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Processo n.º 625/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Foi, a fls. 323 e seguintes, proferida decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“1. [...] O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e tem como objecto a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, em diversas interpretações, que assim identifica:
– «na interpretação que lhe foi dada na douta decisão recorrida ao considerar que com a notificação da acusação ao arguido o procedimento criminal fica suspenso, sem necessidade de um qualquer despacho nesse sentido» (n.º 3º do requerimento);
– «na interpretação que lhe foi dada na douta decisão recorrida ao considerar que com a notificação da acusação ao arguido o procedimento criminal fica suspenso enquanto esteja pendente, até ao limite de 3 anos, atribuindo à expressão «pendente» o significado de o processo apenas existir, mesmo que tenha prosseguido, sem incidentes, para julgamento» (n.º 4º do requerimento);
– «na interpretação que lhe foi dada na douta decisão recorrida ao considerar, implicitamente, que ocorre suspensão do procedimento criminal, mesmo que não ocorra uma causa de suspensão entendida como obstáculo que impeça ou exclua a possibilidade de perseguição criminal do arguido [...]» (n.º 5º do requerimento);
– «na interpretação que lhe foi dada na douta decisão recorrida ao considerar que tal interpretação em nada contende com os princípios de paz jurídica, da segurança, da necessidade da imposição de pena, da proporcionalidade, da celeridade processual e do Estado de Direito Democrático na dimensão de uma auto limitação do poder punitivo através de critérios objectivos e não arbitrários, em suma na protecção dos arguidos contra abusos processuais que se extraem dos artigos 2°, 18°, n° 2, 29° e 32°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa» (n.º 6º do requerimento).
Em seu entender, «tal norma interpretada nos termos sobreditos viola os referidos princípios ínsitos nos artigos 2º, 18º, n.º 2, 29º e 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa».
O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 318, que, nos termos do artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, não vincula este Tribunal.
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional cabe das decisões dos tribunais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma (ou da norma, numa certa interpretação) que pretende que este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, nessa interpretação) seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
Vejamos se tais pressupostos processuais do recurso interposto estão verificados no caso dos autos.
3. Na motivação do recurso que interpôs do despacho que, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, indeferira o pedido de extinção do procedimento criminal por prescrição, o ora recorrente formulou as seguintes conclusões (fls.
269 e seguintes):
«1ª. O douto despacho de que se recorre não distingue os conceitos de suspensão e interrupção da prescrição, que são absolutamente distintos [...].
2ª. Ignora o que deve entender-se por causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
3ª. Só existe suspensão do procedimento criminal quando ocorre uma causa que exclui a possibilidade da perseguição criminal do Estado
[...].
4ª. Nos presentes autos não ocorreu nenhum evento que excluísse ou impedisse a perseguição punitiva do Estado, sendo que o crime pelo qual o arguido se encontra acusado é o que tem a mais baixa moldura penal de todo o ordenamento jurídico, prescrevendo em dois anos, no máximo em três, havendo interrupção.
5ª. Não é por isso aceitável, sendo inconstitucional por violação dos princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição da pena e da proporcionalidade que se extraem dos artigos 2°, 18°, n.º 2, 29° e 32°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa a interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do Código Penal no sentido de que para que ocorra suspensão do procedimento criminal não tem que ocorrer qualquer causa que impeça ou exclua
(momentaneamente) a perseguição criminal, bastando que seja deduzida a acusação e nessa medida o processo esteja ‘pendente’.
6ª. A interpretação feita pelo Tribunal a quo da alínea b) do artigo 120°, n.º 1 do Código Penal, levada ao limite, podia levar a um prazo de prescrição do procedimento criminal de 9 anos o que viola os princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição da pena e da proporcionalidade previstos nos artigos 2°, 18°, n.° 2, 29° e 32° n.° 2 CRP e é por isso inconstitucional.
7ª. A suspensão da prescrição do procedimento criminal depende de prévio despacho nesse sentido [...].
8ª. O douto despacho recorrido violou o disposto no artigo
120°, n.º 1 b) e 121°, n.° 3 do Código Penal e 2º, 18º, n.º 2, 29° e 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
9ª. Deve ser substituído por outro que declare extinto o procedimento criminal por prescrição.
[...].».
Em suma, o recorrente impugnou e criticou o despacho então recorrido, imputando-lhe o vício de errada interpretação e aplicação das disposições legais pertinentes (conclusões 1ª a 4ª, 7ª e 8ª, primeira parte) e o vício de inconstitucionalidade (conclusão 8ª, segunda parte).
Nessa motivação, o recorrente apenas suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa, ao considerar contrário à Constituição o entendimento do artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal segundo o qual
«para que ocorra suspensão do procedimento criminal não tem que ocorrer qualquer causa que impeça ou exclua (momentaneamente) a perseguição criminal, bastando que seja deduzida a acusação e nessa medida o processo esteja ‘pendente’»
(conclusão 5ª, reiterada na conclusão 6ª – com itálico aditado agora).
4. Por sua vez, no acórdão aqui recorrido (fls. 299 a 309), o Tribunal da Relação de Coimbra, ao apreciar o recurso interposto por A. do despacho que, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, indeferira o pedido de extinção do procedimento criminal por prescrição, fundamentou assim a decisão de não provimento do recurso:
«[...] A prescrição é uma causa extintiva do crime, que opera pelo decurso do tempo. A interrupção da prescrição tem por efeito a inutilização do tempo que já decorreu desde que se iniciou a contagem do prazo. A interrupção anula todo o prazo prescricional que já havia decorrido, implicando novo início de prazo, como decorre do n.º 2 do art. 121º do Código Penal. O n.º 1 do art. 121º do Código Penal estabelece vários casos em que da actuação dos órgãos titulares do poder punitivo resulta a interrupção da prescrição, referindo entre eles a constituição de arguido (al. a)) e a notificação da acusação (al. b)).
[...] Nas actas da Comissão de Revisão do Código Penal, sobre o modo de conjugar a suspensão com a interrupção foi dito pelo Prof. Figueiredo Dias: que a acusação interrompe a prescrição e a pendência posterior à acusação é que suspende a prescrição. Foi então sugerido pelo Ex.mo Procurador-Geral da República que, em vez da acusação referida na alínea b) do Projecto, se referisse a notificação da acusação, dado ser uma situação frequente as acusações permanecerem durante algum tempo nas secretarias sem serem levadas ao conhecimento do indivíduo. Só se justificaria a notificação da acusação, pois é a situação mais gravosa.
[...] Este Tribunal da Relação entende que a notificação da acusação interrompe a prescrição, sem que seja necessário dar um qualquer despacho nesse sentido; também a suspensão existe enquanto esteja pendente o procedimento criminal após a notificação da acusação e sem que a situação de suspensão possa ultrapassar 3 anos, sem necessidade de despacho, que a lei não prevê, a determiná-la. No dizer do acórdão da Rel. de Lisboa de 18-3-98, proferido no proc. n.º
0011933, ‘o procedimento criminal está pendente – para efeitos de suspensão do prazo prescricional – enquanto o processo não chegar ao seu termo, quer se hajam praticado ou não actos processuais, depois da notificação da acusação e despacho designativo de dia para julgamento’ [...]. No presente caso é pacífico que, face ao limite máximo da pena aplicável ao crime de injúrias o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiver decorrido o prazo de 2 anos – cfr. art.
118º, n.º 1, al. d) do Código Penal. O prazo de prescrição iniciou-se em 17 de Outubro de 2000, data em que o assistente tomou conhecimento dos factos constantes da carta de folhas 3 dos autos, que determinaram a instauração de procedimento criminal contra o arguido. Posteriormente ao início do prazo de prescrição vieram a ocorrer causas de interrupção da prescrição, resultantes da constituição do recorrente como arguido (8-1-2001) e notificação da acusação (26-10-2001). Depois de cada interrupção começa a correr por inteiro, novo prazo de prescrição
– art. 121º, n.º 2 do Código Penal. Face ao exposto, a prescrição do procedimento em causa não deixará de consumar-se quando, desde o seu início tiverem decorrido os dois anos a que alude o art. 118º, n.º 1, al. d) do Código Penal, acrescidos de mais um ano nos termos do n.º 3 do art. 121º do mesmo Código, ressalvado o tempo de suspensão do procedimento criminal pela pendência do processo desde a notificação da acusação ao arguido, que pode ir até 3 anos.
Esta interpretação em nada contende com os princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição da pena e da proporcionalidade que se extraem dos artigos 2º, 18º, n.º 2, 29º e 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e a que alude o recorrente. Todos eles estão garantidos.
[...].».
5. Comparemos agora os «sentidos» da norma do artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, enunciados no requerimento de interposição do recurso como objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, com aquele que foi questionado pelo recorrente durante o processo e com aquele que foi efectivamente perfilhado na decisão recorrida.
5.1. No que se refere à interpretação segundo a qual «com a notificação da acusação ao arguido o procedimento criminal fica suspenso, sem necessidade de um qualquer despacho nesse sentido» (n.º 3º do requerimento – com itálico aditado agora).
Tal interpretação foi efectivamente adoptada na decisão recorrida
(cfr. fls. 304, in fine, e 304 v.º), mas não foi questionada pelo recorrente durante o processo.
Na verdade, como se disse já (supra, 3.), a única questão de inconstitucionalidade normativa colocada pelo recorrente perante o Tribunal da Relação de Coimbra reporta-se ao entendimento do artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal segundo o qual «para que ocorra suspensão do procedimento criminal não tem que ocorrer qualquer causa que impeça ou exclua
(momentaneamente) a perseguição criminal, bastando que seja deduzida a acusação e nessa medida o processo esteja ‘pendente’» (conclusão 5ª da motivação).
Isto é, o recorrente questionou, do ponto de vista da sua constitucionalidade, uma solução que relacione a suspensão do procedimento criminal com o acto de dedução da acusação. Não foi esse o entendimento do Tribunal da Relação de [Coimbra], que relacionou a suspensão do procedimento criminal com o acto de notificação da acusação.
Não pode conhecer-se da primeira questão colocada no requerimento de interposição do presente recurso, pois em relação a ela não foi cumprido o ónus de invocação da inconstitucionalidade «durante o processo».
5.2. No que diz respeito à interpretação segundo a qual «com a notificação da acusação ao arguido o procedimento criminal fica suspenso enquanto esteja pendente, até ao limite de 3 anos, atribuindo à expressão ‘pendente’ o significado de o processo apenas existir, mesmo que tenha prosseguido, sem incidentes, para julgamento» (n.º 4º do requerimento – com itálico aditado agora).
Valem, no essencial, quanto a este aspecto, as considerações feitas no anterior n.º 5.1.: tal interpretação corresponde, pelo menos nas suas linhas gerais, ao entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, mas não foi questionada, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, pelo recorrente «durante o processo», no sentido funcional que o Tribunal Constitucional tem atribuído a esta exigência estabelecida na Constituição e na lei como pressuposto típico do recurso previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Não pode por isso o Tribunal Constitucional conhecer de tal questão.
5.3. Relativamente à afirmação de que no acórdão recorrido se considera,
«implicitamente, que ocorre suspensão do procedimento criminal, mesmo que não ocorra uma causa de suspensão entendida como obstáculo que impeça ou exclua a possibilidade de perseguição criminal do arguido [...]» (n.º 5º do requerimento).
Para além de não ser claramente perceptível o que o recorrente pretende censurar com esta formulação, nada se encontra, no texto do acórdão da Relação de Lisboa, que lhe possa corresponder, sendo certo, de todo o modo, que se trata de matéria não contemplada na motivação do recurso e, portanto, não colocada ao Tribunal da Relação de Lisboa, como exigem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Não pode igualmente o Tribunal tomar conhecimento do pedido quanto a esta questão.
5.4. Quanto ao último ponto referido no requerimento de interposição do recurso
– o de que «tal interpretação [a interpretação que lhe foi dada na douta decisão recorrida] em nada contende com os princípios de paz jurídica, da segurança, da necessidade da imposição de pena, da proporcionalidade, da celeridade processual e do Estado de Direito Democrático na dimensão de uma auto limitação do poder punitivo através de critérios objectivos e não arbitrários, em suma na protecção dos arguidos contra abusos processuais que se extraem dos artigos 2°, 18°, n° 2,
29° e 32°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa» (n.º 6º do requerimento) –, e para além de se poder dizer que não configura uma concreta interpretação normativa, susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito de um recurso de fiscalização concreta, certo é que a questão não tem autonomia relativamente às anteriormente enunciadas.
6. Conclui-se assim que não podem dar-se como verificados, no caso em apreço, os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Não existe coincidência entre os sentidos da norma do artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, enunciados no requerimento de interposição do recurso como objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, e a interpretação da mesma norma que o recorrente questionou durante o processo. Ou, analisada a questão de outra perspectiva: a norma impugnada no presente recurso não foi aplicada na decisão recorrida com o sentido questionado pelo recorrente durante o processo e por ele considerado contrário à Constituição.”
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei deste Tribunal, através do requerimento de fls. 336 e seguintes, em que formulou as seguintes conclusões:
“[...] A questão essencial trazida a recurso é, pois, esta: a) Causas de suspensão do procedimento criminal são «todos os eventos que excluem a possibilidade de o procedimento criminal se iniciar ou continuar» e que, portanto, «impedem o decurso do prazo da prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada causa de suspensão – o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr». [...]. b) No presente processo não houve qualquer causa de suspensão. c) As instâncias consideraram que a partir da notificação da acusação o decurso do prazo de prescrição se deve considerar suspenso mesmo não ocorrendo qualquer causa de suspensão. d) O recorrente vem desde a 1ª instância dizendo que este entendimento é inconstitucional por violação dos artigos 2°, 18° n.° 2, 29° e 32° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. e) E vem também desde a 1ª instância afirmando que é inconstitucional, por violação do artigo 2°, 18° n.° 2, 29° e 32° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, o entendimento adoptado pelas instâncias de que a suspensão do decurso do prazo de prescrição não depende de prévio despacho. As questões trazidas a recurso foram-no, pois, «durante o processo». Deve, por isso, a presente reclamação ser julgada procedente e ser decidido dever conhecer-se do recurso e ordenar o prosseguimento dos autos.
[...].”
3. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu nos seguintes termos (fls. 349 e seguintes):
“[...]
1º Nos recursos tipificados na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, recai sobre o recorrente o ónus de definir, em termos intelegíveis e perfeitamente claros, qual a exacta interpretação ou dimensão normativa cuja constitucionalidade pretende questionar.
2º De modo a que a decisão recorrida se possa e deva pronunciar sobre a mesma.
3º No caso dos autos, a única dimensão normativa que o recorrente questionou
«durante o processo» e em termos procedimentalmente adequados, foi – em referência à norma constante do artigo 120º, nº 1, alínea b) do Código Penal – a de que, para ocorrer suspensão do procedimento criminal, bastaria a dedução da acusação e subsequente pendência do processo.
4º Sucede que a interpretação acolhida pela Relação, no acórdão recorrido, é diversa desta, já que considera relevante para tal efeito, não o acto de dedução da acusação, mas o seu conhecimento pelo arguido, através da respectiva notificação – não havendo, pois, inteira coincidência entre as interpretações normativas questionada pelo recorrente e aplicada pela decisão recorrida.
5º De qualquer modo – e mesmo que, porventura, se considerasse que estava questionada pelo recorrente a dimensão normativa segundo a qual a suspensão da prescrição depende apenas de certa vicissitude processual – e não de uma expressa e explícita decisão judicial – o recurso teria de considerar-se manifestamente infundado.
6º Não se vendo, na verdade, qualquer razão de ordem constitucional que determinasse a necessidade de o juiz proferir um despacho concreto, casuístico e
«discricionário» sobre a suspensão – que pode e deve naturalmente inferir-se objectivamente dos actos processuais praticados e do seu reflexo na eventual punição futura do arguido.
7º Termos em que sempre seria de julgar improcedente a presente reclamação.
[...].”
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que não tomou conhecimento do objecto do recurso, invocou como fundamento o não preenchimento dos pressupostos processuais típicos do recurso interposto.
Pretendendo o ora reclamante impugnar, do ponto de vista da sua constitucionalidade, quatro diferentes “dimensões interpretativas” da norma contida no artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, verificou-se, por um lado, não existir coincidência entre os sentidos enunciados no requerimento de interposição do recurso como objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e a interpretação da mesma norma que o recorrente questionou durante o processo e, por outro lado, não ter sido aplicada na decisão recorrida a norma impugnada no presente recurso com a interpretação questionada pelo ora reclamante durante o processo e por ele considerada contrária à Constituição.
Com efeito, a única questão de inconstitucionalidade normativa colocada pelo então recorrente perante o Tribunal da Relação de Coimbra reporta-se ao entendimento do artigo 120º, n.º 1, alínea b), do Código Penal segundo o qual “para que ocorra suspensão do procedimento criminal não tem que ocorrer qualquer causa que impeça ou exclua (momentaneamente) a perseguição criminal, bastando que seja deduzida a acusação e nessa medida o processo esteja
«pendente»” (conclusão 5ª da motivação). Ou seja, o ora reclamante questionou, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, uma solução que relacione a suspensão do procedimento criminal com o acto de dedução da acusação. Não foi esse porém o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra, que relacionou a suspensão do procedimento criminal com o acto de notificação da acusação.
5. A reclamação apresentada não põe em causa os fundamentos da decisão sumária proferida nos autos.
Na verdade, e desde logo, o reclamante procura agora questionar, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, a solução que relaciona a suspensão do procedimento criminal não com o acto de dedução da acusação mas antes com o acto de notificação da acusação. Tal equivale todavia a alterar o objecto do recurso, o que não é possível nesta fase do processo.
Além disso, reitera-se na reclamação que “se só ocorre suspensão da prescrição do procedimento criminal quando têm lugar eventos que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar [...] e neste processo nada ocorreu que impedisse aquela perseguição e, não obstante isso, as instâncias entendem que o decurso do prazo de prescrição está suspenso, então é porque, implicitamente, interpretam a alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código Penal como se esta não exigisse, para que ocorra suspensão do prazo de prescrição, a existência de um qualquer obstáculo à perseguição criminal do Estado, uma causa de suspensão”.
Ou seja, o teor da reclamação demonstra que o ora reclamante pretende afinal que o Tribunal Constitucional aprecie a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra que considerou não extinto por prescrição o procedimento criminal contra si instaurado.
Ora tal apreciação excede obviamente a competência do Tribunal Constitucional. O controlo de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, a Constituição e a lei cometem ao Tribunal Constitucional
é um controlo normativo, que apenas pode incidir, consoante os casos, sobre as normas jurídicas que tais decisões tenham aplicado, não obstante a acusação que lhes foi feita de desconformidade com a Constituição, ou sobre as normas jurídicas cuja aplicação tenha sido recusada com fundamento em inconstitucionalidade.
Nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada que não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 20 de Outubro de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos