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Proc. n.º 101-B/03
3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., ora recusante, requereu, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, em 26 de Outubro de 2001, que negou provimento ao recurso que interpusera da deliberação do Conselho Distrital do Porto da mesma Ordem, em que lhe fora aplicada a pena unitária de dois anos de suspensão, a cumprir logo que lhe fosse levantada a suspensão de inscrição naquela Ordem, provocada pela incompatibilidade resultante do exercício de funções de revisor de contas. O Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, por sentença de 18 de Junho de
2002, julgou caduca a providência requerida.
2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o ora recusante para o Tribunal Central Administrativo, o qual, por acórdão de 20 de Agosto de 2002, negou provimento ao recurso.
3. De novo inconformado com o decidido e após ter arguido nulidade por falta de fundamentação da condenação em custas, a qual foi desatendida, o ora recusante veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional daquele acórdão, de 20 de Agosto de 2002, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro.
4. Já neste Tribunal, foi o ora recusante convidado pelo então relator, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, a completar o requerimento de interposição do recurso, tendo respondido com o requerimento de fls. 228.
5. Por decisão sumária de fls. 230, foi decidido não tomar conhecimento do recurso, por não estar presente “a totalidade dos requisitos a que deve obedecer o recurso esteado na alínea b)do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82”.
6. Notificado desta decisão sumária, veio o ora recusante notificar o então relator, “para efeitos do artigo 126º do Código de Processo Civil”, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...] A. O Relator nos presentes autos - só nos trâmites da decisão sumária recém-proferida devidamente identificado - é, consabidamente: primo - um dos queixosos na origem do Proc. n.º 1101/3TDLSB do Juízo 1.ºA do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que, único denunciado, foi o advogado signatário em tempo constituído arguido; e, secundo - bem assim um dos denunciados pelo advogado signatário no quadro do Inquérito-crime n° 24/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, autos que, competentemente requerida a abertura da instrução em 17-IX-2001, correm actualmente termos no Proc. n° 2806/2002 da 3ª Secção daquele Supremo Tribunal. B. Nesta conformidade, encontra-se o advogado aqui Recorrente, em causa própria objectiva e subjectivamente qualificado para, de harmonia com o disposto na al. c) do n° 1 e no n° 2 do art. 127° do Cód. de Processo Civil, por remissão do n.º
1 do art. 29° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. deduzir nos presentes autos o pertinente incidente de suspeição. Todavia. C. o comando do n.º 2, por remissão do n.º 3, do art. 128º do mesmo Código prevê expressamente que a parte processual virtualmente lesada -- in casu, duplamente: arguido e participante -- denuncie ao próprio recusando o fundamento da suspeição, em ordem a permitir que seja antes este a pedir escusa no processo. Esta, por conseguinte, a comunicação que, para o efeito preceituado, é aqui formalmente cumprida. [...].”
7. Na sequência, não tendo o então relator usado, nos termos da segunda parte do n.º 2 do art.º 128º do Código do Processo Civil, da faculdade prevista no artigo
126º do mesmo diploma, o ora recusante veio deduzir um incidente de recusa de juiz.
8. A fls. 4 do apenso A relativo ao incidente de suspeição, o juiz recusado veio pronunciar-se sobre a dedução do incidente nos seguintes termos:
“Nos termos do n.º 1 do art.º 129° do Código de Processo Civil, o ora recusado tem a dizer que, efectivamente, no Acórdão n.º 571/2000, tirado por este Tribunal em 13 de Dezembro de 2000 e em que o signatário interveio, foi determinada a extracção de certidão de certas peças processuais e a sua entrega ao Representante do Ministério Público, já que se considerou que as asserções utilizadas numa daquelas peças pelo ora recusante apontavam, indiciariamente, para o cometimento de um ilícito de natureza criminal, pelo qual os Juízes subscritores do aludido aresto desejavam exercitar queixa. Sabe o recusado, por ter sido notificado nos termos do n.º 5 do art.º 283º do Código de Processo Penal, que, em 21 de Junho de 2002, o Ministério Público deduziu acusação contra o recusante, desconhecendo qual o ulterior processamento dos autos em que essa acusação foi deduzida. [...]”
9. Pelo acórdão n.º 279/03, de 28 de Maio de 2003, foi deferido o incidente, com a seguinte fundamentação:
“[...] Se, contudo, ocorrer alguma das situações previstas no termos do artigo
127º do Código de Processo Civil e a parte que tenha legitimidade para o efeito opuser a suspeição, não há que avaliar se tal situação é ou não apta a fazer perigar a imparcialidade do juiz; a oposição de suspeição ou o pedido de escusa devem, salvo os casos previstos no n.º 3 do citado artigo 127º, ser deferidos, evitando-se, assim, que o juiz seja colocado numa situação em que se possa duvidar da sua imparcialidade, mas não se formulando, de modo algum, qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto.
[...] Está, deste modo, suficientemente provado (declarações transcritas supra) estar em curso (ou ter estado, nos três anos antecedentes), pelo menos, um processo crime relativo à queixa apresentada contra o recusante na sequência do Acórdão
571/2000 deste Tribunal Constitucional, verificando-se, consequentemente, o fundamento de suspeição previsto na alínea c) do n.º1 e no n.º 2 do artigo 127º do Código de Processo Civil, sem que se mostre preenchida a previsão do n.º3 do mesmo artigo. [...]”
10. Transitada em julgado esta decisão e notificado da conta de custas relativa
à decisão sumária, entretanto igualmente transitada em julgado, veio o ora recusante de novo aos autos, em 11 de Julho de 2003, apresentar “Reclamação ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais”, invocando o seguinte:
“I. Da ilegalidade da remessa dos autos à conta A. Nos termos, conjugadamente, dos artigos 50.º e 51.º do Código supramencionado
(que também a Secretaria desse Alto Tribunal deve observar), são remetidos à conta apenas os processos:
(i) que impliquem o pagamento de custas, por trânsito em julgado da decisão final;
(ii) que se encontrem suspensos, se tal for judicialmente determinado;
(iii) que estejam parados há mais de 3 meses por falta das partes. Ora, B. como é bom de ver, nenhuma destas situações ocorre in casu. Começando pela ordem inversa: i) nos autos em questão foi proferida uma decisão colegial em Maio último, pelo que, obviamente, não se encontram os mesmos parados há 3 meses; ii) pelo menos desde a prolação do acórdão supramencionado, não foi nesses autos decretada -- que o Recorrente saiba -- a suspensão da instância; e, iii) o processo em causa não só não implica o pagamento de custas, como nem sequer foi nele proferida decisão final. Apreciar-se-á em pormenor, de seguida, este duplo aspecto do caso. C. Ao 'deferir o presente incidente de suspeição' (sic), tem o Acórdão de
28-V-2003 nos pendentes autos o irrecusável mérito de atestar, implícita mas inequivocamente, que a decisão “sumária' do ex-Relator constitui um acto judicial a non domino, demais a mais vertida num quadro jurisdicional de aferição de valores supralegais: constitucionais e eurocomunitários, perfeitamente concordantes, em sede da garantia fundamental ao processo judicial equitativo (tendo aliás sido nesse aresto expressamente declarada ”prejudicada a decisão quanto à questão pré-judicial” adrede suscitada pelo R.). Vale isto por afirmar que tal despacho, porquanto violando ostensivamente os comandos do art.
203.º, in fine, e, sobretudo, do art. 204.º da Constituição vigente, constitui
-- em virtude do preceituado no n.° 3 do art. 3.º outrossim da Lei Fundamental pátria -- um acto judicial nulo ipso jure. D. Nessa exacta medida., o decisão unipessoal em questão é do conhecimento oficioso por qualquer tribunal -- desde logo, necessariamente, no Alto Tribunal da causa --, podendo ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art.
286º, ex vi do 295º, do Código Civil). Consequentemente, E. deveria in casu ter sido oficialmente designado novo Relator no processo, e desse acto notificadas as partes na acção. O Recorrente, pela sua parte, não foi disso notificado: é esse Alto Tribunal, portanto, que se encontra em mora. II. Da inconstitucionalidade da tributação em custas do processo F. Da certidão da conta notificada flui claramente que as custas aí contadas decorrem da aplicação no caso do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7/X, diploma “legal” esse cujos preceitos de natureza tributária são, consabidamente, 'materialmente inconstitucionais, aliás por duas ordens' de razões: i) por violação do principio fundamental (de raiz eurocomunitária) da gratuitidade do processo judicial; e ii) por violação do princípio fundamental do Estado de direito democrático, sobretudo do inerente subprincípio da reserva de lei', conforme o Recorrente demonstra, justamente, nas suas alegações de recurso no Proc. n.º
26/2002 também dessa 3.ª Secção do Tribunal Constitucional. Consequentemente, G. também -- recte: muito principalmente -- por isso nenhum pagamento de custas existe, validamente, pendente no presente processo. Termos por que REQUER seja, como deve ser, sucessivamente declarada nestes autos a nulidade de pleno direito: a) da decisão sumária proferida pelo ex-Relator; h) do acto administrativo de remessa do processo à conta; c) da notificação da conta efectuada pela Secretaria, a fim de ser outrossim devidamente notificada ao Recorrente, logo que oportuno, a designação de novo Relator, em ordem ao prosseguimento do recurso de que se trata.
11. Notificado para responder, disse o Ministério Público:
“Visto. A remessa à conta surge como consequência da decisão final proferida nos autos, fls. 230 a 236, a qual, revestindo a natureza de decisão sumária, não foi objecto de reclamação, sendo que a procedência do incidente de suspeição, porque suscitado em momento ulterior ao daquela decisão, não colide com a sua validade formal e substancial.”
12. Proferiu, então, o relator despacho indeferindo o requerido, nos seguintes termos:
“O Recorrente veio reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 60º do Código das Custas Judiciais, alegando a “ilegalidade da remessa dos autos à conta” e a
“inconstitucionalidade de tributação em custas do processo”. Em relação ao primeiro ponto, como decorre da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. Assim sendo, tendo sido proferida, neste processo, decisão sumária e não tendo esta sido reclamada no prazo legal, transitou a mesma em julgado, pelo que, nos termos do artigo 51º do Código das Custas Judiciais, deveria, como foi, ser o processo remetido à conta. O requerimento apresentado é, neste ponto, totalmente destituído de fundamento. No que se refere à questão de inconstitucionalidade, também improcede a alegação do Recorrente. De facto, não só não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade por violação de um denominado “princípio fundamental (de raiz eurocomunitária) da gratuitidade do processo judicial”, que o Recorrente invoca sem, todavia, identificar, mas também, conforme já se demonstrou em inúmeros acórdãos deste Tribunal (cfr., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 38/2000, 48/2000, 101/2000,
278/2000 e 9/2001, disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), para cuja fundamentação se remete, o Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material. Nestes termos, vai indeferida a reclamação.”
13. Veio o ora recusante de novo aos autos, ao abrigo do disposto no artigo
78º-B, n.º 2, da LTC, agora para reclamar do despacho do relator para a Conferência, com um requerimento do seguinte teor:
“I. A decisão reclamada. Delimitação do âmbito da reclamação. Impugnado é pelo presente acto o Despacho de 26 de Setembro último, nos termos do qual veio «indeferida a reclamação» pelo signatário deduzida por requerimento de 10 de Julho transacto «ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais»
- taxativamente entendida, na síntese preambular, como fundada na “ilegalidade da remessa dos autos à conta” e na 'inconstitucionalidade de tributação em custas do processo' --, mais precisamente, a decisão nele tomada «em relação ao primeiro ponto» despachado, conclusiva de que:
«como decorre da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. Assim sendo, tendo sido proferida, neste processo, decisão sumária e não tendo sido reclamada no prazo legal, transitou a mesma em julgado, pelo que, nos termos do artigo 51º do Código das Custas Judiciais, deveria, como foi, ser o processo remetido à conta. O requerimento apresentado é, neste ponto, totalmente destituído de fundamento» (sic, normando do R.). II. Fundamento do presente requerimento A. A. praxe canónica generalizadamente observada nas decisões judiciais da indicação de arestos de tribunais superiores declaradamente versando a mesma questão decidenda observa, na actualidade, o ditame do art. 8º, n.º 3, do Código Civil, que manda o julgador ter em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo, a .fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito». Ora, B. no caso sub judice, haverá todavia que dizer desde já que a questão julgada no Acórdão nº 519/97 citado não se identifica com a presente, ou, melhor dito, que a correlativa situação factual não é integralmente coincidente com a que aqui se encontra na base do incidente processado. Na realidade, a descrição da matéria de facto determinante da prolação daquele Acórdão revela que além a parte processual em causa deduziu «incidente de suspeição», também no Tribunal Constitucional, «protest(ando} juntar certificado do registo (de denúncia-crime), junção essa que... não foi feita», não se tendo por isso o Alto Tribunal judicante daqueloutro processo dignado, patentemente, emitir pronúncia sobre o incidente dessarte inconsequentemente suscitado, enquanto que nestes autos, muito pelo contrário, foi com data de 28-V-2003 tirado o Acórdão n.º
279/2003, nos termos do qual epilogativamente se decide «deferir o presente incidente de suspeição» (sic). Por consequência, C. sendo assim perfeitamente claro que o Acórdão de 1997 citado e o Despacho reclamado não julgam casos análogos, resulta já incontroverso que nunca poderia aquele aresto servir, validamente de fundamento ao segmento decisório in casu impugnado. Falta demonstrar, no entanto, além de que a invocada fundamentação jurisprudencial de todo não colhe, que em nenhum fundamento jurídico-legal válido assenta, em todo o caso, o Despacho sob reclamação. A essa preceituada demonstração se procederá em seguida, após uma brevíssima referência histórica, convindo à argumentação aduzenda, sobre as fontes do direito -- adjectivo vs. substantivo -- essencialmente em questão. D. A reforma do estatuto jurídico do processo civil operada pelos Decretos-Leis n.º 329-A/95, de 12/XII, e n.º 180/96, de 25/IX, deixou praticamente inalterado o regime 'da competência e das garantias da imparcialidade' que forma o Livro II do Código de Processo Civil -- ainda vigente -- aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44
129, de 28-XII-1961, na elaboração do qual, impondo-se a revisão do Código de
'39 então vigorante, se optara «por proceder a uma reformulação que, embora substancial e profunda de diversos institutos, não culmina na elaboração de um Código totalmente novo», tendo sido respeitada, «na medida do possível, a ordenação sistemática das matérias e a própria localização do articulado» do compêndio legislativo aprovado pelo diploma de 28-V-1939 que, por seu turno, revogara o primeiro Código de Processo Civil português, projectado por Seabra, publicado em 1876 a pôr termo nesse sector processual à Novíssima Reforma Judiciária, de 1841 -- sob a égide da Constituição Setembrista de 1838 --, a terceira e última da série através da qual o Liberalismo tratara de aperfeiçoar, inclusivamente, o Livro III das Ordenações Filipinas regulando a matéria. Sendo certo que o Código de 1961 tampouco alteraria de modo relevante o articulado do referido instituto precedente, forçoso será concluir que o regime jusprocessual civil das garantias da imparcialidade actualmente em vigor corresponde no essencial ao introduzido em 1939 na esteira do «famoso Decreto n.º 12 353, de 22 de Setembro de 1926, que assinala o começo da reacção legislativa contra o descrédito da justiça a que conduzira o sistema anterior», contra o «antigo direito adjectivo, todo decalcado sobre os postulados fundamentais do liberalismo individualista, (que) já não correspondia às exigências dos tempos modernos», à luz então dos «princípios proclamados pelos processualistas italianos na sequência das novas correntes de ideias e que da Itália rapidamente se propagaram às restantes legislações de tipo continental» (sic: citada a Lei Preambular do Decreto-Lei n.º 44 129). Nesta perspectiva, . E. não será muito de estranhar que o legislador ordinário positivamente não considere impedido da função o juiz que fez instaurar acção-crime contra a parte no processo que lhe compete julgar, ou até que o magistrado nessa situação peculiar não deva obrigatoriamente pedir escusa, nem escusar-se, aceitar a recusa, se averbado de suspeito, desde logo quando notificado para o efeito pelo sujeito processual em causa, tal como não se estranhará tanto que o instituto das garantias da imparcialidade do juiz (Cap. VI) surja daí colaço do instituto das garantias da competência judiciária (Cap. V). Trata-se, enfim, de um corpo legislativo disciplinador do exercício de uma das primeiras funções que o Estado avocou a si, a função judicial, de inspiração marcadamente autocrática, relevando ainda de uma recuada concepção ideológico-política segundo a qual os tribunais, ou (indistintamente) os juízes seus titulares, representam o prius, só depois tomando lugar na cena político-social os populares clientes - a freguesia dispersa - daqueles, os seus súbditos (indignos sujeitos que, por sinal, nem poderão dirigir-se em pessoa, por via de regra, a essa beatífica casta de semidivindades terrenais: haverão que fazer-se forçadamente substituir, a expensas suas, por oficiantes togados, oradores profissionais). Neste contexto, parece lógico que as decisões tomadas pelo julgador basicamente competente: o 'juiz natural', apesar de ciente e consciente ele próprio de que réu da suspeição, virtual ou actual, de não imparcialidade, sejam em princípio todas tidas por válidas: constituem actos duma soberania tradicional, expressam a vontade indómita dum clássico príncipe. Porém, F. hoje em dia, na República Portuguesa no dealbar do século XXI, a questão decidenda já não pode ser vista, decisivamente, por essa óptica contra-iluminista de antanho, segundo a baça perspectiva dum Código prestes a atingir a 'terceira idade', um nesse capítulo desfasadíssimo diploma que deu corpo de lei adjectiva a um movimento social de pulsão militar que há três quartéis bem contados começou a fazer a sua época mas que entretanto passou à História. A inspiração - a realidade - jurídico-política, na verdade, é presentemente muito outra neste Portugal pós-1974. Desde 1976, 2 de Abril, efectivamente, que vigora uma Constituição da República com o papel de instauradora do Estado democrático baseado, entre outros valores, no respeito e na garantia dos direitos fundamentais, que logo o art. 16º, n.º 2, manda interpretar e integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem - designadamente, portanto, o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos que a todos é assegurado no art. 20º, nº 1 -, artigo que após a Reforma Constitucional (4ª) de 1997, 20 de Setembro, contemplará, no n.º 4, o direito de todos a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão «mediante processo equitativo», direito processual fundamental este a ser interpretado, necessariamente, no quadro do art. 10º da Declaração Universal de 10-XII-1948, consagrador do direito de toda a pessoa a que a sua causa seja «equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial», ademais direito fundamental este de toda a pessoa - o primus, no espaço da Justiça do Estado de direito democrático, passou definitivamente a ser o homem e cidadão justiçável - a um tribunal independente e imparcial que, estatuído também no art. 6º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de novo a República Portuguesa, mediante aprovação solene daquele convénio no Parlamento por Lei de 1978, 13 de Outubro, outorgaria aos seus cidadãos, Convenção dos Direitos do Homem, aliás, que, recepcionada pelo art. 6º, n.º 2, do Tratado da União Europeia que o Estado Português integra de pleno direito ab initio: 1993, 1 de Novembro, vigora directamente na ordem interna outrossim por força do art. 8º, nº 3, também da Constituição da República Portuguesa. Ora, G. no plano deste estado avançado, justamente, dos direitos civis vigorando em Portugal na actualidade, mostra-se agora bem claro, por certo, que não é, no caso, o mero facto da interposição de «um requerimento de arguição de suspeição»
(como o foi na economia do Ac. n.º519/97) o relevante, mas sim que um tal requerimento foi neste processo devidamente objecto de pronúncia, através de acórdão -- o n.º 279/2003 -- decidindo «deferir o presente incidente de suspeição», o que vale por declarar a suspeita do recusante de todo bem fundada e, por conseguinte, que o Juiz recusado fora legitimamente arguido por este de não imparcial: parcial, portanto, condição necessariamente verificada a partir do momento em que tendo-lhe sido distribuído o pendente processo principal o recusando se propôs sem embargo nele intervir, como efectivamente interveio. Por consequência, H. demonstrado está que a decisão sumária da lavra do primeiro Juiz Conselheiro Relator nos presentes autos, datando de 13-III-2003, consuma um acto judicial a non domino, perpetrado em violação deliberada do direito processual fundamental a um tribunal independente e imparcial assistindo no caso ao Reclamante -- tanto directamente (ut supra), como constitucionalmente, por força do consignado quer no art. 16º, n° 1, quer no art. 17º da Lei Básica, porquanto de direitos fundamentais internacionais de natureza análoga a direitos e garantias constitucionais se trata --, ou seja: um acto flagrantemente ofensivo da norma do art. 204º da Constituição, que, por via disso, mercê do preceituado no art.
3º, n° 3, também da Lei Fundamental, é absolutamente inválido, nulo ipso jure. E, I. sendo o regime de tal nulidade, naturalmente, o estabelecido no art. 286º do Código Civil, não só ao Relator substituto cumpria desde logo declará-la de oficio quanto à decisão sumária invalidamente autuada – para, acto contínuo, decidir sobre a causa julganda, eventualmente subscrevendo nova decisão ou, inclusive, simplesmente ratificando a primitiva, em todo o caso acto a notificar ao interessado -, como detém este processualmente o direito de invocar a todo o tempo tal invalidade, com todas as legais consequências. Termos por que, fazendo no caso, como sói, sã e inteira justiça, esse Tribunal Supremo: i) revogará o Despacho reclamado, ii) consequentemente declarando a nulidade da Decisão Sumária antecedente, iii) com todos os devidos efeitos legais .[...]”
14. A reclamação interposta ao abrigo do disposto no artigo 78º-B, n.º 2, da LTC foi indeferida pelo Acórdão n.º 567/03, de 19 de Novembro de 2003, com os seguintes fundamentos:
“[...] O ora reclamante impugna o Despacho de 26 de Setembro último, “mais precisamente, a decisão nele tomada «em relação ao primeiro ponto» despachado”, isto é, quanto à “ilegalidade da remessa dos autos à conta”, conformando-se com a demonstração de que o Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, não padece de qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material. Esta reclamação é, porém, em relação ao referido “primeiro ponto”, improcedente.
Com efeito, como se ponderou já na decisão reclamada e agora se reitera, é jurisprudência deste Tribunal Constitucional, fixada no Acórdão n.º 519/97, tirado num processo em que o recorrente era o mesmo, que um requerimento de arguição de suspeição não tem qualquer efeito suspensivo do prazo para reclamar de uma decisão entretanto já proferida. E é manifesto que tal jurisprudência é inteiramente transponível para os presentes autos, uma vez que, no que ora releva, a situação de facto é idêntica – falta de reclamação de decisão já proferida - e a sua razão para decidir que existe trânsito em julgado, com as inerentes consequências num caso e noutro, é a mesma - isto é: “não tendo sido apresentada no prazo legal qualquer reclamação [...], e não tendo o referido requerimento de arguição de suspeição qualquer efeito suspensivo do prazo de dez dias (cfr. o artigo 153º do Código de Processo Civil) para uma tal reclamação, verifica-se que o mencionado Acórdão [no caso, a mencionada decisão sumária] deste Tribunal [...] já transitou em julgado”. Ora, no caso dos autos, o ora reclamante também não apresentou qualquer reclamação da decisão sumária proferida em 13 de Março de 2003 e notificada em
14 do mesmo mês e ano, pelo que, conforme resulta da jurisprudência citada, esta transitou em julgado, estando esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal quanto à presente causa. Assim sendo, não existe qualquer ilegalidade na remessa dos autos à conta. Aliás, refira-se, o ora reclamante também nunca questionou o conteúdo daquela decisão, vindo, apenas, em 11 de Julho de 2003, reclamar, ao abrigo do artigo 60º do Código das Custas Judiciais, contra uma alegada ilegalidade da referida remessa dos autos à conta. Agora, refutando argumentação entretanto aduzida pelo reclamante, apenas se acrescentará, que, não estando o juiz recusando legalmente impedido, se, conforme se escreveu no Acórdão 279/2003, “contudo, ocorrer alguma das situações previstas no termos do artigo 127º do Código de Processo Civil e a parte que tenha legitimidade para o efeito opuser a suspeição, não há que avaliar se tal situação é ou não apta a fazer perigar a imparcialidade do juiz; a oposição de suspeição ou o pedido de escusa devem, salvo os casos previstos no n.º 3 do citado artigo 127º, ser deferidos, evitando-se, assim, que o juiz seja colocado numa situação em que se possa duvidar da sua imparcialidade, mas não se formulando, de modo algum, qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto”
(sublinhados nossos). Ora, tendo sido já proferida, ao tempo da suscitação do incidente de suspeição, a decisão final sobre o processo e não correspondendo o deferimento da suspeição a um qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto, não poderia tal deferimento ter qualquer eficácia sobre uma decisão já proferida, não reclamada e, entretanto, também já transitada.
15. Notificado deste acórdão, veio o ora recusante “em harmonia com a lei, impugnar – fundamentadamente – esse aresto, nos seguintes termos”:
“1. O direito – potestativo, verificados que são, reconhecidamente, os pertinentes requisitos legais – do sujeito processual passivo a opor suspeição ao juiz decidente da sua causa por razões, subjectivas e, ou, objectivas, de falta de imparcialidade, inscrito na al. c) do n.º 1 do art. 127º do Código de Processo Civil representa um afloramento (por sinal conforme já anteriormente notado nestes mesmos autos, sistematicamente deficiente e metodologicamente deficitário) no direito adjectivo português do direito a um tribunal imparcial integrante do direito fundamental ao processo judicial equitativo consagrado, designadamente no art. 6º, n.º 1 da Convenção europeia para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que o Tratado da União Europeia, no art. 6º n.º 2, expressamente recepciona.
2. Sendo – como incontestavelmente é – um direito processual fundamental, não pode o mesmo ser relativizado em termos de os julgadores decidindo sobre a aplicação de mesmo poderem ou não «formul(ar), de algum modo, qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto»: tem apenas, absolutamente, que ser reconhecido
à parte que (fundadamente) o invoca em juízo: Ademais,
3. sendo - como incontestavelmente é – um direito fundamental extraconstitucional radicando em ordem jurídica supranacional a da União Europeia, não pode o Tribunal Constitucional português – conforme aliás já expressamente o reconheceu, nestes mesmos autos – pronunciar-se ‘de meritis’ a respeito do mesmo em sentido contrário ao invocado, linearmente, pela parte processual interessada, mas sim e tão só, nesse caso, promover o competente reenvio da decidenda questão pré-judicial suscitada para o tribunal constitucional da União Europeia o supremo Tribunal de Justiça eurocomunitário: Em acúmulo;
4. notar-se-á, necessariamente, que o terceiro co-autor do douto Acórdão ora notificado, o Exmº Presidente da Secção em conferência (segundo informação entretanto obtida telefonicamente pelo signatário junto da Secretaria do Tribunal), encontra-se nas mesmas condições, objectivas e subjectivas, que o Exmº Relator precedente - invocadas pelo Recorrente no seu requerimento de
29-IV-2003 -, pelo que igualmente se lhe aplicarão as razões de exclusão do colégio decidente que em relação a estoutro foram já ‘in casu’ tidas por verificadas. Termos por que esse Alto Tribunal nacional I) revogando, ‘rectius’ declarando a absoluta invalidade do douto Acórdão ‘sub judice’, porquanto lavrado contra direito fundamental expresso, II) deferirá, pelas mesmas razões ‘de jure’ e de facto antemencionadas, o presente requerimento de recusa de juiz atinente ao Exmº Conselheiro-Presidente da Secção conferenciante, III) consequentemente reenviando ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, para os competentes efeitos processuais, a questão prévia de direito euroconstitucional antessuscitada. [...]”
16. Conclusos os autos ao Senhor Conselheiro Presidente, disse este o seguinte:
“O signatário não subscreveu o Acórdão n.º 571/00, em que foi mandada extrair certidão para entregar ao MºPº, por se entender que o ora recusante podia ter praticado um ilícito criminal; e, por outro lado, o signatário não tem ideia de haver subscrito qualquer acórdão de idêntico conteúdo. Não existe, assim, situação congénere à verificada pelo Acórdão 279/03, tirado nos presentes autos. Desconhece, porém, o signatário se foi, ele próprio, objecto de qualquer denúncia, em processo que esteja a correr termos, neste momento, por parte do recusante – o que não o levaria, de qualquer modo, a pedir escusa por suspeição.”
Cumpre então decidir o incidente de suspeição, o qual foi suscitado no quadro de uma “Reclamação ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais”.
II – Fundamentação
17. Alega o ora recusante que, tendo o direito “a opor suspeição ao juiz decidente da sua causa por razões, subjectivas e, ou, objectivas, de falta de imparcialidade”, se verifica que “o terceiro co-autor do douto Acórdão ora notificado, o Exmº Presidente da Secção em conferência (segundo informação entretanto obtida telefonicamente pelo signatário junto da Secretaria do Tribunal), [se] encontra [] nas mesmas condições, objectivas e subjectivas, que o Exmº Relator precedente - invocadas pelo Recorrente no seu requerimento de
29-IV-2003 --, pelo que igualmente se lhe aplicarão as razões de exclusão do colégio decidente que em relação a estoutro foram já ‘in casu’ tidas por verificadas”. Isto é, segundo o recusante, o Juiz Presidente seria, por um lado,
“um dos queixosos na origem do Proc. n.º 1101/3TDLSB do Juízo 1.º-A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que, único denunciado, foi o advogado signatário em tempo constituído arguido” e, por outro, “um dos denunciados pelo advogado signatário no quadro do Inquérito-crime n° 24/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, autos que, competentemente requerida a abertura da instrução em
17-IX-2001, correm actualmente termos no Proc. n° 2806/2002 da 3ª Secção daquele Supremo Tribunal.” Pretende, por isso, que o Tribunal declare “a absoluta invalidade do douto Acórdão ‘sub judice’, porquanto lavrado contra direito fundamental expresso”, defira “o presente requerimento de recusa de juiz atinente ao Exmº Conselheiro-Presidente da Secção conferenciante” e reenvie “ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, para os competentes efeitos processuais, a questão prévia de direito euroconstitucional antessuscitada”.
Vejamos.
18. Nos termos do artigo 29º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, “a verificação do impedimento e a apreciação da suspeição competem ao Tribunal”, pelo que deverá ser este a decidir o incidente. Ao contrário da situação de impedimento, em que o juiz se deve declarar impedido, este não se pode declarar suspeito. As partes podem, contudo, opor a suspeição do juiz nos casos enunciados no artigo 127º do Código de Processo Civil e este pode, nesses casos, mas sem que a lei a isso o obrigue, pedir escusa de intervir na causa. Coloca-se, assim a questão de saber se os motivos invocados pelo recusante podem justificar o deferimento do incidente.
18.1. Em primeiro lugar há que constatar que, ao contrário do que alega o ora recusante, o Conselheiro Presidente, subscritor do Acórdão n.º 567/03, não é “um dos queixosos na origem do Proc. n.º 1101/3TDLSB”. Isso mesmo resulta da informação prestada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa em 7 de Maio de 2004 (fls. 13 e seguintes), onde igualmente se informa ter sido, na sequência da queixa então apresentada, deduzida acusação contra o ora recusante. Assim sendo, forçoso é concluir que não se encontra o Juiz Conselheiro Presidente, subscritor do Acórdão n.º 567/03, nas “mesmas condições, objectivas e subjectivas, que o Exmº Relator precedente”.
18.2. Em segundo lugar, verifica-se que, tendo o ora recusante já suscitado outros incidentes de suspeição em relação a diferentes juízes deste Tribunal Constitucional, com fundamento em queixas-crime por ele apresentadas contra antigos e actuais juízes do Tribunal – num cômputo possível e, seguramente, não exaustivo, estima-se em, no mínimo, cerca de dez os inquéritos originados por tais queixas só no ano de 2000 –, já por diversas vezes este Tribunal teve oportunidade de se pronunciar detalhadamente sobre esta matéria. De facto, apenas desde aquele ano de 2000, são, pelo menos, 35 (trinta e cinco) os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional relacionados, directamente, com incidentes de suspeição de juízes deste Tribunal suscitados pelo ora recusante.
Dos acórdãos atrás referidos, todos eles conhecidos do ora recusante, resulta, nomeadamente, para o que agora importa decidir, que:
- de harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos
127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, n.º 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, a pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz, por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida acusação, pode ser motivo para suscitar o incidente de suspeição;
- independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do n.º
2 do art.º 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição àquele, o que é certo é que, dos autos decididos por tais acórdãos, ressalta a circunstância de o ora recusante ter desencadeado incidentes semelhantes ao ora em apreço em outros processos, por forma a obter a suspeição de juízes deste Tribunal, o que, em última instância, redundaria na impossibilidade do Tribunal ter quorum legal de funcionamento para decidir os processos em que o recusante figure como
«parte».
Por seu turno, o n.º 3 do aludido art.º 127º estatui que “nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado n.º 2 desse artigo] para se obter motivo de recusa do juiz”.
Ora, no presente caso, verifica-se que o ora recusante apresentara queixa crime contra o Conselheiro Presidente, subscritor do Acórdão n.º 567/03, no quadro do Inquérito-crime n° 24/2000 do Supremo Tribunal de Justiça. De acordo com informação recebida daquele Tribunal (fls. 18 e seguintes), o inquérito foi arquivado, tendo o ora recusante requerido a abertura da instrução. Este requerimento foi, por sua vez, rejeitado, tendo sido determinado o arquivamento dos autos, por decisão de 31 de Maio de 2002. Acresce, por outro lado, a circunstância de este Tribunal ter já considerado a actividade daquele Conselheiro Presidente, levada a efeito nos autos que deram origem à queixa, com tendo sido “pautada, exclusivamente, como, aliás, não poderia deixar de ser, por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais”.
19. Deve, assim, concluir-se que o incidente de suspeição ora suscitado, ainda que se admitisse que pudesse ser legalmente suscitado com os fundamentos invocados, está baseado, por um lado, num facto que não corresponde à realidade
– a pretensa denúncia efectuada pelo Conselheiro Presidente, subscritor do Acórdão n.º 567/03 -, e, por outro, numa denúncia anteriormente efectuada pelo ora recusante, a qual, de acordo com jurisprudência anterior deste Tribunal, não tinha qualquer substracto fáctico que tivesse um mínimo de consistência, traduzindo-se, quando foi efectuada, apenas na tentativa de obter a recusa de juízes deste Tribunal, o que conduziria a que o Tribunal Constitucional não pudesse decidir as causas em que o recusante fosse “parte”.
Em face do exposto, ponderado o disposto no n.º 3 do art.º 127º do Código de Processo Civil, somente se poderá julgar improcedente a suspeição ora deduzida, admitindo-se, todavia, que, por se poder estar perante um lapso quanto ao facto de o Conselheiro Presidente ter sido um dos queixosos na origem do Processo n.º
1101/3TDLSB, não terá, por ora, havido má fé do recorrente.
Acresce que a decisão sumária (fls. 230 dos autos principais) de não conhecimento do recurso que o ora recusante pretendeu interpor do acórdão, de 20 de Agosto de 2002, do Tribunal Central Administrativo – cujo conteúdo, aliás, nunca questionou - está transitada, encontrando-se extinta, por julgamento, a instância e, consequentemente, esgotado o poder de cognição do Tribunal; além disso, não há, como se verifica do exposto, qualquer nulidade do Acórdão n.º
567/03, que decidiu a reclamação do despacho do relator, que por sua vez, se limitara a indeferir a “reclamação ao abrigo do art. 60º do Código das Custas Judiciais” (no quadro da qual este incidente foi suscitado), interposta pelo ora recusante, com fundamento na pretensa “ilegalidade da remessa dos autos à conta” e na alegada “inconstitucionalidade de tributação em custas do processo; assim sendo, nada mais há a decidir ou que possa ser decidido nos presentes autos.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se: a) julgar improcedente a recusa de juiz ora deduzida; b) desatender a invocação de “invalidade absoluta” do Acórdão n.º 567/03.
Lisboa, 1 de Junho de 2004
Gil Galvão Vítor Gomes Rui Manuel Moura Ramos