, a «conclusão» 9ª, ao impostar uma desconformidade constitucional, fá-lo em relação ao nº 2 do artº 25º do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, preceito que, por modo algum, foi aplicado pelo acórdão recorrido (e não interessará agora ponderar se porventura seria possível, não obstante o recorrente, antes do acórdão impugnado, se ter reportado a tal preceito, que o objecto do recurso de constitucionalidade viesse, afinal, a incidir, como aquele recorrente pretende, sobre norma constante do Código das Expropriações de 1991).
Nestes termos, e porque não foi suscitada qualquer questão de desarmonia constitucional em relação ao preceito do nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976, quando interpretado nos sentidos de que agora se cura, não se tomará conhecimento do objecto do recurso atinente a esses sentidos.
2.2.5. Resta analisar o mencionado preceito (nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976) quando ao mesmo teria sido dada a interpretação de que ‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial’.
A norma assim alcançada teria, segundo o impugnante, sido adoptada pelo acórdão recorrido nas suas páginas 13, segunda parte, 14, 15 e 16, e no acórdão que analisou o pedido de reforma daquele aresto, sendo que àquele mesmo impugnante, antes da prolação do acórdão recorrido, não teria sido possível suscitar a questão de inconstitucionalidade, já que, quer na decisão tomada na
1ª instância, quer por banda da «parte» contrária, não teria sido conferida ao preceito do nº 1 do dito artº 29º uma tal interpretação, razão pela qual se desenharia aqui uma daquelas situações excepcionais que, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, era dispensável o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Cumprirá, num primeiro passo, saber se, efectivamente, o acórdão recorrido se socorreu da interpretação do nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976 por forma a dele se extrair que na classificação do solo, para efeitos de determinação do critério indemnizatório, [não] se deve atender à solução urbanística decorrente do projecto da entidade expropriante que, antes de realizada a arbitragem, esta efectuou no terreno expropriado.
Ora, como deflui da acima transcrita fundamentação carreada ao acórdão recorrido, o que por este foi entendido foi que o terreno objecto de expropriação, à data da declaração de utilidade pública, mercê das características que apresentava, não podia ser classificado como um «solo apto para outros fins», desta arte se não podendo o mesmo classificar como «solo apto para construção»; e isso porque o mesmo não tinha, então, uma real potencialidade edificativa, sendo que as construções de carácter industrial - com vista à estação elevatória de águas e depósitos de águas - que no mesmo vieram a ser edificadas pela A., tratavam-se de equipamentos que não deveriam estar integrados nos núcleos urbanos e, por isso, não poderiam ser consideradas como edifícios representativas ou potenciadores de ampliação da malha urbana, motivo pelo qual se não poderia considerar que tais construções trouxeram aptidão edificativa ao terreno.
Estas considerações foram, aliás, retomadas no acórdão de 15 de Janeiro de 2004, que decidiu o pedido de reforma do acórdão recorrido.
Isso significa que se não pode sustentar que no acórdão recorrido tivesse sido levado a cabo o sentido normativo ora em apreço relativamente ao preceito do já indicado nº 1 do artº 29º.
Na verdade, no aresto em crise não foi perfilhada a óptica de harmonia com a qual era liminarmente de afastar que, para efeitos de classificação da parcela expropriada, não havia que ter em linha de conta determinadas circunstâncias de onde decorresse que os projectos ou soluções urbanísticas levados a efeito pela entidade expropriante se não repercutiam em tal classificação. O que se entendeu, isso sim, foi que, no caso que se tinha que apreciar, as construções efectuadas na parcela representavam equipamentos destinados à estação elevatória e depósito de águas, os quais, por si só, não tinham a virtualidade de conferir ao terreno as características de um «solo apto para construção», tendo em conta o que já atrás se disse.
Aliás, neste particular, o acórdão recorrido entendeu que não merecia, no ponto, censura a sentença proferida na 1ª instância que, ao fim e ao resto, perfilhou idêntica perspectiva.
Isto vale por dizer, de um lado, que não foi aplicado o preceito por forma a comportar a dimensão interpretativa que ora se aprecia e, de outro, que se não pode sustentar que essa dimensão (ainda que porventura tivesse sido adoptada pelo acórdão recorrido - e não o foi, como se viu) tivesse sido sufragada pela primeira vez pelo acórdão recorrido de modo de todo insólito e imprevisível e com o qual o recorrente não podia razoavelmente contar.
De onde se não congregarem, também aqui, os pressupostos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
3. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto dos recursos interpostos, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou o recorrente B., mas tão só na parte em que na mesma se pronunciou sobre o recurso pelo mesmo interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Fê-lo nos seguintes termos:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
1. O recurso para este Venerando Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do art. 70º, nº 1, da LTC.
Esta Reclamação só pretende ter como objecto a Decisão Sumária na parte em que se pronunciou sobre o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do art. 70º, nº 1, da LTC.
2. A decisão proferida sob o nº 2.2.1. da Decisão Sumária (fl. 897)
2.1 Neste processo já foi por diversas vezes salientada a dificuldade em localizar num específico diploma o sistema normativo a considerar e as normas jurídicas que foram efectivamente aplicadas pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido quanto à determinação do critério indemnizatório a adoptar nesta expropriação. Na verdade, pelo facto de a declaração de utilidade pública desta expropriação ter sido proferida no âmbito do Código das Expropriações de 1976 e de a estrutura essencial deste diploma quanto à justa indemnização ter sido objecto de sucessivos julgamentos de inconstitucionalidade, as dificuldades são enormes.
2.2 Essas dificuldades foram assumidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que apresentou desta forma o critério utilizado para as superar no Acórdão de
13.03.2003:
a. ‘Sendo aplicável o CE de 1976, ter-se-á, no entanto, de tomar em consideração o facto de terem sido alvo de declarações de inconstitucionalidade, disposições que, na economia desse normativo, eram fulcrais na determinação da justa indemnização (assim sucedeu...)’ - cfr. pág.
10 do referido Acórdão.
b. ‘Assim, o eventual vazio criado pela inconstitucionalidade de alguns preceitos do C.E. de 1976 pode ser preenchido por todo o acervo jurisprudencial, maxime do Tribunal Constitucional, que levou
à consagração de alguns critérios nos Códigos de 1991 e 1999. Daí que não seja de estranhar que o Mmo. Juiz tenha lançado mão daqueles critérios que, embora plasmados, actualmente, no Cód. de 1999, afinal resultam do apuramento do labor doutrinal e jurisprudencial. Não se trata, pois, da aplicação desse normativo mas a adopção dos critérios, tidos por mais justos, que nele se consagraram’ - cfr. pág. 10 do referido Acórdão.
Assim, este Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa referenciou expressamente o sistema normativo considerado e as normas jurídicas aplicadas às seguintes fontes: (i) ao Código das Expropriações de 1976; (ii) ao acervo jurisprudencial produzido em torno da justa indemnização devida aos expropriados, maxime pelo Tribunal Constitucional; e (iii) ao labor doutrinal sobre a matéria. Por outro lado, essencial para o aqui se pretende demonstrar, o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu expressamente que o referido acervo jurisprudencial considerado e aplicado, maxime do Tribunal Constitucional, levou a que o legislador tivesse consagrado nos Códigos das Expropriações de 1991 e de 1999 alguns desses critérios.
Assim, independentemente da formal localização das normas jurídicas aplicadas em qualquer das fontes anunciadas, o Acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre reconhece que aplicou normas (critérios normativos) que vieram a ser consagradas nos Código de 1991 e de 1999: ‘Não se trata, pois, da aplicação desse normativo [Código de 1999, actualmente] mas a adopção dos critérios, tidos por mais justos, que nele se consagraram’ - cfr. pág. 10 do referido Acórdão.
2.3 A decisão proferida sob o nº 2.2.1. da Decisão Sumária assentou na seguinte consideração essencial: ‘No que respeita às normas que teriam sido extraídas de uma dada interpretação, conferida pelo acórdão ora impugnado, aos diversos preceitos constantes do Código das Expropriações de 1991, reitera-se aqui o que já acima ficou exposto no antecedente ponto 2.1.1 da vertente decisão, isto é, que aquele acórdão não fez, de todo em todo, aplicação de normas precipitadas naquele compêndio normativo’ (pág. 34).
2.4 Como nos parece ter ficado demonstrado pelo que se deixou referido em
2.2 desta Reclamação, parece-nos que, salvo o devido respeito, esta Decisão Sumária, ao considerar que não haviam sido aplicadas no Acórdão recorrido normas consagradas no Código de 1991, enferma de um erro nos pressupostos, pois, como ficou expressamente referido nesse Acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou efectivamente normas que se encontram consagradas no Código das Expropriações de 1991 (e no de 1999).
2.5 Contra esta conclusão, a Decisão Sumária contrapõe o seguinte:
‘Poderia, porventura, a «filosofia» subjacente ao legislador, ao editar tal compêndio - e à qual não teria sido indiferente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tomada sobre alguns preceitos do Código das Expropriações de
1976 - ter iluminado a forma como o acórdão recorrido veio a entender como deveria ser dada solução jurídica a caso que tinha que apreciar. Simplesmente, para tanto, não se socorreu, em termos de subsunção jurídica dilucidadora do caso, de qualquer preceito do indicado Código das Expropriações de 1991 (ou seja: não convocou, como ratio júris da sua decisão, qualquer um dos preceitos
ínsitos nesse Código).
2.6 Salvo melhor opinião, parece-nos que esta correcta leitura do labor hermenêutico desenvolvido no Acórdão recorrido não permite a decisão de não conhecer do objecto do recurso. As razões que suportam este entendimento são as seguintes: a. O menos importante do julgamento de inconstitucionalidade que se pretende submeter a este Venerando Tribunal é o suporte legal, o artigo, o preceito, onde essa norma se encontra positivada; importante, decisivo, é a norma jurídica questionada e que essa norma tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida. b. A afirmação precedente ganha particular relevância no contexto decisório do Acórdão recorrido. Na verdade, excepcionando a primeira parte do seu art. 28º, nº 1, o Código das Expropriações de 1976 não teve qualquer relevância no julgamento proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. De nada vale afirmar que o regime aplicável é o Código de 1976 quando, a final, nenhum preceito desse diploma veio a ser efectivamente aplicado. De facto, como se refere expressamente no Acórdão recorrido, as normas aí aplicadas resultam, no essencial, do acervo jurisprudencial invocado, em especial deste Venerando Tribunal (cfr., supra, nºs. 2.1 e 2.2). Deste modo, parece-nos certo que procurar afincadamente o suporte legal, o artigo, o preceito, que titulam as normas aplicadas contraria o próprio Acórdão e a metodologia - louvável - aí adoptada na configuração das normas aplicadas: a fonte dessas normas foi a jurisprudência, em particular dos Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional aí invocados, e não diplomas legais. c. No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, acertadamente, mais não fez do que criar, nos termos do art. 10º, nº 3, do Código Civil, ‘a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema’. Que assim foi, uma vez mais, o próprio Acórdão: ‘Assim, o eventual vazio criado pela inconstitucionalidade de alguns preceitos do C.E. de 1976 pode ser preenchido por todo o acervo jurisprudencial, maxime do Tribunal Constitucional, que levou à consagração de alguns critérios nos Códigos de 1991 e 1999’ (cfr. pág. 10 do referido Acórdão). d. A constitucionalidade das normas assim configuradas e aplicadas pode ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional. Nesse sentido, militam, entre outros que se suprirão, os seguintes tópicos: i. ‘A solução adoptada reforça a conclusão de que o Tribunal Constitucional controla, não apenas a lei em si mesma considerada, mas também os resultados da sua interpretação. E, não sendo o juiz apenas a bouche qui prononce les paroles de la loi, a norma fiscalizável não é um simples dado, mas antes um produto do processo interpretativo seguido pelo juiz a quo. Há que extrair as devidas dilações desta conclusão’ (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade – Os Autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, 1999, pág. 336). ii. ‘O facto de a fiscalização concentrada da constitucionalidade poder incidir sobre as normas que se extraem por via interpretativa das disposições, aliada ao momento criativo da interpretação, significa que o Tribunal Constitucional não fiscaliza apenas o preceito legal. A própria norma que dele se retira, embora não seja fonte de direito e, portanto, não seja elevada a regra vinculativa perante outro caso da mesma índole, pode ser controlada em sede de fiscalização concentrada.’ (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade – Os Autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, 1999, pág. 336). iii. ‘Esta directriz genérica deixa muitas questões em aberto. «A destrinça entre vícios imputáveis a normas jurídicas e vícios reportáveis às próprias decisões (...) não se compadece, pelo menos à partida e num juízo liminar, com distinções especiosas ou excessivamente formalistas, uma vez que neste tipo de situações sempre haverá zonas de sobreposição e de penumbra entre o que constitui estatuição normativa fornecida ao intérprete (e portanto susceptível de apreciação nesta sede de controlo da constitucionalidade), e que comporta uma determinada dinâmica interpretativa aplicativa, em si mesmo também fiscalizável, e o que já representa valoração própria do órgão julgador exclusivamente imputável à latitude da própria conformação interna da decisão judicial, e que, inexistindo uma acção constitucional de defesa, entre nós se encontra excluída de um específico controlo de constitucionalidade». Este é, de certa forma, o preço da admissibilidade da fiscalização da constitucionalidade de meras interpretações da lei.’ (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade – Os Autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, 1999, pág. 340). iv. Em particular quanto à actividade desenvolvida ao abrigo do referido art. 10º, nº 3, do Código Civil: ‘Decisivo, para efeitos do esclarecimento da questão aqui em apreciação, é determinar se a teleologia do sistema de fiscalização da constitucionalidade vale também nos casos em que a norma aplicável ao caso é criada pelo intérprete ao abrigo do nº 3 do artigo 10º do Código Civil. Ora, na perspectiva em que nos situamos, o segundo argumento também não procede, tudo apontando no sentido da subordinação da norma criada pelo intérprete nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código Civil ao regime de fiscalização da constitucionalidade estabelecido pela Constituição. Por um lado, a exigência de que a norma se extraia de uma ou de várias disposições tem, indiscutivelmente, o mérito de sublinhar que a determinação da norma não é apenas produto de uma opção livre do intérprete e que este está limitado pelas fontes mas, bem vistas as coisas, a exigência, claramente expressa na parte final do nº 3 do artigo 10º do Código Civil, «de que esse hipotético acto de legislar se processe dentro do espírito do sistema amarra» também «o intérprete às valorações próprias do ordenamento, impedindo-o de se decidir autonomamente pelo circunstancialismo do caso concreto». O critério da integração é, portanto, «um critério objectivo, idêntico para todos, e encontra-se na referência ao acto de legislar dentro do espírito do sistema». Por outro lado, mesmo em relação à interpretação em sentido estrito da lei, o intérprete é sempre «forçado a ser livre», pois a norma por ele determinada «não
é o dado da ordem jurídica», não se confundindo «com a fonte, realidade objectiva». O próprio resultado inconstitucional de uma determinada interpretação da lei, cuja possibilidade de fiscalização pelo Tribunal Constitucional é um dado adquirido, não se confunde com a lei em si mesma considerada. Por último, e este terceiro aspecto (particularmente importante) não pode ser dissociado dos outros dois, a argumentação expendida para justificar a competência do Tribunal Constitucional para fiscalizar a constitucionalidade das normas determinadas através do recurso à analogia vale também em relação às normas obtidas nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código Civil. Basta pensar numa situação em que, mesmo não havendo uma jurisprudência uniformizada, proliferem decisões dos tribunais que, perante o caso omisso e na falta de caso análogo, resolvem a questão segundo a mesma norma. Efectivamente, em sistemas em que o tribunal Constitucional apenas pode fiscalizar a constitucionalidade de normas jurídicas e não pode controlar a constitucionalidade da jurisprudência complementar do ordenamento jurídico, a única forma de assegurar a expurgação da norma assim criada passa pelo reconhecimento da competência de fiscalização do Tribunal Constitucional.’ (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade – Os Autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, 1999, págs. 344 e 345 - o sublinhado é nosso).
2.7 Não procedendo, como nos parece não proceder, a razão invocada na Decisão Sumária sub judice para não conhecer do objecto deste recurso, parece-nos que deve ser apreciada a constitucionalidade das normas aplicadas no Acórdão recorrido, que, entre outras fontes, essencialmente acórdãos deste Tribunal e de outros, se encontram plasmadas nos artigos do Código das Expropriações de 1991 que o Recorrente deixou invocados no Requerimento de recurso e na Resposta ao convite formulado.
3. A decisão proferida sob o nº 2.2.2. da Decisão Sumária (fls. 897-898)
3.1 O que ficou referido em 2.6 desta Reclamação vale, de pleno, para esta segunda decisão. Na verdade, o Acórdão recorrido invocou expressamente normas jurídicas que aplicou ao caso concreto que se lhe deparava. São perfeitamente distintos os momentos da apresentação da norma e da sua aplicação e, como ficou referido no Requerimento de Recurso e na Resposta ao Convite formulado, o que se pretende julgadas são as normas invocadas e aplicadas e não a decisão que resulta dessa aplicação.
4. A decisão proferida sob os nºs. 2.2.3. e 2.2.4 da Decisão Sumária
(fls. 898-900)
4.1 Mais uma vez, o que ficou referido em 2.6 desta Reclamação vale, de pleno, para esta terceira decisão.
O que releva no controlo constitucional a efectuar por este Venerando Tribunal são as normas aplicadas e não o seu suporte legal, o artigo, o preceito, em especial, relembramos, no contexto decisório do Acórdão recorrido.
O cidadão não pode ser prejudicado pelo facto de uma expropriação a que foi submetido estar conexo com 3 Códigos das Expropriações e com a vasta jurisprudência e doutrina produzida sobre estas questões. O cidadão não pode ser prejudicado pelo facto de o Acórdão recorrido - numa metodologia que se aplaude
- ter invocado as várias fontes normativas ponderáveis, em particular de origem jurisprudencial, sem referenciar as normas aplicadas, a um específico preceito, artigo ou diploma.
Assim, se o cidadão - no exercício do seu direito fundamental de acesso a este Venerando Tribunal Constitucional - invoca numa conclusão das suas alegações uma das fontes possíveis da norma aplicada (um específico preceito de um dos Códigos envolvidos), o facto de essa mesma norma poder ter outro suporte formal, poder estar consagrada, nos mesmos exactos termos, noutro artigo de outro diploma, não o pode prejudicar.
O acesso ao Tribunal Constitucional - última instância para a defesa de direitos fundamentais - não pode ser especialmente onerado, dificultado, por aspectos puramente formais, quando o cidadão explicita de uma forma inteligível a norma aplicada que entende inconstitucional e indica um dos possíveis suportes legais da mesma.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvida sobre a reclamação, a A., veio dizer, em síntese:
- que aderia inteiramente à decisão ora em crise;
- que, de todo o modo, existe jurisprudência, doutrina e legislação que apontam no sentido de afastar o juízo de inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver reconhecido;
- que as citações efectuadas pelo reclamante dos acórdãos do Tribunal são-no “com transcrições desinseridas” do seu texto global, esquecendo os mais recentes arestos tirados pelo mesmo órgão de administração de justiça;
- que, no caso, não é sustentável dizer-se que o valor do bem expropriado não foi reportado ao momento da avaliação, sendo que na mesma foi valorizado o jus aedificandi da parcela expropriada, mas em termos de se considerar que ela se situava a mais de trezentos de zona urbanizável;
- que tal parcela se encontrava incluída na Reserva Agrícola Nacional, não podendo ser procedente a consideração levada a efeito pelo recorrente e segundo é de entender que o terreno em causa deveria ser qualificado como urbano pelo facto de, após a declaração de utilidade pública, se ter edificado uma estação elevatória de águas.
Cumpre decidir.
2. Em face da impugnação ora deduzida, é de considerar como firmado o que, nos pontos 2.1 a 2.1.2., se discreteou no despacho ora sob censura e que conduziu ao não conhecimento do objecto do recurso que se fundamentou na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Consequentemente, está, tão só, em causa, o conteúdo de tal decisão no que se reporta ao que na mesma foi exposto nos seus pontos 2.2.1. a 2.2.5. e que conduziu, nesse particular, ao juízo ínsito no seu ponto 3..
2.1. Como resulta da transcrição da peça processual consubstanciadora da reclamação ora em análise, o impugnante brande, essencialmente, com o argumento segundo o qual o acórdão pretendido recorrer aplicou critérios normativos que vieram a ser acolhidos em diversos preceitos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, e do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, razão pela qual a decisão sub iudicio incorreu em “erro nos pressupostos” ao considerar que “não haviam sido aplicadas no Acórdão recorrido normas consagradas no Código de 1991”.
Entende-se não assistir razão ao reclamante.
De facto, como se vincou na decisão reclamada, o aresto querido impugnar perante o Tribunal Constitucional não aplicou qualquer norma vertida no Código das Expropriações de 1991. Considerou-se, naquele acórdão, isso sim, que eram somente aplicáveis os normativos constantes do Código das Expropriações de 1976, mas com esteio nos ensinamentos extraídos da doutrina e da jurisprudência constitucional sobre a matéria.
Vale isto por dizer que, em direitas contas, o que o acórdão tirado em 13 de Março de 2003 pelo Tribunal da Relação de Lisboa levou a efeito foi a aplicação de normas vertidas no Código das Expropriações de 1976, mas comportando elas um sentido que, levando em conta os indicados ensinamentos, as expurgava dos vícios de contraditoriedade com a Constituição a que o seu teor literal as conduzia.
Isso mesmo resulta da passo transcrição já feita - e também pelo recorrente - do passo daquele acórdão, onde se diz que “Não se trata, pois, da aplicação desse normativo, mas a adopção dos critérios ...”
(negrito agora aposto).
Sendo assim, como é, censura não merece a decisão proferida ao ter entendido não poder tomar-se conhecimento do objecto do recurso baseado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e atinente a preceitos do Código das Expropriações de 1991.
2.2. Ataca o reclamante o que consta do ponto 2.2.2. da decisão em apreço (recorde-se que, naquele passo, se enfrentava a questão referente àquilo que o recorrente epitetou de normas não extraídas, quer do Código das Expropriações de 1976, quer do Código das Expropriações de 1991), pois que, na sua perspectiva - e se bem se entende o que o mesmo pretende dizer
-, tratar-se-ia de «normas do caso», criadas pelo intérprete (e, in casu, o aplicador concreto do direito) ao abrigo do nº 3 do artº 10º do Código Civil, pelo que não deixariam de ser consideradas como normas para efeitos de objecto de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Assinale-se, em primeiro lugar, que nunca na decisão ora impugnada se negou ou tentou, ainda que implicitamente, negar a possibilidade de constituírem «normas», para o dito efeito, os juízos interpretativos, incidentes sobre preceitos da lei ordinária, levados a cabo pelos tribunais.
Em segundo lugar, e é isso o que releva, o que naquele ponto 2.2.2. foi afirmado foi que aquilo que o recorrente epitetava de «normas» era, não a dimensão interpretativa de preceitos que constituíram a razão jurídica do decidido pelo acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim as concretas soluções encontradas para o caso, o que, afinal, não poderia abrir a via do intentado recurso.
Desta sorte, não procede, neste ponto, a reclamação.
2.3. O reclamante utiliza a argumentação que dirigiu com vista a infirmar o que ficou dito no ponto 2.2.2. da decisão sub specie, como forma de demonstração do infundado do que se verteu no ponto 2.2.4. dessa mesma decisão.
Olvida, porém, que nesse ponto 2.2.4., a razão do não conhecimento do objecto do recurso (referente ao nº 1 do artº 29º do Código das Expropriações de 1976) se ancorou na consideração de harmonia com a qual, na alegação do recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, nunca foi equacionada uma questão de desconformidade com a Lei Fundamental por parte daquele preceito, ainda que essa questão se reportasse a uma sua qualquer dimensão interpretativa.
Porque o Tribunal entende que, no particular em causa, a decisão ora impugnada não merece censura, improcederá também, neste ponto, a reclamação.
2.4. Não se não vislumbra, na peça reclamatória, nenhuma alusão ao que se explanou no ponto 2.2.5. da analisanda decisão.
Isto, desde logo, conduzirá a que se entenda que, quanto a esse ponto, o reclamante se conformou com o decidido no tocante a não ser tomado conhecimento do objecto do recurso respeitante à norma do nº 1 do artº
29º do Código das Expropriações de 1976, quando à mesma tivesse sido - como invocou no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal - dada a interpretação de que “‘a classificação dos solos para a determinação do critério indemnizatório a adoptar e a fixação da justa indemnização não devem considerar a solução urbanística/projecto expropriante que a entidade beneficiária da expropriação, antes da arbitragem, executou no terreno expropriado, mesmo que essa solução envolva a construção de edifícios e infra-estruturas urbanísticas, um projecto industrial”.
Mas, mesmo que um tal entendimento não viesse a ser sufragado [o que só seria possível quando se atendesse a que o reclamante, de todo o modo, veio impugnar a decisão em causa quando na mesma se não tomou conhecimento do objecto do recurso fundado - recte, do objecto dos recursos fundados - na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82], sempre se dirá que, pelo Tribunal, é acolhida a corte de razões aduzidas nesse ponto da decisão em causa.
3. Em face do que se deixa dito, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 29 de Junho de 2004
Bravo Serra Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida