Imprimir acórdão
Proc. n.º 391/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Em processo que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Esposende deduziu o ora reclamante, A., em 15 de Setembro de 2000, embargos à sentença, publicada no Diário da República, III série, de 11 de Junho de 2000, que decretou a sua falência. Por despacho do Juiz daquele Tribunal, de 22 de Fevereiro de 2001, foram os embargos rejeitados, por intempestivos.
3. Inconformado com esta decisão o embargante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 6 de Julho de 2001, negou provimento ao agravo Novamente inconformado o embargante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Simultaneamente, mas em requerimento autónomo, arguiu a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de
14 de Março de 2002, entendeu que a Relação havia efectivamente incorrido em omissão de pronúncia e, em consequência, revogou o acórdão recorrido e ordenou o novo julgamento do agravo.
3. Em cumprimento do ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça proferiu a Relação do Porto nova decisão, em 14 de Janeiro de 2003, onde negou provimento ao agravo. Sempre inconformado, o embargante recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 3 de Fevereiro de 2004, negou provimento ao agravo.
4. Desta decisão foi interposto o presente recurso de constitucionalidade.
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido de negar provimento ao recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...] 9.1. Da alegada inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 315/98, de
20 de Outubro. Na perspectiva do recorrente, o Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, ao alterar a redacção do artigo 14º, n.º 1, do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei
132/93, de 23 de Abril, é organicamente inconstitucional, porquanto, em seu entender, ao ter como consequência que o prazo para a dedução de embargos à sentença que decrete a falência deixe de se suspender durante as férias judiciais, procedeu a uma “restrição de direitos liberdades e garantias”, sem que para isso o Governo estivesse autorizado pela Assembleia da República e, portanto, em violação do artigo 165º, n.º 1, al. b) da Constituição.
É, porém, manifesto que não lhe assiste qualquer razão. Como é evidente, e resulta inequivocamente da anterior jurisprudência do Tribunal, a simples definição de um prazo processual ou do modo como ele deve ser contado (se é contínuo ou se suspende ou interrompe aos fins de semana ou durante o período de férias judiciais), não se integra, em regra, na competência reservada à Assembleia da República e, designadamente, não é matéria relativa a direitos, liberdades e garantias, no sentido da alínea b) do n.º 1 do artigo
165º da Constituição. Nesse sentido ponderou o Tribunal, mais recentemente, no Acórdão n.º 128/00 (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 2000):
“[...] uma norma [...] que preceitua que os processos urgentes correm em férias judiciais, não versa sobre o direito ao recurso contencioso: de facto, uma norma assim não respeita àquela dimensão em que este direito assume a natureza de uma verdadeira garantia – scilicet, da garantia dos particulares traduzida na faculdade de impugnarem perante os tribunais, com fundamento em ilegalidade, os actos administrativos lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. E, assim, tal norma não versa sobre direitos, liberdades e garantias; designadamente, não versa sobre o direito de acesso aos tribunais, na dimensão garantística que exige que a aprovação da respectiva disciplina legal se faça após prévio debate parlamentar e com observância da regra da maioria. Tal norma versa, antes, sobre matéria de processo – recte, sobre processo administrativo. Ora, as normas de índole processual - salvo tratando-se de normas de processo constitucional, de processo penal ou que integrem o regime geral do processo disciplinar ou contra-ordenacional [cf. o actual artigo 165º, alíneas a) e b), da Constituição] - não se inscrevem na reserva de parlamento (...)”.
É esta jurisprudência - para cuja fundamentação se remete, por ser, no essencial, inteiramente transponível para os presentes autos – que, mantendo inteira validade, agora há que reiterar, conduzindo à improcedência, nesta parte, do presente recurso.
9.2. Da alegada inconstitucionalidade material do Decreto-Lei 315/98, de 20 de Outubro. Mas, no entender do recorrente, o estabelecimento de um prazo contínuo, de 5 dias, para a dedução de embargos à sentença que decrete a falência seria ainda materialmente inconstitucional, agora por violação do artigo 18º, n.º 2, da Constituição. Também nesta parte é evidente que não lhe assiste qualquer razão. Desde logo porque, não versando a norma em causa, como já se demonstrou, sobre direitos, liberdades e garantias, no sentido referido pela Constituição, não está a mesma sujeita ao regime específico destes constante do artigo 18º, n.º 2, da Constituição. Por outro lado, porque, embora se pudesse admitir que poderia estar em causa uma eventual violação do artigo 20º da Constituição, designadamente do seu n.º 1, na parte em que preceitua que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, não se vê na norma em análise qualquer violação daquele preceito. Com efeito, e de forma análoga ao que se ponderou no Acórdão n.º 437/02, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Novembro de 2002 (em que também era questionada uma determinada interpretação normativa dos artigos 10º, n.º 1, e 130º, n.ºs 3 e
4, do CPEREF), também agora se pode seguramente afirmar que a não suspensão, durante o período de férias judiciais, do prazo de cinco dias para a dedução de embargos à sentença que decreta a falência não constitui para o embargante “um sacrifício incomportável ou especialmente gravoso” e, dessa forma, uma solução normativa incompatível com o conteúdo essencial daquele preceito. Tanto basta, também no presente caso, para concluir pela improcedência da alegada inconstitucionalidade apontada pelo recorrente. [...]”
6. Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou a presente reclamação para a Conferência, através de requerimento do seguinte teor:
“[...], recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a decisão sumária proferida pelo Exmo Senhor Juiz Relator, de fls. dos autos, vem apresentar reclamação da mesma para a conferência, nos termos do art° 78°-A, n°
3 e ss. da Lei 13-A/98 de 26-2, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 ° O recorrente apresentou recurso para esse Tribunal de Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
2° O recurso referido foi admitido por Despacho.
3° Após a admissão do recurso, o recorrente apresentou, em tempo, as competentes alegações, nos termos do art.º 79°, da referida orgânica desse Tribunal.
4° Entretanto, o recorrente foi surpreendido com a notificação da decisão ora reclamada, proferida pelo Exmo Senhor Juiz Relator mesmo antes de conhecer as alegações de fls. dos autos, que ainda não haviam sido remetidas pelo Supremo Tribunal de Justiça a esse Tribunal Constitucional.
5° A decisão reclamada é extemporânea, e não teve em conta os fundamentos do recurso, que não podia conhecer, porquanto as alegações ainda não haviam sido juntas ao Processo nesse Tribunal.
6° Ao decidir do recurso mesmo antes de conhecer as alegações que fundamentavam este, a decisão ora reclamada ofende claramente disposições legais de carácter imperativo, sendo consequentemente nula, nulidade essa que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
7° Assim, deve em conferência ser decidida a nulidade da decisão reclamada, sendo proferida nova decisão que tenha em conta os fundamentos constantes das alegações de fls. dos autos. […]”
7. O recorrido, notificado da presente reclamação, nada disse.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
8. O ora reclamante vem, “nos termos do art° 78°-A, n° 3 e ss. da Lei 13-A/98 de
26-2”, reclamar para a conferência, alegando que “ao decidir do recurso mesmo antes de conhecer as alegações que fundamentavam este, a decisão ora reclamada ofende claramente disposições legais de carácter imperativo, sendo consequentemente nula”.
As causas de nulidade da decisão vêm previstas no artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional. A causa invocada pelo ora reclamante não consta do elenco daquele preceito, não existindo, por conseguinte, qualquer nulidade na decisão reclamada.
Aliás, a arguição de nulidade com o fundamento em que a decisão não podia ser proferida antes de conhecidas as alegações do recorrente, apenas é possível devido a um desconhecimento do próprio preceito invocado pelo reclamante – o artigo 78º-A da LTC, ao abrigo de cujo n.º 1 a decisão sumária foi proferida. De facto, como é evidente e não pode ser ignorado, actuando-se com um mínimo de diligência, as alegações em recurso para o Tribunal Constitucional são sempre produzidas neste Tribunal e apenas quando, para tal, a parte for notificada
(artigo 78º-A, n.º 5, da LTC). É que, como se ponderou no acórdão n.º 246/01 e se reiterou no acórdão n.º 292/03 (ambos desta secção e disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), “não está na disponibilidade d[o] recorrente determinar se o seu recurso prossegue ou não, ou se e quando lhe compete apresentar as alegações; é a lei que o determina”. E, no caso, não havia efectivamente lugar à sua apresentação, por ser de proferir decisão sumária.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Maio de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida