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Processo n.º 886/03
3ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A fls. 88 e segs. foi proferida a seguinte decisão sumária:
“1. A., identificado nos autos, deduziu impugnação judicial da decisão da Direcção Geral de Viação, de 7 de Outubro de 2002, que, considerando que o arguido já havia efectuado o pagamento voluntário da coima no montante de €
120,00, lhe aplicou, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida nos artigos 27º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 146º, alínea b), do Código da Estrada, a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 60 dias.
2. Recebido o recurso, foi proferido o despacho de fls. 30/31, convidando o recorrente a reformular o requerimento de impugnação, restringindo o âmbito do recurso à apreciação da sanção acessória de inibição de conduzir, nos seguintes termos:
«Resulta do requerimento de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa apresentado pelo arguido que o mesmo pretende invocar factos conducentes à conclusão de que não pode ser sancionado pela contra-ordenação que consta do auto de notícia. Tal impugnação, em nosso entender, não é admissível e logo não pode ser objecto do presente recurso pelas razões que sucintamente se enunciam. Como resulta dos autos o recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima pelo seu valor mínimo antes da decisão da autoridade administrativa, nos termos estabelecidos no artigo 153º do Código da Estrada. Assim, este pagamento, em nosso entender, não pode deixar de ser compreendido como reconhecimento da prática dos factos, uma vez que o arguido no âmbito do processo administrativo de contra-ordenação é notificado para apresentar defesa contra os mesmos ou proceder ao pagamento voluntário (artigo 155º, n.º 2, do Código da Estrada). Com efeito, tal pagamento, de acordo com o n.º 4 do artigo 153º do Código da Estrada, determina o arquivamento do processo administrativo, salvo se a contra-ordenação for grave ou muito grave, caso em que prossegue restrito a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir. E também, nesta mesma situação de pagamento voluntário da coima, é permitido ao arguido apresentar a sua defesa junto da autoridade administrativa restrita à gravidade da infracção e à aplicação da sanção acessória (artigo 155º, n.º 3, do Código da Estrada). Por estas razões conclui-se que, uma vez paga voluntariamente a coima devida pela prática de uma contra-ordenação, fica de todo vedado ao recorrente a impugnação dos factos essenciais que permitem concluir que praticou a contra-ordenação em causa. Por outro lado, o recurso de contra-ordenação destina-se a impugnar uma decisão de uma autoridade administrativa que aplicou em concreto uma coima ou uma sanção acessória (artigo 59º, n.º 1, do regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas). Desta forma, dado que houve pagamento voluntário antes da decisão da autoridade administrativa (artigo 153º do Código da Estrada), não existe no processo administrativo uma decisão a aplicar uma coima concreta. A entidade administrativa limitou-se a verificar a prática de uma contra-ordenação grave pelo recorrente e, face às demais circunstâncias a que a lei manda atender, decidiu quanto à sanção acessória. Assim, apenas esta sanção acessória foi efectivamente aplicada pela autoridade administrativa, logo, só esta é passível de impugnação judicial. Em conclusão, na hipótese dos autos, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa só pode ter como objectivo aferir se a decisão da autoridade administrativa sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, face aos critérios dos artigos 139º a 142º e 144º, todos do Código da Estrada, deve, ou não, ser alterada e em que termos. Pelo exposto, convida-se o recorrente, caso assim o entenda, a, no prazo de 10 dias, reformular a impugnação da decisão de acordo com “supra” exposto, sob pena de ser o recurso rejeitado.» Em resposta apresentou o recorrente o requerimento de fls. 34, no qual afirma que o recurso interposto “é restrito à aplicação da sanção acessória de 60 dias de inibição de conduzir e não também sobre a coima por si já paga”, considerando o convite “inaceitável”. Por decisão de 11 de Abril de 2003, do Tribunal Judicial da Mealhada, foi indeferida a impugnação e, consequentemente, confirmada a decisão da autoridade administrativa, com fundamento no facto de o recorrente não ter aperfeiçoado o seu requerimento de acordo com o entendimento expresso no convite que lhe formulado.
3. Inconformado, veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, concluindo do seguinte modo:
1. «É inconstitucional o art.º 153º do CE, por violar o art.º 32º da Constituição, com o sentido interpretativo de o pagamento voluntário da coima compreender o reconhecimento da prática dos factos de que vem acusado na decisão que lha aplica sanção acessória de inibição de conduzir.
2. É inconstitucional o art.º 155º, n.º 3 do CE, por violar o art.º 32º da Constituição, quando interpretada com o sentido de ficar de todo vedado ao recorrente de uma decisão administrativa que lhe aplicou sanção acessória de inibição de conduzir a impugnação dos factos essenciais que permitem concluir que praticou a contra-ordenação em causa, uma vez paga voluntariamente a coima.
3. É inconstitucional o conjugado normativo dos art.ºs 139º a 142º e 144º do CE com a interpretação de que, após o pagamento voluntário da coima, a impugnação judicial da decisão que aplique sanção acessória de inibição de conduzir só possa ter como objectivo aferir se a mesma deve ou não ser alterada e em que termos, por violar o art.º 32º da Constituição.
4. O MºPº, pelo menos ao seu maior nível, será o primeiro a reconhecer a necessidade de um processo contra-ordenacional de estrutura acusatória e de que todo o arguido se presume inocente.» O Ministério Público respondeu pugnando pela confirmação da decisão, tendo o Procurador-Geral Adjunto na Relação emitido parecer no sentido da rejeição do recurso.
4. Por acórdão de 29 de Outubro de 2003, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, fundamentando-se no seguinte:
«Ao caso vertente, em matéria adjectiva, consabido estarmos perante contra-ordenação às regras de trânsito ou de circulação rodoviária, á aplicável o Código da Estrada (art.º 2º deste diploma legal), o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (art.º 150º, n.º 1 do Código da Estrada) e, subsidiariamente, Código de Processo Penal (art.º 41º, n.º 1 do D.L. 433/82 de
27/10). Constitui princípio elementar e básico em matéria processual o de que a impugnação das decisões judiciais por via de recurso visa a modificação das mesmas e não a criação de decisões sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto de decisão na instância ou tribunal recorrido, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação. Daqui resulta que, sendo submetido á apreciação do tribunal de recurso questão ou questões que não foram nem deviam ter sido objecto de decisão na instância ou tribunal recorrido, o tribunal de recurso está impedido de as conhecer, isto é, de sobre elas se pronunciar, sob pena de nulidade – art.º 379º, n.º 1, al. c) do CPP – a menos que, obviamente, se trate de questões de conhecimento oficioso. Do exame do processo, decorre que a decisão proferida pela autoridade administrativa (fls. 10/11) apenas se pronunciou sobre a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no art.º 139º do CE consabido que o arguido entendeu proceder ao cumprimento ou pagamento voluntário da coima nos termos do art.º 153º daquele diploma legal, acto que, de acordo com o n.º 5 do referido artigo, implica o arquivamento do processo, salvo de a contra-ordenação for grave ou muito grave, caso em que o processo prossegue restrito à aplicação da inibição de conduzir.[153º, nº3] Nesta conformidade, certo é que o recurso impugnatório daquela decisão apenas devia e podia incidir sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, e não também, obviamente, (...) sobre a contra-ordenação cuja coima o arguido entendeu pagar voluntariamente, isto é, sobre a existência ou inexistência da infracção. Ora, tendo o arguido limitado o recurso de impugnação judicial que apresentou a alegação segundo a qual não praticou a contra-ordenação e ao pedido de absolvição relativamente à prática daquela, é evidente que, não podendo o tribunal a quo conhecer daquela questão, bem andou ao convidar o arguido a reformular o recurso de impugnação, sob pena de rejeição do mesmo. Por outro lado, não tendo o arguido reformulado o recurso de impugnação judicial, certo é que ao tribunal a quo mais não restava que indeferir ou rejeitar aquele”(4)(5) [A decisão de indeferimento não viola o princípio do contraditório, posto que ao arguido foram dadas todas as possibilidades de se defender e de contraditar, designadamente, através do convite à reformulação do recurso de impugnação], [Acórdão desta Relação proferido em 17-9-2003 no recurso
2247/03 de que fomos adjuntos e transcrevemos]».
5. É, pois, deste aresto que vem interposto pelo arguido o presente recurso de constitucionalidade, com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo-se a apreciação das seguintes normas:
«a) artigo 153º do Código da Estrada, por violar o artigo 32º da Constituição, com o sentido interpretativo de o pagamento voluntário da coima compreender o reconhecimento da prática dos factos de que vem acusado na decisão que lha aplica sanção acessória de inibição de conduzir. b) Do artigo 155º, n.º , 3 do Código da Estrada, por violar o art.º 32º da Constituição, quando interpretada com o sentido de ficar de todo vedado ao recorrente de uma decisão administrativa que lhe aplicou sanção acessória de inibição de conduzir a impugnação dos factos essenciais que permitem concluir que praticou a contra-ordenação em causa, uma vez paga voluntariamente a coima. c) Do conjugado normativo dos artigos 139º a 142º e 144º do Código da Estrada com a interpretação de que, após o pagamento voluntário da coima, a impugnação judicial da decisão que aplique sanção acessória de inibição de conduzir só possa ter como objectivo aferir se a mesma deve ou não ser alterada e em que termos, por violar o artigo 32º da Constituição».
6. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82 – entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma legal.
7. Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, exige a congregação de vários pressupostos, consistindo um deles na aplicação, pela decisão impugnada, como sua ratio decidendi, da norma cuja conformação constitucional se pretende apreciar, tomada seja no seu todo ou em determinado segmento, seja em dada interpretação. No concreto caso é desta última vertente que se trata. Na verdade, o acórdão recorrido não fundamentou o não provimento do recurso na concreta aplicação dos preceitos convocados pelo recorrente, mas sim numa questão formal, que se traduziu no facto de o recorrente não ter reformulado o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, de acordo com o convite que lhe foi dirigido, entendendo que, deste modo, “ao tribunal a quo mais não restava que indeferir ou rejeitar aquele [recurso de impugnação]”.
8. Na decisão da 1ª instância de recurso, considerou-se que, em face do pagamento voluntário da multa, não era possível ao recorrente impugnar a prática da própria infracção, como resultava do requerimento de impugnação [tal como aquele tribunal o entendeu, não podendo o Tribunal Constitucional sindicar tal entendimento], pelo que o recurso só podia ter como objectivo aferir se a decisão da autoridade administrativa sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, face aos critérios dos artigos 139º a 142º e 144º, do Código da Estrada, devia, ou não, ser alterada e em que termos.
É que, no caso, o que estava em causa era o recurso da decisão administrativa que aplicou ao recorrente a medida de inibição de conduzir e não a coima, pois, relativamente a esta o processo extinguiu-se por força do pagamento voluntário que aquele efectuou. Aliás, o recorrente aceitou expressamente que o recurso era restrito à aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, o que rejeitou foi o convite para reformular a sua impugnação (cfr. requerimento de fls. 34). Não tendo o recorrente reformulado o requerimento, indeferiu-se a impugnação, de acordo com a advertência que havia sido feita nesse sentido, caso não cumprisse o despacho. Foi, pois, com este entendimento – o de que a não observância do convite conduzia à rejeição do recurso - que o acórdão recorrido confirmou a decisão da
1ª instância de recurso. Assim, e não tendo o recorrente suscitado qualquer questão de constitucionalidade relativamente às normas que sustentaram este entendimento, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
9. Em face do exposto, nos termos do artigo 78º-A, nº1, da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.”
2. O recorrente reclama para a conferência, concluindo nos termos seguintes:
“a)O arguido, aqui recorrente, foi confrontado com um convite do Juiz e 1ª instância para reformular a sua defesa de modo a não impugnar os factos essenciais que permitem concluir que praticou a contra-ordenação em causa, no processo de aplicação da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, uma vez que 'o pagamento voluntário da coima...antes...não pode deixar de ser compreendido corno reconhecimento da prática dos factos'. b)Na falta de aceitação do seu convite, a 1ª instância proferiu sentença 'in limine' a condenar o arguido, explanando com clareza as razões de direito, aplicando e interpretando 'ad hoc' os arts. 139º a 142º e 144º,153º e 155 n.º 3 do Código da Estrada. c)No requerimento de recurso, o arguido invocou a inconstitucionalidade das normas aplicadas corno tinham sido interpretadas por violação do artº 32º da constituição, concluindo pela 'necessidade de um processo contra-ordenacional de estrutura acusatória' d)A Relação de Coimbra julgou por não provido o recurso, dizendo que o 'Mº Juiz a quo convidou' porque 'a impugnação judicial da autoridade administrativa só pode ter como objectivo aferir se a decisão da autoridade administrativa sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, face aos critérios dos artºs 139 a
142 e 144, todos do CE, deve, ou não, ser alterada e em que termos' e)acrescentou que 'consabido que o arguido entendeu proceder ao cumprimento ou pagamento voluntário da coima nos termos do artº 153º daquele diploma legal
[...] certo é que o recurso irnpugnatório daquela decisão apenas devia e podia incidir sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, e não também, obviamente, sobre a contra-ordenação cuja coima o arguido entendeu pagar voluntariamente, isto é, sobre a existência ou inexistência da infracção. f)O mesmo acórdão da Rel. Coimbra citou em nota de rodapé o artº 155º nº 3 CE rematando que 'tendo o arguido limitado o recurso de impugnação judicial que apresentou a alegação segundo a qual não praticou a contra-ordenação e ao pedido de absolvição relativamente à prática daquela, é evidente que, não podendo o tribunal a quo conhecer daquela questão bem andou ao convidar o arguido a reformular o recurso de impugnação, sob pena de rejeição do mesmo ' . g)O arguido recorreu para o Tribunal Constitucional, indicando as normas que tinham sido aplicadas cuja inconstitucionalidade fora previamente arguida. h)A Relação de Coimbra aplicou corno direito substantivo, apenas, as normas, cuja inconstitucionalidade fora arguida, para fundamentar a sua decisão. i)Esse recurso interposto para o T. Cons. foi apreciado e admitido pela Relação de Coimbra, a qual não negou nem podia negar a aplicação expressa que fez das normas arguidas. j)O presente recurso preenche 'ad nauseam' os pressupostos para o seu conhecimento pelo T. Cons., havendo coincidência até entre a interpretação feita das normas na Rel. Coimbra e aquela que o arguido invocou às mesmas para a declaração da sua inconstitucionalidade. l)Para além de não dever negar a aplicação explícita das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, a decisão sumária não deveria reduzir a uma 'questão formal' um convite para um arguido não impugnar os factos essenciais de que vem acusado para a aplicação da sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, sob pena de rejeição da sua defesa, pois, assim sendo, dá-se uma ruptura constitucional nos direitos de um arguido a um processo de estrutura acusatória. m)Se o T. Cons. quiser fazer cumprir o direito dos arguidos a um processo de estrutura acusatória, tal implica que nenhum facto anterior à apresentação da acusação na audiência de julgamento (e.g. pagamento voluntário de um coima, indemnização ao ofendido, transacção judicial numa acção cível conexa ou até uma confissão assinada perante um Juiz de Instrução, procurador ou outra qualquer autoridade) possa servir para impedir o seu direito a impugnar os factos essenciais que tipificam o cometimento da infracção de que está acusado. n)Atenta a essencialidade da questão para qualificar o nosso país como um Estado de direito, a conferência para decidir a reclamação deverá ser feita em plenário
à semelhança do Acórdão n.º 584/96 do T. Cons., assim o determine o Sr. presidente para quem deverão ser enviados os autos, publicando-se o respectivo acórdão integralmente em 2ª série do D. R. (artº 3 n.º Lei T. Cons.) para conhecimento da soberania popular.”
O Ministério Público responde nos termos seguintes:
“1 - A presente reclamação, carece ostensivamente de qualquer fundamento sério, sendo as longas, prolixas e, em larga medida - por deslocadas da fisionomia do caso concreto - considerações tecidas pelo reclamante insusceptíveis de abalarem minimamente os pressupostos em que assentou a douta decisão reclamada.
2 - Sendo evidente que as considerações expendidas pelo reclamante acerca da
'natureza' do Tribunal Constitucional omitem um dado essencial: o de que este Tribunal não pode naturalmente dar guarida e acolhimento a ostensivas manobras dilatórias de quem se pretende artificiosamente eximir às responsabilidades que justificadamente lhe são exigíveis pelo inquestionável cometimento de factos ilícitos.
3- Não se compreende a perplexidade do reclamante perante a (normalíssima) situação em que a apreciação de determinada questão de mérito é precludida em consequência da prévia apreciação de uma questão 'formal' ou de natureza procedimental.
4- Foi precisamente o que sucedeu no caso dos autos, em que a 'ratio decidendi' do acórdão recorrido foi a consequência extraída da opção da parte em não reformular a impugnação deduzida, adequando-a ao objecto possível da controvérsia.
5-E carecendo de base legal e de qualquer fundamento razoável a insólita pretensão consubstanciada na submissão ao Plenário (!) da presente reclamação para a conferência.”
3. A decisão sumária sob reclamação assenta na interpretação do acórdão recorrido como tendo como fundamento autónomo, capaz de sustentar por si só a decisão, a falta de resposta ao convite a reformular o requerimento de impugnação. Reponderada a questão, admite-se que, no contexto dos seus antecedentes processuais, essa referência seja um complemento do raciocínio e não, como os seus termos literais sugerem (“ Por outro lado ...”), um fundamento autónomo.
Assim interpretado, o acórdão recorrido fez aplicação, das normas dos artigos
153º, nº 4 e 155º, n.º 3, do Código da Estrada, na interpretação de que o pagamento voluntário da coima compreende o reconhecimento da prática dos factos, só sendo lícito ao recorrente impugnar judicialmente, neste caso, a gravidade da infracção e a aplicação da sanção acessória.
Nesta medida e com este fundamento, a reclamação procede, sendo inútil tudo o mais que o recorrente alega.
4. Importa, todavia, proceder à correcta delimitação do objecto do recurso.
Efectivamente, o recorrente pretende também ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 139º a 142º e 144 do Código da Estrada, “com a interpretação de que, após o pagamento voluntário da coima, a impugnação judicial da decisão que aplique sanção acessória de inibição de conduzir só possa ter como objecto aferir se a mesma deve ou não ser alterada e em que termos”. Ora, é manifesto que estes preceitos não foram aplicados pela decisão recorrida, com este sentido ou qualquer outro, explícita ou implicitamente. Tais preceitos contêm a disciplina jurídica relativa à definição da sanção de inibição de conduzir, à dispensa e atenuação especial da sanção, à suspensão da sua execução e à reincidência, matéria estranha à versada no acórdão recorrido. Nem este acórdão, nem a sentença por ele confirmada se pronunciaram sobre questão de fundo, relativa à aplicação da medida.
Tanto basta para que estas normas, de que a decisão recorrida não fez aplicação, sejam excluídas do objecto do recurso [artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC].
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se atender parcialmente a reclamação, ordenando o prosseguimento do recurso, com a delimitação que antecede.
Sem custas. Lisboa, 15 de Junho de 2004 Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida